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Uma revolução necessária:
Pela presença efetiva do Teatro do Oprimido
nas licenciaturas em Teatro
Adilson Ledubino
Waldimir Viana
Marcia Strazzacappa
Para citar este artigo:
LEDUBINO, Adilson; VIANA, Waldimir; STRAZZACAPPA,
Marcia. Uma revolução necessária: Pela presença efetiva
do Teatro do Oprimido nas licenciaturas em Teatro.
Urdimento
Revista de Estudos em Artes Cênicas,
Florianópolis, v. 1, n. 43, abr. 2022.
DOI: http:/dx.doi.org/10.5965/1414573101432022e0201
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Pela presença efetiva do Teatro do Oprimido nas licenciaturas em Teatro
Adilson Ledubino; Waldimir Viana; Marcia Strazzacappa
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Uma revolução necessária: Pela presença efetiva do Teatro do
Oprimido nas licenciaturas em Teatro
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Adilson Ledubino
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Waldimir Viana
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Marcia Strazzacappa
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Resumo
Este artigo cartografa a presença ou ausência do Teatro do Oprimido nas
licenciaturas em Teatro de universidades públicas da região Sudeste do Brasil,
lançando mão da análise dos Projetos Político Pedagógicos e da súmula
curricular de tais instituições, além de entrevistas semiestruturadas com
artistas-docentes-pesquisadores estudiosos do tema. A partir deste estudo,
evidenciam-se os impactos e as contribuições que o método criado por
Augusto Boal pode oferecer à formação de professores de teatro, assim como
à Educação Básica. Por fim, propõe-se o desenho curricular de uma disciplina
centralmente dedicada ao Teatro do Oprimido como uma revolução possível
e necessária.
Palavras-chave
: Teatro do oprimido. Licenciatura em Teatro. Formação
docente. Augusto Boal.
1
Revisão ortográfica e gramatical do artigo realizada por Margarida Pontes, graduada e pós-graduada em Letras
(Mestrado e Doutorado) pela Unesp/São José do Rio Preto: margapontes@yahoo.com.br.
2
Doutor e Mestre em Educação e Bacharel em Artes Cênicas pela Unicamp. Licenciado em Artes Visuais pelo
Claretiano. Ator, diretor, dramaturgo, cenógrafo e educador teatral da educação básica na Escola Comunitária de
Campinas. Pesquisador do Laborarte/FE/Unicamp. adlbrahman@hotmail.com
http://lattes.cnpq.br/7826411687013075 http://orcid.org/0000-0002-5136-8679
3
Doutorando em Educação pela Unicamp/Università di Bologna. Mestre em Educação, Licenciado em Teatro e
Pedagogia (UFMG) e em Educação Artística UEMG. Multiplicador de Teatro do Oprimido Centro de Teatro do
Oprimido/RJ e membro do Laborarte/FE/Unicamp. dimir.viana@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/9288834079884686 https://orcid.org/0000-0001-5866-7607
4
Doutora em Artes Teatro e Dança pela Universidade de Paris 8/França. Mestre em Educação, e Licenciada em
Pedagogia e Dança pela Unicamp. Membro do Laborarte/FE/Unicamp e bolsista produtividade CNPq/Brasil.
Professora Livre docente da Unicamp e docente do Prof-Artes/UFPB. marciastrazzacappa@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/1574008360415424 https://orcid.org/0000-0002-4118-6572
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A Necessary Revolution: For the Effective Presence of the Theater of
the Oppressed in the Theater’s Bachelor’s Degrees
Abstract
This article maps the presence or absence of the Theater of the Oppressed
in the Bachelor’s Degrees in Theater of Public Universities in the Southeast of
Brazil, making use of the analysis of Pedagogical Political Projects and the
curriculum summary of such institutions, in addition to semi-structured
interviews with artist-teachers, researchers, scholars of the subject. From this
study, it shows the impacts and contributions that the method created by
Augusto Boal can offer to the training of theater teachers, as well as to basic
education. Finally, it proposes the curricular design of a discipline centrally
dedicated to the Theater of the Oppressed as a possible and necessary
revolution.
Keywords
: Theater of the Oppressed. Degree in Theater. Teacher Training.
Augusto Boal.
Una revolución necesaria: Por la presencia efectiva del Teatro del
Oprimido en las Licenciaturas en Teatro
Resumen
Este artículo mapea la presencia o la ausencia del Teatro del Oprimido en las
Licenciaturas en Teatro de las Universidades Públicas del Sureste de Brasil,
por medio de análisis de los Proyectos político-pedagógicos y de la
estructura curricular de estas instituciones, además de entrevistas
semiestructuradas con artistas-maestros-investigadores y estudiosos de la
materia. A partir de este estudio se muestran los impactos y los aportes que
el método creado por Augusto Boal puede ofrecer a la formación de
profesores de teatro así como a la escuela. Finalmente, propone el diseño
curricular de una asignatura dedicada centralmente al Teatro del Oprimido
como una revolución posible y necesaria.
Palabras clave
: Teatro de los oprimidos. Licenciatura en Teatro. Formación de
profesores. Augusto Boal.
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A hora e a vez do Teatro do Oprimido nas Licenciaturas em
Teatro na região Sudeste
O Teatro do Oprimido (TO), de Augusto Boal (1931-2009), constitui-se como
método consagrado em diferentes país do mundo, sendo empregado em ações
pedagógicas nos contextos formal e não formal, com especial impacto em ações
afirmativas e de lutas, seja no campo ou na cidade. Sua contribuição para uma
formação humanista, democrática e resistente é inegável, assim como seu
importante papel para a compreensão do teatro como uma expressão humana e
humanizadora. Ao nosso ver, as reflexões estéticas, artísticas, políticas, filosóficas,
sociológicas e antropológicas que suscita deveriam ser argumento suficiente para
sua presença obrigatória nas matrizes curriculares das licenciaturas em Teatro de
todo o Brasil.
A partir dessa premissa, este artigo mapeia os cursos de licenciatura em
teatro circunscritos à região Sudeste brasileira e analisa suas matrizes curriculares,
buscando averiguar a presença ou ausência do TO entre suas disciplinas
obrigatórias e eletivas. Para isso, algumas questões-problema orientaram nossas
investigações: O TO, em suas diversas ações, e a obra de Augusto Boal fazem parte
do universo prático e teórico de estudantes e professores, proporcionando a
construção de conhecimentos abrangentes sobre o tema? O que as ementas
revelam e sugerem acerca da presença ou ausência do TO bem como sobre as
formas de abordagem na formação de professores de Teatro? De que maneira
isso tem reflexos na Educação Básica? De que forma e em que medida o TO pode
oferecer respostas, inclusive às demandas presentes em documentos oficiais que
normatizam a função do teatro na educação, como a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC)? Como escapar ao risco de cooptação ou neutralização do TO
por uma institucionalização mal-empreendida, sem a adequada formação de
quadros docentes?
Diante de tais problematizações, elaboramos este trabalho efetuando
concomitantemente dois movimentos de caráter metodológico para a coleta de
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dados: foram realizadas entrevistas semiestruturadas com artistas-docentes-
pesquisadores a fim de obter um conjunto relevante de pontos de vista. Entre os
entrevistados
5
, figuram a Professora Doutora Rita Gusmão (2020), do Curso de
Teatro da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG);
o Professor Doutor Sérgio de Carvalho (2020), da Escola de Comunicação e Artes
da Universidade de São Paulo (USP); o Professor Mestre Carloman Bomfim (2020),
do Curso de Teatro da Universidade Estadual de Montes Claros (UniMontes); o
Professor Doutor Marcelo Rocco (2020), do Departamento de Artes Cênicas da
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP); o Professor Doutor Licko Turle (2020),
da Escola de Teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio);
e a Professora Doutora Sílvia Balestreri (2021), do Departamento de Arte Dramática
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sendo estes dois últimos
cofundadores do Centro de Teatro do Oprimido (CTO) do Rio de Janeiro, ao lado
de Augusto Boal.
