Caixa de Texto:  e-ISSN 1984-7246   Entre subversões e regulações: o caso do paraskate e o uso de tecnologias em corpos com deficiências[i]

 

 

Gisele Carreirão Gonçalves[ii]

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Florianópolis - SC, Brasil   

lattes.cnpq.br/8255468477446334      

orcid.org/0000-0002-8897-9625     image  

gisacarreirao@gmail.com      

    

 

Lumiar Cardoso de Bakker Gomes[iii]

Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro - RJ, Brasil   

lattes.cnpq.br/3510639599473129          

imageorcid.org/0009-0000-1592-0502           

lu_lcbg@hotmail.com        

 

 

Michelle Carreirão Gonçalves[iv]

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Rio de Janeiro - RJ, Brasil   

lattes.cnpq.br/2472089707664972           

image orcid.org/0000-0002-8350-2692           

 michelle_carreirao@yahoo.com.br          

 

 

 

 

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Entre subversões e regulações: o caso do paraskate e o uso de tecnologias em corpos com deficiências

 

Resumo

O presente ensaio debruça-se sobre os usos das tecnologias no território do paraskate, tomando como fonte de análise o documentário televisivo “O Skate Mudou Minha Vida”, produzido no ano de 2024 e divulgado pelo Canal Off e pela Globoplay. Organizado em 10 episódios que apresentam as histórias de paraskatistas brasileiros, o material audiovisual sucitou questões sobre a incorporação tecnológica nessa modalidade. Assim, o objetivo principal desse trabalho foi refletir sobre as formas que os praticantes de paraskate retratados na série supracitada utilizam os instrumentos – próteses, bengalas e o próprio skate – que conformam e potencializam suas performances esportivas, considerando as distintas corporeidades demarcadas, entre outras coisas, pelas deficiências. A partir da análise do material midiático, emergiram inquietações acerca dos redimensionamentos necessários para que o paraskate chegue às disputas paralímpicas; de como esses corpos com deficiências (essencialmente física e cegueira/baixa visão) performatizam sobre o shape com quatro rodas; e como o skate se consagra como aparato tecnológico ao lado de próteses (muitas vezes refutadas) e bengalas.

 

 

Palavras-chave: paraskate; deficiências; aparato tecnológico.

 

 

 

 

 

Between subversions and regulations: the case of paraskateboarding and the use of technologies in bodies with disabilities

 

Abstract

This essay focuses on the uses of technologies in the territory of paraskateboard, analyzing the television documentary "Skateboard Changed My Life", produced in 2024 and broadcast by Canal Off and Globoplay. Organized in 10 episodes that present the stories of Brazilian paraskaters, the audiovisual material raised questions about technological incrporation in this modality. The main of this article was to reflect on the ways in which the paraskateboarders portrayed in the aforementioned series use the tools – prosthetics, crutches, and the skateboard itself – that shape and enhance their sposrts performances, considering the distinct corporealities marked, among other things, by disabilities. From the analysis of the media material, concerns emerged about the necessary adjustments for paraskateboard to reach the Paralympic competitions; how these bodies with disabilities (essentially physical and blindness/low vision) perform on the four-wheeled board; and how skateboard is established as a technological apparatus alongside prostheses (often refuted) and canes.

 

Keywords: paraskateboarding; disabilities; technological apparatus.

 

 

 

1 Introdução

Falar de tecnologia no contemporâneo pode parecer lugar comum, considerando seus atravessamentos nas atividades humanas, das mais rotineiras às mais complexas. Internet, redes sociais, Inteligência Artificial, aplicativos de relacionamento, metaverso, além de uma infinidade de dispositivos eletrônicos portáteis, nos acompanham no cotidiano e conformam nossa realidade, subjetividades e, claro, nossa corporeidade –aqui entendida como o momento expressivo do “corpo-sujeito”, corpo esse que não é mera substância, fisicalidade, natureza, mas marcado pela experiência no mundo (Merleau-Ponty, 2011), pela linguagem, pela cultura e seus signos. Pensemos nos smartphones e smartwatchs que nos mantêm conectados com as últimas notícias, com a agenda de compromissos, as mensagens infinitas, os dados sobre sono, saturação sanguínea, calorias gastas, quantidade de passos dados no dia e metas ainda a cumprir. Para além de símbolos de status social, os gadgets são já uma extensão de nossos corpos, acoplados a cada um individualmente e conectados a todos coletivamente[1].

Por outro lado, tratar de tecnologia é também uma tarefa árdua, justamente por seu peso e lugar na sociedade hodierna. Sua presença, ao menos no Ocidente, é quase que autoritária, ninguém é capaz de ficar dela apartado. Além disso, sua produção é tão intensa e veloz, característica do próprio tempo tecnológico, que o que se fala hoje sobre o tema, provavelmente estará obsoleto e superado na semana que vem. Enquanto expressão da contemporaneidade, a tecnologia configura os novos modos de vida humana (e não humana), conformando uma sociedade cada vez mais conectada, virtualizada, excitada por meio dos incessantes “choques audiovisuais” que, atuando como “injeções”, “fazem o sistema nervoso dependente e viciado em sensações” (Türcke, 2010, p. 12).

Seja como próteses ou extensões corporais, ou ainda como efeitos sensórios, a tecnificação acentuada do mundo e de suas relações tem produzido humanos cada vez mais tecnológicos, intimamente afinados com a técnica. E é nos corpos que se inscrevem, se produzem e reproduzem técnicas, numa relação de instrumentalização com vistas à potencialização corporal. Não esqueçamos que é o corpo o primeiro instrumento técnico (Mauss, 1974), expressão da razão que liga meios a fins para manutenção da vida. O corpo é já ferramenta de trabalho, mas também de prazer (e lembremos do primevo brinquedo infantil, o próprio corpo, como bem assinalou Walter Benjamin), processo que se intensifica no contexto de uma racionalidade instrumental e que faz dos humanos cada vez mais aparelhados (e aparentados) com as máquinas (Adorno, 1995).

Se corpos produzem técnicas, o inverso é também verdadeiro, as técnicas – e, consequentemente, a tecnologia, aqui entendida como organização social das técnicas (Marcuse, 1999) – também produzem corpos. O aparato sensível é já determinado pelo aparato mecânico (Benjamin, 2017), as transformações técnicas e tecnológicas modificam igualmente a corporeidade, dando mostras que isso que chamamos de corpo, não é pura e simples determinação biológica, natural, mas conformado sócio-historicamente. Se as analogias com a máquina compõem os discursos sobre o corpo desde o século XIX, o hibridismo entre ser humano e artefato, aparelho e organismo, natural e artificial ganha força no final do XX, tendo a figura do ciborgue sua maior expressão.

