Este é o primeiro número de Tempo e Argumento no ano de 2023, que se apresenta como uma abertura para a construção de novos horizontes e espaços de esperança. Ainda vivemos com intensidade os desdobramentos das ameaças e dos riscos constituídos pelo avanço de extremistas de direita, dedicados ao trabalho de desconstruir a trajetória de mobilização social e aprofundamento democrático das últimas décadas. Contudo, a sociedade brasileira, em sua maioria, vem demonstrando uma capacidade de resistir aos abalos sofridos e o espaço público democrático segue em disputa, o que indica uma vivacidade que valoriza os esforços dos que lutam há tempos para assegurar a pluralidade e a justiça social no país. É necessário acentuar que a historiografia, especialmente aquela que se volta ao tempo presente, é uma das peças da construção democrática do Brasil, ao produzir conhecimento que permite à sociedade avaliar as contradições e limites de nossas relações políticas, mas também ao discutir as possibilidades abertas pelas novas formas de mobilização social e cultural que ressignificam e removem a poeira de estruturas de poder cristalizadas.
Desta vez, apresentando uma variação em uma trajetória que vem sendo construída com muito êxito há quase 15 anos, Tempo e Argumento apresenta uma edição em que os artigos apresentados não formam um dossiê temático. Preferimos montar uma edição com um variado mosaico de temas e perspectivas acerca da História do Tempo Presente, o que demonstra a pluralidade e o potencial de exploração deste domínio historiográfico.
Embora com um tratamento distinto, esta edição não deixa de apresentar a leitores e leitoras artigos variados com acesso amplamente livre e que passaram por meticuloso processo de avaliação, assegurando a qualidade dos textos. Os artigos de demanda contínua possuem uma característica que deve ser ressaltada: em sua diversidade demonstram as possibilidades de construção de historiografias sob perspectivas que dão indícios das diferentes experiências possíveis na elaboração do conhecimento histórico. E isso se dá em diferentes pontos do Brasil e do exterior, investigando na tessitura das relações sociais no tempo presente suas ressignificações, continuidades e rupturas.
Os artigos apresentados podem ser divididos em dois conjuntos. Há um grupo de artigos que trazem discussões acerca do processo de luta contra o autoritarismo sob diferentes formas no Brasil e no exterior, seja por meio de ativismos, militâncias e mobilizações durante ditaduras ou pela ressignificação de passados traumáticos, tanto nos embates em torno da memória histórica quanto no ensino de História. Outro conjunto de artigos, embora sem formar qualquer homogeneidade e valorizando-se justamente por isso, discute temas tão diversos como as implicações historiográficas de processos e experiências como relações de gênero, temporalidades, biopolítica, colonialidade e resistências socioculturais. Leitores e leitoras de Tempo e Argumento poderão travar contato com estudos e investigações de ponta, os quais exploram domínios em áreas fronteiriças e multidisciplinares, explorando novas epistemologias e metodologias ao apresentar enfoques que situam a produção historiográfica em balizas móveis, questionando o etnocentrismo e “cartografias” consagradas do saber.
Nosso espaço editorial foi aberto para uma importante entrevista com a historiadora Circe Maria Fernandes Bittencourt, uma referência fundamental para as discussões e estudos sobre as possibilidades do ensino de História no Brasil, particularmente os usos do livro didático como suporte à construção do conhecimento histórico em sala de aula. Pretendemos que tal temática seja uma contribuição desta revista, do autor da entrevista e da entrevistada para reflexões que envolvam as práticas do ensino de História como parte de processos criativos e em constante mudança.
Convidamos ainda à leitura de nossa seção de resenhas, uma das mais importantes tarefas de uma revista acadêmica. Dois importantes trabalhos de grande valia para a produção historiográfica brasileira e, em particular, para a História do Tempo Presente foram resenhados e comentados.
Buscando uma possível unidade dos esforços de autores e autoras de artigos, entrevistas e resenhas que colaboram com esta revista generosamente, é a construção de uma historiografia que enfrente os dilemas e questões do tempo presente, o que envolve experiências humanas sensíveis e olhares atentos às diferentes camadas de sentido que se sobrepõem quando exploramos os objetos históricos. As diferentes contribuições a esta edição possibilitam discussões sobre a importância do conhecimento aprofundado acerca de um tempo presente profuso em formas contraditórias e, por vezes, antagônicas de apropriação do passado, incluindo aquelas que mobilizam estruturas sofisticadas para distorcer o passado histórico e desqualificar a produção historiográfica especializada.
Esperamos que tais abordagens estimulem leituras ao mesmo tempo abertas e críticas, o que é indispensável para uma reflexão historiográfica profunda e rigorosa.
Boa leitura!