O outro movimento constituiu-se em acesso aos ementários presentes nos
Projetos Político Pedagógicos de instituições públicas que oferecem cursos de
Licenciatura em Teatro e posterior análise de cada um deles.
Cabe ressaltar que os autores deste estudo somos, também, nós, artistas-
docentes-pesquisadores com ampla atuação no campo da Pedagogia Teatral e do
TO, especificamente. Além de ecoar as reflexões empreendidas no âmbito do
Laborarte - Laboratório de Estudos sobre Arte, Corpo e Educação, da Faculdade
de Educação da Unicamp, grupo de pesquisa ao qual estamos vinculados, temos
como objetivo contribuir para a disseminação da obra de Augusto Boal por meio
da compreensão de tal contexto e da proposição do desenho de disciplinas
focadas no TO, as quais integram este texto.
Um olhar panorâmico
Sobre os contextos da Licenciatura em Teatro
A carência de profissionais habilitados para o ensino do teatro sempre foi
5
Os critérios de inclusão e exclusão adotados levaram em conta a experiência dos e das docentes com o
tema em foco, o vínculo com a Instituição, bem como a disponibilidade em conceder entrevista e o acesso
a documentos oficiais como ementários e Plano Político Pedagógico.
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uma realidade lacunar em nosso país. Com o advento da Lei n.º 13.278/2016, que
instituiu a obrigatoriedade do ensino de artes, especificamente composto pelas
linguagens de Artes Visuais, Música, Dança e Teatro, havia expectativa de que o
quadro se modificasse. No entanto, a força de lei não foi suficiente para isso,
apesar de seu art. 2º estabelecer que:
O prazo para que os sistemas de ensino implantem as mudanças
decorrentes desta Lei, incluída a necessária e adequada formação dos
respectivos professores em número suficiente para atuar na educação
básica, é de cinco anos (Brasil, 2016, s/p).
Em vias de se encerrar tal prazo, a realidade ainda é desalentadora.
poucos cursos de Licenciatura em Teatro em instituições públicas do Sudeste
6
,
tendo em vista a demanda criada a partir da referida lei e, especialmente, o fato
de que o teatro se configura como importante linguagem e espaço de construção
de conhecimentos e formação sensível, crítica e comprometida com a sociedade,
presente em espaços formais e não formais.
Por outro lado, considerando-se que significativo percentual de professores
de Teatro é egresso do bacharelado, ou mesmo de cursos técnicos, carecendo de
adequada formação para o exercício docente
7
, faz-se necessário indagar: A que
serve uma Licenciatura em Teatro? Para além do cumprimento legal, que se
considerar o pacto social assumido mediante o compromisso de oferecer
relevante contribuição à Educação Nacional com a formação de professores
capacitados para o desenvolvimento de uma educação humanista, crítica, sensível
e criativa por meio do teatro.
Como colocado no Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Teatro
da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), espera-se que o egresso seja:
[...] um profissional capaz de: ministrar cursos de Teatro na educação
formal e não formal; estabelecer um diálogo contínuo entre processos
artísticos e pedagógicos; desenvolver nos alunos a sensibilidade, a
6
Podemos citar, por exemplo, o fato de a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) oferecer a
modalidade Bacharelado. Sua Licenciatura, já aprovada pelo Conselho Universitário, ainda não foi
efetivamente implantada, apesar da alta demanda na região.
7
Não fazemos aqui um julgamento de valor quanto à capacidade de tais professores em coordenar processos
de ensino-aprendizagem potentes e satisfatórios. O que apontamos é o fato de haver desacordo com a lei
e com a necessária formação didático-pedagógica para atuar como professor de Teatro.
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imaginação, a criatividade, bem como a capacidade de expressão e
conceituação cênica; apropriar-se de estratégias pedagógicas,
adaptando-as à prática contínua de ensino teatral em suas diversas
instâncias e funções; investigar e refletir criticamente sobre os processos
estéticos e pedagógicos do fazer teatral; considerar os princípios da
transdisciplinaridade, da diversidade cultural, ambiental, da inclusão
social e da formação continuada; lidar de forma ética e socialmente
comprometida com as questões sociais contemporâneas; agir em
comunidade, favorecendo a transformação da sociedade brasileira pela
experiência artística e educativa, atuar no campo da pesquisa em teatro
(UFSJ, 2013, p.4-5).
Fica evidente a importância de uma formação congruente com tais preceitos,
que prepare o futuro professor de teatro para desempenhar adequadamente suas
funções, tendo em conta a realidade social brasileira.
Pensando em tais aspectos, impulsiona-nos o desejo de investigar em que
medida o TO de Augusto Boal pode contribuir para o êxito dessa missão, para tanto
averiguando os impactos da presença ou ausência de sua obra nos currículos das
referidas licenciaturas.
Sobre o Teatro do Oprimido
O Teatro do Oprimido é, hoje, um método praticado em mais de 70 países
dos cinco continentes (Goldschmidt, 2011, p.38). É consolidado como prática
artística relevante em prol dos oprimidos no interior das mais diversas causas
sociais. Historicamente, é indissociável das experiências de vida e artístico-
acadêmicas de seu criador. Augusto Boal é figura central do TO, embora, pelo
próprio caráter popular de base do método, não seja a única. Muitos
multiplicadores e curingas
8
trouxeram e continuam a trazer contribuições para,
como desejava o teatrólogo, manter vivo e pulsante o TO.
Não se faz necessário, no contexto de um artigo, recordar os pormenores da
história do TO, especialmente considerando que muitas pesquisas, textos e a
8
O termo
curinga
, com “u”, está relacionado ao Teatro do Oprimido. Trata-se do sujeito que realiza as
montagens, que desenvolve o método e conduz, como um mestre de cerimônia, os espetáculos de Teatro-
Fórum, por exemplo. Sendo o curinga o sujeito que lida com o método, uma de suas atribuições na
organização artística e na relação com os espect-atores, nas sessões de Teatro-Fórum e em outras técnicas
e atividades, é a curingagem. o termo Coringa, com “o”, refere-se ao Sistema Coringa, desenvolvido por
Boal junto ao grupo Teatro de Arena de São Paulo. Uma das características desse sistema era a de favorecer
a montagem de espetáculos com elenco reduzido, cujos atores e atrizes podiam representar em uma peça
vários personagens. A primeira montagem realizada a partir desse sistema é de 1965: Arena conta Zumbi.
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própria obra de Augusto Boal cumprem muito bem esse papel de manter viva a
memória do método. Portanto, aqui apontaremos os aspectos que julgamos mais
relevantes para a discussão empreendida. Nesse sentido, cabe destacar que,
talvez, a maior contribuição deixada pelo TO seja a de ter colocado no centro da
arena o próprio oprimido que, se antes ficava restrito à condição de espectador ou
sequer tinha acesso a manifestações artísticas, agora ocupa espaço de
protagonismo como espect-ator. Com isso, Augusto Boal intenta popularizar o
acesso aos meios de produção teatral, configurando o método como ação artística,
cultural, política, terapêutica e pedagógica: uma ação de empoderamento.
Muitas são as frentes de atuação do método, com jogos e técnicas
9
que, em
certa medida, são sintetizados como concepção artística na obra derradeira de
Augusto Boal:
A estética do oprimido
(2009), na qual ele nos mostra que, assim
como o teatro, todas as linguagens artísticas são pertinentes aos oprimidos e às
oprimidas. Por esse prisma, cabe mencionar que o TO dialoga consonantemente
com a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire e, formando um sólido arcabouço
teórico-prático latino-americano, apresenta-se como visão filosófica de mundo
dedicada às lutas pela igualdade e pelo enfrentamento de opressões em universos
relacionais diversos
10
.
A amplitude que o distingue e seu caráter democrático fazem dele uma
importante fissura no sistema elitista e eurocêntrico, defendendo o direito à arte,
uma vez que considera que todos somos artistas, todos podemos dizer algo por
meio do teatro. Além disso, propõe uma ação decolonial ao encorajar a produção
artístico-teatral a partir de referenciais ligados à vida dos próprios oprimidos,
daquela comunidade específica, por ela enunciados e apresentados. Assim,
garante o sentido pulsante e impactante da narrativa produzida, constituindo uma
cosmovisão alicerçada em uma pedagogia dialética e plural, que faz frente ao
epistemicídio característico dos sistemas tradicionais de educação.