 

A cultura high-tech contesta – de forma intrigante – esses dualismos. Não está claro quem faz e quem é feito na relação entre o humano e a máquina. Não está claro o que é mente e o que é corpo em máquinas que funcionam de acordo com práticas de codificação. Na medida em que nos conhecemos tanto no discurso formal (por exemplo, na biologia) quanto na prática cotidiana (por exemplo, na economia doméstica), descobrimo-nos como ciborgues, híbridos, mosaicos, quimeras. Os organismos biológicos tornaram-se sistemas bióticos – dispositivos de comunicação como qualquer outro. Não existe, em nosso conhecimento formal, nenhuma separação fundamental, ontológica, entre máquina e organismo, entre técnico e orgânico (Haraway, 2019, p. 197).

 

Passadas quatro décadas do manifesto de Donna Haraway, vemos os ciborgues se materializando em distintas práticas e contextos, e talvez nenhuma imagem seja tão significativa quanto a dos atletas paralímpicos, corpos que dão mostras da incorporação tecnológica com vistas à performance gradativamente mais apurada, algo já apontado por Alexandre Fernandez Vaz no final dos anos 1990 (Vaz, 1999). É sobre esses corpos que trataremos no presente texto, corpos marcados, entre outras coisas, pelas deficiências, e que se constituem como atléticos.

  O universo paradesportivo[2], embora possua similaridades com o do esporte convencional, apresenta uma expertise própria, pois se trata de um modelo adaptado, gestado a partir de uma matriz esportiva que se defronta com outras demandas, aquelas emergentes de seus praticantes, as pessoas com deficiências. Em outras palavras, é preciso reestruturar a corrida para quem está sob uma cadeira de rodas, é necessário reorganizar o futebol para os jogadores cegos, é fundamental estipular outras regras para quem joga vôlei sentado.

Apesar de assistirmos frequentemente um modelo soberano sendo remodelado para poder ser praticado por corpos que escapam à corponormatividade[3], ainda assim, esse correlato (que usa o prefixo “para”) emana possibilidades únicas, impensadas (porque não necessárias) na prática atlética. Outros conhecimentos da biomecânica são mobilizados para otimizar equilíbrio, potência, velocidade nesses corpos que declaram ao mundo a pluralidade humana (sendo a condição de deficiência apenas um desses marcadores). O aprimoramento tecnológico, a utilização de materiais criteriosamente selecionados, são investimentos cada vez mais requisitados (em ambas as variantes esportivas), seja para fabricar as próteses, as cadeiras de rodas, as bolas, as raquetes, entre outros implementos.

E é neste movimento que nos inserimos para pensar a incorporação tecnológica no contexto paradesportivo, mais especificamente no caso do novato paraskate, perguntando: de que maneiras os praticantes desta modalidade utilizam aparatos tecnológicos que conformam e potencializam suas performances esportivas, tendo em vista as distintas corporeidades demarcadas, entre outras coisas, pelas deficiências?

Para tal, tomamos como fonte de análise a série documental “O Skate Mudou Minha Vida” (exibido no Canal Off e disponível na plataforma Globoplay), produzido no ano de 2024 e que aborda, em 10 episódios, as histórias de brasileiros[4] com deficiências, moradores de diferentes partes do país, notabilizados na modalidade. O contato com o material audiovisual nos fez inquerir sobre as possíveis ressignificações dos recursos protéticos no paraskate, algo um tanto distinto do que parece ocorrer nos paradesportos mais conhecidos, ou seja, aqueles presentes no programa do Comitê Paralímpico Internacional (IPC, em inglês).

Diante disso, o primeiro passo metodológico foi assistir a todos os capítulos do programa, organizados a partir dos seguintes personagens: a) “Skate para todos” (episódio 1): Og de Souza; b) “Driblando a mente” (episódio 2): Vinicios Sardi; c) “Skate para todos” (episódio 3): Felipe Nunes; d) “Meio de locomoção” (episódio 4): Ítalo Romano; e) “Liberdade sobre rodas” (episódio 5): Fernando Araújo, David Curty e Leonardo Almeida; f) “O paraskate as descobertas” (episódio 6): Amorinha e Tony Alves,; g) “Desbravando pistas” (episódio 7): Ruan Silva, Adriano Feitosa e Ruan Felipe; h) “Skate para todos” (episódio 8): projeto social Skate 4 Us de Campos dos Goytacazes/RJ e Instituto Viva Iris de Uberlândia/MG; i) “Diversão sob 4 rodas” (episódio 9): Jota Ribeiro, Ana Victoria, Malu Mendes e Rafael Alentejo; j) “ParaSkateTour: o primeiro do mundo” (episódio 10): campeonato ParaSkate Tour de 2024, com performances dos atletas apresentados nos programas anteriores, somando dois mais, David Soares e Kaue Augusto.

Após a assistência de todo material, consideramos como primeiro elemento de seleção para análise, os capítulos que tratavam de personagens que se dedicavam às competições[5]. Na sequência, reavaliamos o audiovisual realizando os seguintes procedimentos: 1) registro das biografias dos personagens da série e sua relação com o skate; 2) observação das deficiências e das respectivas formas de uso (ou recusa) dos recursos protéticos durante a prática esportiva; 3) levantamento das narrativas sobre o desenvolvimento do paraskate e sua normatização para se tornar uma modalidade paralímpica.

Partindo dessa inicial interpelação das fontes, chegamos a 3 categorias de análise que estruturam o presente manuscrito. A primeira delas trata da história da organização dos paraskatistas em solo nacional, seus anseios e dificuldades enfrentadas por aqueles que ainda estão se familiarizando com os encargos do paradesporto. Na sequência, problematizamos acerca dos (des)usos de próteses e bengalas sobre o shape, que tensionam os formatos tradicionais do esporte paralímpico. Por fim, inquerimos sobre o protagonismo do skate como aparato tecnológico que se apresenta no caso aqui analisado, em composição simbiótica com o corpo.

 

2 Uma nova prática se anuncia: o paraskate e suas ambições

O paraskate vem ganhando espaço no cenário nacional, possivelmente embalado pelos atuais alcances do skate, que chegou à elite dos esportes olímpicos em Tóquio 2020/2021 e se consagrando em popularidade em Paris 2024. Nesses eventos (mas também em outros internacionais), o Brasil tem se apresentado como uma das autoridades no assunto, subindo ao pódio e criando novos talentos, tanto no masculino quanto no feminino, e nas distintas modalidades olímpicas, street e park[6] (mas não só nelas). No entanto, apesar do quadro animador para o skate – pelo menos para os que almejavam o seu status olímpico –, seu congênere ainda galga espaço nos jogos paralímpicos.

