http://dx.doi.org/10.5965/2175180316412024e0105
Recebido: 31/07/2023
Aprovado: 06/03/2024

Responsabilidade fiscal e reforma do Estado brasileiro (1998-2000)

Janaína Rigo Santin
Universidade de Passo Fundo
lattes.cnpq.br/3213900043864696
janainars@upf.br
orcid.org/0000-0003-1461-5367

Resumo

Em épocas de crise econômica e de redução cada vez maior da atuação do Estado na execução direta das políticas públicas, sob a alegação de que não tem mais condições financeiras de arcar com a dívida social para com seus cidadãos, percebe-se o enfraquecimento das tutelas constitucionais destinadas a alcançar a justiça material entre os cidadãos e o déficit na prestação dos serviços públicos. Ao lado dos problemas orçamentários e de concretização dos direitos sociais, denuncia-se a malversação das verbas e a apropriação privada da coisa pública, já há muito constatadas na historiografia brasileira. Essa forma de conduzir a res publica prejudica a todos, já que faz com que o contribuinte arque com as consequências da má gerência e aplicação dos recursos públicos, seja por meio do aumento de impostos, seja pela redução dos investimentos ou pelos cortes nos programas sociais. Considerando essa problemática, e pelo método dedutivo e de pesquisa na legislação e na bibliografia do período entre 1998 a 2000 no Brasil, este artigo objetiva analisar a mais recente Reforma Administrativa brasileira, com a introdução do princípio da eficiência e do gerencialismo na Administração Pública. Por fim, analisará a Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e as alterações que ela trouxe na concretização de uma administração gerencial e participativa.

Palavras-chave: lei de responsabilidade fiscal; reforma gerencial; princípio da transparência; princípio da eficiência; controle social.

É muito desagradável, portanto, a constatação de que a maioria dos principais de um Estado sejam pessoas desonestas e de que os inferiores sejam pessoas de bem; de que aqueles sejam mentirosos e de que os segundos aceitem ser suas vítimas (Montesquieu, 2003. p. 38-39).

Introdução:

Com vistas a enfrentar o clientelismo e a apropriação privada da coisa pública, fatores históricos na Administração Pública brasileira, este artigo dedica-se à apreciação de um instrumento que visa racionalizar as finanças estatais, e está disponível ao agente controlador e à própria sociedade, sendo importante no resgate da lisura e da ética no exercício do poder: a responsabilidade fiscal. Trata-se de um dever que exige, daqueles que administram a coisa pública, eficiência e responsabilidade no manejo dos recursos, agindo com transparência, prestando contas e vinculando-os aos ditames constitucionais, sem criar déficits orçamentários.

Tem-se como marco regional: a história política brasileira; e como marco temporal: o período da Reforma do Estado mais recente, que iniciou no governo do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) com o Plano Diretor de Reforma do Estado Brasileiro de 1995 e o Programa de Estabilidade Fiscal. Destaca-se que essa reforma foi elaborada e ficou sob a responsabilidade do então Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira (1996), que na sequência editou a Emenda Constitucional n. 19/1998 (Emenda da Reforma Administrativa), a qual inseriu o princípio da eficiência no regime jurídico administrativo brasileiro. Esses serão os principais diplomas normativos aqui estudados, os quais visaram superar o modelo de administração patrimonialista e, posteriormente, burocrática, para introduzir um modelo de administração pública gerencial. E finaliza-se o período estudado no ano de 2000, quando se editou a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000), elemento fundamental no programa de reforma do Estado brasileiro. O método utilizado foi o dedutivo, a partir de fontes extraídas da legislação da época, bem como de revisão bibliográfica.

1. Plano Diretor de Reforma do Estado Brasileiro e Emenda Constitucional n. 19/1998

Ao se analisar a (re)democratização brasileira, é possível constatar que foi um “processo de transição controlado e executado por etapas” (Schwarcz; Starling, p. 470), com acordos entre os moderados do MDB e os apoiadores do regime militar, da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), bem como de entidades da sociedade civil, como CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e ABI (Associação Brasileira de Imprensa).

Trata-se de um processo complexo e em contínua e permanente reafirmação[1], com diversas facetas. Após o golpe civil-militar de 1964, e anos de violações dos direitos humanos e autoritarismos por parte do governo militar, iniciou-se a transição em 1975, com a importante atuação dos generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, com a aliança das entidades acima descritas, que entendiam a necessidade de um “processo de descompressão do sistema político” (Schwarcz; Starling, 2000, p. 465) e uma “abertura controlada” (Schwarcz; Starling, 2000, p. 469) do governo militar. Importa destacar que esta pesquisa vai privilegiar a faceta política, econômica[2] e jurídica da (re)democratização, com o estudo da legislação que veio a seguir à Assembleia Nacional Constituinte de 1988 (problema de pesquisa).

Em execução dessa transição negociada, em 1979, houve a reforma partidária, a fim de possibilitar o pluralismo político no país, ainda hoje um dos objetivos da República. Porém, em verdade, a estratégia dos militares nessa abertura era enfraquecer e dividir a oposição, composta na época pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Assim, nas eleições para governadores dos estados de 1982, cinco novos partidos concorreram: Arena, reorganizada em PDS (Partido Democrático Social); o MDB, transformado em PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro); o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) recriado para apoiar o governo. Além desses, houve duas novas oposições: o PT (Partido dos Trabalhadores) e o PDT (Partido Democrático Trabalhista).

Outros exemplos da transição negociada podem ser verificados no fim do AI-5 em 1978, e na Lei da Anistia[3], que foi publicada em agosto de 1979 pelo então presidente João Batista Figueiredo, com o retorno dos exilados ao país. Porém, dez anos se passaram para que “o último general da ditadura deixasse o Palácio do Planalto”. Nesse sentido, “a redemocratização seguiu aos trancos e barrancos, mas a oposição logrou alterar os rumos da transição”, com o desenvolvimento de organizações da sociedade civil de esquerda, bem como movimentações de forças políticas no interior da caserna. Grandes greves se seguiram para pressionar o governo por democracia, o que se chamou “novo sindicalismo brasileiro” (Schwarcz; Starling, 2000, p. 476), agora liberto dos “pelegos”, e com capacidade para “negociar contratos coletivos diretamente com os empregadores e se movimentar longe da Justiça do Trabalho” (Schwarcz; Starling, 2000, p. 477).

Porém, uma emenda à Constituição de 1969 foi deveras relevante no processo, quando em 1983, o deputado Dante de Oliveira (PMDB/MG), juntamente com uma coalisão de partidos de oposição no Congresso, propôs eleições diretas por meio da Emenda Constitucional n. 5/1993, denominada “Dante de Oliveira” (seu propositor). Essa emenda visou instituir eleições diretas para todos os cargos políticos no país, e contou com amplo apoio da população, que organizou o movimento das “Diretas-Já” e foi às ruas, com manifestações em todos os lugares do país. Porém, a situação se articulou e a proposta foi derrotada no Congresso. Assim, as primeiras eleições da redemocratização deram-se de forma indireta, pelo Congresso Nacional.

Foi eleito o mineiro Tancredo Neves, o qual adoeceu e morreu antes da posse como presidente do país. Seu Vice, José Sarney, ex-integrante da ARENA, assumiu interinamente o governo e convocou a Assembleia Constituinte para a elaboração da Constituição Federal de 1988, promulgada em 05 de outubro de 1988, e batizada pelo então Presidente da Assembleia Constituinte, Deputado Federal Ulisses Guimarães, que a denominou “Constituição Cidadã” (Santin, 2017). Com 250 artigos, acrescidos de mais 98 artigos das disposições constitucionais transitórias, é a Constituição mais longa da história brasileira e ainda vigente. Foi, igualmente, a que mais propiciou o debate democrático do país e, por isso, o seu apelido.

Porém, também houve revezes. Na sua elaboração, alguns grupos dentro do PMDB formaram o “Centrão”, bloco conservador com poder de barganha junto ao presidente à época, Sarney, que soube usar a seu favor essa prática clientelística (presente e articulado ainda hoje, independente do partido que esteja no Governo Federal). Contudo, com o descontentamento de mais da metade da bancada com o Centrão à época, dividiu-se o PMDB, com o surgimento do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), formado pelos constituintes dissidentes (Schwarcz; Starling, 2000, p. 489).

Conforme relatado, a participação popular, tanto individual quanto por meio de movimentos sociais, foi muito ativa no processo constituinte, o que possibilitou uma Constituição capaz de alternar dispositivos liberais com princípios de um Estado Social. Porém, por ser um texto muito analítico e conter normas que não eram materialmente constitucionais, desde o seu início, teve muitas dificuldades de efetivação. Um exemplo foi quando, logo após a sua promulgação, os seus artigos 163 a 169 foram impactados por alterações advindas das Emendas Constitucionais (de n. 3/93 e 19/98); por Leis Complementares (de n. 82/95 e 96/99); e por Leis Ordinárias (de n. 9.276/96; 9.692/98 e 9.491/97). O mesmo ocorreu no artigo 37, que instituía o regime único para os servidores públicos federais, posteriormente alterado pela Emenda Constitucional 19/98 (extinguindo o regime jurídico único), a qual introduziu o modelo neoliberal de gestão administrativa e o princípio da eficiência na Administração Pública brasileira (Serra, 2000, p. 193-215; Santin, 2017). Esse assunto será melhor abordado a seguir.

