A história que Bacurau nos ensina a ensinar para ser “gente”

http://dx.doi.org/10.5965/2175180315382023e0102
Recebido: 28/02/2021
Aprovado: 30/12/2022

Francisco Egberto de Melo
Universidade Regional do Cariri (URCA)
lattes.cnpq.br/9678929686996279
egbertomelo13@yahoo.com.br
orcid.org/0000-0003-0749-136X

 

Resumo

O artigo tem o filme “Bacurau” como possibilidade de uso para o ensino de História partindo de um tempo distópico para pensar uma história do tempo presente, não desvinculado de seu passado. Entendemos que essas dimensões de tempo que se intercruzam podem ser trabalhadas nas práticas de ensino e de aprendizagem a partir do conceito de letramento histórico. Compreendendo-se a trama do filme como um artefato cultural, entende-se que, a partir de suas diversas narrativas, tempos e espaços interseccionados pelos habitantes e forasteiros de Bacurau, é possível identificar e problematizar os fios que conduzem a uma compreensão de conceitos historiográficos que favoreçam uma aprendizagem histórica fundada na complexidade do pensamento e da consciência histórica para estudantes da Educação Básica. Entendemos esses estudantes como parceiros de sala de aula que podem partilhar entre si e com o professor conhecimentos prévios identificados na vida prática dos personagens do filme e refletir sobre suas próprias identidades, sobre o exercício de cidadania e sobre as experiências cotidianas historicamente constituídas para construir novas estratégias de vida e resistência ao pensamento histórico eurocêntrico que continua a nos colonizar os corpos, mentes e hábitos. Espera-se que, ao trabalhar com o filme, professores e seus parceiros de sala de aula assumam uma condição de investigadores da história com vistas a elaboração de um conhecimento histórico próprio relacionado à cognição histórica.

Palavras-chave: saber e poder; ensino de história; Bacurau; literacia histórica.

Introdução

Na sala de cinema – pode ser na sala de aula ou mesmo de casa –, na voz de Gal Gosta, a música “Não Identificado”, de Caetano Veloso, ganha a singeleza proposta pela canção, atravessa o espaço sideral e chega a uma cidade do interior nordestino. A sonoridade da voz de Gal nos penetra a cóclea auditiva na suavidade com que a música se esquiva de algum satélite e, “como um objeto não identificado”, desliza pelos céus do oeste de Pernambuco, em algum lugar do futuro, para chegar na não tão fictícia Bacurau, distrito de Serra Verde. Em pouco tempo, a suavidade musical se transforma no barulho ensurdecedor de um caminhão pipa, típico do semiárido nordestino em épocas de escassez de água, que percorre a estrada esburacada.

Em meio ao balanço do caminhão, o foco é deslocado para a notícia do “Jornal do Sul” na televisão do veículo, chamando para que seja denunciado o “bandido de alta periculosidade”, Adailton Santos do Nascimento, vulgo LUNGA” (Silvero Pereira). Tereza (Bárbara Colen), vestida em jaleco de enfermeira, é enfática: “não conte comigo para entregar LUNGA”; “nem comigo”, responde o motorista Erivaldo (Rubens Santos).

Em novo foco, o casal se depara com um caminhão tombado que deixara cair vários caixões. No meio da “danação”, como destaca Erivaldo, há um corpo caído não identificado, como o título da canção que abre este escrito. Em seguida, chegam à represa sem água que deveria abastecer a cidade, os tiros para o alto disparados por alguém demonstram que não são bem-vindos. Os dois retornam à estrada e seguem para o seu destino. Na entrada de Bacurau, há um ônibus escolar estacionado em frente ao prédio da escola da cidade.

Assim começa “Bacurau”, filme dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, estreado no Brasil em agosto de 2019, premiado no Festival de Cannes do mesmo ano e inserido em 2021 na Academy Screening Room. Sua condição de lugar e tempo, “Oeste de Pernambuco daqui a alguns anos”, nos chama atenção por não ser localizável no mapa, mesmo quando o professor Plínio (Wilson Rabedo) procura no Google Maps. De fato, a cidade fora retirada do mapa propositadamente pelos invasores estrangeiros.

O filme “Bacurau” não se define por objeto específico, estilo ou conceito permanente. O longa-metragem mistura gêneros de fantasia, ficção científica, humor e terror, e já recebeu críticas diversas: algumas de contundente reprovação, nem sempre pelas mesmas razões (ALBUQUERQUE JR. 2019; MAGNOLI, 2019), outras de aprovação (CARVALHAL, 2019; HADDAD, 2019), outras mais ponderadas entre os extremos (OLIVEIRA, 2019)[1].

Ao longo da trama, vários protagonistas se alternam. Além da enfermeira Tereza, o procurado Lunga e o professor Plínio já mencionados, temos: Damiano (Carlos Francisco), que cultiva ervas e distribui pequenas pastilhas naturais, reveladas no final como alucinógenos que potencializam as forças e a coragem das pessoas; dona Carmelita (Lia de Itamaracá[2]), personagem negra que aparece no início do filme sendo velada para o sepultamento e no final, para evitar o suicídio do líder dos forasteiros, e Dona Domingas (Sônia Braga), a médica que mora com sua companheira Isa (Luciana Souza) e tem coragem invejável, dizendo o que pensa. Assim como Carmelita e Domingas, outros disputam lugar de destaque, a exemplo do garoto que afirma que quem nasce em Bacurau “é gente”, arrancando sorrisos da plateia e inspirando parte do título deste artigo.

De fato, a grande personagem de Bacurau é a própria comunidade com suas redes dispersivas de poder, nas quais se manifestam saberes que disputam lugares nas relações de dominação e resistência que reconduzem às manifestações de saberes diversos, em camadas de tempos e espaços múltiplos que se interseccionam. Assistir ao lançamento de “Bacurau” e ver a reação e comentários dos que saíam da sala do cinema inspirou-me a escrita deste artigo.

De partida, pode-se dizer que a alternância de personagens inseridos no protagonismo da comunidade de Bacurau permite dialogar em salas de aulas do Ensino Médio sobre as relações de poder que se estabelecem nas sociedades, em especial, nas sociedades ocidentais, fugindo do padrão de ensino que reduz o ensino de história às querelas entre e intraclasses, como a história política das disputas dinásticas, da luta entre burguesia e nobreza, ou mesmo entre burguesia e proletariado. “Bacurau” nos oferece a possibilidade de pensar numa história das relações de poder entre e intrafamiliares, das práticas repressivas, de dominação e resistência dos poderes locais, das disciplinas em instituições de ensino, do poder da imprensa, das relações e representações de gênero, dos usos de memória como forma de poder, dentre outras formas que possam surgir.

O filme não se passa em uma cidade específica, é uma invenção de cidades diversas, espaços urbanos e rurais de experiências cotidianas reais pensadas por quem o assiste. A cidade que dá nome ao filme, portanto, é uma heterotopia, uma experiência mista localizável:

[...] provavelmente em qualquer cultura, em qualquer civilização, lugares reais, lugares efetivos, lugares que são delineados na própria instituição da sociedade, e que são espécies de contraposicionamentos, espécies de utopias efetivamente realizadas nas quais os posicionamentos reais que se podem encontrar no interior da cultura estão ao mesmo tempo representados, contestados e invertidos, espécies de lugares que estão fora de todos os lugares, embora lese sejam efetivamente localizáveis. (FOUCAULT, 2017a, p. 1574-1575)

Nesse sentido, o filme torna-se importante recurso para o ensino de História em conformidade com o que já nos alertou Silva ao refletir sobre três cidades do cinema brasileiro no início dos anos 2000: Cidade de Deus[3], Cidade baixa[4] e O céu de Suely[5] como faces de uma memória social a ser explorada na pesquisa e no ensino de história.