Mas é preciso reconhecer a sua imaturidade, possivelmente um dos seus entraves para ascender ao paralimpismo. Há pouco tempo, em 2022, nasceu a Associação Brasileira de Paraskateboard (ABPSk)[7], reunindo crianças, adultos, mulheres e homens com algum diagnóstico de deficiência e praticantes[8] do esporte em destaque. Responde pela presidência da entidade, Vinicios Sardi, atleta vinculado ao Clube Corinthians (Skate, [c2025]), que faz uso de pernas protéticas habitualmente, mas nas pistas, se lança sem esse recurso. Já Antônio Augusto A. C. Da Cruz, o Tony Alves, assume a vice-presidência[9] da ABPSk e também tem a biamputação (sem usar próteses) como uma das suas marcas identitárias. 

A recente organização institucional, reconhecida pelos seus associados como a primeira no mundo (O skate [...], 2024), dá indícios de que há interesse em promover eventos na versão adaptada, de exibir seus feitos acrobáticos e divulgar o espetáculo promovido por pessoas com deficiências sobre o skate. Porém, protocolos e regimentos são requeridos quando as pistas do bairro não são mais o limite. Ganhar o mundo paradesportivo, propagandear uma excelência performática, traz a reboque as exigências da racionalidade (para)esportiva. Entre elas, as divisões por categorias são de grande importância, algumas das modalidades reúnem os/as competidores/as de acordo com seus diagnósticos e sua funcionalidade, nas denominadas classes:

 

A Classificação Esportiva Paralímpica (CEP) é uma forma de categorização específica do Movimento Paralímpico. Ela determina quais atletas são elegíveis para competir e como eles são agrupados para a competição. Cada modalidade esportiva determina seu próprio sistema de classificação. Tais sistemas de classificação são pautados no impacto da deficiência na ação motora da modalidade específica. [...] é importante ressaltar que os sistemas de CEP são parte fundamental do esporte para pessoas com deficiência, independentemente do seu nível de competitividade, desde a iniciação ao alto rendimento (Classificação [...], [c2024]).

 

Entender a questão da classificação funcional é aqui importante, visto que o paraskate ainda opera nos limites do provisório, distante do que advoga o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e o sistema paradesportivo de maneira geral. Nas imagens de competições presentes na série aqui analisada, não é incomum assistirmos biamputados sem próteses, amputado que sobre o skate se equilibra fazendo uso de perna protética, pessoa com Síndrome de Down, todos na mesma arena, disputando entre si. Mesmo que sejam performances destoantes – sentados, ajoelhados ou em pé sobre seus skates – devido às distintas características corporais[10], ainda assim, estão em julgamento ao mesmo tempo, independentemente de como cada manobra poderá ser apresentada aos juízes (e à plateia). Pairando assim a pergunta: como colocar sob mesmo julgamento performances atléticas de corpos tão distintos e que se relacionam de maneiras tão diversas com o skate?

Sardi reconhece o desafio imposto, declarando que uma das soluções encontradas está na separação por baterias, organizando deficientes físicos e deficientes visuais em congregações separadas, reiterando que tal decisão está pautada no regimento do CPB, e que passará a balizar os eventos do paraskate (O skate [...], 2024). Se esse parece-nos um primeiro passo para aqueles que sonham estar nas paralimpíadas, ainda assim, não esqueçamos que os corpos são multiformes, expressões dos vários acometimentos (e suas funcionalidades) da deficiência física e visual. Consequentemente, voam, aterrissam, remam[11], equilibram-se de formas variadas. Sobre a mesma declaração, intriga-nos: onde foram parar os deficientes intelectuais? Grupo que não foi mencionado pelo representante da ABPSk, aparecendo no programa televiso somente no último episódio, durante a competição Paraskate Tour[12], mas sem skatistas com esse diagnóstico protagonizando ao longo da série.

 Não se pode esquecer que tal organização por tipos de deficiência e graus de funcionalidade, configura característica do processo de esportivização, a conhecida igualdade formal de chances. Seu papel seria tornar iguais os diferentes, no sentido das oportunidades e das condições para competir (Guttmann, 2019). Não à toa as contendas esportivas se estruturam a partir de categorias determinadas pelo sexo (e não pelo gênero), pela idade, pelo peso e, no caso dos paradesportos, deficiências e suas gradações. Apesar das dificuldades postas por essa premissa, chama atenção a velocidade com que o paraskate vem se desenvolvendo para dar suas respostas a essas e outras demandas do campo esportivo, notadamente o paralímpico.

Sobre isso, destacamos que Vini, apelido do presidente da ABPSk, sonha colocar o paraskate nas paralimpíadas[13], além de ambicionar competir em tais jogos, assegurando que: “O skate vai ser o esporte paralímpico mais popular” (O skate [...], 2024), devido a sua plasticidade. Outros paraskatistas reafirmam esse desejo, indicando o protagonismo do Brasil nesse campo, inclusive com a presença de Og de Souza, conhecido como precursor da prática, tendo sido o primeiro skatista deficiente físico a participar de competições internacionais com pessoas não deficientes e conquistando títulos nesse contexto. “Não existia paraskate, existia o Og andando de skate. Ele era simplesmente mais um skatista, ele conseguia se encaixar no skate. Ele andava de igual pra igual, ele ia pra final em campeonato” (O skate [...], 2024[14]). O pernambucano de 48 anos, skatista desde 1980, tornou-se profissional na década seguinte, momento em que não se cogitava uma modalidade exclusiva para pessoas com deficiências e em que as disputas se davam com não deficientes. Tendo sequelas de poliomelite adquirida na infância, Og se apresentava (e ainda se apresenta) nas pistas do Brasil e do mundo sentado sobre o shape, mantendo as pernas cruzadas e utilizando os membros superiores para realizar suas manobras. Entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000 passou a disputar competições internacionais pela Europa, ficando muito conhecido em países como Alemanha, Inglaterra e República Tcheca. Atualmente segue na cena como skatista convidado e juiz, além de ser grande ídolo dos praticantes de skate[15].

Mas apesar dos desejos e mesmo do papel do (para)skate brasileiro no cenário mundial, há também hiatos – aparentemente problematizações que estão no radar dos atletas, comissão técnica e arbitragem – que constituem, a nosso ver, certa potência no caráter errante daquele que ainda convive com algum amadorismo.  Deste modo, o jovem paraskate nos convida a pensar sobre suas possibilidades de subverter, algo que talvez já esteja em seu DNA, de origem, antes de tudo, skatista, que por si só nos diz sobre ser disruptivo. Lembremos do teor contestador e, de certo modo, anárquico, da cultura dessa prática, desenvolvida por personagens outsiders, no geral jovens rapazes que com o carrinho expressavam sua insubordinação nos usos da cidade e, de alguma forma, na própria vida. Mas nos interessa ultrapassar as nuances do primogênito, queremos remar junto às pessoas com deficiências, acessando seus inusitados percursos que desafiam algumas verdades consolidadas no paradesporto.