Sua inclinação a ser método crítico, colaborativo e socioconstrutivista nos
leva a crer na enorme contribuição que o TO e toda a obra de Augusto Boal podem
9
Teatro jornal, teatro imagem, teatro invisível, teatro legislativo, teatro fórum, arco-íris do desejo.
10
Vide sua aplicação em distintas áreas do conhecimento, como Pedagogia, Medicina e outras profissões da
Saúde, Direito, Ciências Sociais, Movimentos sociais e populares etc.
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oferecer à formação de professores-artistas-pesquisadores de Teatro, parecendo-
nos imprescindível sua presença como disciplina obrigatória nos currículos das
licenciaturas em Teatro de todo o país.
Cartografia das licenciaturas em Teatro da região Sudeste
Para verificar a presença da obra de Augusto Boal nos cursos de Licenciatura
em Teatro, foram feitos levantamentos em instituições públicas
11
da região
Sudeste do Brasil. Elencamos, portanto, oito universidades e conseguimos
alcançar dados em sete delas, vistas no mapa abaixo.
Instituições públicas da região Sudeste do Brasil que oferecem curso de
Licenciatura em teatro analisadas nessa pesquisa
Fonte: Elaboração de Iago Passos. 2021. Escala: 1:17.900.000
Para as análises que se seguem, cabe dizer que as disciplinas ofertadas
11
Todo o levantamento foi feito a partir de publicações nos sites oficiais das unidades de ensino (apresentados
nas referências finais deste artigo), com exceção das ementas do curso de Licenciatura em Teatro da UFOP;
estas nos foram enviadas diretamente pela Secretaria do Instituto de Filosofia, Arte e Cultura (IFAC). As
ementas que consultamos são do último Projeto Pedagógico de Curso (PPC) em vigor até então. Em 2019,
foi aprovado o mais recente Projeto Pedagógico. Entretanto, as disciplinas que passariam a vigorar em 2020,
o ano do início da pandemia da COVID-19 no Brasil, foram suspensas.
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constituíram nosso parâmetro fundamental. Nesse ínterim, deparamo-nos com
alguns percalços que tiveram de ser superados. Os mais significativos foram
relativos às mudanças ocorridas na renovação de alguns projetos pedagógicos dos
cursos, que buscavam fazer frente ao contexto da pandemia e à realidade do
ensino remoto por ela imposta.
Notamos que, de um modo geral, as disciplinas obrigatórias aparecem nos
sites oficiais com maior clareza para serem consultadas. O mesmo não ocorre
com as disciplinas de natureza optativa ou eletiva. No entanto, essa dificuldade
recorrente é compreensível, visto que os detalhes dessas ofertas formativas não
são pressupostos nas estruturas curriculares. Tudo isso é justificável devido ao
dinamismo na academia, onde novos conhecimentos são abarcados e outros são
revistos, um movimento que produz diferentes enlaces com interferência nas
propostas práticas e teóricas dos docentes.
Ao visualizar os dados, a constatação primeira de nossa investigação
conta de que, dentre as 266 disciplinas obrigatórias e 233 eletivas/optativas, o
nome de Augusto Boal está presente em 33, figurando nas bibliografias básicas ou
complementares, conforme o Quadro 1 a seguir.
A partir desses dados, começamos a compreender o modo como a obra de
Boal aparece. Para avançar um pouco mais, apresentamos a seguir o Quadro 2,
com todas as disciplinas que indicam as citações de Augusto Boal nas principais
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bibliografias.
Com essas referências, vê-se que são 22 disciplinas obrigatórias que
incorporam as obras de Augusto Boal em suas bibliografias principais, no entanto,
o TO não aparece em nenhuma delas como abordagem exclusiva, o que, é fato,
também ocorre com outros autores.
Além disso, de imediato percebe-se uma amplitude de áreas do
conhecimento com as quais o TO é capaz de dialogar. Teoricamente, essas áreas
podem estar alocadas em quatro eixos, quais sejam: o de criação; o dos jogos e
improvisação; o pedagógico; e o historiográfico.
O eixo de criação é composto de disciplinas voltadas para investigações e
experimentações que favoreçam concepções e montagens cênicas com
condições de serem apresentadas em espaços convencionais ou mesmo
alternativos, como ruas, por exemplo. Pela nossa avaliação, fazem parte desse
núcleo as disciplinas: Laboratório de criação cênica para licenciatura; Pedagogia e
processos de criação; e Teatro de Rua.
O
eixo dos jogos e improvisação
demonstra a potencialidade do TO para a
Educação, pois jogar e improvisar são premissas estruturantes do método e base
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fundamental para a construção de conhecimentos. Observa-se, assim, uma efetiva
coerência em agregar, para efeitos pedagógicos, o arsenal de jogos recolhidos,
criados ou remodelados por Augusto Boal (2004),os quais tratam da
expressividade dos corpos como emissores e receptores de mensagens. Jogos e
propostas de improvisação cênica que, prioritariamente, possibilitam a
desmecanização física e mental em função da expressão artística dos sujeitos. As
disciplinas pertencentes a esse eixo são: Dramaturgia em jogo; Jogo teatral I; Jogo
teatral II; Jogos teatrais I; Oficina de improvisação I; e Improvisação como
espetáculo.
O
eixo pedagógico
realça a pertinência do pensamento boalino na
profissionalização do licenciando. Cabe dizer que são três as vertentes em que o
TO se desenvolve. Além da social e terapêutica, destaca-se a vertente educativa
(Boal, 2002), que é patente nos cursos de Licenciatura em Teatro. As disciplinas
que compõem esse eixo alinham-se à obra do pensador brasileiro, aproximando-
se das múltiplas questões de ensino-aprendizagem para a formação profissional,
concernentes, por exemplo, aos estágios e à prática educacional em espaços
formais e não formais, em escolas, comunidades e instituições diversas. Pelas
ementas, também ficam evidentes as intencionalidades educativas direcionadas
aos mais diferentes atores sociais: crianças, jovens e adultos oriundos de
realidades sociais que circunscrevem conflitos debatidos nos tempos atuais. É o
caso das questões étnico-raciais e de gênero que, somadas a outras tantas,
refletem circunstâncias opressivas. Trata-se das seguintes disciplinas: Estágio
supervisionado III; Pedagogia do teatro II Teatro para a adolescência; Pedagogia
do teatro III; Pedagogia do teatro III (Teatro para jovens, adultos e idosos); Projetos
em ações culturais II; e Teatro em comunidades.
O
eixo historiográfico
é assim considerado por conter disciplinas de cunho
teórico direcionadas aos conteúdos relacionados à história do teatro brasileiro.
Trata de temas atinentes ao início do século XX vindo até o momento atual, quando
convergências com as teorias contemporâneas do mundo da cena. O TO
aparece por ser efetivamente uma concepção artística amalgamada na nossa
própria história social e política e, ainda, devido à magnitude de seu criador,
demarcada na história mundial do teatro e por ela reconhecida. Nesse eixo, temos
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as disciplinas: Teatro brasileiro do século XX; Teatro brasileiro II; e Teatro brasileiro
moderno.
Na sequência, apresentamos dois quadros demonstrativos acerca da
presença das obras de Augusto Boal e de outros autores nas bibliografias básicas
e complementares dos sete cursos das instituições que analisamos. O primeiro
(Quadro 3) é uma explanação geral, com os 15 autores mais representativos. O
critério de escolha levou em conta aqueles que foram citados quatro vezes ou
mais. O segundo (Quadro 4) aponta seis autores e suas obras mais citadas
exclusivamente nas bibliografias básicas, mantendo o critério anterior.
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Os dados obtidos nos levam a interpretar que o pensamento do teatrólogo
carioca ocupa os mesmos lugares que o de outros pensadores do Brasil e do
exterior. Aliás, do ponto de vista quantitativo, Augusto Boal se destaca entre eles.