O cinema trata de cidades existentes e inventa suas cidades desde que nasceu, no final do século XIX. Ele age tanto como comentarista poético e cronista das experiências em andamento nos espaços urbanos, quando na condição de proponente artístico de caminhos para esse mundo, interferindo nas cidades que assistem a seus produtos. Essas cidades não são, prioritariamente, cenários de tijolos e cimento. Elas existem através de seus seres humanos e de seus fazeres. (SILVA, 2011, p. 191)

Compreende-se, assim, o filme como artefato cultural dotado de congruências de significados conceituais a serem partilhados em ambientes escolares. Nesse sentido, a metodologia aqui explicitada defende que “Bacurau” seja usado como ponto de partida para definição de temas geradores (FREIRE, 1987) a serem investigados coletivamente por professores e estudantes como sujeitos ativos na produção de sentidos da história ensinada.  

Nessa proposta metodológica, é importante identificar a forma como os estudantes visualizam os processos de transformação histórica para verificar se, ao longo do processo de investigação e ensino, haverá mudanças significativas que possam gerar letramento histórico (BARCA, 2006; LEE, 2001, 2005, 2006, 2008). Entendendo-se que aprender história pressupõe uma reorientação cognitiva na qual os estudantes passam a “ver o mundo de maneiras novas e mais complexas, a realização da aprendizagem histórica torna-se algo que transforma a sua visão e permite possibilidades de ação que tinham sido até então – literal­mente – inconcebíveis para elas.” (LEE, 2016, p. 116). Da mesma forma como salientou Paulo Freire sobre os processos de alfabetização, podemos destacar que o letramento histórico pressupõe o estudante não como “paciente do processo, cuja virtude única é ter mesmo paciência para suportar o abismo entre sua experiência existencial e o conteúdo que lhe oferecem para sua aprendizagem, mas o seu sujeito” (FREIRE, 1967, p. 111).

Ensino de História “para gravar no disco voador”

Eu vou fazer uma canção pra ela
Uma canção singela, brasileira
Para lançar depois do carnaval
Eu vou fazer um iê iê iê romântico
Um anticomputador sentimental
(Não identificado, 1969[6])

A problematização dos tempos contidos na linguagem cinematográfica de “Bacurau” favorece interpelar o tempo presente e complexificar as relações passado-presente-futuro, aqui e em outro lugar, o eu, o nós e os outros, entendendo-se que os acontecimentos e processos históricos mobilizados no filme são veículos de memórias a serem problematizadas, e não transmitidas e apreendidas como única verdade possível. “Bacurau” pode e deve ser utilizado no ensino de história, desde que pensado como documento resultante de uma produção humana em tempo e espaço específico. Assim,

O professor deve destacar seu uso como produtor de narrativas, assim como produto de interesses e demandas específicas da indústria de lazer e entretenimento. Avaliando os filmes pelo que são (como produções) e pelo que dizem pode-se levar a cabo tarefas de estímulo à criticidade, a avaliação crítica da construção discursiva, a força e poder das imagens e sons, a difusão de “verdades” e posturas políticas, as tensões sociais e culturais, a diversidade e os valores impregnados em cada película. (ZANOTO, 2016, p. 38)

O letramento histórico, portanto, mediado pela ação do professor e o uso o filme “Bacurau”, pressupõe estudantes e professores como seres criadores e a ação de ensinar e aprender como um momento de criação e recriação.  O gerenciamento de saberes que perpassa entre e pelos corpos dos habitantes de Bacurau remete às diversas relações de dominação em tempos e espaços diferenciados, aqui identificados como possibilidade de se trabalhar no ensino de História, especialmente no Ensino Médio[7], a literacia histórica. Acreditamos que o uso de filmes em sala de aula permite ir além da necessidade constantemente manifestada por professores principalmente da Educação Básica, mas não só, de que o ensino de história precisa ser mais interessante para as novas gerações, pois ajuda a fugir do encadeamento de fatos a serem decorados ou mesmo memorizados, ou de que existe uma verdade histórica a ser descoberta como forma de garantir, ao final, uma lição de moral exemplar para as novas gerações. 

É fato que o ensino de história, como de qualquer outra disciplina, precisa ser interessante, nada pior na vida escolar dos estudantes do que uma aula “chata”, como costumam dizer, com a qual eles não se identificam. De toda forma, superar a chatice da aula nos parece insuficiente: uma contação de piadas sobre personagens da História pode ser interessante, nem por isso se atinge um objetivo mais coerente com a aprendizagem histórica, entendida como a possibilidade de que os envolvidos, no processo de ensino e aprendizagem,  pensem em seu mundo nos fluxos do tempo, ou seja, uma aprendizagem que aguce “a consciência humana relativa ao tempo, experimentando o tempo para ser significativa, adquirindo e desenvolvendo a competência para atribuir significado ao tempo” (RÜSEN, 2011, p. 79).

O uso do filme “Bacurau” tem a possibilidade de tornar a aula de história interessante não no sentido de entretenimento, mas por ter o potencial de iniciar um diálogo com os conhecimentos prévios que os estudantes trazem para a escola e constituir temáticas significativas possíveis de afetar professores e estudantes envolvidos no processo de ensino e de aprendizagem histórica  com vistas ao letramento histórico, ou seja, a capacidade de estudantes e professores construírem formas de pensar no mundo historicamente, operando com as evidências históricas, usando os métodos da investigação histórica e os conceitos históricos substantivos e de segunda ordem,

sendo os primeiros referentes aos conteúdos históricos – como Revolução Industrial, Renascimento, Expansão marítima europeia, Estado, globalização, entre outros – previamente pesquisados, produzidos e sancionados pelos historiadores com o emprego de conceitos de segunda ordem. Já os conceitos de segunda ordem – ou conceitos estruturais, ainda meta-históricos – são conceitos intrínsecos à construção do conhecimento histórico, como: evidência; explicação histórica; empatia histórica; causalidade e multicausalidade; multiperspectividade; significância histórica, sem os quais não se ergueriam os conceitos substantivos. (SZLACHTA JUNIOR; RAMOS, 2021, p. 101-102)

Nessa perspectiva, as temáticas significativas, aqui pensadas a partir de “Bacurau” – certamente muitas outras poderão ser identificadas –, são vistas como potenciais mediatizadoras de sujeitos cognoscentes capazes de gerar o “Ato Cognoscente” ao tornar o filme mais do que “ad-mirável”, porque gerador de opinião “ad-mirado” é gerador de conhecimento (FREIRE, 2021).

Aponta-se, portanto, que a aprendizagem significativa potencializada por “Bacurau” possibilita mudanças conceituais na perspectiva da aprendizagem histórica, pois, conforme nos propõe Eder Souza, ao relacionar cinema e educação histórica, o cinema “tem grande potencial de mobilização da aprendizagem histórica dos jovens estudantes, especialmente por sua influência na cultura juvenil” (SOUZA, 2014, p. 21).