Tais alterações no texto constitucional fizeram parte do processo de reforma do Estado brasileiro, capitaneado por Luiz Carlos Bresser Pereira, e que congregou a emenda constitucional n. 19/98, bem como a legislação infraconstitucional, na sequência analisadas. A nova reforma administrativa (a anterior ocorreu com a criação da Administração Indireta e a descentralização das atividades administrativas no país, pelo Decreto-Lei 200/67) iniciou com a edição do Plano Diretor de Reforma do Estado Brasileiro (1995); e, posteriormente, foi lançado o Programa de Estabilidade Fiscal e aprovada a Emenda Constitucional de n. 19 da Reforma Administrativa. Essa importante reforma visou superar o modelo burocrático da administração pública brasileira, ao introduzir normas e orientações para a implementação de uma Administração Pública gerencial, seguindo uma tendência mundial de Reformas neoliberais, em especial nos países devedores do Fundo Monetário Internacional (Pereira, 1997).

Assim, esse processo de reformas introduziu o princípio da eficiência no regime jurídico-administrativo público, sob justificativas de controle da inflação, estabilidade, redução do déficit fiscal, necessidade de superação do paradigma burocrático da Administração Pública – acusado de ser caro, ineficiente, moroso, arcaico e não profissional –, o qual deveria ser substituído por práticas utilizadas no setor privado. A anterior valorização extrema do princípio da legalidade e a morosidade na atuação da Administração Pública, em que os procedimentos se tornavam um fim em si mesmos, passaram a conviver com a necessidade de eficiência no serviço público. Assim, a partir da introdução do princípio da Eficiência no regime jurídico administrativo e da adoção do modelo de administração gerencial, o que se busca no país é uma gestão de resultados, capaz de atingir o interesse público com maior eficiência, racionalidade, qualidade e agilidade.

Na sequência ao disposto na Reforma Administrativa e com a nova diretriz gerencial editou-se, em 4 de junho de 2000, a Lei Complementar n. 101, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual dispôs sobre princípios fundamentais e normas gerais de finanças públicas, além de regulamentar os artigos 163 e 169 da Magna Carta e alterar a Lei Complementar n. 64/1990. Seu projeto foi lançado para apreciação do Congresso Nacional pelo Poder Executivo da época, na pessoa do então Presidente Fernando Henrique Cardoso. Tratava-se do Projeto de Lei Complementar de n. 18/99 (o qual veio a se transformar na Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal), e visou regulamentar os artigos 163 a 169 da Constituição Federal de 1988.

Na exposição de motivos interministerial de n. 106, de 13 de abril de 1999, apresentada pelos então ministros Pedro Parente, Pedro Malan e Waldeck Ornélas para o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, a fim de justificar a proposta da Lei de Responsabilidade Fiscal, deixa-se bem claro ser ela parte integrante do conjunto de medidas do Programa de Estabilidade Fiscal para resolver a questão da dívida pública, com a redução do déficit em relação ao Produto Interno Bruto da economia. E, para preparar a sua edição, o Governo Federal da época, de início, buscou a reestruturação das dívidas dos Estados e Municípios e a reorganização do sistema bancário nacional, a fim de obter um ambiente mais propício às reformas. Pode-se destacar na exposição de motivos o seguinte:

entendemos que a combinação desse ambiente fiscal mais favorável com a aprovação de uma norma que estabelece princípios norteadores da gestão fiscal responsável, que fixa limites para o endividamento público e para a expansão de despesas continuadas, e que institui mecanismos prévios e necessários para assegurar o cumprimento de metas fiscais a serem atingidas pelas três esferas de governo, é a condição necessária e suficiente para a consolidação de um novo regime fiscal no país, compatível com a estabilidade de preços e o desenvolvimento sustentável (BRASIL, 1999, p. 2).

Conforme prelecionam Motta e Fernandes, “O trabalho infraconstitucional percorreu lentas e penosas etapas até atingir o formato da atual Lei de Responsabilidade Fiscal". A primeira versão do Anteprojeto do Regime de Gestão Fiscal Responsável tinha 111 artigos, e se deu em 1998. A segunda versão, substituindo a anterior, designava-se Anteprojeto de Lei Complementar 18/99, também com 111 artigos, encaminhada à discussão para Câmara dos Deputados em 1999, acompanhada da Mensagem Presidencial n. 485. A terceira versão assumiu a forma da Sub-Emenda Substitutiva, elaborada pelo deputado Pedro Novais, em 20/01/2000. A quarta trata-se do Projeto de Lei Complementar n. 18-D, de 01/02/2000, com 76 artigos, também apresentada pelo deputado Pedro Novais. A quinta versão é o Projeto de Lei Complementar n. 18-E, de 02/02/2000, reduzindo a 75 artigos. Foram ainda promovidas pela Comissão Especial várias audiências públicas para a discussão dos projetos de lei. A versão definitiva da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101) foi publicada em 4 de maio de 2000, passando a viger no dia seguinte (Motta; Fernandes, 2001, p. 23-26).

Essa visão retrata uma tendência de reforma orquestrada pelo Banco Mundial aos países que lhe eram devedores, pois um dos principais aspectos da evolução das práticas clientelísticas e patrimonialistas, bem como práticas burocráticas e morosas, diz respeito ao modo de governar. Ou seja, superar o modelo estatizante e alcançar um Estado gerencial, semelhante à administração privada, que funcione principalmente como regulador da economia.

Com o processo de globalização neoliberal, verificou-se uma grande interferência dos novos "donos do poder", em especial do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), no processo de produção de tutelas jurídico-políticas dos países devedores, realizando injunções não apenas na condução das políticas públicas do País, como também na própria normatização legal. Tal situação gerou, muitas vezes, tanto uma crise de legitimação do poder estatal, quanto um déficit democrático, eis que as pessoas eleitas pelos mecanismos representativos para integrar os Poderes do Estado, responsáveis pela formação e concretização das tutelas jurídico-políticas, acabavam não tendo a autonomia necessária para o exercício das funções que são de sua competência por determinação constitucional. Na reflexão de Flávio Régis Xavier de Moura e Castro sobre o projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal proposto pelo Governo Fernando Henrique Cardoso,

para atender às exigências oriundas do FMI, do Banco Mundial e dos Estados Unidos da América, a União Federal apresentou o Projeto de Lei Complementar 18/99 – atual Lei Complementar 101/2000 –, incluindo-o em seus objetivos de reforma de caráter estrutural previstos no programa em curso de estabilidade fiscal e macroeconômica. Aliás, se compararmos algumas normas da referida lei com o Código de Boas Práticas para a Transparência Fiscal – Declaração de Princípios (disponível no site oficial do FMI na Internet) –, chegaremos à inequívoca conclusão de que vários conceitos e regras ali estabelecidos são mesmo para atender às condições impostas pelo FMI e assegurar o que o Comitê Interino denomina 'boa governança'. Tanto é assim, que na apresentação do referido Código consta: 'Graças a sua experiência na área de gestão das finanças públicas e à universalidade de seus países membros, o FMI está bem situado para liderar a promoção de uma maior transparência fiscal. Assim, o Comitê Interino procura estimular os países membros a aplicarem o presente Código' [...] desta feita, resolvem-se todas essas questões de uma única vez e através de uma só lei, ou seja, satisfazem-se as imposições dos credores estrangeiros e cumpre-se a ordem emanada da Reforma Administrativa, até mesmo para dar continuidade a sua execução (Castro, 2001. p. 17-18).

A Lei de Responsabilidade Fiscal traz em si vários paradoxos como, por exemplo, de um lado, traz implicações sociais pois retira o Estado do seu âmbito de atuação na busca da justiça material; por outro lado, seus mecanismos de prestação de contas, de controle de resultados e de transparência mostram-se instrumentos relevantes na luta pelo combate à corrupção. Ou seja, é um mecanismo neoliberal de diminuir o tamanho do Estado e reduzir suas atribuições no que tange à prestação direta e imediata dos serviços e políticas públicas destinadas a efetivar os direitos fundamentais e a uma maior justiça material. Porém, traz o lado positivo de ser um instrumento para frear algo muito nocivo na gestão pública brasileira, que é histórico e nefasto e atinge a efetividade dos direitos fundamentais: a corrupção, a malversação dos recursos públicos e a falta de transparência e republicanismo nos atos e decisões de governo.

Talvez o aspecto fiscal do princípio da transparência tenha apresentado proeminência na Lei de Responsabilidade Fiscal brasileira por ter sido baseado na experiência do ordenamento jurídico fiscal neozelandês, além dos estudos dedicados ao tema por organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, os quais defendem a adoção de métodos e práticas transparentes por parte de seus países membros, tendo em vista que a Transparência fiscal

representaria uma importante contribuição à boa governança, pois promoveria um debate público mais bem informado sobre a concepção e os resultados da política fiscal, ampliaria o controle sobre os governos no tocante à execução dessa política e, assim, aumentaria a credibilidade e a compreensão das políticas e opções macroeconômicas por parte do público. Num ambiente de globalização, a transparência fiscal reveste-se de considerável importância para alcançar a estabilidade macroeconômica e o crescimento de alta qualidade (Fondo Monetario Internacional, 1999).