Suas obras são as mais citadas entre todas e aparecem majoritariamente nas
bibliografias de base das disciplinas obrigatórias.
É importante esclarecer que, se, por um lado, ele é notadamente referendado
enquanto autor, por outro, a natureza desta pesquisa não nos permite aferir como
efetivamente ocorrem as práticas pedagógicas que abarcam seu método. Ao
admitirmos essa limitação, o que se denota, em um primeiro momento, é a sua
relevância na formação dos futuros professores de Teatro.
Aqui, cabe destacar que, pelas características das disciplinas aludidas nas
ementas, supõe-se que os textos de Augusto Boal são estudados tanto como
suporte teórico quanto como indicativo para ações práticas, principalmente
quando se trata daquelas pautadas nos jogos e nos exercícios teatrais. Não
podemos deixar de notar, porém, que, pelo relato de nossos entrevistados e pela
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nossa própria vivência universitária, a realidade não corrobora tal impressão
12
.
No Quadro 5, a seguir, estão todas as obras de Augusto Boal indicadas nos
cursos. Esse demonstrativo nos leva a admitir certa coerência em relação aos
estudos teóricos e práticos, gerando reflexão acerca das obras. Os dois livros mais
citados nas bibliografias básicas e complementares representam o alicerce do
método. À exceção da autobiografia
Hamlet e o filho do pa
deiro, os outros citados
também compõem a estrutura metodológica.
O livro
Teatro do oprimido e outras poéticas políticas
é uma obra que se
configura como o marco de um novo modo de pensar e fazer teatro. Nele, Augusto
Boal questiona o teatro aristotélico e elucida questões relativas ao teatro medieval
do Ocidente, compreendendo todas essas
nuances
teatrais como poéticas. Assim,
perpassa a poética
brechtiana
e adentra a proposta revolucionária do Teatro de
12
Essa hipótese é tema de novo estudo, em andamento, que propõe o diálogo com professores de Teatro em
atividade na Educação Básica de duas regiões metropolitanas: Belo Horizonte/MG e Campinas/SP. Buscar-
se-á aferir o grau de conhecimento e intimidade com o TO adquiridos pelos educadores teatrais no período
de formação acadêmica, bem como sua aplicação junto aos estudantes.
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Arena de São Paulo, com seu
sistema coringa
13
. Expõe ainda o seu ideário, que se
estabelece como a Poética do Oprimido.
Por sua vez, o livro
Jogos para atores e não-atores
é compreendido como um
instrumento fundamental para a lida na prática diária. Não se trata de um manual,
não sugere súmulas, tampouco apresenta apenas atividades e jogos. Nele, aparece
um conjunto de ensaios contendo passagens históricas da fase embrionária do TO
na Europa; inclui as primeiras experiências com o Teatro Imagem, Teatro Invisível
e o Teatro Fórum; destaca uma importante explanação pensada sobre a estrutura
de interpretação de atores e atrizes; além de um longo capítulo, este sim,
concebido como o “Arsenal do Teatro do Oprimido”, que perfaz algo em torno de
quatro centenas de jogos. Outros ensinamentos aparecem nessa publicação: as
técnicas específicas do Teatro Imagem, as técnicas gerais de ensaio e, muito
oportunamente, é retomado o Teatro Fórum, que passou a ser a técnica teatral
mais praticada no mundo.
Outros dados que demonstram as limitações nos processos formativos
acerca do TO dizem respeito à carga-horária das disciplinas que adotam a obra de
Augusto Boal em bibliografias de base. Vejamos o Quadro 6:
A carga-horária das disciplinas varia de instituição para instituição. A maioria
das que apresentam a obra de Augusto Boal nas bibliografias básicas possui
duração de 60 horas. E, em vários casos, ocorrem divisões na composição da
duração entre atividades teóricas e práticas. Temos o exemplo da disciplina de 72
horas, Jogos teatrais, ministrada na UFSJ: apresenta modalidades de jogos e é
dividida em 18 horas de teoria e 54 horas de práticas.
13
Ver tópico “sistema coringa” em Augusto Boal (1991).
Uma revolução necessária:
Pela presença efetiva do Teatro do Oprimido nas licenciaturas em Teatro
Adilson Ledubino; Waldimir Viana; Marcia Strazzacappa
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-35, abr. 2022
17
Os estágios são cumpridos em 120 horas
14
, também com divisão de
atividades. Já os ateliês de criação cênica I e II são as disciplinas de maior duração
entre todos os cursos. Elas, que indicam o livro
Teatro do oprimido e outras
poéticas políticas
apenas na bibliografia complementar, destinam 60 horas para
as atividades teóricas e 120 para as práticas.
Com base nos dados até aqui analisados, podemos constatar que os cursos
de Licenciatura em Teatro em questão, por mais que contemplem o pensamento
de Augusto Boal, abordando suas obras e citando-as nas bibliografias
demonstradas nas ementas de suas disciplinas, ainda assim, não desenvolvem o
TO no que ele possui de complexidade e, sobretudo, de potencialidade.
Não obstante essa constatação, verificamos avanços; poucos, porém,
concretos e significativos, ainda mais quando se considera necessária a presença
qualificada do TO nas universidades. Referimo-nos a três situações distintas que
nos servem de exemplos: duas na região Sudeste e outra na região Sul. Embora
esta região não faça parte do nosso recorte geográfico, por conta desse achado,
ela passou a ser representativa para as nossas argumentações.
A começar pelo curso de Licenciatura em Teatro da UFMG, onde a Professora
Doutora Rita Gusmão oferece uma disciplina com duração de 60 horas. No relato
a seguir, a docente diz:
Assim que eu cheguei aqui [na UFMG], eu já comecei a inserir o Teatro do
Oprimido na minha prática; então realizei, inicialmente, um curso de
extensão, depois um grupo de estudos, depois comecei com a oferta de
disciplinas e, hoje em dia, eu alterno entre esses formatos no decorrer de
cada um ano. Eu ofereço a disciplina e formo um grupo de estudos. Aí,
quando o grupo de estudos começa a se diluir, porque os estudantes vão
terminando os seus cursos, eu ofereço a disciplina novamente e formo
um novo grupo. Acontece de maneira a se adaptar a cada grupo. Às vezes,
eu ofereço a disciplina um ano inteiro, duas vezes, dois módulos e o grupo
segue. Às vezes, eu ofereço uma e o grupo segue, às vezes ofereço
três módulos; e tem interesse de todas as áreas da universidade. Eu
recebo gente da Arquitetura, das Artes Visuais, da Fotografia, da Biologia,
da Medicina, do Direito, então os grupos são muito heterogêneos. E, às
vezes, prefiro manter um sistema acadêmico, no sentido da disciplina
com nota, porque isso favorece essas pessoas de outras áreas do
conhecimento. Para elas é importante ter isso no histórico escolar,
porque, em geral, vêm interessadas em conhecer o método do TO.
14
Essa carga-horária refere-se especificamente à disciplina de Estágios supervisionados III. Ver Quadro 2.
Uma revolução necessária:
Pela presença efetiva do Teatro do Oprimido nas licenciaturas em Teatro
Adilson Ledubino; Waldimir Viana; Marcia Strazzacappa
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-35, abr. 2022
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Tiveram notícia por um projeto ou uma pesquisa, ou porque assistiram a
alguma atuação ou a alguma ação específica de um dos grupos de
estudo, e vêm em busca de conhecer de fato, se aprimorar (Gusmão,
2020, [entrevista])
15
.
Tais disciplinas, quando ofertadas, dedicam-se a temas exclusivos do TO,
assim distribuídos:
FTC044 Tópicos em Teatro A TO Iniciação: estudos teóricos e
práticos sobre as técnicas do Teatro do Oprimido de Augusto Boal.
FTC044Tópicos em Teatro AJogos e Exercícios TO: estudos teóricos
e práticos sobre as técnicas do Teatro do Oprimido de Augusto Boal.
Módulo I: Jogos e Exercícios.
FTC044Tópicos em Teatro A
Estudos Teóricos e práticos de
Teatro do Oprimido. Módulo II: Teatro Invisível e Teatro Jornal.