Espera-se, assim, contribuir para romper com os modelos que reforçam a concepção que, se muitos historiadores já romperam, no ensino ainda se faz muito presente. Essa história do quadripartite europeu (Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea) ou do tripartite brasileiro (Colônia, Império e República), da longa duração dos modos de produção sedimentados e das sucessões lineares de acontecimentos que lhes são subjacentes, estes 

longos períodos, como se sob as peripécias políticas e seus episódios, eles se dispusessem a revelar os equilíbrios estáveis e difíceis de serem rompidos, os processos irreversíveis, as regulações constantes, os fenômenos tendenciais que culminam e se invertem após continuidades seculares, os movimentos de acumulação e as saturações lentas, as grandes bases imóveis e mudas que o emaranhado das narrativas tradicionais recobrira com toda uma densa camada de acontecimentos. (FOUCAULT, 2016a, p. 3)

“Bacurau” nos possibilita usar outras metáforas temporais e espaciais, a exemplo das estratégias de combate que os personagens da trama constroem e que podem ser ligadas aos fios de lutas e às linhas de força, tensão e enfrentamento do cotidiano do público escolar, exigindo-lhe compreender os processos mentais mais genéricos e elementares de interpretação do mundo e de si mesmos, evidenciados pelos atos realizados pelos personagens na narrativa do filme em suas ações de superação de suas demandas cotidianas, inclusive na resistência à imprevisível invasão estrangeira e na possiblidade eminente de extermínio. Ao fazer isso, os sujeitos escolares são potencializados a interpretar, ou mesmo redefinir, a si e suas próprias ações, concretizando uma aprendizagem fundada na aquisição de conceitos significados a partir de uma história do tempo presente, cujo “centro da análise não seria mais o que aconteceu, mas sim o que é necessário reter como também os acontecimentos sobre os quais temos, de alguma forma, capacidade de intervir” (MULLER, 2007, p. 20).

Espera-se que a interrelação de estudantes e professores com os personagens de “Bacurau” e toda carga conceitual e cultural que isso possa significar favoreça a cada um entrar e partilhar o “disco voador” de uma aprendizagem histórica repleta de conceitos significativos capazes de fazer perceber as mudanças ocorridas nas sociedades contemporâneas em suas relações com o passado no tempo presente. Aposta-se no uso do filme “Bacurau” como um lugar de memória, “um meio-termo entre memória coletiva e história”, para usar o termo de Dosse (2012). 

Espera-se que este artigo ajude a pensar a historicidade do passado que “Bacurau” reconstrói em suas metáforas temporais. Para tanto, dialoga-se com o filme de forma geral e ao mesmo tempo com seus fragmentos, temas, personagens. Como nos orienta Ferro:

aplicar esses métodos a cada substância do filme (imagens, imagens sonoras, imagens não sonorizadas), às relações dessas substâncias; analisar no filme principalmente sua narrativa, o cenário, o texto, as relações do filme com o que não é filme: o autor, a produção, o público, a crítica, o regime. (FERRO, 1995, p. 203)

“Bacurau”, ainda que se anuncie no Nordeste brasileiro, foge do padrão caricatural do Nordeste reduzido ao mandacaru, aos romeiros do Padre Cícero e ao sertão esturricado que matou a “Vaca Estrela e Boi Fubá”[8]. Propõe-se, neste artigo, portanto, que “Bacurau” seja compreendido em sala de aula não só como a obra e/ou a realidade que representa, mas que possibilite compreender os processos de subjetivação nos quais o filme se inspira e pode inspirar.

“Eita porra!” Ensinar história que não seja “outra coisa da mesma coisa”

Vim aqui só pra dizer
Ninguém há de me calar
Se alguém tem que morrer
Que seja pra melhorar
Tanta vida pra viver
Tanta vida a se acabar
Com tanto pra se fazer
Com tanto pra se salvar
Você que não me entendeu
Não perde por esperar
(Réquiem para Matraga – Geraldo Vandré, 1965[9])

Quando o caminhão pipa de Erivaldo passa pelo ônibus escolar na entrada de Bacurau, isso leva a crer que ali tem uma escola, onde os estudantes são bem assistidos pelo poder público, pelo menos em relação ao transporte. No entanto, dez minutos de filme depois, numa cena que mistura a chegada de um caminhão baú transportando um prostíbulo ambulante com a chegada das crianças à escola, descobre-se que o ônibus há tempos está parado, sendo usado para o cultivo de plantas de pequeno porte. As cenas se encadeiam no ritmo dos tubos de água conectados para abastecer as torneiras abertas ao banho sem roupas dos habitantes do prostíbulo. A sequência de imagens se direciona à feira da cidade, local de venda dos produtos da terra.

Dois minutos de cena e apenas duas frases ditas: uma de saudação às plantas, outra ao garoto que ajuda a cultivá-las. O que predomina na cena é a música que se junta à poeira, ao som da água do banho público e à exposição de nudez dos corpos pouco preocupados com os padrões estéticos da contemporaneidade. Uma riqueza de ideias, costumes, intenções, práticas, ações e estratégias de sobrevivência a serem problematizadas em sala de aula. São cenas que instigam a refletir sobre os sujeitos e identidades presentes nas salas de aula de vários lugares do Brasil. Pensar, por exemplo, como as crianças e adolescentes da comunidade de Barra, onde foram feitas as filmagens de “Bacurau”, se deslocam todos os dias por mais de uma hora de ônibus para estudar, situação análoga de muitas instituições brasileiras de ensino. São cenas que ajudam a significar como os estudantes de cada escola se objetivam como sujeitos, como se pensam e, a partir daí, identificar seus saberes prévios que possam ajudar a construir uma aprendizagem significativa.

Parte-se do princípio de que os sujeitos/estudantes que se pensem/objetivem a partir de Bacurau são seres humanos livres das generalizações, visto através de suas singularidades, conforme sua temporalidade espacial, em seus diferentes modos de subjetivação e em suas respectivas culturas, pois “as ideias gerais são falsas porque são ocas” (VEYNE, 2014, p 119).

Importa-nos pensar em sala de aula como os diversos sujeitos que foram objetivados no filme “Bacurau” podem ser objetivados na vida cotidiana dos estudantes e como outros sujeitos identificados com os personagens do filme e com os próprios estudantes foram e são objetivados em outros tempos e lugares. Um ponto de partida pode ser o personagem Lunga, apresentado no início do filme como um proscrito socialmente, fugitivo da polícia, mas que surge na metade do filme como uma espécie de salvador da comunidade. Ele mesmo se assemelha a Che Guevara, ao ser procurado para se unir ao povoado e resistir contra os assassinos de sete pessoas da comunidade: “A gente tá aqui, feito a bicha do Che Guevara, passando fome nessa merda” (Lunga).

A fala de Lunga é oportuna, por exemplo, para pensar, a partir da comparação a Che Guevara, em alguns conceitos substantivos e de segunda ordem (LEE, 2001; 2006): Revolução Cubana e América Latina, como conceitos substantivos, e sua relação com tempo presente; e de segunda ordem ligados às ideias estruturais do pensamento histórico, como as categorias temporais de permanência, ruptura, narrativa e periodização.