Para tanto, o FMI elaborou regras sobre transparência fiscal, com disposição franqueada eletronicamente, denominada de Código de Buenas Prácticas de Transparencia en las Políticas Monetarias y Financieras: Declaración de Principios, elaborado por seu Comitê Provisional em 26 de setembro de 1999, o qual foi acompanhado de um Manual de Transparência Fiscal destinado especificamente ao Brasil (2007), recomendando aos países devedores a adoção de princípios e normas referentes à transparência da gestão pública fiscal, a fim de otimizar a gestão fiscal em seu âmbito.

Esse Código foi destinado para conduzir as políticas monetárias e financeiras dos bancos centrais e dos organismos financeiros membros e integrantes do FMI, prevendo uma variada gama de marcos de política monetária e financeira. Nesse sentido, o Código recomendado pelo FMI apresenta quatro princípios gerais para a transparência: a) definição clara de funções e responsabilidades dos agentes e órgãos públicos; b) acesso público às informações fiscais; c) abertura para a sociedade na preparação, execução e prestação de contas do orçamento; d) garantia de integridade na divulgação das informações fiscais.

Entende-se que a adoção do princípio da transparência pelos bancos centrais dos países permitirá uma melhor compreensão por parte da população das metas que se deseja alcançar, proporcionando um ambiente favorável para o controle social possibilitado pela justificação e legitimação das decisões políticas, o que favorece a eficácia da política monetária do país. Além disso, oferece ao setor privado uma descrição clara dos motivos basilares da política nacional, reforçando a credibilidade do país perante a comunidade internacional. Já a transparência dos organismos financeiros também contribui para a eficácia da política financeira, por permitir que os participantes no mercado financeiro avaliem melhor o contexto mundial das políticas financeiras, reduzindo-se a incerteza no processo decisório e fomentando a estabilidade financeira e sistêmica, permitindo ao público compreender as regras do jogo, além de criar condições para a responsabilização pública dos organismos financeiros por suas decisões, o que poderia reduzir as possibilidades de risco moral. Mas, para o Código, a transparência não é um fim em si mesmo, nem um substituto da aplicação de políticas públicas adequadas. É um meio, instrumento, complementar ao acerto e eficácia das políticas públicas (Fondo Monetario Internacional, 1999).

A Nova Zelândia foi pioneira na transparência da gestão fiscal em 1994 (note-se que o Fundo Monetário Internacional elaborou seu manual de transparência em 1997)[4]. É, portanto, algo recente nos ordenamentos jurídicos em todo o mundo. O Brasil, seguindo essa diretriz, em 1998, elaborou o projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal, inserindo também a transparência em seu rol de princípios setoriais, projeto esse que tramitou por dois anos, vindo a ser sancionado e publicado somente no ano de 2000.

Há alguns países que possuem maior facilidade em concretizar o princípio da transparência na condução da coisa pública por já possuírem uma tradição de accountability de seus governantes e, em decorrência, há uma maturidade maior nas suas instituições e no seu povo (Campos, 1990). Os Estados Unidos da América são um exemplo claro disso. A sociedade organiza-se para o estabelecimento de mecanismos de controle em sua própria defesa, inclusive como elemento de pressão sobre o Estado e sobre as outras organizações sociais, como partidos políticos, sindicatos e corporações de toda natureza[5].

O atendimento do princípio da transparência cria uma atmosfera de cautela nos atos praticados pelo gestor público e na condução dos negócios públicos, fortalecendo a governabilidade do poder estatal[6]. E a Lei Complementar 101/2000 dispôs em seu artigo 48 que são instrumentos de transparência da gestão fiscal: "os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos" (Brasil, 2000). E o parágrafo 1⁰ aponta que o princípio da transparência na gestão fiscal também será assegurado mediante “I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.” No inciso II, assegura “pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público”; e no inciso III: “adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A.”[7]

Os governantes são eleitos para realizar o interesse público e atender à legislação e às necessidades dos cidadãos e, para isso, precisam agir de maneira transparente e prestar contas de seus atos para a população. Não há como controlar o que não se conhece, por falta de acesso a dados e a informações. O princípio da transparência, especialmente na gestão orçamentária, visa levar ao conhecimento público privilégios tributários e financeiros, como renúncias de receita, porque possuem a "aptidão de ferir os direitos humanos do contribuinte" (Torres, 2000, p. 261). Evita-se, com tais cuidados, a cultura política patrimonialista, combatendo-se a malversação das verbas públicas, a corrupção e o favorecimento a interesses privatísticos em detrimento do interesse público.

Mediante o aprimoramento do princípio da transparência obtém-se um controle substancial e efetivo da máquina administrativa, realizado por aqueles que são o fim último do Estado, para os quais ele depende e justifica a sua existência, que é a população, a sociedade, a cidadania. É dela que vem os recursos para a manutenção da máquina administrativa. É ela a diretamente atingida pelas políticas públicas realizadas pelos gestores e é ela que sofre o ônus do mau emprego e/ou desvio do dinheiro público. É para a população que são estabelecidos os serviços públicos e demais atividades burocráticas estatais, cujos servidores são remunerados com parte da receita pública advinda de suas contribuições. Dessa forma, essa mesma população tem o direito e o dever de cobrar dos agentes políticos e da burocracia que seu agir seja conforme as aspirações sociais e o interesse público.

É fundamental que o administrador esteja obrigado a dar satisfação de seus atos. Não é mais possível continuar com uma tradição de conferir ao gestor um poder absoluto na condução dos negócios públicos, como se fosse um "cheque em branco". Seu limite é a lei e os princípios administrativos, e o objetivo a ser alcançado é o Interesse público. Por essa razão, para verificação se o interesse público está sendo observado em efetivo é que a Lei de Responsabilidade Fiscal desenvolveu um sistema de monitoramento e correção das políticas públicas e da gestão orçamentária, o qual está acompanhado das competentes sanções. Garante-se, além do controle formal e social, a credibilidade pública para investimentos externos[8].

Deve o gestor público dar satisfação de seus atos, com a mais absoluta transparência. Detalhar em minúcia e com linguagem clara e de fácil compreensão ao público leigo as rotinas a serem adotadas pelo ente ou poder, sendo obrigatória a sua intensa divulgação inclusive por meios eletrônicos de amplo acesso ao público. Trata-se de combater o comportamento irresponsável dos governantes, um dos principais problemas dos administradores públicos em âmbito mundial. Ou que ajam de modo irresponsável, incorrendo em custos com que não tenham condições de arcar a posteriori (Cavalcanti, 2001, p. 74).

Assim, a Lei Complementar 101/2000 disciplinou com amplitude e inovação questões fiscais macroeconômicas, pois todo governo é igual perante a Lei de Responsabilidade Fiscal, sujeito às mesmas normas, condições e limites. Não caberá mais à União assumir dívidas de governos estaduais e municipais (artigos 34 a 37 da Lei de Responsabilidade Fiscal). E foi inovadora porque, apesar de ter sido concebida com inspiração da legislação americana, europeia e neozelandesa, foi adaptada à realidade nacional a partir da fixação de princípios definidores da gestão fiscal responsável, estratégia sem precedentes no Estado brasileiro e com poucos paralelos na legislação alienígena (BRASIL, 1999, p. 2).

Objetivou construir um regime fiscal capaz de assegurar o "equilíbrio intertemporal das contas públicas, entendido como bem coletivo, do interesse geral da sociedade brasileira, por ser condição necessária para a consolidação da estabilidade de preços e da retomada do desenvolvimento sustentável" (BRASIL, 1999, p. 3). Ou seja, a Lei de Responsabilidade Fiscal e as Emendas à Constituição Federal de 1988 fizeram parte da implementação do referido Plano Diretor norteador da Reforma do Estado brasileiro que iniciou em 1995 e que, de certo modo, segue até hoje. Essa profunda reforma constitucional ainda inclui as reformas previdenciária, judicial, tributária e trabalhista, quase todas elas já implementadas[9].

Pode-se dizer que a Lei de Responsabilidade Fiscal é um marco legislativo na Administração Pública brasileira, estabelecendo um conjunto de diretrizes que objetivam dar uma forma mais republicana à gestão pública do país, responsabilizando os gestores públicos que não seguirem uma gestão fiscal equilibrada. Proíbe-se a renúncia de receitas e o aumento irresponsável das despesas públicas (especialmente no que tange às despesas de pessoal), para as quais sempre deverá haver uma correspondente receita capaz de ampará-las (Brasil, 2000, art. 15-17).

2. O combate à inflação e a Lei de Responsabilidade Fiscal

A década de 1990 foi significativa para o avanço das ideias neoliberais em âmbito mundial. Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto, tratou-se de uma fase do capitalismo global na qual se evidenciaram as diferenças e debilidades entre países, em especial no que tange à segurança das atividades dos agentes econômicos atuantes em âmbito mundial. Visando obter investimentos internacionais, os países deveriam proporcionar condições de confiabilidade e eficiência nas transações. Com isso, conquistariam uma imagem de "segurança e equilíbrio" especialmente no que tange à confiabilidade das instituições, garantias tributárias e estabilidade monetária, as quais ainda permanecem como indicadores que balizam o denominado "custo-país".