Antes de prosseguirmos, devemos declarar de qual concepção de deficiência partimos, entendida aqui para além dos marcadores biológicos, como mais uma das marcas corporais entre tantas que o atravessam e que constituem as identidades. Pensar na(s) deficiência(s) é considerar os registros históricos, políticos, sociais e culturais, promotores de inúmeras artimanhas geradoras de apagamentos e silenciamentos dos (des)qualificados sujeitos de “segunda categoria”. Mitos, influências religiosas, jurídicas, médicas, científicas, foram desenhando essas pessoas como amaldiçoadas, incapazes, perigosas, incorrigíveis. No entanto, esses sujeitos têm reivindicado, desde a segunda metade do século XX, o seu lugar de fala, contrapondo as narrativas que delas se ocuparam até então. Neste ínterim, nasce o modelo social da deficiência, crítico ao modelo médico e pilar do movimento acadêmico conhecido como estudos sobre deficiência, como bem mostra Debora Diniz (2007). É também nesse registro que optamos pelo uso da expressão “deficientes”, juntamente com “pessoas com deficiência”, considerando que “O movimento crítico mais recente [...] optou por ‘deficiente’ como uma forma de devolver os estudos sobre deficiência ao campo dos estudos culturais e de identidade” (Diniz, 2007, p. 11).

Vale ainda destacar que quando nos remetemos à historicidade e o que ela reservou/reserva às pessoas com deficiências, sempre nos deparamos com a brutalidade em alguma medida, porém, há de se reconhecer que alguns coletivos estiveram frente-a-frente com algozes mais vorazes. Exemplar nesse sentido são aqueles que chamamos hoje de deficientes intelectuais – os surdos já foram a eles equiparados, quando ainda eram categorizados como idiotas (Lobo, 2023) –, sobretudo, devido ao seu parentesco[16] com a loucura e seus desdobramentos com a criminalidade (Foucault, 2019). Não intencionamos propor uma hierarquia entre os sofrimentos, já que defendemos que todas as dores são legítimas e devem ser consideradas. Mas se fazemos tais ponderações, é para explicar o motivo pelo qual nos referimos à expressão “deficiências”, no plural. Pois, entendemos que as experiências são múltiplas (porque também eclipsadas a outras condições humanas), embora todas colecionadoras de violências (entre elas, o capacitismo). Por isso nossa recusa em encararmos estes grupos identitários (surdos, cegos, surdocegos, deficientes intelectuais, deficientes físicos, paralisados cerebrais, deficientes múltiplos) com parâmetros homogeneizantes, sinalizando nosso compromisso político e ético com esses sujeitos.

 

3 Entre skates, próteses e bengalas: usos e não usos de aparatos no paraskate

Isto posto, voltemos à questão inicial do presente ensaio, pensar as formas de utilização dos aparatos tecnológicos que conformam e potencializam performances em corpos deficientes[17] no paraskate. Nesse sentido, destacam-se as singularidades que temos observado no que diz respeito aos usos, mas principalmente aos não usos, de próteses por parte dos skatistas deficientes físicos, ao mesmo tempo que se emprega a bengala no caso dos cegos e deficientes visuais. Chama-nos atenção certo movimento disruptivo, tensionador de práticas comuns no âmbito dos esportes com prefixo “para”, ao abrir mão de membros protetizados (como as pernas) para fazer as manobras, ou ainda, recorrer a recursos menos comuns no contexto esportivo (como é o caso da bengala, ao invés do uso de um guia ou de amparo sonoro, por exemplo).

As próteses, tão caras à racionalidade de alguns paradesportos e polêmicas na tradição esportiva não paralímpica – porque entendidas como potencializadoras dos movimentos, supostamente colocando em condição de superioridade competitiva quem delas faz uso –, são pelos paraskatistas muitas vezes abdicadas. Se no campo esportivo das competições convencionais (ou do esporte não adjetivado), entende-se que tais objetos auferem vantagens aos paratletas e que por isso não têm permissão de disputar com atletas não deficientes (e, em tese, não protetizados[18]) – como é o caso emblemático do velocista sul-africano Oscar Pistorius (autorizado a participar de Londres 2012[19]) e, mais recentemente, do saltador em distância alemão Markus Rehm[20] –, a utilização desses instrumentos tem outras expressões no caso de uma modalidade tão jovem como a aqui em tela.

Diferentemente do que se passa nas raias do atletismo, nas pistas de skate, de maneira deliberada, alguns praticantes amputados refutam suas próteses. Outros já não as possuem cotidianamente, nem mesmo utilizam cadeira de rodas, os percursos e percalços da vida contam com um shape de quatro rodas. Tony Alves não só abre mão da cadeira e das pernas artificiais, mas das pernas orgânicas: “Hoje em dia, eu não consigo me ver com pernas” (O skate [...], 2024). Numa outra passagem do documentário envolvendo o skatista, uma criança com Síndrome de Down indica que pedirá à Deus[21] que devolva as pernas ao jovem mutilado, que imediatamente opõe-se à infantil iniciativa, explicitando que sua vida não seria tão interessante, tampouco tão acrobática, se as pernas estivessem em seu corpo. E com bom humor responde ao pequeno: “Aí você estraga o meu rolé!”, demarcando que, não só as próteses, mas também as pernas, são supérfluas para a sua prática esportiva (O skate [...], 2024).

Lembremos que as próteses ortopédicas e outros recursos (cadeiras de rodas, órteses, dispositivos auditivos) surgem como métodos terapêuticos. Nos casos mencionados, quando há a negação do utensílio médico, outro instrumento tecnológico surge como opção, o skate. E assim, nestas histórias de vida, o equipamento não está circunscrito somente ao âmbito das disputas (ou mesmo do lazer), mas assume uma incorporação outra ao desempenhar a função cotidiana de locomover. Vários dos participantes do programa que nos serve como fonte de análise, alegam que o skate surgiu em suas vidas, geralmente ainda na infância, com esse objetivo. Nesses casos, o uso do carrinho, além de mais barato, oportunizou uma melhor mobilidade diante dos obstáculos da urbanização não projetada para pessoas com deficiências, como indicou Ruan Silva (O skate [...], 2024). Além disso, vê-se uma percepção de total hibridização com o aparato no testemunho[22] de Amorinha, alcunha de um paraskatista com amputação dos membros superiores e inferiores, ao dizer: “O skate acabou virando os meus braços e minhas pernas” (O skate [...], 2024).