FTC044 Tópicos em Teatro A Teatro do Oprimido “Ativando os
sentidos”: estudos teórico-práticos sobre as técnicas do Teatro do
Oprimido relativas aos jogos com ênfase na categoria “Ativando todos os
sentidos”, como jogos corporais destinados à preparação para a cena e
para a relação com um público.
FTC044Tópicos em Teatro A TO Fórum: estudos teóricos e práticos
sobre o Teatro do Oprimido de Augusto Boal. Módulo III: Teatro Fórum
(Gusmão, 2020, [entrevista]).
Outro exemplo advém da UniMontes. Naquela universidade, localizada no
Norte de Minas Gerais, a 424 km de Belo Horizonte, observamos que o Projeto
Pedagógico do Curso de Licenciatura em Teatro, aprovado em fins de 2020,
estabelece oficialmente em sua estrutura curricular o TO como disciplina optativa
com duração de 60 horas, proporcionando o estudo de aspectos voltados para as
teorias e as práticas. Tal disciplina está sob responsabilidade da Professora Mestre
Solange Maria Veloso Sarmento Silva.
o Departamento de Arte Dramática da UFRGS mantém duas disciplinas
eletivas ministradas pela Professora Doutora Sílvia Balestreri, que relata:
Quando vim para a UFRGS, em 2005, um dos motivos pelos quais fui
aceita no Departamento de Arte Dramática foi, além do mestrado e de
meu doutorado recente com tema em teatro, minha experiência com
Teatro do Oprimido. Após uns poucos semestres ministrando as técnicas
em disciplinas de Atuação ou Laboratórios variados, criei, com apoio da
Comissão de Graduação, duas disciplinas eletivas, de 60 horas cada
15
Para distinguir as citações de obras e as de entrevistas feitas pelos autores, na referência destas virá sempre
a anotação “[entrevista]”.
Uma revolução necessária:
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Adilson Ledubino; Waldimir Viana; Marcia Strazzacappa
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Teatro do Oprimido I e Teatro do Oprimido II onde trabalho,
respectivamente, Teatro-Fórum e Teatro Invisível, além de Teatro
Imagem. As ementas das disciplinas são suficientemente abertas para
inserir alguma outra modalidade, especialmente em Teatro do Oprimido
II, na qual, em geral, sobra algum tempo para explorar diferentes
possibilidades (Balestreri, 2019, p. 116).
Além dos exemplos anteriores, tivemos acesso a outros professores que,
mesmo não contando com uma disciplina específica de TO, demonstram interesse
e valorizam o método na formação docente. Sobre o desenvolvimento de
atividades guiadas pelo TO, o Professor Mestre Carloman Bomfim, da UniMontes,
defende com veemência o quanto o método pode ser importante para a região
conflituosa do Norte de Minas Gerais, por exemplo.
A presença do Teatro do Oprimido faz muita diferença. No Norte de Minas,
acredito que essa diferença seria ainda maior pelo contexto ali, pela
própria realidade ali. A gente ainda vive em uma região em que,
dependendo de situações, você ainda o coronelismo ali presente.
Então, essa relação com o cotidiano em que se vê, se percebe esse lugar
do oprimido o tempo todo, eu acho que é essencial. [...]. Então, pensando
no licenciando em Teatro dentro do curso da UniMontes, eu acho que o
Teatro do Oprimido seria essencial para a formação dele. [...] É muito dura
essa realidade em que você situações extremas que talvez o aluno,
depois de formado, tenha a necessidade de, em algum momento, ter em
mãos uma metodologia e uma pedagogia que lhe possibilidades de
potencializar seu trabalho enquanto educador e ao mesmo tempo
potencializar o educando enquanto ser inserido naquela realidade
(Bomfim, 2020, [entrevista]).
A compreensão desse fazer serve para a melhor qualificação e possibilidade
instrumental de trabalho do professor de Teatro nas escolas e nos movimentos
sociais.
Por seu turno, o Professor Doutor Marcelo Rocco, atual presidente do
colegiado de Licenciatura em Teatro da UFOP, sai em defesa do TO, enaltecendo
a importância mundial de seu criador.
Eu acho, primeiramente, que ele representa uma retomada e um olhar
para a gente, um olhar para a América Latina. Eu falo o que acho.
Falar
de Boal é trazer um caráter decolonial de pesquisa
. É trazer um olhar
para uma retomada para a América Latina. Para a força que a América
Latina tem. Quem sabe, assim, diminuir um pouco esse discurso de vira-
lata que a gente traz em relação às biografias de fora. Ele é uma pessoa
Uma revolução necessária:
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importantíssima estudada mundialmente, como Paulo Freire. [...] Eu acho
que, mundialmente, ele me revela um teatro transformador em que a
pessoa se percebe na condição de opressor. Eu acho que ele mostra isso
metodologicamente. E ele mostra possibilidades de mudanças dentro
desse método (Rocco, 2020, [entrevista], grifo nosso).
Rocco expõe, com entusiasmo, que diversos alunos, ao conhecerem Augusto
Boal a fundo, interessam-se pela dimensão da prática e buscam a ampliação dos
saberes em estudos de pós-graduação. Mas, ao ser indagado sobre seus próprios
conhecimentos sobre o TO, lamenta e mostra que estes se deram muito fora da
universidade.
Você já vê que isso mostra um pouco, assim, que a universidade não me
ofereceu isso na graduação e eu fiz duas graduações que foram Direção
Teatral e Licenciatura. Eu ouvi falar de Boal. E eu comecei a estudar a
partir da Sociologia. Olha que engraçado: nem era teatro e comecei a
me interessar por Boal. E comecei a fazer algumas oficinas e conheci
inclusive o LickoTurle. Comecei a estudar as figuras que trabalhavam com
ele, como o Flávio da Conceição [Curinga do CTO-Rio], hoje docente da
Universidade Federal do Acre. Comecei a estudar, a fazer oficina. Acho
que a primeira oficina que eu fiz foi no Encontro Nacional de Artes
Cênicas. O Fórum Social Mundial foi o momento crucial para eu entender
o que era o Teatro do Oprimido. E tinha um grupo de Campinas que se
chamava Moleca, que era do movimento Lésbico de Campinas e
trabalhava o Teatro do Oprimido de Boal. E eu lembro que os homens lá
não podiam ter ação, mas a gente podia assistir. Então eu lembro o
quanto isso foi modificando. O quanto isso era importante. Então o Teatro
do Oprimido não veio pela academia, veio pelos movimentos sociais
(Rocco, 2020, [entrevista]).
Rita Gusmão pontua que, embora um dos motivos para a diminuta
abordagem do TO nas licenciaturas seja preconceito, inclusive por parte de alguns
docentes, fundamentalmente o problema é que carecemos de pessoas que
saibam lidar com o método.
Por tudo o que conseguimos alcançar, compreendemos que o TO pode e
deve ser ampliado nos cursos de licenciatura. As iniciativas aqui apresentadas
servem de referência; e, mesmo em quantidade reduzida, elas mostram a
relevância do tema para professores e graduandos. Diante desse quadro, cabe-
nos refletir sobre quais os sentidos e impactos dessa presença que nos parece
incipiente. Para além dos critérios quantitativos, interessa-nos compreender os
aspectos qualitativos implicados nesse fato.
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Sobre a atualidade do Teatro do Oprimido e sua relevância na
formação de professores de Teatro
O livro
Teatro do oprimido e outras poéticas políticas
(1991) foi lançado em
1974, mas as ideias nele presentes remontam aos anos 1962, e antes até, se
considerarmos a atuação de Augusto Boal junto ao Teatro de Arena, quando
retornou dos Estados Unidos em 1956 e passou a compartilhar os conhecimentos
sobre Stanislavski adquiridos em sua passagem pelo Actor’s Studio e, ao mesmo
tempo, engajou-se na construção de uma dramaturgia nacional com a criação do
Seminário de Dramaturgia do Arena (1958-1961).