É importante salientar que não se trata de definir os conceitos para os estudantes, mas construí-los com eles, o que implica partir do que eles pensam sobre estes conceitos, dentre muitos outros que possam surgir, para melhor qualificá-los no pensar historicamente, como nos destacam Schmidt e Garcia:

[...] a Educação histórica tem seus fundamentos pautados em indagações como as que buscam entender os sentidos que os jovens, as crianças e os professores atribuem a determinados conceitos históricos – como revolução francesa, renascimento, reforma protestante – chamados ‘conceitos substantivos’, bem como os chamados de ‘segunda ordem’ tais como narrativa, explicação ou evidência histórica. (SCHMIDT; GARCIA, 2006, p. 1)

Lunga é personagem através do qual se pode trabalhar diversos dos conceitos já citados além de outros, como a “empatia histórica”, ou seja, a capacidade que os estudantes têm de se colocar no lugar dos sujeitos históricos. Após ver o filme, algumas questões podem ser levantadas: será que os estudantes se identificam com seus personagens? Diante das condições de vida em “Bacurau”, como eles reagiriam se vivessem naquela comunidade? E em outras sociedades, de outros tempos e lugares históricos, qual seriam suas reações?

O exercício de “empatia histórica” parte, portanto, de uma imaginação na qual o estudante deverá se pensar em outros tempos e lugares, levando a um processo de descentramento e multiperspectividade, ou seja, ao descentrar-se, os estudantes se permitem outras percepções de ser e viver em outros lugares e em outros tempos.

Ao deslocar-se para outro tempo, experienciando outra posição no mundo, o aluno poderá vivenciar e adquirir compreensão acerca da falibilidade e da redutibilidade de seus pontos de vista (deles em relação a todo um universo plural e mutável de outros pontos de vista, no presente e no tempo). (ANDRADE; RODRIGUES JUNIOR; ARAÚJO; PEREIRA; 2011)

Imaginação, descentramento e multiperspectividade podem ser um exercício que favoreça pensar não somente em Che Guevara, autocomparação de Lunga, mas em sujeitos diversos, líderes ou “pessoas comuns”, homens e mulheres comuns, o “homem ordinário”, no dizer de Michel de Certeau (2014).

Quando Lunga aparece numa foto de identificação da polícia no vídeo da televisão do caminhão, tudo que se sabe é que ele é um bandido de “alta periculosidade”. Na metade do filme, o personagem se revela na frente de um espelho, arrumando a sobrancelha e as sombras malfeitas dos olhos, dedos cheios de anéis, unhas pintadas, gargantilha dourada e tatuagem no pescoço, um misto de gênero travestido e cangaceiro. Em seguida, da torre montada na parede da represa, usada como fortaleza, ele observa quem está chegando para depois descer, atravessar os canos da parede por onde deveria passar a água até chegar junto a Pacote.

Em sua próxima cena, já na cidade, Pacote anuncia Lunga, que passa por um corredor formado pelos moradores de Bacurau e é recebido com aplausos. Agora ele aparece com botas de soldado, a câmera sobe lentamente enquanto ele caminha, calças camufladas, típicas de quem vai para a guerra, pistola na mão, colar sobre a gargantilha, blusa longa, com cores escuras variadas: – “que roupa é essa, menino?” Pergunta uma senhorinha. Lunga está prestes a assumir a condição de justiceiro. O cabelo longo e solto, diferente do cabelo curto como havia aparecido antes, brindes de cerveja quente no bar e aplausos que são rompidos pelo lamento da mãe de um dos mortos que Pacote trouxe no jipe.

Após algumas cenas da fila de homens no prostíbulo esperando a vez, de lamento e velório, de crianças correndo, da capoeira ao som eletrônico, Domingas bebendo, mulher fumando, Lunga aparece comendo e conversando sobre as pessoas que retornaram, braços cheios de correntes e pulseiras, dialoga com Plínio que  elogia a escrita, interrompido pela frase de Lunga: “Agora a gente tem um buraco pra cavar”. Daí por diante, Lunga assume a condição de herói da resistência, mas suas imagens, seu corpo e os símbolos que carrega não são os que normalmente o grande público esperaria para um valente guerreiro, antes visto como um cangaceiro à moda Lampião, capaz de enfrentar com facão e pistola cano longo as armas de precisão e toda tecnologia dos invasores.

Lunga é a oportunidade para trazer à cena da sala de aula os debates sobre sexualidade e gênero, os estereótipos historicamente construídos do masculino e feminino e o conjunto de regras, valores e proibições sobre as possibilidades de subjetivação e formas de si mesmo. Tratar das diversas formas de condutas e práticas sexuais em sociedades de tempos e espaços diferentes e das representações desses comportamentos a partir da ciência, da religião, da filosofia, das instituições pedagógicas, judiciárias, médicas e familiares. Significa pensar no sexo e na sexualidade em suas historicidades, perceber que “não tiveram a mesma pregnância e o mesmo perfil, em todas as sociedades sociais” (SWAIN, 2011, p. 384). Pensar, portanto, na sexualidade como experiências dentro de culturas específicas e em sua relação com os campos de saber, a normatividade e os processos de subjetivação. Como nos destaca Foucault:

Falar da “sexualidade” como uma experiência historicamente singular suporia, também, que se pudesse dispor de instrumentos suscetíveis de analisar, em seu próprio caráter e em suas condições, os três eixos que a constituem: a formação dos saberes que a ela se referem, os sistemas de poder que regulam sua prática e as formas pelas quais os indivíduos podem e devem se reconhecer como sujeitos dessa sexualidade. (FOUCAULT, 2017b, p. 8-9)

O diálogo com Michel Foucault sobre sexualidade e gênero pode ser mais um caminho favorável ao letramento histórico, à construção de conceitos que ajudem os estudantes a pensarem historicamente e a entender as subjetividades nas singularidades de cada cultura, como as sociedades se pensam e como o conhecimento histórico é historicamente construído.

Além do diálogo com Michel Foucault, a narrativa que o filme faz com o personagem Lunga traz significados férteis para pensar no processo de interconstituição de corpo e gênero, tendo por base o conceito de performatividade de Judith Butler.

Em outras palavras, atos, gestos e desejo produzem o efeito de um núcleo ou substância interna, mas o produzem na superfície do corpo, por meio do jogo de ausências significantes, que sugerem, mas nunca revelam, o princípio organizador da identidade como causa. Esses atos, gestos e atuações, entendidos em termos gerais, são performativos, no sentido de que a essência ou identidade que por outro lado pretendem expressar são fabricações manufaturadas e sustentadas por signos corpóreos e outros meios discursivos. O fato de o corpo gênero ser marcado pelo performativo sugere que ele não tem status ontológico separado. (BUTLER, 2003, p. 194)

Os atos e gestos, a forma de vestir, de falar, o caminhar de Lunga e toda sua (trans)forma(ação) de bandido perigoso procurado para líder “salvador”, a ponto de arrancar da boca do motorista Erivaldo um “Eita porra, menino”! quando ele entra na cidade, trazido por Pacote, corrobora com a ideia de Butler acima, como nos salientam Bastos e Gonçalves:

Os objetos e símbolos que, em nossa sociedade, remetem à mulher e à construção de uma identidade feminina – anéis, cordões, esmaltes, unhas e sobrancelhas feitas –, fazem parte do universo do cangaceiro Lunga, desestabilizando as leis regulatórias que previamente estabelecemos para um personagem heroico masculino. Com nossas classificações culturais, já não temos certeza do enquadramento de gênero ao qual Lunga se encaixa. Nas cenas seguintes, o filme opera com essa indefinição performativa e leva os espectadores a se posicionarem e se reposicionarem na busca de um novo enquadramento, de um novo sentido para aquele corpo. (BASTOS; GONÇALVES, 2020, p. 241)  

