Cena, produção e moqueca: o teatro baiano contemporâneo do Dimenti (1998-2012)
Lia Lordelo
Florianópolis, v.2, n.44, p.1-16, set. 2022
No ano de 2001, o Dimenti estreou uma releitura de Dom Casmurro, também
de Machado de Assis, chamada
A Novela do Murro
, ainda sem patrocínio de
empresas ou editais. A encenação trazia o romance para o universo das
telenovelas brasileiras, por meio de referências a novelas célebres, interpretações
melodramáticas e o revezamento da personagem de Capitu – aquela de quem
tanto se duvidou – entre as atrizes do grupo. Por contraste extremo, a
ambientação cênica e o figurino se inspiravam no universo da construção civil –
capacetes, cintos, macacões rústicos e óculos de segurança. Um grande cubo
vazado, feito de tubos de PVC, evocando uma televisão de tubo de imagem,
demarcava o espaço da contracena. Ao fundo, longas faixas reproduzindo a barra
de cores da televisão, penduradas de cima abaixo.
A força criativa do Dimenti, que desde o início tinha na direção artística Jorge
Alencar e na direção de produção Ellen Mello, era a marca registrada do grupo. É
curiosa a avaliação do crítico Eduardo Mattedi (2001), quando da estreia de
A
Novela do Murro
:
Parece que esqueceram de avisar à rapaziada que há uma crise por aí e
que produção cultural anda muito difícil. Desvairados, na noite de estreia,
no teatro SESC-SENAC Pelourinho, com casa cheia, fizeram espetáculo,
exposição de fotos, coquetel e apresentação musical, e ainda,
lançamento de CD, videoclipe e portfólio do grupo. Tudo numa produção
bem acabada e cuidadosa sob coordenação de Ellen Mello. Com mais de
duas dezenas de apoiadores e nenhum grande patrocinador, o grupo,
dirigido por Jorge Alencar, demonstra que não é fogo de palha (Mattedi,
2001, p.20).
Em 2002,
ganhando nosso primeiro prêmio de edital pelo Estado, e num
grande esforço de produção, o Dimenti estreou
Poolball
, um musical
pop
inspirado
em
Hamlet
, de William Shakespeare. Levando às últimas consequências o que
seria uma “livre inspiração”, Hamlet se tornava o primeiro bailarino de uma
companhia de dança e desafiava seu ganancioso tio, o coreógrafo-mor, com suas
inclinações estéticas contemporâneas, no contexto de uma tradicional companhia
de ballet clássico. Com uma direção musical complexa e sofisticada (do músico
O estabelecimento dos editais como importante ferramenta fruto das políticas culturais construídas, a partir
do governo de Jacques Wagner (2006-2013), foi determinante para o desenvolvimento do Dimenti e muitos
outros grupos e coletivos de artes cênicas baianos da época, a exemplo da Companhia Finos Trapos, do
Grupo Vila Vox, entre outros.