Integralismo e escolas em Blumenau: interlocuções obliteradas nas narrativas históricas[i]
Anne Caroline Peixer Abreu Neves
Universidade do Estado de Santa Catrina (UDESC)
Florianópolis, SC – Brasil
lattes.cnpq.br/8001857372784220
Integralismo e escolas em Blumenau: interlocuções obliteradas nas narrativas históricas
Resumo
Durante muito tempo, as escolas de Blumenau não foram investigadas e também nem sempre reconhecidas por articular relações que propiciaram arranjos políticos capazes de influenciar a vida pública. Ao identificar que o integralismo, organizado no município em 1934, esteve presente em escolas por meio de sujeitos vinculados as funções escolares e ao grupo miliciano, foi possível avançar na compreensão sobre os motivos que contribuíram para a ampla valorização da Ação Integralista Brasileira (AIB) em Blumenau. Apesar de ser um movimento interessado na defesa dos elementos nacionais, incentivar a participação de imigrantes e descendentes de alemães como adeptos do integralismo, inclusive daqueles que apenas falavam a língua alemã, parece não ter sido considerado incoerente. Os integralistas João Ehlert e Aristides Largura, respectivamente professor e inspetor escolar, demonstraram entender a importância das relações que puderam ser estabelecidas por meio das escolas para assegurar tanto a ampliação do integralismo entre a população de origem alemã quanto a manutenção da sua referência étnica, frequentemente, não interessada na integração nacional.
Palavras-chave: escolas; integralismo; política; nacionalismo.
Integralism and schools in Blumenau: obliterated interlocutions in the historical narratives
Abstract
For a long time, Blumenau's schools were not investigated and were not always recognized for articulating relationship that provided political arrangements capable of influencing public life. Identified by the integralism, organized in the city in 1934, in which was present in schools through individuals vinculated to the school functions and the militia group, it was possible to advance in understanding about the reasons that contributed to the vast valorization of Brazilian Integralist Action (AIB) in Blumenau. Despite being a movement interested in the defense of national elements, encouraging the participation of immigrants and descendants of germans as supporters of integralism, including those who only spoke the german language, seems not to have been considered incoherent. The integralists João Ehlert and Aristides Largura, teacher and school inspector respectively, demonstrated to understand the importance of the relations that could be established through schools to ensure both the expansion of integralism among the population of german origin and the maintenance of their ethnic reference, often, not interested in the national integration.
Keywords: schools; integralism; politic; nationalism.
A pedagogia da história é, antes de mais nada, compreender que uma coisa passou e no entanto não passa [...] É aprender a saber o que é passado, como isso passou e em que medida se passou em nós e aí ficou travado. Para isso é preciso aprender a olhar os vestígios, a ler os arquivos, a escavar o solo do tempo.
(Georges Didi-Huberman, 2017, p. 100)
1 Introdução
O estudo que este artigo apresenta é resultado da escavação do “solo do tempo”, conforme a indicação de Georges Didi-Huberman. A procura foi pelo entrelaçamento do movimento integralista com as escolas em Blumenau/SC, entre os anos de 1934 e 1938. O período corresponde a instalação do núcleo municipal da Ação Integralista Brasileira – AIB, formalizado em junho de 1934, até a proibição do Partido Integralista e a deposição dos seus políticos a partir de 1938.
Os vestígios escavados, poucas vezes apareceram ordenados e capazes de emitir leituras esclarecedoras. Significa dizer que precisaram ser tornados inteligíveis por meio do fazer historiográfico, nesse caso, interessado em contornar conhecimentos de passados que transgridam uma história oficializada e permitam a abertura de outros percursos de pesquisa. Entre eles, analisar como as escolas contribuíram para os arranjos políticos responsáveis por legitimar o integralismo em Blumenau[1]. Como uma investigação que compõe um estudo mais amplo que é a tese de doutorado[2], apresenta um recorte que não intenciona compromisso com a completude, mas pretende instigar outras discussões no aguardo pelo interesse de mais pesquisadores/as.
Em meio a um amplo volume de fontes, inicialmente observei que algumas escolas em Blumenau foram identificadas com nomes de homens que haviam aderido ao movimento integralista, homenagens realizadas após anos da proibição da atuação desse grupo político, imposta em novembro de 1937 com o golpe do Estado Novo comandado por Getúlio Vargas. Também identifiquei inscritos como integralistas, professores e inspetores escolares, que atuaram em escolas de Blumenau, alguns alcançando cargos políticos em âmbito municipal como os casos de João Ehlert, Aristides Largura, João Durval Müller, Alberto Stein.
