EDITORIAL

Esta edição da Revista Tempo & Argumento circula com duas mudanças que consideramos importantes: ela passa a ser de publicação trianual e, ao mesmo tempo, inaugura a sistemática de apresentar, em cada número, alguns artigos em duas línguas.  Este número, em especial, contou com a colaboração dos professores Cosme Jesús Gómez Carrasco, Jorge Ortuño Molina e Sebastián Molina Puche da Universidade de Murcia (Espanha) que propuseram e organizaram o dossiê História e Pensamento Histórico que reuniu artigos de professores pesquisadores de universidades tanto da Espanha, como da França, EUA, México, Brasil e Austrália.

Com o artigo intitulado Aprender a pensar historicamente. Retos para la historia en el siglo XXI, os professores organizadores do dossiê discutem a necessidade de aprofundar as discussões sobre a epistemologia da história de forma a contribuir para a compreensão histórica. Seus argumentos são desenvolvidos de forma a entender que a história não se resume a acumular informações sobre o passado, mas sim a desenvolver processos complexos de pensamento que possibilitam interpretar os conhecimentos sobre o passado a partir de estratégias próprias da história, como área de conhecimento.

No artigo intitulado Crenças epistêmicas em mudança? Um estudo investigativo do conhecimento entre futuros professores de história, Bruce VanSledright e Kimberly Reddy, a partir de pesquisa com futuros professores de história que frequentaram um curso oferecido em uma universidade dos Estados Unidos, investigam quais as suas crenças em relação ao estatuto epistemológico da história e se estas se modificaram no decorrer deste curso.

Sebastián Plá, professor da Universidad Nacional Autónoma de México, discute os impactos no ensino de história a partir das mudanças implementadas pelo governo nacional nos anos 2000 e 2012. Segundo ele, essas mudanças foram desenvolvidas a partir de avaliações nacionais e internacionais que estabeleceram conteúdos históricos a partir de padrões mensuráveis com a finalidade de desenvolver competências e habilidades para formar um sujeito cognocente universal. Em seu artigo intitulado Qualidade educativa e ensino da história nos governos neoconservadores no México (2000-2012), conclui que “a qualidade educativa e a ideia de sujeito universal são profundamente excludentes em relação a outras formas de pensar o passado dentro da escola”.

Na mesma temática, Benoit Falaize, professor da Universidade de Cergy Pontoise, em seu artigo O ensino de temas controversos na escola francesa: os novos fundamentos da história escolar na França?, discute as transformações no ensino de história na França nas últimas décadas e o rompimento com uma tradição escolar e acadêmica francesa de uma história imóvel e chauvinista, marcada por figuras heróicas cuja história se confundia com a história nacional. Segundo o autor, as mudanças na educação escolar francesa, têm relação com a virada memorial dos anos 1980 que colocou em discussão questões traumáticas da história nacional como o holocausto e a colonização.

No artigo La Historia Social de la familia en España y su repercusión en la Didáctica de las Ciencias Sociales, Juan Hernández Franco  e  Raimundo A. Rodríguez Pérez fazem uma reflexão sobre os impactos dos estudos de história social da família, desenvolvidos tardiamente na Espanha em relação a outros países, no ensino das ciências sociais. Já Raquel Sánchez Ibáñez e Pedro Miralles Martínez no artigo intitulado Pensar a las mujeres en la historia y enseñar su historia en las aulas: estado de la cuestión y retos de futuro, também se propõem a refletir sobre a produção acadêmica sobre a  história das mulheres e seus ecos na educação secundária obrigatória e nos materiais didáticos produzidos, principalmente livros textos. Em ambos os artigos, os autores concluem sobre a dificuldade de levar para os espaços não acadêmicos as contribuições dos estudos dos especialistas de cada área.

O artigo As concepções de verdade histórica e intersubjetividade no conhecimento histórico de jovens estudantes do ensino médio, de Marcelo Fronza, fecha o dossiê História e Pensamento histórico. Nele são investigados como os estudantes de ensino médio entendem a verdade histórica e a intersubjetividade do conhecimento histórico. Para isso, o autor analisou a resposta de jovens de quatro escolas públicas à pergunta: Para você, o que é história?

Além dos artigos do dossiê, este número da Tempo & Argumento traz outras importantes contribuições na forma de quatro artigos, uma entrevista e uma resenha. Renata Meirelles em seu artigo intitulado A Anistia Internacional e o Brasil: o princípio da não violência e a defesa de presos políticos, analisa a partir do conceito de compaixão de Hannah Arendt com foi a atuação da Anistia Internacional durante os governos militares no Brasil. No artigo O retorno do imortal: D. Pedro I mitificado pelos militares nas representações imagéticas das Revistas O Cruzeiro e Manchete no Sesquicentenário da Independência (1972), Cristina Ferreira e Evander Ruthieri Saturno da Silva problematizam as imagens veiculadas por ocasião das comemorações desse acontecimento em 1972. Para isso, os autores utilizaram as reportagens veiculadas nas revistas O Cruzeiro e Manchete, a fim de analisar o esforço empreendido pelo governo brasileiro à época em reconstruir a imagem de D. Pedro I a partir de suas façanhas militares. Memórias e representações dos estudantes secundaristas desaparecidos durante a última ditadura civil-militar argentina (1976 – 1983), discute as representações e memórias produzidas na Argentina pós-ditatorial sobre os desaparecidos. Para sua análise, Marcos Tolentino foca o estudo nos estudantes secundaristas a fim de analisar quais os elementos e os silenciamentos que vão formar as memórias sobre este grupo durante o período ditatorial e também no período democrático. E, fechando a sessão de artigos, Luiz Augusto Mugnai Vieira Júnior, em seu texto intitulado Os debates em torno da ilegalidade do aborto: da luta pela autonomia reprodutiva feminina à esfera legal dos projetos de leis, interpreta as disputas discursivas em torno do tema do aborto no Brasil. O tema, muito atual, dá possibilidades para refletir sobre os discursos em relação à mulher no Brasil, especialmente, os discursos morais sobre esta questão.

Na resenha Ditadura e democracia: entre memórias e história, os mestrandos Hudson Campos Neves e Luisa Rita Cardoso analisam o livro de Daniel Aarão Reis Filho, Ditadura e Democracia no Brasil: do Golpe de 1964 à Constituição de 1988, publicado este ano pela editora Zahar. O livro, escrito por um especialista no tema, traz uma importante contribuição para o debate no ano em que se completam 50 anos da deposição do poder de João Goulart.

Para fechar esta edição, apresentamos a entrevista com a historiadora María del Mar del Pozo Andrés, da Universidade de Alcalá-de-Henares, na Espanha. Em Escribir una biografia es una experiencia investigadora fascinante, a professora espanhola dialoga com o  Norberto Dallabrida  sobre a experiência de escrever uma biografia, dos documentos utilizados e das escolhas teórico-metodológicas para acessar o passado a partir de uma perspectiva micro-macro da história.

A todos e todas desejamos uma boa leitura.

 

 

  Luciana Rossato e Maria Teresa Santos Cunha
Editoras-Chefe