Ou seja, tais fatores, quando agregados ao desequilíbrio fiscal dos governos, aumentam o "risco-país" ou também chamado de "custo-país", índice que baliza os investimentos externos em um país. Assim, em especial na última década do século XX, passou-se a admitir um consenso generalizado sobre a necessidade de uma reformulação do Estado para merecer credibilidade perante a comunidade internacional e captar investimentos de outros países. O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial fortaleceram a difusão desse ideário, em especial nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, que dependem de seus empréstimos: um "Estado gastador e descompensado, no mínimo intranquiliza a sociedade, inibe os empresários e assusta os investidores, inviabilizando qualquer projeto nacional de desenvolvimento auto-sustentável" (Moreira Neto, 2001, p. 45).

Para pagar suas contas e financiar os contínuos déficits por que passava a máquina administrativa até 1994, o Governo brasileiro precisava imprimir papel-moeda e lançá-lo no mercado. Tal mecanismo era extremamente pernicioso, por aumentar de modo considerável a inflação, diminuindo cada vez mais o valor da moeda e, por consequência, seu poder de compra. Para combater a hiperinflação foram editados inúmeros planos econômicos, sugerindo congelamento de preços e até mesmo confisco. Nada disso adiantou para estabilizar a inflação. Dessa forma, em 1994, no governo do Presidente Itamar Franco, fora editado o Plano Real, visando atingir a estabilidade econômica. Para o sucesso deste plano, o Governo Federal passou a emitir títulos da dívida pública, a fim de cumprir seus compromissos financeiros, deixando de emitir papel-moeda e estabilizando a inflação.

Ocorre que, para que tais títulos fossem adquiridos por investidores internos e externos (que traziam capital aos cofres públicos brasileiros), era preciso haver taxas de juros atraentes. E foi assim que o Brasil conseguiu conter a inflação, à custa de uma política de juros altíssimos, um dos maiores do mundo. Entretanto, esse mecanismo também tem seus "poréns". Trocou-se a dívida externa, contraída com o FMI e o Banco Mundial, por uma dívida interna, decorrente da emissão de Títulos do Tesouro Nacional, adquiridos livremente no mercado financeiro. Esse tipo de arranjo das contas públicas aumenta consideravelmente de valor em face da política de juros altos. Com isso, se enfraquece o setor produtivo brasileiro e, em consequência, se aumenta o desemprego, gerando enormes desigualdades. Em verdade, com o Plano Real, quem efetivamente lucrou foi o mercado financeiro, que investiu na compra de títulos brasileiros buscando lucros fáceis e rápidos. Um capital extremamente volátil, que não representa investimento no setor produtivo nacional, não gera empregos nem favorece o crescimento do país (Santin, 2001).

Os principais fatores da crise fiscal brasileira da década de 1990 foram os seguintes: em primeiro lugar, a inflação, situação que mascarou a real situação das contas públicas do governo ao longo do tempo. Em segundo lugar, o endividamento dos entes federativos e da Administração Indireta, em todos os níveis e em todos os poderes, o qual sempre foi muito superior a sua real capacidade de pagamento. Em terceiro lugar, a inflação e os orçamentos fictícios: os orçamentos contemplavam valores fenomenais e genéricos, supostamente suficientes para acomodar as demandas dos entes federativos, enquanto a inflação, de forma implacável, encarregava-se de fazer o ajuste. A inflação sempre representou um mecanismo fictício de tributação, uma das formas mais violentas de tributação do país. Até o ano de 1994, chegava-se a índices de 30% até 90% ao mês. As classes mais abastadas, que tinham condições de possuir contas bancárias, investiam no Overnight[10] a fim de recompor o patrimônio da noite para o dia.

Entretanto, quem pagava essa conta era a maioria da população, aqueles que não tinham conta bancária e, portanto, não aplicavam no Overnight, possuidores de um salário miserável que era corroído pela inflação, o qual era gasto totalmente para sua subsistência. Foram esses cidadãos que pagaram essa conta, pois a inflação desabava sobre os produtos que eles pagavam nos supermercados para adquirir a cesta básica. Esse tipo de inflação age como uma questão tributária. Ou seja, uma forma perversa de tributação que atingia os mais fracos e aumentava os desequilíbrios econômicos entre classes sociais.

Em quarto lugar, verificou-se como fator de desequilíbrio fiscal a utilização, pela própria Administração Pública, da inflação ao seu favor. Na época inflacionária, o administrador público, em vez de cumprir com seus compromissos e investir na máquina administrativa, aplicava no Overnight para lucrar sobre a inflação. Na época, muitas vezes aplicando-se 15 dias no Overnight rendia aos gestores públicos uma folha de pagamento. Logo, o gestor público atrasava os pagamentos dos fornecedores e dos servidores, aplicava o valor e depois pagava os débitos com atraso. Era uma grande fonte de lucro por um lado, mas um procedimento extremamente indevido da Administração Pública, por outro.

Aquela que tinha a obrigação de acabar com a inflação fazia justamente o oposto, investia na inflação e mascarava as contas públicas. Pois, ao contrário do que os balanços mostravam, não havia geração de riqueza, mas sim recomposição do patrimônio público à custa daqueles que não investiam no sistema financeiro. Era uma distorção das contas públicas, pois o orçamento creditava determinadas cifras, mas na realidade não havia tal valor. Este era obtido por meio de aplicações no Overnight ou em operações de crédito.

Em quinto lugar: o aumento dos gastos públicos, já que, como as contas aparentemente estavam em superávit, o governo passou a conceder vantagens despropositadas para os servidores. Foram feitos, também, investimentos milionários e indevidos com obras faraônicas, muitas vezes em longo prazo e sem o devido interesse público, os quais não cabiam no orçamento. Tudo isso gerou uma hiperinflação nefasta, a que se sujeitou a população brasileira durante grande parte da redemocratização pós 1988.

Com a implantação do Plano Real, a partir de 1994, e o estabelecimento de uma maior estabilidade na economia, com relativa suspensão do sistema inflacionário, passou-se a verificar um fenômeno curioso nas administrações públicas brasileiras. Não havia mais riqueza para investir ou para suportar as despesas previstas. Não havia mais o lucro advindo do Overnight. A partir de então, o grau de endividamento da Administração Pública cresceu em escala exponencial. Em muitos entes, a despesa com pessoal esteve acima de 90%. Ora, se só com despesas de pessoal atingia-se 90%, como o gestor público manteria o resto da máquina, com os serviços públicos e investimentos? (Mileski, 2002).

Com efeito, localizam-se na época como as principais causas da insegurança institucional do país o desequilíbrio monetário e a crise das finanças públicas; eis que a má gestão desses dois setores foi a razão para o grave aumento do endividamento público e o descontrole da inflação, além de, em consequência, abrir as portas para a fuga de capitais. E, nesse sentido, o Código de Boas Práticas para Transparência Fiscal do FMI pregava que uma correta e responsável condução das finanças públicas, processada mediante as "boas técnicas do orçamento e da gestão financeira e, sobretudo, pelo cultivo da responsabilidade fiscal, seria o antídoto adequado para esses males" (Moreira Neto, 2000, p. 71-93).

Moreira Neto traz uma análise que até os dias atuais é aplicável: com um adequado planejamento fiscal é possível combater o déficit público (quando os governos gastam mais do que arrecadam); a dívida pública (expressão do déficit, que se transfere de um orçamento para o outro como restos a pagar); e o endividamento público (instalado de modo crônico no processo de acumulação da dívida pública, prejudicando a prestação dos serviços sociais e a realização de novos investimentos ante a absorção considerável de recursos para seu serviço e amortização) (Moreira Neto, 2000, p. 71-91).

Confiança vem a ser a palavra imperante. Nesse sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal tem o seguinte objetivo, descrito na sua ementa: "estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências". Traz em seu texto inúmeras regras a serem aplicadas no curso da formulação e execução orçamentárias no intuito de conferir maior equilíbrio, lisura, transparência, controle e responsabilidade na condução da coisa pública, bem como insere na política fiscal brasileira novos princípios para além daqueles observados no artigo 37 da Constituição Federal de 1988.

Para Moreira Neto, a lisura do instrumento orçamentário e a institucionalização de vigorosos padrões de responsabilidade são mecanismos aptos para recuperar a confiança na economia de um país, combatendo a cultura histórica de se ter uma peça orçamentária meramente "decorativa", simulada, fato observado nos três níveis federativos brasileiros e que se mostra uma "espantosa e inexplicável exceção ao Estado de Direito". Para combater tais práticas é preciso concretizar os dispositivos constitucionais estipuladores do "orçamento-programa", projeto há muito idealizado, mas de difícil realização. Uma gestão arbitrária das finanças públicas gera insegurança à população, além de configurar-se um "cínico falseamento da democracia e uma traição institucionalizada da vontade popular" (Moreira Neto, 2000, p. 71-93).