A partir da metade do filme, a imagem inicial de Lunga bandido, macho/hétero vai sendo desconstruída e desenquadrada, ganhando uma nova discursividade fora dos padrões estéticos da dualidade de masculino e feminino. Lunga vai se transformando em militante revolucionário com um estilo de vida próprio, no dizer de Foucault quando analisa o militantismo como testemunho de vida, como estilo de resistência:

Que assegura esse testemunho pela vida, está em ruptura, deve estar em ruptura com as convenções, os hábitos, os valores da sociedade. E ele deve manifestar diretamente, por sua forma visível, por sua prática constante e sua existência imediata, a possibilidade concreta e o valor evidente de uma outra vida, uma outra vida que á a verdadeira vida. (FOUCAULT, 2011, p. 161)

Para Foucault (2011, p. 161), o militantismo, “vida como atividade revolucionária, ou a atividade revolucionária como vida”, assumiu três grandes formas nos séculos XIX e XX: as sociedades secretas, as organizações visíveis e o militantismo como testemunho, no qual não basta ser revolucionário, precisa mostrar-se em permanente processo de rompimento com todos os valores da sociedade que se propõe a transformar. Certamente, esta tipologia ajuda a compreender personagens existentes na comunidade dos estudantes e professores, assim como outros em outros tempos e em outros lugares, personagens consagrados ou não. É possível, inclusive, que os estudantes possam apresentar outros personagens que não se enquadram na tipologia foucaultiana, o importante é pensar como os estilos de vida se transformam em exercício de poder. A pergunta a ser feita, portanto, em sala de aula, não é sobre o que é o poder, mas como ele funciona.

“Limpar tudo, lavar bem o chão, mas, nas paredes, ninguém toca”: a história que se aprende é narrada nas teias de poder

São muitas horas da noite
São horas do bacurau
Jaguar avança dançando
Dançam caipora e babau
Festa do medo e do espanto
De assombrações num sarau
Furando o tronco da noite
Um bico de pica-pau
(Bichos da Noite. Sérgio Ricardo, 1967[10])

As fotografias da aurora em “Bacurau” são de uma beleza contagiante e somam às portas que vão se abrindo do “Museu Histórico de Bacurau”, em seguida, as portas da igreja sem padre, um depósito de cadeiras, e as do consultório de dona Domingas, cujo saber médico permite conhecer a vida privada de cada um dos habitantes. Enquanto isso, segue o café da manhã do professor Plínio corrigindo provas enquanto Tereza e Madalena (sua irmã) comem “o bolo de voinha”, feito antes de morrer. Madalena e Pacote, que quer ser chamado, nesse momento, de Acácio, como forma de evitar a lembrança dos crimes cometidos no interior de Pernambuco, combinam o encontro para mais tarde:

—  Tu quer dormir comigo, hoje? —  Pergunta Madalena.
—  Não tás de luto, não? —  Pacote retruca.
— Não sou religiosa, não! — Responde, com um leve sorriso disfarçado.                                          (BACURAU, 2019)

Em seguida, Dominga balança na cadeira enquanto olha sua fotografia com Carmelita. Levanta-se, abre a cortina e vê sua companheira Isa na cama com um michê do prostíbulo. A cena é interrompida pela entrada de Tony Jr. (Thardelly Lima) com sua comitiva, um caminhão de som e outro com caçamba cheia de livros velhos, a grande maioria sem utilidade, até lista telefônica antiga tem. Tony Jr. traz também caixões na carroceria de sua camionete de luxo, alimentos e remédios vencidos para pedir os votos do povo de Bacurau, uma cena típica das relações de clientelismo e patrimonialismo muito comum país afora. Tony Jr. chega atrasado, antes dele, o carro de som do DJ Urso retransmite aos habitantes a mensagem vinda de uma mulher trans, negra, Darlene (Dany Barbosa), que vive no cabaré da entrada da cidade. A casa de prostituição também funciona como torre de controle de quem entra e quem sai. Com o aviso, todos se escondem do caçador de votos à reeleição e começam a xingá-lo de dentro de suas casas. 

As combinações de cenas formam teias de poderes a serem pensadas como construções históricas a partir do convívio social. As relações de poder e resistência percebidas a partir do museu, da escola e do ambulatório frente à política de Tony Jr. possibilitam analogias a outras sociedades, outros tempos e com a vida dos sujeitos escolares. São relações que se evidenciam em suas ações objetivas sobre as coisas utilizadas, destruídas, modificadas e consumidas, como a mala com remédios, vacinas e soro antiofídico, que correm de mão em mão no velório de Carmelita; o reservatório seco de água; o ônibus escolar transformado em canteiro; os caixões, como o de Carmelita que verte água no sepultamento; o caminhão crivado de bala; as armas de Lunga; os satélites que emitem sinais que possibilitam o mapeamento de pessoas feito pelos estrangeiros para comunicação entre celulares na defesa contra os forasteiros e para o professor Plínio trabalhar suas aulas. Relações de poder que se definem nos deslocamentos de espaços e linguagens. Afinal, os objetos e acontecimentos destacados no filme assumem outros significados em outros espaços e outros tempos de convivência social.  

Os deslocamentos de tempo e espaço contidos no filme dessacralizam os espaços, tornando-os ao mesmo tempo profanos, privados e públicos. A igreja é aberta, mas não se ver o seu interior, exceto o amontoado de cadeiras guardadas, qualquer um pode pegar, como o faz Pacote. O ambulatório de dona Dominga é lugar em que as pessoas curam a ressaca e confessam sua vida privada. As portas e janelas das casas estão quase sempre abertas, exceto para Tony Jr. E para os estrangeiros, facilmente é possível ver os casais em cenas mais íntimas. Damiano e sua esposa vivem em casa completamente despidos, pois, para ele, não há qualquer constrangimento em cultivar suas ervas como veio ao mundo. Da mesma forma que enfrenta os invasores. Nada disso lhe causa acanhamento. O museu é o lugar de memória, refúgio e resistência e de onde são arrancadas as armas da resistência, o que pode inspirar um bom debate sobre a memória como resistência. Museu, igreja e ambulatório estão alinhados na mesma rua, não há hierarquia, nem homogeneidade entre os espaços, cada um adquire sua importância em tempos específicos.

Certamente outros espaços podem ser vistos a partir de “Bacurau”, como os espaços medievais ou da própria região pernambucana em outros séculos. Pode-se pensar em drones, confundidos inicialmente como discos voadores, e todos os mitos que isso significa no sertão nordestino. Assim como os mitos que envolveram a chegada das caravelas trazendo os invasores europeus e o genocídio dos povos que habitavam a América, dando início a uma guerra com armas, vírus e bactérias, que permanece até hoje[11], que fez e faz desaparecer milhões de seres humanos desde o século XVI. É fácil deslocar dos estrangeiros de Bacurau para as invasões europeias ou para o avanço do agronegócio e do garimpo na Amazônia.

