Marcas do Desterro. Moçambicanos deportados para São Tomé e Príncipe (1947-1961): história, estórias, atualidade

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5965/2175180311272019008

Resumo

Durante o colonialismo português, centenas de pessoas foram deportadas das colónias lusitanas africanas para São Tomé e Príncipe. A partir do século XIX, com a inserção de Portugal na economia internacional como país fornecedor de matéria-prima, periférico e dependente, a modalidade de abastecimento humano da colónia de produção de São Tomé e Príncipe ocorreu mediante o trabalho forçado, formalmente alternativo à escravatura, que já não era permitida. O artigo aqui apresentado pretende ilustrar os mecanismos que fizeram com que esta migração forçada se tornasse possível, até ao início dos anos sessenta do século XX, concentrando a análise no caso moçambicano. A pesquisa adotou uma abordagem histórica, na primeira parte, e uma antropológica e etnográfica na segunda, com entrevistas junto a alguns dos antigos trabalhadores moçambicanos deportados em São Tomé e Príncipe, a alguns repatriados em Moçambique e a testemunhas-chave dos dois lados. A investigação revelou uma realidade histórica – a do desterro - ainda muito pouco conhecida, juntamente com uma situação atual ignorada por parte quer do Estado moçambicano, quer do português. Este último ainda não assumiu a responsabilidade histórica das graves violações dos direitos humanos mais básicos destes deportados, ao passo que o primeiro nada fez, até agora, para aliviar a condição existencial destes seus cidadãos, hoje muito velhos e pobres e completamente dependentes da assistência humanitária.

Palavras-chave: Colonialismo. Trabalho forçado. Independência. Abandono.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Luca Bussotti, UFPE

Doutor em Sociologia do Desenvolvimento pela Università degli Studi di Pisa, Itália. Investigador do Centro de Estudos Internacionais –ISCTE/Instituto Universitário de Lisboa.

Lisboa – PORTUGAL

Professor Visitante do Instituto de Estudos Africanos UFPE

Teodora Martins, Universidade Técnica de Moçambique

Mestre em Direitos Humanos, Desenvolvimento Econômico e Boa Governação pela Universidade Técnica de Moçambique. Doutoranda em Paz, Democracia, Movimentos Sociais e Desenvolvimento Humano pela Universidade Técnica de Moçambique

Referências

ALEXANDRE, Valentim. Portugal e a abolição do tráfico de escravos (1834-1851). Análise Social, Lisboa, v. XXVI, n. 111, p. 293-333, 1991.

ALFANE, José Afonso. Entrevista como deportado. Santa Casa da Misericórdia, São Tomé e Príncipe, 02/01/2014

BERNARDO, Maria Ana. O associativismo agrícola português no Liberalismo e na 1ª República: os sentidos de um percurso, Évora. XXII Encontro da Associação Portuguesa de História Econômica e Social, 16 Novembro 2002. Disponível em: https://dspace.uevora.pt/rdpc/bitstream/10174/4402/1/a%2520MA%2520Bernardo.PDF. Acesso em: 12/12/2018

BRAGANÇA, Alberto de. Entrevista como historiador. São Tomé e Príncipe, 30/12/2013.

CABRAL, Manuel Villaverde. Sobre o século XIX português: a transição para o capitalismo. Análise social, Lisboa, v. 12, n. 45, p. 106-126, 1976.

CAHEN, Michel. Seis teses sobre o trabalho forçado no império português continental em África. África, São Paulo, n. 35, p. 129-155, 2015. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/africa/article/view/126697/123692. Acesso em: 15/10/2018

CARVALHO, Francisco. Entrevista como antigo Diretor Geral das Comunidades cabo-verdianas residentes no estrangeiro. Praia, 08/01/2014

CHISSANO, Joaquim Alberto. Entrevista na qualidade de antigo Presidente da República de Moçambique (1986-2004). Maputo, 25/09/2014

CONCEIÇÃO NETO, Maria da. De Escravos a “Serviçais”, de “Serviçais” a “Contratados”: Omissões, perceções e equívocos na história do trabalho africano na Angola colonial. Cadernos de Estudos Africanos, Lisboa, v. 33, p. 107-129, 2017.