O orçamento não pode ser mera peça formal, mas é uma lei que deve ser cumprida, pelo respeito à legalidade e legitimidade. A importância do orçamento público equilibrado é evitar uma situação falimentar e a própria inviabilização das políticas públicas estatais, eis que para cobrir os enormes déficits fiscais existentes, não raro os Estados usaram uma política de aumento de tributos generalizada, tal como ocorreu no Brasil, um dos países com a maior carga tributária no mundo[11]. E quando não há mais possibilidades de aumentar a carga tributária, passa-se a emitir papel-moeda, para que o governo possa pagar suas contas. Mas esse é um processo inflacionário, conforme já analisado, que prejudica o processo produtivo do país e corrói os ganhos dos cidadãos (Sader, 1999).

Da mesma forma, realizam-se operações de crédito para a obtenção de recursos, tanto nacionais quanto internacionais. Ocorre que, com a utilização desmedida de operações de crédito, há um endividamento generalizado que acaba por inviabilizar o próprio funcionamento estatal, beirando ao grau da insolvência. Nessa crise generalizada e monumental, não havia mais recursos a serem investidos no setor produtivo capazes de gerar mais impostos para os Estados satisfazerem suas dívidas.

Dessa forma, pode-se entender que a Lei de Responsabilidade Fiscal surgiu não somente da imposição de organismos supranacionais, mas em especial a partir da extrema necessidade do país em produzir uma reforma do Estado capaz de acompanhar as transformações históricas mundiais. Trouxe elementos de reforma fiscal que visavam estabilidade e sustentabilidade das finanças públicas e, ao mesmo tempo, trouxe mecanismos de controle e de responsabilidade do gestor público. Por certo há críticas ao método com que foi criada, à influência externa na sua positivação, às dificuldades de assimilação pela sociedade civil e pela sociedade política brasileira. Entretanto, não se pode desconsiderar os avanços que ela trouxe nos métodos ainda muito presentes de clientelismo e apropriação privada da coisa pública, ainda muito presentes no Brasil.

3. Lei de Responsabilidade Fiscal: desafios e oportunidades no tempo presente

A Lei Complementar 101/2000 talvez tenha sido o maior instrumento da Reforma do Estado dentro do período estudado a serviço da eficiência na gestão dos recursos públicos. Visa combater práticas de irresponsabilidade ainda presentes na Administração Pública brasileira, como pagamento com atraso aos fornecedores, descumprimento de contratos, desprezo de mecanismos racionais de controle de custos e apego a processos decisórios lentos, improvisados e muitas vezes questionáveis (Motta, 2001, p. 64). Trata-se de um instrumento importante para inserir valores republicanos na gestão pública brasileira, proporcionando condições macroeconômicas de fortalecimento e estabilidade da moeda nacional a partir do saneamento das contas dos entes federativos e da manutenção das metas inflacionárias e monetárias (Cavalcanti, 2001, p. 74).

Já autores como Castro (2001, p. 17) e Estevez da Silva (2003, p. 38-40) fazem grandes críticas à Lei de Responsabilidade Fiscal, afirmando ser seu objetivo básico fazer com que o Estado brasileiro arrecade recursos para pagar sua dívida a qualquer custo, restando clara a opção do legislador em proteger o setor financeiro[12]. Tal opção está clara em dispositivos como os constantes no art. 9 da Lei de Responsabilidade Fiscal (2000), ao dispor que, ao se verificar ao final de um bimestre que a realização da receita poderá não comportar a despesa e as metas de resultado primário, deverá ser promovido nos trinta dias subsequentes limitação de empenho e da movimentação financeira pelo ente ou poder. Essa limitação de empenho é bastante abrangente e atinge, em especial, as despesas de capital ou de investimento do Poder Público. Mas o pagamento da dívida não pode parar![13] Nota-se a evidente opção do legislador em garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelo ente e encargos a serviço da dívida.

Já no Capítulo VII – Da dívida e do endividamento –, há dispositivos específicos sobre a recondução da dívida mobiliária e consolidada aos respectivos limites, em especial o art. 31, ao determinar que "se a dívida consolidada de um ente da Federação ultrapassar o respectivo limite ao final de um quadrimestre, deverá ser a ele reconduzida até o término dos três subsequentes, reduzindo o excedente em pelo menos 25% no primeiro" (Brasil, 2000, art. 31).

Passam, portanto, a haver inúmeras restrições financeiras ao ente enquanto perdurar o excesso de gastos: a) proibição de realizar operações de crédito interna ou externa, inclusive por antecipação de receita, ressalvadas as para pagamento de dívidas mobiliárias; b) a obrigatoriedade da promoção de limitações de empenho para obter resultado primário necessário à recondução da dívida ao limite.

Observa-se, no art. 34 (Brasil, 2000), a vedação do Banco Central do Brasil de "emitir títulos da dívida pública a partir de dois anos após a publicação desta Lei Complementar, ou seja, a partir de 2002. Busca-se, com isso, impedir as possibilidades de fechar as contas públicas do ente pela emissão de títulos, prática costumeira na década de 1990 no Brasil e que, dentre outros fatores, gerou a hiperinflação. Por sua vez, no art. 35 da LRF (Brasil, 2000), há a vedação de operação de crédito entre um ente da Federação (de maneira direta ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente) e outro ente quando o for para financiar despesas correntes ou refinanciar dívidas não contraídas junto à própria instituição concedente. As despesas correntes devem ser diminuídas, já que ocupam grande parte do orçamento dos entes federativos. E, no art. 38 da LRF (Brasil, 2000), veda-se operação de crédito por antecipação de receita quando existir operação anterior ainda pendente de pagamento ou no último ano de mandato do gestor público.

No artigo 40, parágrafo 1o da LRF (Brasil, 2000), no que tange à garantia e contragarantia entre entes, permite-se a vinculação de receitas tributárias arrecadadas de modo direto e provenientes de transferências constitucionais, outorgando-se poderes ao garantidor de retê-las no intuito de liquidar dívida vencida; bem como o seu parágrafo 9o, o qual possibilita à União e aos Estados, quando honrarem dívida de outro ente em razão de garantia prestada, condicionar as transferências constitucionais ao ressarcimento daquele pagamento; e, por fim, no parágrafo 10 afirma-se que o ente federativo que tiver dívida "honrada pela União ou por Estado, em decorrência de garantia prestada em operação de crédito, terá suspenso o acesso a novos créditos ou financiamentos até a total liquidação da mencionada dívida". Todos os dispositivos acima têm o mesmo fim: evitar o endividamento dos órgãos e entes públicos.

Já no art. 42 da LRF (Brasil, 2000),encontra-se o mais importante mecanismo para impedir o avanço do endividamento, que é a proibição em deixar Restos a pagar[14]. Para tanto, há uma vedação ao titular de poder ou órgão, "nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito". Assim, todas as despesas que forem empenhadas devem ser pagas no mesmo exercício, impedindo-se a cumulação de dívidas e sua transferência aos outros exercícios, salvo se houver parcelas a serem pagas no exercício seguinte, como no caso de trato sucessivo, em que é preciso indicar a disponibilidade orçamentária competente para resgatá-las.

No que tange às despesas de pessoal, a Lei de Responsabilidade Fiscal é bastante rígida. Em seu art. 70 (Brasil, 2000), tem-se que o Poder ou órgão cuja despesa total com pessoal no exercício anterior à publicação da Lei de Responsabilidade Fiscal superar os limitativos dispostos nos arts. 19 e 20 "deverá enquadrar-se no respectivo limite em até dois exercícios, eliminando o excesso, gradualmente, à razão de, pelo menos, 50% a.a., mediante a adoção, entre outras, das medidas previstas nos arts. 22 e 23" (Brasil 2000). A violação desse artigo sujeitará o ente às sanções do art. 23, parágrafo 3o. No artigo 71 verifica-se a obrigatoriedade dos três entes federativos, nas três instâncias de Poder observarem que suas despesas com pessoal não poderão ultrapassar em percentual da receita corrente líquida as despesas verificadas no exercício anterior, acrescido em até 10%, caso seja inferior aos limites estabelecidos no art. 20 (Brasil 2000). E, por fim, no que tange à despesa com serviços de terceiros, o art. 72 afirma que "não poderá exceder, em percentual da receita corrente líquida, a do exercício anterior à entrada em vigor desta Lei Complementar, até o término do terceiro exercício seguinte" (Brasil 2000). E há aqui um importante dispositivo de controle social inserido pela Lei Complementar 131/2009: art. 73-A. “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar ao respectivo Tribunal de Contas e ao órgão competente do Ministério Público o descumprimento das prescrições estabelecidas nesta Lei Complementar” (Brasil 2000).  Assim, a população passa a colaborar mais intensamente com os órgãos de controle externo e judicial para efetivação dos dispositivos da Lei Complementar 101/2000.

Dentre todos os dispositivos acima elencados, pode-se dizer que o espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal alia-se aos mecanismos basilares de filtragem e inclusão de normatizações afins à nova ideologia disseminada em âmbito mundial: o Neoliberalismo. Diminuir a atuação do Estado na prestação dos serviços públicos e na atividade econômica, reduzir o gasto público, não aumentar o grau de endividamento e, como não podia deixar de ser, pagar a sua dívida histórica.