Fato é que a origem do TO está muito ligada aos anos de ditadura militar (no
Brasil e na América Latina), pela qual, inclusive, o teatrólogo brasileiro fora
torturado. O exílio forçado para garantir a própria sobrevivência acabou por
alimentar muitas das ideias, desenvolvidas nos diversos países latino-americanos
e na Europa; lugares nos quais muitas das técnicas que compõem o método foram
elaboradas.
Augusto Boal (1991, p.13) esclarece, já na explicação que abre o livro, que:
[...] todo teatro é necessariamente político, porque políticas são todas as
atividades do homem, e o teatro é uma delas.
Os que pretendem separar o teatro da política, pretendem conduzir-nos
ao erro e esta é uma atitude política. Neste livro pretendo igualmente
oferecer algumas provas de que o teatro é uma arma. Uma arma muito
eficiente. Por isso é necessário lutar por ele. Por isso, as classes
dominantes permanentemente tentam apropriar-se do teatro e utili-lo
como instrumento de dominação. Ao fazê-lo modificam o próprio
conceito do que seja “teatro”. Mas o teatro pode igualmente ser uma
arma de liberação. Para isso é necessário criar as formas teatrais
correspondentes. É preciso transformar.
É comum ouvirmos, no próprio meio teatral, críticas que acusam o TO como
um método datado, esteticamente pobre e cenicamente mal-acabado. Embora o
método deva ser constantemente atualizado segundo os contextos e realidades
culturais em que se dá, não nos parece serem estas as críticas mais embasadas
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e produtivas. Como diz Julian Boal (2017, p.25) em sua tese, parafraseando Heiner
Müller, que se refere a Brecht: “Utilizar Boal sem criticá-lo seria traí-lo”. No entanto,
mais criticável é o frequente modo de apropriação do método que se opera de
forma meramente reprodutiva e fetichista.
À luz da análise dos currículos, inferimos que a ausência de pelo menos uma
disciplina obrigatória sobre o TO, no conjunto das que foram analisadas, corrobora
a hipótese de que o método, que é uma estrutura ampla e complexa constituído
por sete técnicas distintas e um vasto arsenal de jogos divididos em cinco
categorias –, não é estudado em sua completude nas universidades do Sudeste
brasileiro. Trata-se de um teatro fundado em consistentes bases ideológicas e
políticas, elementos que intencionalmente o tornam transgressor e emancipatório.
Transgride a própria tradição do fazer teatral, sendo favorável à emancipação
criativa de homens e mulheres por meio da arte de representar. Tudo somado, o
que se confirma é a existência de um método de teatro com o viés crítico,
substantivamente adequado à educação escolar e não escolar, e que mereceria
ser estudado com a devida atenção nas licenciaturas em Teatro.
Assim, apontamos alguns fatores que sugerem motivos para a considerável
ausência do TO enquanto disciplina obrigatória ou pelo menos específica nas
licenciaturas em Teatro da região Sudeste brasileira.
O primeiro deles é de ordem política e cultural. O peso da lógica e da tradição
eurocêntricas nos currículos das escolas de formação de professores de Teatro
evidencia uma conhecida postura colonizada, reforçada pelo ceticismo
dispensado à produção nacional.
Certamente, a média dos estudantes de graduação do Brasil, das
principais faculdades, pelo menos, conhece textos de autores como
Hans-Thies Lehmann, do Teatro pós-dramático, ou Josette Féral, autores
da teoria do Teatro, e não leu o Boal. O que me parece quase escandaloso
(Carvalho, 2020, [entrevista]).
Ao mesmo tempo, apesar de alguns pontos de resistência, parece imperar
ainda certa tendência ao apagamento de obras politizadas, sobretudo aquelas com
potencial de abalar estruturas sistêmicas e mantenedoras de um raciocínio
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hierarquizante. Nesse sentido, um argumento que se interpõe como justificativa
para a não inserção do TO como disciplina obrigatória seria um suposto
favorecimento de um dentre tantos métodos que licenciandos e licenciandas
precisariam conhecer. Poder-se-ia ler aqui uma postura “isenta”, avessa a
bairrismos. Porém, como explicar a preferência por métodos europeus, de forma
quase exclusiva, quando se dispõe de opção nacional igualmente consolidada,
senão por escolha política?
Como agravante a isso, vemos um fator cultural que perpetua esse estado
de coisas, com base na formação dos docentes que ocupam as universidades.
Estes tendem, naturalmente, a replicar em sua prática aquilo que receberam como
herança artístico-acadêmica.
[...] todo mundo fala: o problema é que onde eu estudei me ensinaram
Dostoiévski, Tolstoi, Shakespeare, os métodos [...] o que eu aprendi foi
isso. Então, a formação é baseada nessa Academia [...] Estou falando do
teatro, mas isso é geral da formação do professor, a formação do
magistério, inclusive o superior, é baseada nessa Academia (Turle, 2020,
[entrevista]).
Isso evidencia um segundo fator relevante para a ausência do TO nas
universidades estudadas, este, de ordem estrutural e histórica: a carência de
docentes suficientemente preparados para ministrar disciplinas do método, o que
abrange não somente o domínio teórico-prático, mas também maturidade política
alicerçada na vivência de múltiplos contextos sociais, capazes de efetivar a sua
potência transformadora e evitar equívocos esvaziadores de seus sentidos. Como
diz Sérgio de Carvalho:
Trabalhar com teatralidades politizadas como o Boal propõe é um
trabalho que tem que ser prático, mas também teórico. A pessoa precisa
estudar para escapar do formulário, dessas fórmulas prontas. Os livros
do Boal fornecem muitos exercícios e modelos. Então, eu sinto que nesse
trânsito entre o estudo da obra mesmo e práticas, experiências práticas,
você ter vivido essa posição de curinga em situações sociais diferentes
ou ter tido trabalhos de formação com grupos sociais diferentes, isso
seria interessante para formar um professor (Carvalho, 2020, [entrevista]).
O que, à primeira vista, pode parecer um paradoxo incontornável quanto à
implantação institucional do TO na universidade, para nós se apresenta
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exatamente como o motivo pelo qual, mais do que nunca, deveríamos lutar para
que ele fizesse parte dos elementos fundantes e obrigatórios para a formação de
professores de Teatro.
A Academia é o lugar detentor do meio de produção do conhecimento
que cria novos suportes, novas tecnologias, sejam elas humanas ou
exatas. E não interessa a ela que outras tecnologias de outras etnias, de
outras ideologias a superem. [...] Bem, mas olha o que acontece: a
Academia continua assim. E o Teatro do Oprimido, que fala exatamente
o contrário à representação do mundo que o teatro, desde Aristóteles até
os nossos dias, apresenta [...] Seria paradoxal. Se a Academia acredita
naquele mundo, naquele conhecimento que ela reapresenta, que ela
espelha, as escolas de teatro da Academia vão espelhar a vida da
Academia, a vida dos profissionais, dos estudantes, da burguesia (Turle,
2020, [entrevista]).
É preciso romper com este círculo vicioso caracterizado pelo déficit na
formação técnica adequada de docentes multiplicadores do TO, unindo forças e
intensificando um movimento iniciado; um movimento que, em relação à
universidade, dá-se de fora para dentro, com vários indivíduos – que atuam como
curingas oriundos do CTO, por exemplo, que vão se titulando e passando a
ocupar cargos de professor nos cursos superiores de Teatro de algumas
instituições universitárias brasileiras. Além disso, é fundamental não perder de
vista a outra ponta do processo, aquela que se favorecerá de tal ampliação: a
Educação Básica. Alunos e alunas da educação formal e não formal terão a
oportunidade de conhecer o TO e, por meio dele, construir um processo de ensino-
aprendizagem mais democrático, horizontalizado e colaborativo.
Ações possíveis e necessárias: A proposição de uma disciplina
de Teatro do Oprimido nas Licenciaturas em Teatro
Apresentamos até aqui um cenário que buscou expor uma lacuna significativa
na formação de licenciados e licenciadas em Teatro, considerando aspectos
pedagógicos, estéticos, políticos e filosóficos. A fim de ultrapassarmos a função
meramente crítica, colocamo-nos o desafio de, adotando uma postura propositiva,
elaborar um desenho curricular para uma tríade de disciplinas dedicadas ao TO.