Outro aspecto interessante circunscrito ao paraskate, está no fato de que o mesmo aparelho tecnológico requisitado nas demandas ordinárias, a perna protetizada, é levado para as contendas, a performance esportiva não exige um aparato diferenciado nesses casos[23]. Situações opostas às cadeiras e próteses utilizadas em outras modalidades, geralmente confeccionadas[24] com materiais específicos (mais leves, mais resistentes), assim como os designs criados para dar maior estabilidade e melhores desempenhos durante as provas paradesportivas. Portanto, com funções singulares, são díspares daquelas usadas no dia-a-dia. Nesta configuração, temos alguns paraskatistas amputados, que segundo nossas observações, não se privam de usar a perna artificial, porém, sem apropriar-se de um equipamento desenhado especialmente para as performances do paraskate. É o caso de Rafael Alentejo e Jota Ribeiro, que desenvolvem suas técnicas considerando, inclusive, a fragilidade da tecnologia de seus membros protéticos que quebravam demais por serem muito “streeteiros”[25], segundo relatam, exigindo assim, uma readaptação na forma de andar de skate (O skate [...], 2024).

Mas padronização é palavra quase inexistente na gramática paraskatista e Adriano Feitosa apresenta outra adequação. Embora tenha uma das pernas protéticas, ao dar seu rolé, a retira (O skate [...], 2024). Dessa forma, movimenta-se de maneira ímpar, flexiona o joelho da perna não amputada deixando o pé ao lado do coto em cima do shape. Com essa conformação corporal o jovem desafia a gravidade, com um joelho (protegido por um tênis invertido) e um pé apoiados, segue equilibrando-se em seu skate, reformulação realizada após um episódio que danificou sua perna artificial. Já Vini Sardi explica que inicialmente fazia uso de suas próteses, no entanto, as mesmas quebraram, pois não eram feitas para suportar grandes impactos. Foi então que decidiu abnegá-las em sua carreira de atleta, o que admite ter sido assustador num primeiro instante, já que exibiu suas mutilações, mas que posteriormente tornou-se libertador (O skate [...], 2024). Adriano e Sardi parecem ratificar o caráter experimental do paraskate, tensionando os usos e não usos das próteses sobre o carrinho. Nessa prática, que ainda está se conformando como modalidade esportiva regulamentada, cada um vai adaptando o corpo e realizando as manobras – que demandam diferentes técnicas – conforme suas características corporais.

Fábio Zoboli, Elder Silva Correia e Adolfo Ramos Lamar (2016), falam sobre a presença cada vez mais marcante da tecnologia nas nossas vidas, alcançando diferentes setores, com variadas escalas de incorporação. São elas amalgamadas ao corpo que acabam por desenhar um sujeito híbrido. Os autores seguem suas reflexões rechaçando a ideia de corpo concebida a partir de uma fixidez. Questionam o entendimento de “natural” como substrato para pensar uma hipotética pureza inerente ao corpo, como se isento das insígnias culturais. Tomam o voo de asa delta – voar não é uma habilidade humana “natural” – para ilustrar as mutações e possibilidades fornecidas tecnologicamente ao corpo no percurso da história. O voo também está no radar do paraskate, Ruan Felipe comemora sua sensação de estar voando (O skate [...], 2024). E assim,

 

[...] o artefato técnico fundido com o biológico não faz com que o corpo deixe de ser corpo, ou com que o humano deixe de ser humano, mas faz, sim, com que ele intensifique/potencialize esse corpo/humano, fazendo parte dele por um processo de corporização” (Zoboli; Correia; Lamar, 2016, p. 662).

 

 Esta simbiose é corroborada por Vini, quando diz: “Eu consegui encaixar a minha deficiência no skate” (O skate [...], 2024), indicando o hibridismo entre corpo (deficiente) e maquinaria.

Ainda sobre isso, não podemos desconsiderar a experiência dos deficientes visuais e cegos em cima do skate, performatizando de maneira não habitual – o que parece ser o lugar (nada) comum do paraskate – ao assistido no paradesporto. As práticas esportivas inauguradas para esse grupo, renunciam o uso de bengalas, mesmo que sejam elas companhias indispensáveis na rotina. No futebol de cegos[26], as equipes são formadas também por não cegos, é o caso do goleiro e do “chamador”[27], além do recurso sonoro da bola, tornando as bengalas desnecessárias. Nas corridas e no ciclismo, os/as paratletas não as utilizam, e têm como parceiros/as os/as atletas-guias, que são videntes. Na natação, recebem a orientação tátil, feita por uma pessoa com visão total que está posicionada fora da piscina, indicando com um bastão a proximidade da borda. O goalball, esporte criado especialmente para ser praticado – sem a bengala – por pessoas cegas ou com baixa visão, não possui um similar dentre os convencionais[28], e conta com os recursos sensoriais para que a partida aconteça, de modo que audição e tato são fundamentais. São exemplos de experiências competitivas que presam por recursos que não exigem o ato de bengalar.

Partindo dessas referências, novamente o paraskate surpreende, já que está em desacordo com as demais propostas esportivas para cegos e cegas, pois suas manobras devem ser feitas sem abandonar a bengala, como se pode ler nas normas contidas no Caderno Técnico do STU (Skate Total Urbe)[29] para o Paraskate (ABPSk, 2024). Aqui, a obrigatoriedade desse suporte se colocaria, deduzimos, como resposta mais viável para o reconhecimento dos obstáculos, como degraus e corrimões, assim como transições e bordas das pistas. Por outro lado, tal regra implica na exclusão de quem opta somente pelo uso de estímulos sonoros nas suas sessões, como é o caso do carioca David Curty, que posiciona caixas de som nas bordas da pista, servindo como um sinalizador e conferindo noção de espaço ao paraskatista (O skate [...], 2024).

Ainda de acordo com as regras estabelecidas pelo supracitado regulamento, os paraskatistas têm direito a um treinador oferecido pela ABPSk para suporte na pista ou no bowl. Exclusivamente no caso dos deficientes visuais, é autorizada a presença do treinador pessoal no local de competição, porém, não há especificações sobre a permissão ou não de orientações verbais para auxilío do atleta por parte de seu técnico, por exemplo.  Ainda sobre as singularidades no caso desses atletas, destaca-se que a “ABPSk é responsável pela marcação da pista por meio de sinalizadores físicos ou sonoros de modo a adaptar o local para os paraskatistas com deficiência visual” (ABPSk, 2024, p. 6). Talvez as distinções regimentais entre as modalidades street e park possam também, no futuro, melhor delinear os usos de tais ferramentas, seja a bengala, seja o som, no desenvolvimento da prática para esses competidores.