COOPER, Frederick. Condições análogas à escravidão: imperialismo e ideologia da mão-de-obra livre na África. In: ALÉM DA ESCRAVIDÃO: investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 201-270, 2005.

DUARTE, Rosália. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Educar em Revista, Rebouças (Paraná), n. 24. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40602004000200011&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 22/11/2018

DUMA, Custódio. Entrevista como antigo Presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos de Moçambique. Maputo, 15/09/2014

GONÇALVES, Ivan Sicca. “Forçar esses rudes negros de África a trabalhar”: trabalho, raça e cidadania na legislação colonial portuguesa (1854-1928). Bilros, Itaperi (Ceará), v. 5, n. 9, pp. 196-220, 2017.

HABDURRAZAQUE, Hafiz. Entrevista como Presidente da Comunidade Muçulmana da Ilha de Moçambique. Ilha de Moçambique, 31/07/2014

HALBWACHS, Maurice. A memória colectiva. São Paulo: Vértice, 1990.

HODGES, Tony; NEWITT, Malyn. São Tomé and Principe: From Plantation Colony to Microstate. Boulder: Westview Press, 1988

JESUS, Adriano de. Entrevista como deportado regressado. Maputo, 10/02/2013

JOBBITT, Rafaela. Medical Practitioners and the Colonial Project: Medicine, Public Hygiene, and the Contexted Recolonization of São Tomé and Príncipe. PHD Thesis in Philosophy. Toronto: York University, 2016. Disponível em: https://yorkspace.library.yorku.ca/xmlui/bitstream/handle/10315/33416/Jobbitt_Rafaela_2016_PhD.pdf?sequence=2&isAllowed=y. Acesso em: 13/09/2018

MACARINGUE, Alfredo. Entrevista como antigo Chefe da Redação do jornal Notícias. Maputo, 05/02/2013

MANTERO, Francisco. A mão-de-obra de S. Tomé e Príncipe. Lisboa: [s.n.],1954

MARQUES, João Pedro. Uma cosmética demorada: as Cortes perante o problema da escravidão (1836-1875). Análise social, Lisboa, v. 36, n. 158-159, p. 209-247, 2001.

MBEBELA, Mário. Entrevista como deportado. Monte Macaco, São Tomé e Príncipe, 30/12/2013

MENEZES, Maria Paula. O “indígena” africano e o colono europeu”: a construção da diferença por processos legais. E-Cadernos CES, Coimbra, n. 7, p. 68-93, 2010. Disponível em: http://journals.openedition.org/eces/403. Acesso em: 13/09/2018

MIGUEL, Rui. (2011). O papel do Banco Nacional Ultramarino. BNU Timor – Caixa Geral de Depósitos, Timor Leste. In: https://www.cgd.pt/Institucional/Patrimonio-Historico-CGD/Estudos/Pages/Abolicao-Escravatura.aspx, Acsso em: 13/09/2018

MUIANGA, Fastel. Entrevista como deportado, Riboque Santana. São Tomé e Príncipe, 23/12/2013

MUYLAERT, Camila Junqueira; SARUBBI, JR, Vicente; GALLO, Paulo Rogério; ROLIM NETO, Modesto Leite; REIS, Alberto Olavo. Narrative interviews: an important resources in qualitative research. Rev. Esc. Enferm., USP, São Paulo, v. 48, n. 2 especial, p. 184-189, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48nspe2/0080-6234-reeusp-48-nspe2-00184.pdf. Acesso em: 13/09/2018

NASCIMENTO, Augusto. Escravatura, trabalho forçado e contrato em São Tomé e Príncipe nos séculos XIX-XX: sujeição e ética laboral. Africana Studia, Campinas, n. 7, p. 183-217, 2004a.

NASCIMENTO, Augusto. A passagem de coolies por S.Tomé e Príncipe. Arquipélago: História, 2ª série, Lisboa, p. 77-112, 2004b.

NASCIMENTO, Augusto. Desterro e contrato: moçambicanos a caminho de S. Tomé e Príncipe (1040 a 1960). Maputo: Ed. AHM, 2005.

NASCIMENTO, Augusto. O contrato de moçambicanos para São Tomé e Príncipe: os ziguezagues da política colonial portuguesa de Novecentos. Metis: história e cultura, Caxias do Sul (Rio Grande do Sul), v. 10, n. 19, p. 43-70, 2011.