“Bacurau” é um espelho no qual os estudantes podem se ver onde não estão e ao mesmo tempo se descobrirem ausentes no próprio lugar por se verem em outro lugar. Fazer um esquadrinhamento dos espaços do filme é um exercício bastante significativo para perceber as organizações dos lugares de poder. Se a escola fica na entrada da cidade, logo a seguir vem o ambulatório de Domingas, vizinho ao Museu, anterior à igreja, que somam à represa, à horta de Damiano e à venda, onde se encontram carnes de caprinos expostas, lugar central para o bloqueio do sinal de celular, logo, teremos a descrição da espacialização dos discursos e seus efeitos de poder a serem comparados a outras espacialidades. Sem esquecer, claro, da casa de Carmelita e seu filho, o professor Plínio. Nesse sentido,

os estudos desta microfísica supõem que o poder nela exercido não seja concebido como uma propriedade, mas como uma estratégia, que seus efeitos de dominação são sejam atribuídos a uma “apropriação”, mas a disposições, a manobras, a táticas, a técnicas, a funcionamentos; que se desvende nele antes uma rede de relações sempre tensas, sempre em atividade, que um privilégio que se pudesse deter. (FOUCAULT, 1987, p. 29)

O lugar de poder de Domingas é fruto de uma posição estratégica. A janela e porta do ambulatório sempre abertas facilitam a entrada de quem procura apoio e permitem que Domingas veja quem entra e quem sai do povoado, sendo o panóptico da cidade.

Já no início do filme, Domingas aparece na frente da casa de Carmelita, espaço normalmente chamado pelos nordestinos de “terreiro” da casa. Enquanto o corpo de Carmelita é velado, Domingas a destrata chamando-a de “bruxa” e “rameira”, expressões usadas normalmente para desqualificar as rezadeiras, raizeiras e erveiras comuns no sertão nordestino, que disputam com a medicina os saberes e poderes de cura, principalmente junto às populações mais carentes. Evidencia-se ali uma disputa de saberes que, para a sociedade de Bacurau, são complementares, mesmo que entre as duas houvesse um nível de amizade bem mais amplo, definido somente na segunda metade do filme.

As relações entre Carmelita e Domingas e entre elas e os habitantes de Bacurau no exercício de poder sobre os corpos das pessoas localizam-se fora do poder do Estado. Muitos dos que procuram Domingas são os excluídos, a exemplo dos bêbados, alguns precisam apenas de um lugar para “curar a ressaca”. É com esse poder que ela encara o prefeito, que leva à força uma das moças do prostíbulo, apesar do protesto de suas companheiras de profissão e das pessoas da cidade. Domingas não se intimida, ameaça-lhe cortar “o pau” se ela voltar machucada e lembra que “puta também vota”. Vê-se que a relação do prefeito com a comunidade não é de dominação extrema sem resistência, há, de toda forma, um jogo de negociação quando as regras são quebradas, como no apoio do prefeito aos estrangeiros na preparação do cerco à cidade, sendo ele expulso da cidade. Na reunião com a comunidade para dividir os donativos de Tony Jr., conforme a consciência de cada um, Domingas chama atenção para os remédios desaconselhados para o uso, mas não impõe: “o recado tá dado, quem quiser pegue”, ela diz.

Os lugares de vigilância também são lugares de defesa, a exemplo da casa localizada na estrada que dá acesso à cidade, no topo de uma subida, a janela de onde se vê, de longe, quem se aproxima. Quando é alguém desconhecido, imediatamente todos os habitantes de Bacurau são avisados por uma rede social de celular. Não por acaso é lá que Domingas vai enfrentar o chefe dos “gringos”, Michael (Udo Kier), oferecendo-lhe um banquete de guisado com suco de caju e veste-se com o jaleco sujo com o sangue do casal forasteiro morto quando tentou a emboscada contra Damiano. Da mesma forma, é Domingas quem coloca a carapuça em Tony Jr. quando ele é abandonado de costas na garupa de um jumento para partir em “direção à caatinga de Bacurau, para encontrar a paz interior que tanto necessita, em meio aos facheiros, gogóia, mandacaru, favela, xique-xique, essas plantas que fluem que se abrace gostosamente com seu corpo”, como diz o DJ Urso.

O prefeito “Tony Júnior”, estrangeirismo rasteiro, é zombado pelos habitantes da cidade nas duas cenas que aparece, ainda que use das artimanhas mais conservadoras e comuns nos processos eleitorais brasileiros com a troca de votos por livros velhos, remédios e alimentos com data vencida, o que não difere das práticas fisiologistas típicas da política brasileira perpassando as mais diversas instituições. São práticas do início da República que assumem novas roupagens conforme as contingências de cada tempo. Bacurau se apresenta como espaço de resistência: entre os livros, há aqueles que o professor Plínio irá escolher e colocar na biblioteca da escola para uso dos alunos e toda comunidade; os remédios e alimentos são rigorosamente classificados por Domingas e Plínio e, mesmo aqueles que os habitantes desejarem consumir, ainda que não recomendado, ficam à disposição. 

Chamam atenção os vínculos identitários dos habitantes de Bacurau, boa parte deles permanece no lugar a vida toda. Dos que partem em busca de sobrevivência, processo migratório ainda muito comum no sertão nordestino, assim como em diversas partes do mundo, muitos acabam voltando, como a madame e o seu pessoal (do prostíbulo), Claudio e Nelinha[12], o filho de dona Martina, dona Sebastiana, Erivaldo com os filhos, José e Tereza (a enfermeira), segundo a ênfase destacada em conversa entre Plínio, Pacote e Lunga. Há também os que partiram, mas não deixam de ajudar Bacurau como nos fala, nas primeiras cenas, o professor Plínio sobre os filhos de Carmelita, ele mesmo sendo um deles:

Na família tem de pedreiro a cientista, tem professor, tem médico, tem arquiteto, michet e puta, mas ladrão num gerou nenhum. Tem gente em São Paulo, Europa, Estados Unidos, tem gente na Bahia e Minas Gerais. Muita gente que não pode vir aqui hoje por causa do problema da nossa região, mas mandou muita ajuda pra Bacurau. Isto é prova de que Carmelita e Bacurau tão em todos eles.  (BACURAU, 2019)   

Assim, é significativo que a batalha final dos filhos de Bacurau contra os estrangeiros tenha como palco principal o museu. Terminada a batalha, o chão coberto de sangue é lavado e Isa entra falando: “a gente vai limpar aqui tudo, lavar bem o chão, mas, nas paredes, ninguém toca, Certo? Eu quero que fique assim, exatamente do jeito que tá”. Quase sussurrando: “Infelizmente!” (BACURAU). As imagens do museu são antecedidas pela leitura dos nomes dos nascidos em Bacurau que foram mortos no confronto, certamente a primeira narrativa traumática do acontecimento, o início da vivência do luto.

Finalizado o confronto com os estrangeiros, aos poucos os habitantes saem de seus esconderijos, corpos ensanguentados aparecem, o cortejo aumenta, cada pessoa puxa um caixão e também aumenta o volume da voz que dita os nomes dos corpos. Após o beijo entre Domingas e Isa, os caixões aparecem enfileirados, enquanto vários habitantes filmam em seus celulares e tablets, pois cada um quer levar sua memória. O encontro das duas cenas é o encontro do luto com a memória traumática:

Lembranças podem voltar em forma de pesadelo ou restrições à ação consciente por não terem sido capazes de ser vivenciadas plenamente e, portanto, neutralizadas pelo sujeito no passado. O trauma aparece como resultado tanto da natureza devastadora dos eventos sobre o indivíduo como da incapacidade da psique deste último de lidar com determinados eventos. A questão, nesses casos, é a impossibilidade de termos testemunhos do passado, uma vez que este não foi vivenciado como experiência, mas como trauma. (SANTOS, 2013, p. 63)

O museu será o lugar da memória e das narrativas futuras sobre o ataque dos estrangeiros que se somarão a outras narrativas, a considerar os objetos expostos, como ferros de gado e de torturas dos tempos da escravização de africanos forçados à diáspora de suas terras, armas dos mais diferentes tipos, imagens de votos, etc. Bacurau é uma sociedade que precisa narrar, ressignificar, compreender (RICOEUR, 1997) e reconhecer-se, o que pressupõe a lembrança, impossível sem o esquecimento (RICOEUR, 2007), assim como muitas outras comunidades, como os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, marisqueiras, as comunidades das periferias dos grandes centros urbanos, dentre outros que resistem das mais variadas formas, por vários fatores, a começar pelo direito de existirem.