Diante desse panorama, é importante nos indagarmos sobre qual escolha
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fazer: abordar fragmentos ou promover o aprofundamento de um teatro
constituído como um método? Considerando que método é um caminho pelo qual
se chega a algum resultado (Lalande,1999) e levando em conta os preceitos
estéticos ideológicos advindos de Augusto Boal, acreditamos ser a segunda opção
a mais adequada. O contrário estabeleceria um paradoxo. O método, para ser
estudado como tal, requer tempo e demanda a compreensão de sua inteireza. Não
basta acessar apenas algumas camadas, sob pena de se distanciar daquilo que
fundamenta esse teatro político: o empenho em função dos oprimidos e oprimidas
e das causas sociais que os/as envolvem.
A organização do tempo, por consequência, deve ser observada nos cursos
de Licenciatura em Teatro. Acreditamos também que seja necessário um número
maior de disciplinas sobre o mesmo tema. Uma oferta curricular ampliada que
assuma o TO como um método realmente significativo para a educação brasileira,
que possa impactar criticamente as bases da educação, especialmente nas
escolas públicas, que prevalentemente se estabelecem como um ambiente de
trabalho para o professor que se habilita como educador teatral.
Destinar mais tempo para a formação em TO nas licenciaturas é um meio
para dirimir superficialidades, para referendar qualidade e adequação na
abordagem dos conteúdos teóricos e das ações práticas. Por essa perspectiva,
sem que se estabeleça uma proposta imperativa, trazemos adiante uma possível
alternativa de organização de disciplinas que leva em conta quatro fatores: o
cronológico, a natureza, a intencionalidade e a base teórica.
Fator cronológico
: aqui, a quantidade de disciplinas destinadas à
especificidade do TO, a carga-horária das mesmas, bem como a definição do
período em que se iniciará o oferecimento dentro do curso, compondo com o todo
e zelando pelo melhor aproveitamento, são essenciais para uma abordagem
efetiva e eficaz. Dessa forma, propomos três módulos, quais sejam: Teatro do
Oprimido I, Teatro do Oprimido II e Teatro do Oprimido III, oferecidos
respectivamente no quarto, quinto e sexto semestres do curso; cada disciplina
perfazendo 60 horas, totalizando 180 horas.
Fator natureza
: sugerimos que as disciplinas sejam de caráter básico nos
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cursos de Licenciatura. Que façam parte de uma estrutura que, recebendo a
denominação de “obrigatória”, possam manter a acepção de essencialidade para
a formação do professor de Teatro. Que, para efeito de coerência com o método,
estabeleçam uma relação propedêutica, isto é, que uma disciplina seja pré-
requisito para a outra. Assim, para chegar ao Teatro do Oprimido III, o aluno deverá
ter cursado o Teatro do Oprimido I e II, e nesta sequência.
Fator intencionalidade
: os objetivos estabelecidos e os meios para alcançá-
los demarcam as intenções em propor as disciplinas. Por se tratar de um método
coeso, faz-se necessário levar em consideração o modo como as disciplinas se
apresentam, estabelecendo um diálogo coerente entre o desencadeamento dos
conteúdos propostos e sua aplicabilidade na futura prática docente, suscitando
sentidos para os licenciandos. Esse fator decorre de todos os outros. É a fonte
determinante para o estabelecimento das ementas.
Fator base teórica
: julgamos fundamental abordar as obras de Augusto Boal
ao longo das três disciplinas, especialmente aquelas que dão estofo e teorizam
com profundidade as práticas do TO, indicadas como bibliografia básica de
referência nos quadros mais adiante. Sugerimos, ainda, a inclusão, como
bibliografia complementar, de outras obras do autor, como a
Estética do oprimido
,
além de sua dramaturgia. Ao critério do professor e considerando a realidade de
cada curso, está indicada a adoção de outros autores e obras que dialoguem com
o TO, como é o caso de Paulo Freire e sua
Pedagogia do oprimido
; Bertolt Brecht
e os
Estudos sobre teatro
; Aristóteles e sua
Arte poética
, entre outros. Claro que
esses diálogos podem e devem ser promovidos também com outras disciplinas
que componham o curso e que lancem mão desses autores.
Um aspecto que terá reflexo em todos os fatores e que consideramos de
enorme relevância é a possibilidade de promover uma ação transdisciplinar,
agregando sujeitos de várias áreas do conhecimento. Portanto, seria muito
enriquecedor, quando a estrutura assim permitir, que as disciplinas tivessem
algumas vagas abertas a alunos de outros cursos da universidade e, por que não,
a pessoas da comunidade externa à instituição. Com isso, além de ampliar o rol
de experiências de vida, formação e saberes a serem acessados e discutidos,
configurar-se-ia uma ação de extensão, além de garantir o rompimento da “bolha”
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em que a vida universitária pode se transformar.
Nesse sentido, sem pretender qualquer padronização e reconhecendo a
tendência de formações mais livres, com maior trânsito dos universitários e
universitárias nos cursos, apresentamos a seguinte sugestão organizativa para
cada disciplina, sem que as mesmas representem a criação de ementas rígidas e
fechadas.
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O que justificaria tais proposições? Antes de tudo, o que foi evidenciado nesta
pesquisa: a abordagem limitada do TO nos cursos de Licenciatura em Teatro frente
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a uma gama de recursos por ele abrangidos. Bem por isso, o raciocínio exposto
teve como base uma ampla reflexão acerca desta concepção:
Temos então o método do Teatro do Oprimido que é representado por
uma frondosa árvore. Nela visualizamos as mais variadas técnicas, a
interlocução entre diversas áreas do conhecimento, o objetivo da
multiplicação do método, os elementos estéticos com os quais trabalha
e o terreno onde suas raízes estão sustentadas: o solo da “estética do
oprimido, da solidariedade e da ética” (Viana, 2016, p.114).
De fato, a Árvore de Boal representa a completude de uma forma de teatro.
Por isso mesmo, o que sugerimos intenta promover um avanço em relação àquilo
que seria apenas uma instrumentalização, uma aquisição fragmentada de
repertório técnico. Vislumbra-se uma formação consistente voltada não para uma,
mas para todas as técnicas baseadas no pensamento matricial do artista
brasileiro, anunciado nas bases teóricas. Outro aspecto a ser considerado é que a
justificativa para ampliar a carga-horária está atrelada ao propósito de uma
preparação aprofundada dos licenciandos e licenciandas, para que estes e estas
sejam capazes de atuar como curingas, compreendendo que os aspectos
pedagógicos, estéticos e éticos são atributos basilares dessa função, assim como
da docência.
Concluindo essas nossas sugestões para o desenho curricular das disciplinas,
parece-nos importante enfatizar a necessidade de pensar em formas dialógicas
para realizar a avaliação
16
.
Considerações finais
Para fazer a revolução acontecer: sonhar, criar e agir
Ao longo da pesquisa empreendida para a escrita deste artigo, lançamo-nos
fundamentalmente ao estudo sistemático dos ementários presentes nos Projetos
Político Pedagógicos dos cursos aqui referidos, além de investirmos no importante
diálogo com alguns docentes das instituições. A partir da análise de tais dados e
16
Cada professor e instituição, em conjunto com os estudantes, deve construir tal reflexão e definir os
instrumentos. Como possibilidades por nós aventadas, pode-se lançar mão de apresentações cênicas, texto
crítico reflexivo sobre o processo e conhecimentos construídos, portfólio, avaliação por pares, entre outros.
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das reflexões surgidas por meio dos diálogos, foi possível confirmar a hipótese de
que o TO não é objeto da devida atenção no contexto da formação de professores
de Teatro brasileiros. Considerando a complexidade e a multiplicidade de fatores
que circundam a questão, sugerimos uma possível ação, no sentido de suprir o
que consideramos uma lacuna significativa nos currículos de licenciaturas em
Teatro da região Sudeste do país, concretizada na proposição do desenho
curricular de três disciplinas que poderão ser incorporadas.