Há ainda outro ponto contrastante neste território, que tem relação com a sua recém-chegada ao mundo dos esportes adjetivados, mas vinculado também à sua dose de desapego – possivelmente herança do seu arquétipo – a protocolos. Referimo-nos aqui à frequente passagem desses homens com suas mutilações ou cegueiras pelas competições[30] de skate organizadas para praticantes sem deficiências. Nossa afirmação está subsidiada nos recorrentes depoimentos dos agora denominados paraskatistas, proferidos no documentário televiso. Apesar deste adendo, o paulista Ruan Felipe festeja o seu encontro com os cearenses Adriano Feitosa e Ruan Silva, todos deficientes físicos, afirmando ser prazeroso compartilhar com seus iguais (embora suas características corporais sejam muito diferentes) o “rolé” (O skate [...], 2024).

Esta trama que nos gera estranhezas – porque somos formadas a partir da rigidez dos preceitos esportivos, que garante preservar as igualdades de chances – é o motivo que a torna fecunda para pensarmos na viabilidade de descontinuidades, de novas perspectivas, da importância de ecos dissonantes. Por outro lado, as particularidades discrepantes, frutos da não profissionalização, precisam dissipar, já que existe a gana (ao menos, por uma parte do grupo) de compor o time dos paratletas, com seus (para)eventos – como é o caso do Paraskate Tour e das modalidades adaptadas nas etapas do STU National – sistematizando o seu arcabouço de conhecimento especializado, vislumbrando seu lugar no paralimpismo.  

Contudo, acreditamos que a tecnologia nunca abandonou os paraskatistas, se o corpo protetizado pouco importa à maioria dos amputados durante suas disputas, o skate está lá, marcando a simbiose do corpo com o tecnológico. Ainda com outros realces, atuam os cegos, com seu duplo manuseio técnico, lidando simultaneamente, com o skate e com a bengala.

                                                  

4 Tecnologia, corpo, esporte: skate como prótese

Como anteriormente assinalado, não é novidade a presença da tecnologia no esporte, seja ele com ou sem o prefixo “para”. Podemos olhar esta questão a partir de dois desdobramentos ou momentos, como pontuou Alexandre Vaz (2016). Um que diz respeito a uma quantidade quase infindável de aparatos externos, elementos que circundam e/ou se acoplam ao corpo, e que são também responsáveis pelas performances esportivas espetaculares. E outro, à sua incorporação nos processos de produção de um corpo atlético, mais especificamente na tríade treinamento, dieta e química (Gonçalves; Costa, 2021).

Aqui nos interessa o primeiro deles, o conjunto de instrumentos produzidos para proporcionar, por um lado, o aprimoramento performático do corpo atlético e, por outro, para torná-lo espetacular. Sabemos que o desenvolvimento destas tecnologias ganhou maior força no final do século passado, notadamente a partir da Guerra Fria (mas como desdobramento de um impulso vindo, especialmente, da II Guerra Mundial), alcançando dimensões extraordinárias na centúria atual. Porém, a técnica, e sua organização enquanto tecnologia, sempre marcou as disputas esportivas.

Os buracos feitos na pista de areia pelos corredores na linha de saída de uma prova de 100m rasos para apoio dos pés, já dão mostra desse movimento que hoje se expressa em blocos de partida com sensores ultrassensíveis que calculam o tempo de reação na largada de um atleta. As próprias pistas de atletismo, inicialmente feitas de areia, passando para o carvão e chegando aos materiais sintéticos, acompanham o desenvolvimento tecnológico com vistas a ampliar o ritmo e a velocidade das passadas dos atletas (o modelo feito especialmente para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio 2020/2021, a MONDOTRACK WS, é o suprassumo até o momento, maximizando as performances). Nesta esteira destacam-se também os muitos dispositivos que auxiliam no treinamento e na concretização das competições, como é o caso das tecnologias que substituem o aparelho sensível (e impreciso) humano dos árbitros e juízes, especialmente seus olhos.

Não se pode esquecer ainda que modificações nos aparatos externos são incentivadas por modificações nas próprias técnicas corporais esportivas, os chamados gestos técnicos, e vice-versa. Nesses casos, em que a complexidade técnica muitas vezes implica também num maior risco corporal (o exemplo do salto Fosbury, no atletismo, é muito significativo nesse sentido), o desenvolvimento de materiais de segurança é essencial. Em contrapartida, tais instrumentos permitem cada vez mais experimentações, dando mostras que não só “as ferramentas são prolongamentos dos órgãos humanos”, mas “os órgãos humanos são também prolongamentos das ferramentas” (Horkheimer, 1980, p. 126). 

Tais transformações têm papel significativo no mundo do skateboard. Se os primeiros skates, datados da primeira metade do século XX e formados a partir de adaptações de meios de locomoção chamados scooters (Brandão, 2008), já faziam a diversão da garotada estadunidense, é justamente a revolução tecnológica na construção das rodinhas que desencadeia igualmente uma revolução na forma de andar de skate. Até os anos 1970, eram feitas de argila, borracha ou mesmo ferro, mas é a introdução do poliuretano na fabricação desse equipamento, em 1972, que causará a grande mudança na cena. Segundo Leonardo Brandão (2008), o novo material fez com que os carrinhos ficassem “mais velozes e aderentes ao asfalto, conquistando rapidamente um maior número de adeptos, o que possibilitou o aparecimento de inúmeras manobras. O resultado foi a criação de campeonatos, marcas, fábricas e lojas especializadas” (p. 8).

Destacamos tais elementos para reforçar que o uso de tecnologias não é prerrogativa do esporte do século XXI, nem mesmo do paradesporto que, em sua particularidade, acrescenta a todos os até aqui expostos, mais um sem-número de aparatos como próteses, órteses, cadeiras, objetos sonoros, entre outros, que possibilitam a competição entre corpos tão diversos (mesmo que “igualados” pelo tipo de deficiência: física, visual, intelectual etc). No caso do paraskate, foco deste ensaio, percebemos um tensionamento aos modos tradicionais do esporte paralímpico no uso de ferramentas externas, como já apresentado anteriormente.

Sobre isso, entendemos que é o skate o instrumento técnico que coloca a todos em condições de competir. É ele não apenas um implemeto esportivo, mas também a própria prótese, quando pensamos nos competidores com amputações ou com outras conformidades corporais. E em muitos dos casos por nós observados e aqui citados, o skate é um objeto que tem seu uso ressignificado ao se tornar responsável pela locomoção corriqueira destas pessoas. Há aqui uma espécie de inversão, se no paradesporto as próteses comumente são de uso exclusivo esportivo e não cotidiano, no caso do paraskate, muitas vezes é o artefato esportivo que se torna a extensão corporal de uso cotidiano, como se pode ver nas histórias de Og de Souza, Italo Romano, Felipe Nunes, Amorinha, Tony Alves, Ruan Felipe e Ruan Silva.