Em sala de aula, o Museu de Bacurau pode ser um excelente disparador de ideias, conceitos ou proposições preexistentes na estrutura cognitiva dos estudantes a servirem como “ancoradouros” de conceitos de segunda ordem, caros ao processo de letramento histórico, como memória, esquecimento, memória traumática e luto, gerando uma aprendizagem significativa de Ausubel (2003). Ou seja:

Novas ideias, conceitos, proposições podem ser aprendidos significativamente (e retidos) na medida em que outras ideias, conceitos, proposições relevantes e inclusivos estejam adequadamente claros e disponíveis na estrutura cognitiva do indivíduo e funcionem, dessa forma, como ponto de ancoragem para os primeiros. (MOREIRA, 1999, p. 11)

Nesse processo de ressignificação da aprendizagem histórica (SCHMIDT, 2019), “Bacurau” possibilita uma maior aproximação e interpretação do passado. Desde que considere, como nos propõe Peter Lee (2003), um diálogo com conceitos, como escravidão/trabalho escravo, colonização, holocausto, ditadura na América Latina ou no Brasil, dentre outros. São conceitos que podem ser colocados em diálogo com as relações que se estabelecem nos micropoderes de “Bacurau”, desde que sejam observadas as formas como as estratégias de sobrevivência presentes nas lutas cotidianas tornam os personagens/sujeitos receptores e emissores de poder.  

Conclusão: ensinar história como se aprende em “Bacurau” para pensar e agir

Esse povo do Sudeste não dorme nem sai no sol,
Aprenderam a pescar peixe sem precisar de anzol.
Se acham melhor que os outros
Mas ainda não entenderam que São Paulo é um paiol.
[...) Eu não quero o seu dinheiro, moça,
eu tô aqui só de gaito
(Violeiro de Bacurau, 2019, interpretado por Rodger Rogério).

Bacurau é uma heterotopia com justaposição de vários espaços. Da mesma forma, a linguagem presente na comunicação é uma justaposição de poder e resistência por meio da língua e sistemas de signos diversos, a exemplo do próprio nome do lugar, Bacurau, uma referência a um pássaro: “passarinho não! Um pássaro, um pouco, maior ... ele é brabo”, como enfatizado pela dona da venda na qual o casal de sulistas vai implantar o bloqueador de sinal de celular: “Bacurau é pequena, mas é braba”. Assim como se percebe no efeito que a palavra “nazista” exerce sobre o líder dos estrangeiros, Michael, ou na dança da capoeira após o choro e lamento de morte dos moradores da cidade que foram devolver os cavalos de uma fazenda próxima, como uma espécie de ritual de preparação para a guerra, acompanhado de uma música inicialmente típica da capoeira e que se transforma em música eletrônica acelerada, ou as roupas manchadas de sangue no varal público, espécie de declaração de guerra.

Nada é mais simbólico nas relações de informação de poder do que o museu da cidade, ao lado do posto de saúde de Domingas. No museu, guardam-se as referências da memória de seu povo, com suas armas, marcas de ferrar gado, típicas do processo violento contra os povos indígenas durante a invasão e colonização estrangeira do sertão nordestino, ex-votos com partes do corpo esculpidas em madeira, típico dos milagres e das manifestações religiosas populares; ferros dos tempos da escravidão, imagens de cabeças cortadas. Faltam algumas peças, o estrangeiro demora um pouco para perceber que são as armas da resistência usadas no passado e que serão usadas novamente, como um winchester 44 e um colt 38. Quando a batalha termina, as armas são devolvidas, o museu é lavado, mas as marcas de sangue na parede serão mantidas como memória da resistência de Bacurau. Há um dever de memória a ser mantido como elemento fundamental da identidade individual e coletiva dos sujeitos e da sociedade de Bacurau. Uma memória a ser buscada, assim como nos salienta Le Goff (2013), a ser construída e conquistada:

A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia. Mas a memória coletiva é não somente uma conquista é também um instrumento e um objeto de poder. São as sociedades cuja memória social é sobretudo oral ou que estão em vias de constituir uma memória coletiva escrita que melhor permitem compreender esta luta pela dominação da recordação e da tradição, esta manifestação da memória. (LE GOFF, 2013, p.435)

O poder em Bacurau é identificado em seus canais mais finos, cada um é titular e veículo de poder que está nas redes e circuitos que se interferem, se recobrem e se apoiam a ponto de a comunidade não precisar de polícia. A vigilância local é mais eficiente e eficaz, ao mesmo tempo em que garante liberdades básicas, como a possibilidade de os casais deixarem à vista suas relações mais íntimas, ou combinarem um encontro sexual durante o café da manhã com o professor Plínio. No ambulatório, na represa, no prostíbulo, em qualquer lugar, cada indivíduo “com suas características, sua identidade, em sua referência a si mesmo, é o produto de uma relação de poder que se exerce sobre os corpos, as multiplicidades, os movimentos, os desejos, as forças” (FOUCAULT, 2017c, p. 36-37). Bacurau, como tantas outras cidades, não tem fronteiras, nem nacionalidade, pode ser qualquer uma.    

Acreditamos, portanto, que é possível identificar em que os processos de subjetivação apresentados em “Bacurau” se aproximam e/ou se distanciam do cotidiano dos presentes em sala de aula para pensar em novas temporalidades e novos vínculos espaciais. Não se trata mais, como nos alerta Foucault, de perguntar “qual é o caminho mais certo da verdade? Mas qual foi o caminho aleatório da verdade?” (2017d, p. 31). Importa-nos questionar os caminhos percorridos por professores, currículos, livros didáticos e cada personagem de sala de aula para construir suas verdades sobre a história humana no tempo presente.

A trama que se passa no filme, sem uma periodização precisa e uma indeterminação de localização, mesmo que este tenha sido filmado  nas comunidades de Barra, Quilombo da Boa Vista e no povoado de Santo Antônio da Cobra, localizados no município de Parrilhas e passagens em Acarí, no estado do Rio Grande do Norte, permite o diálogo com diversas manifestações culturais e sociais, seja no Nordeste ou em outra região do Brasil, dos Estados Unidos ou em lugares variados da América Latina em outros tempos e ressignificados no tempo presente.

A metodologia da descontinuidade nas escalas temporais e espaciais de Bacurau, somente amarrada pelos caixões recolhidos no meio da estrada no início do filme e usados no final para sepultar as vítimas da resistência, permite romper com “a concepção de história organizada com base do modelo da narrativa como grande sequência dos acontecimentos tomados em uma hierarquia de determinações” (FOUCAULT, 2017d, p. 614), nas quais os sujeitos diversos são envolvidos como meras marionetes da totalidade. O tempo e o espaço de Bacurau são incertos, nômades, em camadas, períodos e idades diferenciadas, fronteiras vagas que se tocam, se interseccionam e se distanciam. São tempos e espaços que cada um identifica conforme seus próprios processos mentais de interpretação de mundo e de si.