Esta pesquisa também foi motivada por um questionamento que avaliamos
como medular. Sem desvios, refletimos sobre o que o método de Augusto Boal
poderia oferecer como resposta às demandas presentes em documentos oficiais
e estruturantes da educação, como a BNCC, foco das discussões sobre a área nos
dias atuais. Documento que também abarca a arte como conhecimento
necessário e que inclui o teatro como linguagem importante na formação do
sujeito nas várias etapas da vida. Sendo assim, não é exagero dizer que o TO, sem
negar outros saberes e tradições do teatro na educação, é a proposta que
sobejamente dialoga com as proposições do documento supracitado. Isso se
confirma ao analisarmos o fundamental compromisso da BNCC:
Nesse contexto, a BNCC afirma, de maneira explícita, o seu compromisso
com a educação integral. Reconhece, assim, que a Educação Básica deve
visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica
compreender a complexidade e a não linearidade desse
desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou
a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva. Significa, ainda,
assumir uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente,
do jovem e do adulto considerando-os como sujeitos de aprendizagem
e promover uma educação voltada ao seu acolhimento,
reconhecimento e desenvolvimento pleno, nas suas singularidades e
diversidades. Além disso, a escola, como espaço de aprendizagem e de
democracia inclusiva, deve se fortalecer na prática coercitiva de não
discriminação, não preconceito e respeito às diferenças e diversidades
(Brasil, 2018, p.14).
Reforçando ainda mais esse argumento, as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) trazem os princípios estéticos, éticos e políticos como alicerces para a
orientação da Educação Básica em nosso país. Coadunam enormemente com o
método de Augusto Boal, visto que os termos ética, estética e política estão na
base do pensamento boalino, estruturando o seu teatro revolucionário. E não se
Uma revolução necessária:
Pela presença efetiva do Teatro do Oprimido nas licenciaturas em Teatro
Adilson Ledubino; Waldimir Viana; Marcia Strazzacappa
Florianópolis, v.1, n.43, p.1-35, abr. 2022
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trata de coincidência, pois o TO é teatro político na pura acepção da palavra. Sua
filosofia e toda a sua intencionalidade prática estão plantadas no solo fecundo da
ética, da solidariedade e da estética. É inegável que a sua admissão no campo
educacional pode contribuir de maneira significativa nos espaços escolares,
praticamente em todos os níveis de ensino, impulsionando um movimento
rizomático que possibilitaria que suas raízes alcançassem diversas esferas da
sociedade.
Retomando as referidas diretrizes, verificamos ainda que:
Na Educação Básica, o respeito aos estudantes e a seus tempos mentais,
socioemocionais, culturais, identitários, é um princípio orientador de toda
a ação educativa. É responsabilidade dos sistemas educativos
responderem pela criação de condições para que crianças, adolescentes,
jovens e adultos, com sua diversidade (diferentes condições físicas,
sensoriais e socioemocionais, origens, etnias, gênero, crenças, classes
sociais, contexto sociocultural), tenham a oportunidade de receber a
formação que corresponda à idade própria do percurso escolar, da
Educação Infantil, ao Ensino Fundamental e ao Médio (Brasil, 2013, p.35).
É nessa realidade educativa que professores de Teatro também atuam em
escolas, situadas em comunidades diversas, no interior do país e nos centros
urbanos. Espaços para onde conflui a gritante desigualdade social, tensionando a
imposição dos mandatários da educação com a urgência primeira dos cidadãos
em se preparar para a vida em uma sociedade competitiva e predadora. Um
ambiente em que, ao exercício da sensibilidade, dispensa-se deletério desprestígio.
E é justamente nesse espaço que o TO serviria como ação contundente, por
ser uma proposição estética, democrática e de enfrentamento às desigualdades e
injustiças, por possibilitar o posicionamento crítico não prescritivo, capaz de
reconhecer em todas as pessoas o direito de fruir e criar, o direito a ser atuante.
Mas, para que isso ocorra, indubitavelmente se impõe a exigência de profissionais
adequadamente preparados, professores que compreendam com profundidade
esse modo de fazer arte. Nesse sentido, os cursos de licenciatura no Sudeste do
Brasil deixam a desejar. Porém, é tempo de uma revisão. Torna-se imprescindível
que gestores, docentes e discentes das instituições revisem seus currículos sob
pena de perderem, a cada dia, a oportunidade de mudar o rumo da educação
teatral na Educação Básica. Essa revolução é necessária. A não percepção desse
Uma revolução necessária:
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fato poderá ser considerada omissão, uma postura incompatível com a natureza
de todas as formas de teatro. Teatro é ação.
Reconhecemos que haverá um caminho considerável a percorrer, no sentido
de levar tal proposta aos colegiados departamentais responsáveis pela alteração
curricular e cumprir todos os trâmites burocráticos desses ritos. Todavia,
destacamos o fato de haver uma realidade que se traduz em convocatória reflexiva
sobre o TO ser um método relevante para a vida profissional do professor de
Teatro e, sobretudo, uma arma potente na promoção de uma educação
democrática, crítica e transformadora. É urgente nos perguntarmos sobre o que
representam o TO e a obra de Augusto Boal para a educação brasileira.
[O] Teatro do Oprimido, ele é ensino puro, ele é teatro puro. Teatro: lugar
para ver. Ver, olhar o que a sociedade faz. E é nestas mostras de situações
entre seres humanos, reapresentadas no espaço para os homens e as
mulheres olharem outra vez o que acontece, como é que reage no futuro,
no passado e no presente diante de um conflito entre seres humanos
(Turle, 2020, [entrevista]).
Da nossa parte, entendemos que não proporcionar esse saber como base
formativa do licenciando e da licencianda seria endossar um déficit. Seria como
evitar o avanço de uma arte inclusiva, crítica e libertária justamente para as bases
da educação: as escolas e outros espaços que são parcelas de uma realidade
social nas quais se ressaltam as estruturas de opressão.
Essa criação de Augusto Boal, notadamente um método originário desse
nosso Sul de mundo, traz em sua natureza a vertente educativa. E, pelo nosso
olhar, sem jamais ignorar a importância das organizações que difundem o TO,
entendemos que as faculdades e institutos que se dedicam aos cursos de
Licenciatura em Teatro podem avançar nesse sentido, podem ser espaços
destinados à multiplicação qualificada deste que é um método teatral
mundialmente reconhecido e ainda tão pouco difundido em nosso país.
Por tudo isso, concluímos este texto ecoando o sonho de Augusto Boal e
somando-lhe um humilde adendo: o sonho de que em cada Licenciatura em
Teatro deste país haja ao menos uma disciplina do TO.
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Caminhar não é fácil. A sociedade se move pelo confronto de forças, não
pelo bom senso, pela caridade e pela justiça. Não basta consumir Cultura.
É necessário produzi-la. Não basta gozar arte. É necessário ser artista.
Não basta produzir ideias. É necessário transformá-las em atos sociais
concretos e continuados porque nós entendemos que Arte e Cultura são
formas de combate tão importantes como a ocupação de terras
improdutivas e a organização política solidária. Sonho com o dia em que
o Brasil inteiro e no inteiro mundo haverá em cada cidade, em cada
povoado, em cada vilarejo um ponto de cultura onde a cidadania possa
criar e expressar a sua arte a fim de compreender melhor a realidade que
deve transformar. Nesse dia, finalmente, terá nascido a democracia. Ser
cidadão, meus companheiros, não é viver em sociedade. É transformar a
sociedade em que se vive. Com a cabeça nas alturas, os pés no chão e
mãos à obra (Boal apud Viana, 2010, s/p).
Referências
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Produção: Mapa Filmes do Brasil e Canal Brasil. Rio de Janeiro, 2010.
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Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
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Brasileira, 2004.
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BOAL, Julian. Sob antigas formas em novos tempos: o Teatro do Oprimido entre
“ensaio para a revolução” e adestramento interativo das vítimas. 2017. Tese
(Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2017.
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VIANA, Dimir. Teatro do Oprimido na Educação de Jovens e Adultos. Curitiba:
Appris, 2016.
Recebido em: 14/06/2021
Aprovado em: 01/02/2022
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Programa de Pós-Graduação em Teatro
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