O alemão Hans Ulrich Gumbrecht, ao tratar do apreço contemporâneo pelo mundo esportivo, fala do fascínio proporcionado pelas práticas que colocam o corpo em relação simbiótica com instrumentos. Seria o caso do automobilismo e do hipismo, mas também do ciclismo, da patinação e do skate, para ficarmos em alguns exemplos. Para o autor, a grande questão seria a adaptação do corpo ao aparato, ao ajuste, ou em suas palavras, ao “acerto” (Gumbrecht, 2007, p. 125) entre humano e não-humano. Assim, o sucesso da performance “depende de um paradoxo inerente: quanto mais um atleta consegue adaptar seu corpo com perfeição à forma e aos movimentos [...] [dos aparatos], melhor ele os controla, e mais potencializa a eficácia de seu corpo” (Gumbrecht, 2007, p. 124).

Esta característica é marcante no caso dos esportes para pessoas com deficiências (algo não tematizado pelo germânico), a simbiose com as ferramentas configura já um novo corpo, como se não houvesse separação, atleta-instrumento são um só. Sobre isso, Danielle Torri, Rodrigo Píriz e Alexandre Vaz (2022), ao analisarem o caso do basquetebol em cadeira de rodas indicam que há, entre jogador e instrumento

 

[...] una incorporación que, interconectados durante el juego, uno ya no existe sin el otro, cuerpo y silla son uno. El atleta actúa, juega, piensa, se mueve desde la relación que desarolla con las sillas de ruedas. Su interconexión es tal que en este momento se pueden comparar con prótesis internas (Torri; Píriz; Vaz, 2022, p. 35).

 

Nesse sentido, entendemos que anterior à questão do uso (ou não uso) de próteses no paraskate, no caso de pessoas com sequelas físicas, o que se tem é a necessidade de simbiose com a tecnologia do skate. É ele essa espécie de intermediário entre corpo deficiente e performance atlética, ou por outra, a ferramenta que põe esses corpos a atuar em disputas regulamentadas e que os fazem voar, deslizar, saltar, girar e mais uma infinidade de possibilidades ainda a se desenvolver nas pistas e bowls. Porém, esse intermediário, esse meio para um fim – característica de toda técnica e, consequentemente, de toda tecnologia –, é já incorporado, corporificado, como vimos em vários exemplos.

 

5 Para seguir remando: algumas considerações longe de finais

Como visto, o paraskate traz à tona uma ampla gama de possibilidades analíticas e investigativas. Sua tenra idade permite-nos com ele enveredar pelo novo e almejado território, o do paralimpismo. Nesta tentativa de acompanhá-lo nas recentes inscrições paradesportivas, fomos provocadas e provocativas, sempre no limite entre o atual e o que está por vir. Se o consolidado arcabouço do paradesporto lhe autoriza algumas projeções, suas singularidades alertam que não é possível simplesmente reproduzir modelos.

Por aí rema o paraskate, tentando vincular-se à assertividade paralímpica. Para tanto, é preciso deixar para trás seus resquícios errantes e amadores, pois deseja agora ganhar o mundo, manobrar, voar e aterrissar nas pistas competitivas chanceladas pelo paradesporto. Alertamos para estas ambivalências, reconhecendo que a pauta paralímpica é legítima – e arduamente vem sendo construída –, e atentando também para o fato que parte de sua riqueza se perde quando é preciso formatá-lo para atender exigências protocolares. 

Do paraskate emerge ainda a tensão entre o uso e o desuso de próteses nas contendas paradesportivas, atribuindo-lhes insignificância algumas vezes, por outras superestimando o recurso da bengala, no caso de paratletas cegos ou com baixa visão. Em todos os casos, a utilização de aparatos externos tradicionais no mundo paralímpico – próteses específicas para a prática esportiva, auxílio sensorial ou de guias videntes – parecem, por ora, não ter vez no paraskate.

É ainda esta modalidade capaz de realçar o debate sobre o hibridismo corpo-tecnologia, colocando em xeque as defesas acerca de uma suposta natureza corporal, como se possível ser isenta dos registros culturais (o que engloba a esfera esportiva). Entendemos que o objeto skate, neste caso, caracteriza a simbiose primeira entre corpo e artifício nesta prática, numa relação de unicidade, um encontro capaz de explicitar a potencialização e reinvenção das possibilidades de movimentos, sejam elas referentes à locomoção ou à performance (para)desportiva.

Entendemos que o debate não se encerra aqui e que o paraskate é terreno fértil para outras ponderações, diálogos e análises. Enquanto jovem esporte cheio de vigor e ímpeto, especialmente para se tornar paralímpico, não temos dúvida que trará muitas questões a serem admiradas. Pensar a singular relação corpo e tecnologia nesta modalidade é apenas um dos múltiplos convites reflexivos que ela nos faz.

 

 

Referências

 

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[1] Não desconsideramos que o marcador social de classe é preponderante no que diz respeito ao consumo e contato com tais objetos. Entretanto, não se pode esquecer que o movimento perpetrado pelo neoliberalismo em sua face contemporânea é de integração total dos indivíduos, sendo a tecnologia um dos instrumentos que potencializa tal processo. Quem está fora desse universo parece também estar apartado da esfera da produção, do consumo, da socialização dos bens culturais, da informação, das relações afetivo-sexuais etc. Por isso mantemos aqui o tom irônico e, por vezes, um pouco exagerado, como recurso estilístico para dar cor ao argumento e deixar ver o lugar que os aparatos tecnológicos têm na sociedade. 

[2] A palavra “paradesporto” nasce da junção entre paraplegia e esporte, já que as pessoas com deficiência física foram as pioneiras nas investidas médicas apostando no esporte como ferramenta terapêutica, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Com o passar do tempo outros grupos somaram-se aos praticantes, fazendo com que o “para” remetesse a um paralelismo ao modelo matriz. Outras leituras, como a de Ciro Wincler (2023), optam por um sentido mais inclusivo da expressão, sugerindo uma parceria entre os dois modelos, que se assemelham em suas estruturas.

[3] São corpos que se encontram dentro do padrão hegemônico, os que deles se afastam são erroneamente encarados como necessitados de correção ou de cura, dada a experiência da deficiência (Mello; Nuemberg, 2012).

[4] Destaca-se a quase inexistência de personagens femininas no referido material audiovisual. De 10 episódios, elas aparecem em apenas 2 (no oitavo e nono), e com muito menos destaque que os homens, o que nos fez optar pela utilização do gênero masculino quando referenciamos os praticantes. E apesar de fugir ao escopo do presente trabalho, vale indagar as razões que levam a tal invisibilidade e/ou não presença de meninas/mulheres na cena do paraskate. 

[5] Tal critério acabou excluindo o episódio 8 dedicado a apresentar dois projetos sociais.