NOGUEIRA, Silva Cristina da. Constitucionalismo e império: a cidadania no ultramar português. Lisboa: Almedina, 2009.

OLIVEIRA, Luciana Santos; GUIMARÃES TERRA, Lígia. O desterro da memória e outras invenções in The last flight of the flamingo. Letras & Letras, Uberlândia (Minas Gerais), v. 31, n.1, p. 216-226, 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48nspe2/0080-6234-reeusp-48-nspe2-00184.pdf. Acesso em: 13/10/2018

OLIVEIRA MARTINS, Joaquim Pedro. O Brasil e as colónias portuguesas. Lisboa: Parceria António Maria Pereira Livraria Editora, 1920.

PIMENTEL, Maria do Rosário. A abolição do tráfico de escravos e a ação da diplomacia portuguesa. RIHGB, Rio de Janeiro, v. 174, n. 458, p. 81-108, 2013.

POLLACK, Maurice. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.

POLLACK, Maurice. Memória e identidade social. Estudos históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.

RAMOS, Luís de Oliveira. Em torno do Tratado de 1810, Porto. Comunicação proferida na Universidade do Porto1988. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/5433.pdf. Acesso em: 13/09/2018

REIS, Jaime. O atraso económico português em perspectiva histórica (1860-1913). Análise social, Lisboa, v. 20, n. 80, p. 7-28, 1984.

RUNGO, Bartolomeu. Entrevista como historiador e arquivista. Maputo, 17/09/2014

SÁ, José. São Tomé, símbolo do colonialismo, começa também a trilhar a via da liberdade e da justiça. Arq. RM, Revista Tempo, Maputo, Ed.13, 1977.

SEIBERT, Gerhard. Camaradas, clientes e compradores: colonialismo, socialismo e democratização em São Tomé e Príncipe. Lisboa: Vega, 2002.

SEIBERT, Gerhard. Colonialismo em São Tomé e Príncipe: hierarquização, classificação e segregação da vida social. Anuário Antropológico, Brasília, v. 40, n. 2, p. 99-120, 2015.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Revista crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 78, p. 3-46. Disponível em: https://www.ces.uc.pt/myces/UserFiles/livros/147_Para%20alem%20do%20pensamento%20abissal_RCCS78.pdf Acesso em: 13/09/2018. DOI: 10.1590/S0101-33002007000300004

SOUZA CORREA, Sílvio Marcus de. History, memory and commemorations: on genocide and colonial past in South West Africa. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 31, n. 61, p. 85-103, 2011.

TEPERE, Lia-Lia. Entrevista como deportado, São Tomé e Príncipe, 30/12/2013

TOMA, Maristela. A pena de degredo e a construção do império colonial português. Métis: história & cultura, Caxias do Sul (Rio Grande do Sul), v. 5, n. 10, p. 61-76, 2006.

VALÉRIO, Nuno; TJIPILICA, Palmira. Economic activity in the Portuguese Colonial Empire: a factor analysis approach. IEHC Helsinky 2006: Session 103: New Experiences with Historical National Accounts. Paper presented at the 14th International Congress of Economic History, Helsinki, 2006. In: http://www.helsinki.fi/iehc2006/papers3/Valerio.pdf. Acesso em: 13/09/2018

VAZ, Conceição. Entrevista como voluntária da Santa Casa da Misericórdia de São Tomé e Príncipe. São Tomé, 30/12/2013

VIANA, Elsa. Entrevista como Diretora da Santa Casa da Misericórdia de S. Tomé e Príncipe. São Tomé, 30/12/2013

ZAMPARONI, Valdemir. Da escravatura ao trabalho forçado: teorias e práticas. Africana Studia, Campinas, n. 7, p. 299-325, 2004.

Downloads

Publicado

2019-07-24

Como Citar

BUSSOTTI, Luca; MARTINS, Teodora. Marcas do Desterro. Moçambicanos deportados para São Tomé e Príncipe (1947-1961): história, estórias, atualidade. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 11, n. 27, p. 08–42, 2019. DOI: 10.5965/2175180311272019008. Disponível em: https://periodicos.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180311272019008. Acesso em: 20 abr. 2024.