No entendimento de Adilson Abreu Dallari, não se pode negar que os fundamentos principais da Lei de Responsabilidade Fiscal fazem parte do receituário do Fundo Monetário Internacional[15]. Logo, por mais que se critique a origem exógena da Lei de Responsabilidade Fiscal e sua intenção de contornar o endividamento público e reduzir o papel do Estado na promoção de serviços públicos, ela também traz pontos positivos. Poderá auxiliar no combate à tradição histórica de irresponsabilidade fiscal e orçamentária dos gestores públicos nacionais, em especial para aqueles que endividavam de modo imprudente o erário (Santin; Silva, 2021). Tem o condão de impedir o início de obras públicas sem a suficiente provisão financeira capaz de custear a totalidade do empreendimento, o superfaturamento de contratos administrativos para locupletamento pessoal, a paralisação dos investimentos dos gestores antecessores por interesses políticos de sua sigla partidária, dentre outras mazelas administrativas (Moreira Neto, 2001, p. 03).

Por sua vez, autores como Émerson Gabardo (2002) criticam a alteração na dinâmica estatal imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso porque ela poderá ser interpretada como fator dificultador da plena efetivação dos direitos colidentes com o novo receituário, em especial aqueles de caráter social e coletivo, sob a justificativa de que o Estado já não tem mais condições de arcar com tais ônus. Adverte o autor que a Lei de Responsabilidade Fiscal pode implicar na desoneração das obrigações estatais em garantir os direitos sociais. E tudo isso dentro de um processo sem rupturas e num ambiente democrático. Dessa forma, a partir de agora quem deverá implementar os serviços públicos será o mercado, e o Estado terá um papel de mera regulação na economia (Gabardo, 2002).

Com uma opinião contrária, Márcio Novaes Cavalcanti ressalva ser a Lei de Responsabilidade Fiscal uma necessidade no Brasil para a plena efetivação dos direitos fundamentais, ao criar um ambiente propício justamente para a concretização daqueles direitos e a consequente redução das desigualdades. Para o autor, com sua aplicação conjugada aos avançados mecanismos constitucionais de distribuição fiscal dos recursos, garantir-se-ão a justiça social e as condições financeiras necessárias ao crescimento econômico do país (Cavalcanti, 2001, p. 71).

No mesmo sentido é a opinião de Helio Saul Mileski, o qual afirma que apesar das inúmeras críticas, o novo regramento fiscal tem razão de ser. Exige-se agora uma adaptação dos gestores públicos à nova normatização. Segundo a visão técnica do autor, o novo código de regras para a gestão fiscal da Administração Pública brasileira, por seu caráter inovador e limitador, "produzirá um verdadeiro choque cultural nos responsáveis pela gerência dos recursos públicos, nas três esferas de governo: federal, estadual e municipal" (Mileski, 2000, p. 45-55).

Nessa mesma perspectiva, Adilson Abreu Dallari entende que os processos de reformas e a Lei de Responsabilidade Fiscal não irão prejudicar os direitos sociais. Ao contrário, vêm apenas para racionalizar os investimentos, na medida em que exigem por parte do gestor público planejamento e controle, aumentando a eficiência na utilização dos recursos existentes, a partir do novo sistema de eleição das prioridades. Afinal, nenhum ente ou gestor público estará "impedido de adotar, como prioridade, os gastos na área social. Só que não vai gastar mais do que tem" (Dallari, 2001, p. 133-147).

Por certo há controvérsias quanto a esse entendimento, já que, no que tange aos direitos sociais, ocorreu em 2016 um grande revés, com a aprovação da Emenda do Teto de Gastos editada no Governo Temer (que assumiu o poder como Vice-Presidente da República após o processo de impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff). Trata-se da Emenda Constitucional 95/2016, que restringiu por 20 anos os gastos públicos, os quais estariam limitados aos mesmos valores gastos no ano anterior, corrigidos pela inflação do período.

A maior crítica à Emenda (denominada de Teto de Gastos) era que ela não admitia aumento em gastos com direitos sociais acima da inflação (o que se revelou necessário com a pandemia da Covid-19). E excluía do teto de gastos as despesas com os encargos da dívida, que deveriam sempre ser pagos. O mecanismo da emenda foi posteriormente revisto no terceiro governo de Luiz Inácio da Silva, sob a justificativa de que tinha falhado por não assegurar gastos considerados prioritários (saúde, educação e segurança), e retrair a possibilidade de investimentos públicos. Com mudança das regras, a despesa passou a estar atrelada à receita do governo, trazendo uma maior flexibilidade para a gestão das contas públicas (Bolzani, 2023).

Tamanha foi a polêmica gerada primeiramente pela Lei de Responsabilidade Fiscal e, posteriormente, pela Emenda do Teto de Gastos que aquela, desde a sua promulgação, suscitou inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIns) perante o Supremo Tribunal Federal, a fim de retirar a Lei de Responsabilidade Fiscal do mundo jurídico. São elas a ADIn 2.238-DF, interposta pelos partidos políticos de oposição ao antigo governo Fernando Henrique Cardoso (Partido Comunista do Brasil – PC do B, Partido dos Trabalhadores – PT, Partido Socialista Brasileiro – PSB), que suscitava a inconstitucionalidade formal da Lei, por não observar o processo legislativo, bem como a sua inconstitucionalidade material.

Seguiram-se a esta as ADIns 2.324 e 2.256-DF, propostas pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON); ADIn 2.241-DF, proposta pela Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais; ADIn 2.261-DF, proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) e ADIn 2.250-DF, proposta pelo Governador do Estado de Minas Gerais. Para a maioria das ações foram indeferidos os pedidos de suspensão cautelar, estando todas apensas à ADIn 2.238-DF[16]. Em síntese, deu-se procedência em parte à Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.238-DF, para declarar a inconstitucionalidade de alguns dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, permanecendo a maioria dos seus dispositivos e princípios para uma gestão fiscal transparente, planejada e responsável (Brasil, 2020).

Por fim, não se pode deixar de alertar que a Lei de Responsabilidade Fiscal pode ser utilizada para fins escusos, como o que se pode chamar de “golpe do legislativo de 2016”, quando a então Presidente Dilma Rousseff sofreu um processo de impeachment perante o Congresso Nacional justamente pela alegação de não ter observado o orçamento e, por isso, supostamente ter cometido improbidade administrativa e crime de responsabilidade, conforme disposto no artigo 85 incisos V e IV da Constituição Federal de 1988[17].

Logo, a partir desse fato histórico de grande repercussão nacional e internacional, pode-se dizer que a Lei de Responsabilidade Fiscal também pode ser manobrada com fins espúrios. No caso, com a acusação de “pedaladas fiscais”, afastou-se uma presidente legitimamente eleita, sob fundamento de violação do artigo 85, incisos V e VI da Constituição Federal (1988)[18].

Em síntese dos “prós” e “contras” acerca da Lei de Responsabilidade Fiscal, pode-se aqui destacar o seu uso político, conforme acima descrito, além do fato de que sua aplicação pode justificar a inação do Estado no seu compromisso com a garantia dos direitos sociais, vindo a preocupar-se apenas com a questão fiscal, num modelo ainda mais perverso que o Estado liberal. Por outro lado, há posicionamentos favoráveis às novas mudanças, justificados a partir dos mesmos argumentos: combate à corrupção e à malversação dos recursos públicos com a maior transparência e accountabilityno trato da coisa pública, somados à capacidade de, com o equilíbrio orçamentário, prestar serviços públicos de qualidade, trazendo eficiência na gestão pública e, por sua vez, efetividade dos direitos sociais. Tudo dependerá da maneira como forem aplicados e interpretados os novos dispositivos legais introduzidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e do grau de cidadania que há no povo brasileiro. Dependerá da consolidação de uma nova racionalidade, capaz de adotar uma visão gerencial sem abandonar por completo o modelo burocrático de gestão pública, fundamental para impedir práticas patrimonialistas[19].

Talvez um dos maiores feitos da nova Lei Complementar tenha sido a positivação de dispositivos capazes de fortificar o princípio democrático, em especial pela ampliação do princípio da participação popular, minimizando distâncias entre administrador e administrados. Amplia-se a publicidade, que evolui para um objetivo maior, a transparência na gestão pública. Trata-se de mecanismos que, se aplicados, culminarão em uma otimização e eficiência da ação administrativa e em um maior encontro das decisões políticas e administrativas aos anseios da cidadania. No dizer de Benedito Alves et al., o novo diploma legal "veio em boa hora", indo ao encontro dos anseios da cidadania brasileira, cansada de arcar com os ônus da corrupção e da malversação dos recursos públicos, refletida na pesada carga tributária e na voracidade arrecadadora do Fisco, a qual já manifesta ares confiscatórios no Brasil (Alves; Gomes; Affonso, 2001, p. 3).

