Prometendo a cena online como acontecimento:
Uma análise de
Tudo que coube numa VHS
, do Grupo Magiluth
Stephan Baumgärtel; Giórgio Zimann Gislon; Karine de Oliveira Cupertino
Florianópolis, v.2, n.41, p.1-32, set. 2021
Esse texto e as imagens intergalácticas que o acompanham localizam o
motivo fundamental da sensação de isolamento não num fator pandêmico, nem
num arranjo socioeconômico específico, mas na condição humana existencial:
fruto de um acontecimento de separação radical, na consciência de nossa
individualidade, somos como esses átomos. O nascimento do eu e do mundo, da
relação sujeito e objeto como uma relação marcada pela disjunção, é
consubstancial. Trata-se de uma versão secularizada da fundamentação teológica
da vida humana sob os efeitos da queda
. Com o antes paradisíaco inacessível
pode surgir a consciência humana, o que instaura a vida como uma cena de luta
possível contra os efeitos da separação (mas também de sua aceitação). Ou seja,
a queda torna possível o desejo e o amor.
Tanto a vida amorosa e sexual quanto a atividade simbolizante podem ser
vistas como expressões dessa simultaneidade dentro de nós. A instauração da
consciência de levar uma vida “cada momento mais distante um do outro” é o
acontecimento da separação ou da negatividade (em seu sentido filosófico) que
se desdobra na percepção do/da espectador/a. É a pressuposição lógica e a
preparação afetiva para poder vivenciar intensamente o que Badiou (2013b) chama
o encontro da cena do Dois, a atração de dois seres que suspendem (mas não
superam definitivamente) num esforço constante a entropia da disjunção.
Ou seja, a referida rememoração de um acontecimento (nesse filme, o da
“explosão e batida de átomos”) salienta a possibilidade de viver esse
https://youtu.be/ccLZYCuhUmA Acesso em: 9 dez. 2020. Ver 0’03’’ - 1’52’’.
Žižek dedica um capítulo de seu livro Acontecimento à queda como acontecimento não só no campo
religioso, mas também científico e sobretudo semiótico, articulando a entrada do universal e informe no
tempo das particularidades e formas específicas: “O principal acontecimento é a própria queda, a perda
de uma unidade e uma harmonia primordiais que nunca existiram, que são apenas uma ilusão retroativa.
O fato surpreendente é que esse tema do acontecimento também ressoa fora do campo religioso, na
versão mais radical da ciência de hoje, a cosmologia quântica […]: coisas surgem quando o equilíbrio é
destruído, quando algo dá errado” (2017, p. 31 e p.32).
“Temos no amor um primeiro elemento que é uma separação, uma disjunção, uma diferença. Temos um
Dois. […] O segundo aspecto é que, justamente por tratar de uma disjunção, no momento em que esse
Dois vai se mostrar, entrar em cena enquanto tal e experimentar o mundo de um jeito novo, ele só pode
assumir uma forma aventurosa ou contingente. É o que chamamos de encontro. […] E a esse encontro
atribuo o status […] de evento, ou seja, de algo que não se insere na lei imediata das coisas. […] O amor
não é simplesmente o encontro e as relações fechadas entre dois indivíduos, e sim uma construção, uma
vida que se faz, á não mais pelo prisma do Um, mas pelo prisma do Dois. E é isso que chamo de ‘cena do
Dois’” (Badiou, 2013b, p.23-24).