[6] A modalidade street se caracteriza por competições em pistas que simulam um ambiente urbano, com obstáculos como escadas, corrimões, bordas e rampas, onde os skatistas realizam manobras técnicas, criativas e desafiadoras, combinando movimentos de forma fluida. Já o park ocorre em uma pista com transições mais suaves, incluindo bowls (piscinas), rampas e half-pipes (pistas em formato de “U”), que permitem aos skatistas realizar manobras aéreas, aproveitando a velocidade e a gravidade para executar movimentos de grande amplitude.

[7] (Institucional, [c2022]).

[8] O atual presidente da ABPSk declara que não somente o esporte de alto rendimento está no horizonte, mas a possibilidade de que o paraskate seja cada vez mais conhecido, independente do objetivo de quem o pratica (O skate [...], 2024).

[9] Gestão 2024/2028, segundo divulgação no Instagram da ABPSk do dia 01 de abril de 2024 (Divulgação [...], 2024).

[10] Ruan Felipe descreve com admiração a postura com que o parceiro, Ruan Silva, anda de skate, que seria “plantando bananeira” (O skate [...], 2024), indicando que sua particularidade corporal ilustra mais uma proposta performática.

[11] Ato de impulsionar o skate.

[12] Evento de skate voltado exclusivamente para praticantes com deficiências e organizado pela ABPSk.

[13] Tal objetivo já está sendo gestado para 2032, nos Jogos Paralímpicos de Brisbane, Austrália (Braz, 2024).

[14] Entrevista com Marco Cruz.

[15] Em homenagem ao precursor do paraskate, a ABPSk instituiu o Troféu Og de Souza dentro do Paraskate Tour, dedicado a best trick, ou seja, melhor manobra.

[16] Atualmente há um esforço por parte da pedagogia, psicologia e da medicina em diferenciar tais grupos, inclusive, com debates acalorados acerca da saúde mental. Mas nem sempre foi assim, as crianças denominadas idiotas (termo usado à época), eram mantidas em manicômios, embora idiotia não fosse sinônimo de loucura (Lobo, 2023).

[17] Cabe uma nota sobre Tecnologia Assistiva, caracterizada pelo conjunto de técnicas, serviços, metodologias e objetos que visam qualificar a vida das pessoas com deficiência, proporcionando-lhes maior autonomia e vida independente, como explica Rita Bersch (2017). Entre as variadas categorias da Tecnologia Assistiva – destacamos duas, já que balizadoras da nossa conversa – estão as próteses e os equipamentos para auxílios de mobilidade (Bersch, 2017). O Decreto nº 10.645/2021, dispõe sobre o Plano Nacional de Tecnologia Assistiva (Brasil, 2021).

[18] Importante lembrarmos que as próteses não se referem somente ao membro mecânico acoplado ao corpo. O hibridismo deve ser encarado como todos os esforços que potencializam o orgânico (entendido como “natural”), logo, uma técnica recorrente no universo dos esportes, especialmente, o de alto rendimento.

[19] Sobre isso, ver Zoboli, Mezzaroba, Quaranta e Correia (2016).

[20] Sobre isso, ver: TORRI, Danielle; VAZ, Alexandre Fernandez. Esporte paralímpico: difícil inclusão, incorporação tecnológica, corpos competitivos. Práxis Educativa, v. 12, n. 2, p. 536-550, maio/ago. 2017. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/praxeduc/v12n2/1809-4309-praxeduc-12-02-0536.pdf. Acesso em: 29 out. 2024.

[21] O pai do menino explica-lhe que o “Papai do Céu” trouxe o skatista ao mundo sem as pernas, assim como o enviou com a trissomia 21 (O skate [...], 2024).

[22] Admite que começou a usar o skate aos 10 anos de idade como meio de locomoção, já que a família não dispunha de recursos financeiros para adquirir uma cadeira motorizada. No entanto, ao longo do programa televiso é possível notar que agora já a possui (O skate [...], 2024).

[23] Existem outros no mundo paralímpico, como é o caso do tiro com arco, tiro esportivo e halterofilismo. Lembrando que há ainda aquelas em que não se faz uso de prótese nenhuma, como ocorre com a natação (Entenda [...], 2020).

[24] Manufaturas também atreladas à Tecnologia Assistiva (Bersch, 2017).

[25] Maneira como são chamados os skatistas que costumam andar nas ruas, desafiando os obstáculos urbanos não projetados para tal fim.

[26] A referência no masculino não é por acaso, a modalidade só é disputada por homens nos Jogos Paralímpicos. Atualmente há um movimento reivindicando a participação das mulheres (Olegário, 2024).

[27] Pessoa que enxerga que se posiciona atrás do gol adversário para orientar verbal e sonoramente seu time, indicando a direção da meta.

[28] No rol das adaptações esportivas encontramos ainda o judô (Judô, [c2024]), o hipismo (Hipismo, [c2024]), o remo (Remo, [c2024]), o taekwondo (Taekwondo, [c2024]) e o triatlo (Triatlo, [c2024]) como possibilidades paralímpicas para pessoas cegas.

[29] Estamos nos pautando no documento norteador do STU (organizador do mais importante circuito competitivo do skate no Brasil) uma vez que foi construído em conjunto com a ABPSk, sendo homologado pela Confederação Brasileira de Skateboarding (CBSk) e é o maior campeonato com a categoria paraskate, além disso, é o único documento disponibilizado no site até a presente data (Caderno [...], 2023).

[30] É sabido que não são os únicos, é legítimo citar Bruna Alexandre, a mesatenista paralímpica (que entrou para a história como a primeira paratleta brasileira a participar de Jogos Olimpícos, fato que se deu em Paris 2024) que até o ano de 2009, duelava com competidores sem deficiências (Bruna [...], [c2024]). Oscar Pistorius também participava de eventos regionais com corredores sem deficiências (Zoboli; Mezzaroba; Quaranta; Correia, 2016). São esses alguns dos poucos, porém, existentes exemplos. Não ignoremos que a modalidade praticada também conta neste complicado cálculo. Quais as condições objetivas para ocorrer uma partida de basquete com jogadores em cadeiras e outros não, compondo o mesmo time? Ou ainda “jogadores linha” (indicação para os jogadores que não estão na posição de goleiro) cegos e videntes, rivalizando no futebol?



[i] Artigo recebido em 02/12/2024

  Artigo aprovado em 09/09/2025

 

[ii] Contribuições da autora: conceituação; curadoria dos dados; investigação; metodologia; administração do projeto; visualização; escrita - rascunho original; escrita - análise e edição.

 

[iii] Contribuições da autora: conceituação; curadoria dos dados; investigação; metodologia; administração do projeto; visualização; escrita - rascunho original; escrita - análise e edição.

 

[iv] Contribuições da autora: conceituação; curadoria dos dados; investigação; metodologia; administração do projeto; visualização; escrita - rascunho original; escrita - análise e edição.