Ao analisar a Lei de Responsabilidade Fiscal é preciso despir-se de preferências ideológicas, eis que quando se fala em reforma do Estado e em Responsabilidade Fiscal, os críticos do processo de globalização de imediato afirmam estar diante de uma normatização neoliberal, visando a um Estado mínimo capaz de deixar à mercê do mercado os direitos fundamentais, em especial os direitos sociais. Mas, quando se fala em controle social e em participação da sociedade nos atos do governo e na elaboração do orçamento, dispositivos presentes na Lei Complementar no 101/2000, os conservadores classificam tais elementos como tendências de partidos de "esquerda" no Brasil e no mundo. Em verdade, interpretar-se a Lei de Responsabilidade Fiscal a partir da discussão de programas de partidos políticos ou de ideologias acaba distorcendo os reais fatores motivadores de sua edição, prejudicando a sua aplicabilidade.

Conclusão:

Com as regras introduzidas na Lei de Responsabilidade Fiscal, almeja-se inserir na Administração Pública e no regime jurídico-administrativo brasileiro novos conceitos e Princípios da Responsabilidade Fiscal, dentre os quais o equilíbrio, a responsividade e a transparência, além de concretizar as regras de planejamento, controle, eficiência e participação popular já traçadas na Magna Carta de 1988, tudo visando à austeridade e à responsabilidade no manejo das finanças públicas. O orçamento passa, agora, a se caracterizar como peça fundamental na concretização das regras e dos princípios de uma gestão fiscal responsável.

A preocupação do legislador em regulamentar os artigos 165 a 169 da Magna Carta foi afastar a tradição orçamentária brasileira de que o orçamento era mera peça de ficção, pautado em efêmeros objetivos eleitoreiros, cujos critérios de dispêndio caracterizavam-se pelo interesse em evidenciar o período de gestão do governante a todo custo, mesmo que para isso se comprometessem as administrações futuras. É uma prática advinda desde os tempos do Brasil-Colônia, a qual onerou de modo drástico os cofres públicos, empobrecendo e endividando o país (Motta, 2001, p. 70).

A existência de um efetivo controle social possibilita a superação do caráter meramente formal da democracia representativa, complementando-a com instrumentos de democracia direta a partir da fiscalização participativa da sociedade na gestão orçamentária, "fazendo o aparato estatal um servidor dos objetivos superiores da sociedade civil, para a qual o Estado existe como institucionalização das condições de legitimidade" (Freitas, 2002, p. 16). Não se trata de superação da democracia representativa, pois o controle social deverá ser exercido em conjunto com os demais mecanismos de controle estatal, numa vigilância dialógica, até mesmo para evitar o "democratismo não democrático". Visa impedir a ascensão formalmente válida de forças clientelistas detentoras de interesses particularistas contrários ao interesse público, tão presentes na história da Administração Pública brasileira. Por sua vez, superar as arcaicas e inconsistentes barreiras entre o Estado e a sociedade civil, reconstruindo as bases da esfera pública e combatendo privilégios e interesses patrimonialistas. O controle social não pode ser identificado com a atuação fiscalizadora de facções, as quais defendem interesses pessoais, logo parciais. Deve-se buscar a universalização na operação do controle social e não a sua cooptação ou captura por grupos de interesse particularistas (Freitas, 2002, p. 11-23).

Na reflexão de Eduardo García de Enterría, a falta de confiança popular na classe política é a expressão de que o povo se sente alijado do exercício do poder. Trata-se da ruptura da relação de confiança e da própria legitimidade do sistema, fator que é a mais grave das deficiências imagináveis em uma democracia. E o autor denuncia que essa situação é própria em muitos países do Terceiro Mundo, onde os ritos democráticos são puramente formais, convencionais e dominados pela classe dirigente, para a qual são distribuídos abertamente os privilégios (García De Enterría, 2000, p. 105).

Nessa perspectiva, é imprescindível que a cidadania brasileira esteja atenta, a fim de que não haja distorções nas suas instituições democráticas mais caras em prol de certas “bandeiras”, as quais podem se mostrar oportunistas, como foi a retirada abrupta do poder de uma presidente legitimamente eleita. Com o compartilhamento das atuações entre sociedade civil e sociedade política, como o quer a Lei de Responsabilidade Fiscal, estar-se-á otimizando os fins almejados e impedindo a usurpação de qualquer deles. Ou seja, são devidas uma inserção dinâmica e uma gestão coordenada entre os sistemas institucionais e não institucionais de controle. E nesse sentido, "todos os controles, em lugar da disputa, devem servir à legitimação não estritamente procedimental do Estado Democrático" (Freitas, 2002, p. 11-23).

Sabe-se que é impossível controlar um poder que se esconde, que mantém em sigilo seus atos. Mas a democracia é o regime de governo que prevê o máximo controle dos indivíduos sobre os poderes; entretanto, "esse controle só é possível se os poderes públicos agirem com o máximo de transparência. Faz parte, em suma, da própria lógica da democracia" (Bobbio, 2002, p. 414). No mesmo sentido é a reflexão de Rosanvallon, lembrando que o ideal democrático se fortalece a partir dos conflitos, tornando-os produtivos e construtivos. Jamais negando-os ou ocultando-os a título de obter um "improvável consenso". Para o autor, o desenvolvimento da democracia e o aumento da visibilidade do poder perante a sociedade caminham lado a lado (1997, p. 95-96).

De nada adianta a reclamação e a indignação individual. Ela não tem força política necessária para controlar os abusos e usos perniciosos do poder. A impotência da cidadania decorre de sua falta de organização aliada à falta de transparência das estruturas burocráticas estatais. É preciso uma sociedade civil com maior grau de conscientização política, capaz de atuar de forma coletiva e organizada no controle da burocracia e na pressão por ver atendidas as suas demandas. Somente a sociedade mobilizada e organizada terá poder de controlar os governantes, a fim de que não haja corrupção nem malversação dos recursos públicos.

Referências

  1. ALVES, Benedito; GOMES, Sebastião Edilson R.; AFFONSO, Antônio Geraldo. Lei de responsabilidade fiscal comentada e anotada. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001.<
  2. BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
  3. BOLZANI, Izabela. Arcabouço fiscal x teto de gastos: quais as diferenças entre os dois modelos e o que falta saber. G1 Economia, [s. l.], 31 mar. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/03/31/arcabouco-fiscal-x-teto-de-gastos-quais-as-diferencas.ghtml. Acesso em: 21 out. 2023.
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[1] “É da natureza da democracia: suas conquistas são lentas, difíceis de conseguir e se perdem facilmente. As lutas contra a ditadura ensinaram os brasileiros que a democracia era um valor em si e precisava ser alcançado. A Constituição de 1988, por sua vez, deu forma e solidez às instituições que podem sustentar a vivência democrática no país, e o Plano Real estabilizou a moeda – firmou a base por onde uma agenda democrática poderá caminhar. Nos vinte anos que se seguiram, o Brasil introduziu nessa agenda a luta contra a desigualdade social, mas ainda não a consumou – e a tarefa não será fácil” (Schwarcz; Starling, 2000, p. 497).

[2] Apesar dos avanços na área jurídica (dição de um novo pacto político altamente democrático), na área econômica o governo de Sarney foi pífio, eis que lutou sem êxito contra uma inflação assustadora à época. Na sequência, deram-se as primeiras eleições livres e diretas do país, em 1989, com a eleição do ex-presidente Fernando Collor de Mello, do PRN (Partido da Reconstrução Nacional). Sua tentativa de conter a inflação também foi um grande desastre que, somada a denúncias de corrupção e ao confisco das contas-correntes, aplicações financeiras e cadernetas de poupança da população brasileira. A população foi às ruas novamente, agora no movimento “Caras-Pintadas”, com protestos de “Fora Collor” e “Impeachment já”. Tudo isso culminou com o processo de impeachment e a sua renúncia, assumindo até o final do mandato o seu Vice Itamar Franco, em uma situação política, social e econômica calamitosa. Na época, seu Ministro da Economia foi Fernando Henrique Cardoso, que elaborou o Plano Real, finalmente obtendo êxito em conter a inflação e estabilizar a moeda brasileira. Posteriormente, o próprio Fernando Henrique Cardoso foi eleito por dois mandatos à presidência da República (Santin, 2017).

[3] A Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979 (Lei da Anistia), concedeu o perdão a todos que cometeram crimes políticos ou conexos a eles no período da ditadura militar (compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979), tanto da situação quanto da oposição. Essa lei provocou violência por parte da extrema-direita e da esquerda, com muitos ataques violentos que culminaram com o ataque no Riocentro (Costa, 2000, p. 178).

[4] Fundamental apontar-se a edição, em 1998, do Código de Buenas Prácticas de Transparencia Fiscal pelo Fundo Monetário Internacional. Trata-se de documento elaborado pelos técnicos do FMI, visando orientar "sobre o desejável comportamento dos gestores das finanças públicas, desenvolvida sobre os princípios afins da transparência e da prudência na gestão fiscal." (grifo do autor) O documento contém os seguintes princípios reitores: "clareza de competências e de responsabilidades; disponibilidade pública de informação e orçamento aberto em sua preparação, execução e apreciação" (Moreira Neto, 2001, p. 80-81).

[5] Apesar dessas considerações, importante analisar as denúncias de Noam Chomsky sobre a democracia norte-americana, em (Chomsky, 2003).

