Teatres da Decolonialidade
Rodrigo Carvalho Marques Dourado
Florianópolis, v.2, n.44, p.1-29, set. 2022
sobre o desfazimento de verdades, percepções, sobre desperiodicizar a história,
sobre indagar a própria noção de história. É sobre denunciar a plateia em sua
condição de poder, é sobre ameaçar a plateia com presenças não inteligíveis e
aceitáveis, é sobre tomada de espaços, é sobre multiplicar línguas.
O que a TEATRE revela são:
[...] outros modos de existência e de entendimento do mundo que foram
silenciados ou mesmo suprimidos devido à colonialidade. No caso do
Brasil, esse reconhecimento pode contribuir para a mudança nas relações
de racismo, para a ampliação do pertencimento cultural e para a reversão
dos processos de subalternização, e logo para entender a arte, ou o que
pode ser a arte, de outras maneiras. [...]. Há pelo menos uma década,
grupos de teatro desenvolvem treinamentos e modos de preparação para
o ator a partir de práticas de dança, da capoeira, das religiões de matriz
africana ou ameríndia e das festas brasileiras. As relações étnico-raciais,
de opção religiosa, de sexualidade e de gênero também têm sido
abordadas em diversas encenações (Belém, 2016, p.103).
Embora diversos dos traços apontados acima no que chamamos de TEATRE
estivessem já mapeados sob outras categorias, elas eram, ainda, reféns da noção
de teatro, não conseguiam libertar-se dele do ponto de vista epistemológico,
mesmo que se libertassem do ponto de vista estético, formal. Teatro Performativo
(Féral, 2016), Giro Performativo (Fischer-Lichte, 2011), Performise ou Mise-en-Perf
(Pavis, 2010) foram alguns dos nomes atribuídos a essa cena em transição, em
diálogo com a noção de performance, especialmente. Importantes ferramentas de
análise que, entretanto, já estavam contaminadas pela colonialidade, como a ideia
de Teatro Pós-Dramático (Lehmann, 2007).
Considerando que o drama é o corolário estético da
modernidade/colonialidade, poderíamos pensar que a superação, e
mesmo a explosão de suas características formais, permitiria o
deslocamento estético sobre o qual se baseia o projeto decolonial. Mas
mesmo que o deslocamento estético esteja presente, não há um
deslocamento epistêmico. O próprio Hans-thies Lehmann constata que
“[...] o teatro se encontra concretamente diante da questão das
possibilidades para além do drama, não necessariamente para além da
modernidade” (Lehmann, 2002, p.36). O deslocamento estético é apenas
parcial, pois mesmo que a estrutura dramática seja fragmentada, ela se
torna ainda mais presente, confirmando sua modelização (Bisiaux, 2018,
p.652-653).
A autora cita o trecho de Lehmann a partir da tradução francesa. Em nossas referências, utilizamos a