Problematizar esses tempos é pensar um ensino de História livre da linearidade temporal eurocêntrica e da racionalidade ocidental que desconsideram outros tempos que não sejam os tempos transportado pelas caravelas que continuam a invadir nossos corpos, mentes e hábitos desde o início da chamada “Idade Moderna”. Pode ser o tempo dos estrangeiros que decidem transformar o pequeno povoado num labirinto de videogame, onde as pessoas serão alvejadas, garantindo pontuação aos atiradores, de acordo com o alvo atingido, a eficiência na letalidade e o uso de munição sem desperdício. Da mesma forma, podem ser identificados com os videogames referenciados nos divertimentos nazistas executando aleatoriamente os prisioneiros nos campos de concentração. Não por acaso, em uma das cenas, o chefe dos invasores é chamado de nazista por uns dos integrantes do bando, Terry (Jonny Mars), o que lhe renderá uma bala no peito protegido por um colete.

Os “vilões”, esse povo do Sudeste que se alia aos “gringos” preconceituosos, xenófobos e colonizadores de Bacurau, são bem reais e presentes nos noticiários e redes sociais. Bacurau nos remete ao tempo globalizado das tecnologias de lunetas de precisão, dos celulares, dos satélites, dos drones vistos e identificados pelo cultivador de ervas em sua horta caseira.

Há em Bacurau um processo de deslocamento espacial e temporal que se desvincula da perspectiva de uma porção geográfica, jurídica e política controlada pelo poder administrativo e militar do Estado. O único sinal repressivo do Estado é identificado pelos estrangeiros já na segunda metade do filme, uma sucata de carro bastante antigo da polícia todo crivada de bala.

Bacurau é território vencedor, onde se aprende desde cedo que quem nasce lá “é gente”, como na resposta do garoto Horário ao casal sulista que lhes visita para especular sobre a cidade e instalar um bloqueador do sinal de celular. No início da cena, o garoto se aproxima de forma sutil, quem a assiste pensa que ele será meramente figurativo, mas, quando responde à pergunta da estranha sulista vestida com “roupitas” de trilha de moto, absorve toda tela. Seu rosto reina por uma fração de segundos para aparecer aos olhos do telespectador, tempo suficiente para sustentar, em sua simplicidade de rosto e corpo nu da cintura para cima a altivez, que “é gente”: “negligenciado por um instante, se torna visível, sem sombra nem reticência”, como Velasquez, no quadro Las Mininas descrito por Foucault (2016b, p. 4).

Bacurau é a confiança, altivez, alegria, certeza e beleza de “ser gente” em qualquer lugar ou tempo.

 

Referências

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  38. SCHMIDT, Maria Auxiliadora. O historiador e a pesquisa em educação histórica. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, v. 35, n. 74, p. 35-53, mar./abr. 2019. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/educar/issue/view/2501/showToc. Acesso em: 02 de fevereiro de 2021.
  39. SILVA, Marcos. Depois da ditadura: cidades brasileiras de cinema (Cidade de Deus, Cidade bixa e O céu de Suely). In: SILVA, Marcos; RAMOS, Alcides Freire (orgs.). Ver história: o ensino vai aos filmes. São Paulo: Hucitec, 2011. p. 191-208. 
  40. SWAIN, Tania Navarro. Para além do sexo, por uma estética da liberação. In: ALBUQUERQUE Jr, Durval Muniz; VEIGA-NETO, Alfredo; SOUZA FILHO, Alípio. Cartografias de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. p. 393-406.
  41. SZLACHTA JUNIOR, Analdo Martins; RAMOS, Márcia Elisa Teté. As contribuições da Históry Education para a pesquisa em ensino de História. In: ANDRADE, Juliana Alves; PEREIRA, Nilton Muleet. Ensino de história e suas práticas de pesquisa. São Leopoldo: OIKOS, 2021. p. 96-113.
  42. VEYNE, Paul. Foucault: seu pensamento, sua pessoa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
  43. ZANOTO, Gizele. Aprender com o cinema, aprender sobre o cinema: a sétima arte e o ensino de história. In: VALÉRIO, Mairon Escorsi; RIBEIRO JUNIOR, Halferd Carlos. Ensino de história: memória e identidade. Jundiaí: Paco Editorial: 2016. p. 31-46.

 


[1] Uma boa estratégia para começar a trabalhar Bacurau em sala de aula seria a leitura das diversas críticas feitas em jornais e revistas, além das citadas, e fazer um júri em sala de aula, possibilitando a apresentação das diversas teses levantadas pelos críticos.

[2] Cantora popular, “rainha da ciranda”, reconhecida oficialmente como patrimônio vivo do estado de Pernambuco e condecorada com o título de Professora Honoris causa pela Universidade Federal de Pernambuco. Ver sobre sua história de vida: ASSUMPÇÃO, Michelle de. Lia de Itamaracá: nas rodas da cultura popular. Recife: Cepe Editora, 2020.

[3] Cidade de Deus (Brasil). 2002. Direção: Fernando Meirelles. Codireção: Kátia Lund. Roteiro: Bráulio Montovani. A partir de um romance homônimo de Paulo Lins. 

[4] Cidade baixa (Brasil). 2005. Direção: Sérgio Machado. Roteiro: Sérgio Machado e Karim Ainouz, com a colaboração de Adriana Rattes e Gil Vicente Tavares.

[5] Céu de Suely (Brasil/França/Portugal/Alemanha. 2006. Direção: Karim Ainouz. Roteiro: Karim Ainouz, Felipe Bragança e Maurício Zacarias.

[6] “Não identificado”, de autoria de Caetano Veloso e tendo como intérprete Gal Costa, é a primeira faixa do LP que leva o nome da cantora “Gal Costa”, 1969, é a música de abertura do filme “Bacurau”, 2019.

[7] A classificação do filme é de não recomendação para menores de 12 anos.

[8] Poema de cordel de Patativa do Assaré bastante divulgado nas vozes de Pena Branca e Xavantinho, Raimundo Fagner (Eternas Ondas, 1980; Gonzagão e Fagner, 1991) e Luís Gonzaga, dentre outros.

[9] “Réquiem para Matraga” (1965) foi composta por Geraldo Vandré originalmente para o filme A hora e a vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos, baseado em conto do mesmo nome do escritor Guimarães Rosa

[10] Música que toca nos momentos de sepultamentos de Carmelita, no início do filme e, no final, quando são enterrados os mortos do conflito entre o povo de Bacurau e os invasores. A música tocou pela primeira vez na peça O coronel de Macambira, de Joaquim Cardozo, no Teatro Universitário Carioca, em 1967.

[11] Sobre a guerra permanente e a luta dos povos indígenas, ver “Guerra sem fim: resistência e luta do povo Krenak”, 2016, Direção de Vitor Brotta e Fabrício Boni;

[12] Os dois são os únicos que tentam fugir durante a invasão, mas são mortos por um casal de estrangeiros, o que nos dá a dimensão humana de medo. Nem todos têm a mesma disposição para resistir.


Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC
Programa de Pós-Graduação em História - PPGH
Revista Tempo e Argumento
Volume 15 - Número 38 - Ano 2023
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