[6] No Estado moderno, logicamente desde que estruturado em bases democráticas e de direito, um dos principais fatores de controle do gerenciamento fiscal é o da transparência fiscal. A transparência fiscal motiva as autoridades públicas para um comportamento de maior responsabilidade para os atos de governo, resultando em adoção de políticas fiscais mais confiáveis, reduzindo a possibilidade de ocorrência de crise ou da gravidade das crises. Portanto, a transparência fiscal é o mais novo e importante elemento de governabilidade do Estado, passando a constituir-se também em princípio orçamentário, na medida em que o processo orçamentário é fator essencial para a gestão fiscal (Mileski, 2002, p. 26).

[7] Veja-se também o § 2º do mesmo artigo (Brasil, 2000), o qual assim informa: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disponibilizarão suas informações e dados contábeis, orçamentários e fiscais conforme periodicidade, formato e sistema estabelecidos pelo órgão central de contabilidade da União, os quais deverão ser divulgados em meio eletrônico de amplo acesso público”.

[8] Segundo Márcio Novaes Cavalcanti, A Lei de Responsabilidade Fiscal é um sinal verde para o investimento privado, nacional e internacional. Por conta desses motivos, a Lei de Responsabilidade Fiscal acabou por se transformar em um abrigo, um escudo institucional que protege a boa governabilidade do País e o sistema financeiro nacional (Cavalcanti, 2001, p. 130-131).

[9] Interessante observar aqui que, tanto no governo de Fernando Henrique Cardoso como no governo de Luis Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer, em sua origem de partidos e posições ideológicas diferentes, toma-se uma mesma direção no que tange ao processo de reformas à Constituição Federal de 1988, ou seja, implementar o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado brasileiro, idealizado em 1995 e que teve como um de seus mentores Bresser Pereira.

[10] “O termo Overnight, diretamente traduzido do inglês, significa “durante a noite”. No mercado financeiro, essa expressão é utilizada para se referir a negociações de títulos públicos ocorridas durante o dia, mas que passam de um dia para o outro. Ou seja, continuam se movimentando depois do horário de fechamento do open market. [...] durante o período de hiperinflação no Brasil, que se deu entre as décadas de 80 e 90, uma forma de evitar que seu dinheiro fosse corroído era fazer aplicações Overnight. Com essas aplicações, as pessoas que tinham muita renda e um alto poder aquisitivo, para preservar seu dinheiro, tinham essa opção de investir e proteger seu dinheiro da desvalorização da moeda do País. Dessa forma, como poderia ocorrer uma elevação dos preços de um dia para o outro, as aplicações financeiras em Overnight conseguiam garantir uma rentabilidade a partir das taxas diárias de juros para os investidores. As operações em Overnight acabaram em 1991, durante o governo Collor. Porém, a hiperinflação só foi controlada em 1994, com a chegada da implantação do Plano Real” (Empirucus, 2023).

[11] Em matéria sobre a carga tributária brasileira, verificou-se que ela é duas vezes maior do que a do México e mais que o dobro em comparação com o Chile, sendo que a reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional manterá a complexidade e injustiça distributiva do atual sistema de impostos do país, o que afetará, ainda mais, o setor produtivo (Welter, 2003, p. 7).

[12] “Não ficou sem registro a clara opção política a favor do setor financeiro. Como se vê: 'Há limites e compensações de despesas, para todos os componentes do déficit público (despesa com pessoal, montante da dívida, limites para operações de créditos e garantias, limites para despesas de duração continuada, etc.), mas não há limites para o componente mais importante: as despesas financeiras. O que, na prática, significa combater o déficit público, única e exclusivamente, com a redução de recursos sociais.'” (Martins; Nascimento, 2001, p. 252).

[13] É o que dispõe o parágrafo 2 do art. 9, o qual afirma que “§ 2º Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, as relativas à inovação e ao desenvolvimento científico e tecnológico custeadas por fundo criado para tal finalidade e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias”.

[14] Art. 42 LRF: São definidos no artigo 36 da Lei no 4.320/64 como "as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro, distinguindo-se as processadas das não processadas" ( Brasil, 2000). As despesas processadas correspondem aos empenhos executados e liquidados, prontos para o pagamento. Já as despesas não processadas são aqueles empenhos em virtude de normas legais, contratos administrativos ou convênios ainda em execução, quando ainda não houve liquidação.

[15] “Afinal, toda pessoa que pede dinheiro emprestado tem que se ajustar às exigências do credor, porque senão não vai conseguir dinheiro. [...] agora, vamos deixar claro que esta questão do ajuste fiscal não é um problema brasileiro, é um problema mundial. Todo mundo já se deu conta que não tem outro jeito a não ser estabelecer a responsabilidade orçamentária e o equilíbrio das contas públicas. Isto não é nenhuma novidade e isto não é, exclusivamente, um problema nosso” (Dallari, 2001, p. 133-147).

[16] EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR 101/2000. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL (LRF). IMPUGNAÇÃO PRINCIPAL COM BASE NO PRINCÍPIO FEDERATIVO (artigos 4º, § 2º, II, parte final, e § 4º; 11, parágrafo único; 14, inciso II; 17, §§ 1º a 7º; 24; 35, 51 e 60 da LRF). IMPUGNACÃO PRINCIPAL COM BASE NOS PRINCÍPIOS FEDERATIVO E DA SEPARAÇÃO DE PODERES (artigos 9, § 3º; 20; 56, caput e § 2º; 57; 59, caput e § 1º, IV, da LRF). IMPUGNAÇÃO PRINCIPAL COM BASE EM PRINCÍPIOS E REGRAS DE RESPONSABILIDADE FISCAL (artigos 7º, § 1º; 12, § 2º; 18, caput e § 1º; 21, II; 23, §§ 1º e 2º; 26, § 1º; 28, § 2º; 29, inciso I e § 2º ; 39; 68, caput, da LRF). Ação Direta de Inconstitucionalidade NÃO CONHECIDA quanto aos arts. 7º, §§ 2º e 3º, e 15 da LRF, e aos arts. 3º, II, e 4º da MP 1980- 18/2000; JULGADA PREJUDICADA quanto aos arts. 30, I, e 72 da LRF; JULGADA IMPROCEDENTE quanto ao art. 4º, § 2º, II, e § 4º; art. 7º, caput e § 1º; art. 11, parágrafo único; 14, II; art. 17, §§ 1º a 7º; art. 18, § 1º; art. 20; art. 24; art. 26, § 1º; art. 28, § 2º; art. 29, I, e § 2º; art. 39; art. 59, § 1º, IV; art. 60 e art. 68, caput, da LRF; JULGADA PROCEDENTE com relação ao art. 9º, § 3º; art. 23, §2º, art. 56, caput; art. 57, caput; JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE, para dar interpretação conforme, com relação art. 12, § 2º, e art. 21, II; e JULGADA PROCEDENTE PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL, sem redução de texto, do artigo 23, § 1º, da LRF (Brasil, 2020).

[17] Em 31 de agosto de 2016, a então ex-presidente foi condenada pelo plenário do Senado por cometer crime de responsabilidade, afastando-a das suas funções e assumindo o vice-presidente Michel Temer. A acusação estava pautada, concretamente, na edição de três decretos de crédito suplementar, sem autorização legislativa, além de atrasar o repasse de subvenções do Plano Safra ao Banco do Brasil, em desacordo com as leis orçamentárias e fiscais. Suas contas também não foram aprovadas pelo Tribunal de Contas da União, que afirmou que os acusados supostamente usaram dos seus cargos para maquiar as estatísticas fiscais, com vistas a trazer a percepção de que o governo tinha suas contas equilibradas, e que não estaria passando por uma crise fiscal (Veloso; Albernaz, 2023). Os Senadores realizaram a votação do impeachment de Dilma em duas etapas. A primeira levou a ex-Presidente à perda do mandato e, a segunda, manteve os seus direitos políticos. Posteriormente, em julgamento no Poder Judiciário, a ex-Presidente foi absolvida da acusação a que foi acometida pelo Senado Federal Brasileiro. Nas palavras de José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça, “Dilma Rousseff foi vítima de uma perseguição e teve a cassação do seu mandato em total desconformidade com a Constituição. Condená-la agora pelos mesmos fatos seria mais uma grande injustiça que se imporia contra uma mulher honesta e digna” (Pedalas [...], 2023).

[18] “Art. 85 da CF (1988): São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: [...] V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; [...]”.

[19] Na administração patrimonialista, o patrimônio do Estado confundia-se com o patrimônio do detentor do poder. Era a res do príncipe, e não a res publica. Administração direcionada para o patrimônio do detentor absoluto do poder, de demitir, contratar, soltar, prender, quando, como e pelo motivo que quiser (sonho da maioria dos administradores). Praticava-se uma ação estatal não em favor do povo, mas em favor dos interesses do rei. O primogênito do rei era o herdeiro de tudo. Administração de família. Vigorou até o Estado liberal. Para um aprofundamento do modelo de dominação patrimonialista, ver WEBER (WEBER, Max. Economia y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1996. p.180-193).



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Programa de Pós-Graduação em História - PPGH
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Volume 16 - Número 41 - Ano 2024
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