Sobre o surgimento, a organização e a manutenção do movimento integralista em Blumenau poucas informações são conhecidas, o que pode ser atribuído também a ausência de pesquisas na dimensão local. Desta forma, os apontamentos que apresento, podem contribuir para adensar os debates envolvendo, entre outras questões, as motivações que impulsionaram com tanto vigor a adesão ao integralismo por parte de inúmeros habitantes de Blumenau e outros municípios do Vale do Itajaí[3], com destaque para aqueles de colonização estrangeira, principalmente, de origem alemã. Apesar de um período curto de funcionamento, a AIB rapidamente foi expandida para diferentes regiões do Brasil entre os anos de 1932 e 1937, adquirindo formato de partido em 1935, quando assumiu maior presença política e impactou significativamente os contornos políticos em diversos municípios, inclusive no estado de Santa Catarina (Frotscher, 2007).
Por ter fundamento nacionalista, até mesmo avaliado como nativista em determinadas interpretações, o integralismo parecia não ter condições de integrar grupos que não declarassem interesse nos elementos que exaltavam a nação brasileira, o que era o caso de muitas pessoas que viviam em Blumenau na década de 1930. Portanto, estava configurado um cenário que não deixava de ter um aspecto contraditório. A cultura alemã, primordialmente comunicada pela manifestação da língua tanto na esfera privada quanto na pública, funcionava como elo de conservação das relações étnicas com as referências dos antepassados colonizadores, associados as experiencias na terra de origem, a Alemanha. Havia aqueles que passaram a se reconhecer como teuto-brasileiros, entendimento que considerava o nascimento no Brasil e os compromissos com o exercício da cidadania, porém, mantinha o apego aos valores culturais alemães transmitidos pelos vínculos geracionais, expressados na organização social.
Apesar dessa aparente contradição, o movimento integralista foi consolidado em Blumenau e reuniu pessoas de diferentes segmentos sociais, atraídas por ideias que não confrontavam, pelo menos não com rigor, a manutenção dos arranjos étnicos. O discurso forjado pelo integralismo sobre o uso da língua alemã, manifestação cultural mais evidente, era que ainda se tratava de um obstáculo a ser superado devido a negligência e o abandono dos governos brasileiros anteriores, frequentemente atrelados com a incapacidade dos regimes signatários da liberal-democracia, concepção política rechaçada pela AIB. Essa narrativa de descaso, especialmente, direcionado para as escolas das áreas de colonização alemã, foi mobilizada de várias maneiras por diferentes grupos, assumindo evidência na forma de configurar a história de Blumenau e região do Vale do Itajaí, tendo o integralismo fornecido sua contribuição. Isso não significa dizer que era uma unanimidade concordar com essa “tolerância” relacionada as manifestações étnicas e existiam aqueles integralistas que demonstravam insatisfação, com destaque para as críticas contra o idioma alemão, acreditando ser uma afronta a causa nacional.
Nessa conjuntura política, estavam inseridas as escolas intensamente atravessadas pelas ações nacionalizadoras, que adquiriam contornos cada vez mais nítidos em Blumenau e outras áreas de colonização do Estado nas décadas de 1930 e 1940. Esse vigor da nacionalização envolvia articulações políticas tensionadas por grupos partidários interessados em conservar ou ampliar seus domínios em determinados municípios. Os partidos atuando em oposição eram o Partido Republicano Catarinense (PRC) e o Partido Liberal Catarinense (PLC), o primeiro tradicionalmente presente na região de Blumenau e o segundo estabelecido no governo estadual. Ambos buscavam sustentar seus projetos, inclusive com interlocuções de alcances nacionais, impactados pelas reorganizações promovidas nos anos do governo varguista.
Ao trazer as escolas de Blumenau para essa discussão, reduzo a escala de análise, possibilitando reconhecer a extensão que suas atuações locais e cotidianas emitiram na leitura política dos sujeitos, interessados não apenas nos encaminhamentos do ensino das primeiras letras, mas no uso político das escolas como tempo e espaço de articulações sobrepostas, onde se posicionaram professores e inspetores no exercício das relações de poder.
2 Trajetórias escolar e miliciana entrecruzadas
As escolas em Blumenau e região do Vale do Itajaí exerceram funções sociais indispensáveis, relacionadas não apenas aos aspectos da instrução, mas também porque eram lugares de referência para a organização da população perante suas demandas políticas, atreladas tanto as configurações internas da comunidade quanto as articulações a serem estabelecidas com outras estruturas externas de poder (Neves, 2019).
Desde o início da formação do sistema escolar a partir da segunda metade do século XIX, no período da Colônia Blumenau[4], predominaram as escolas particulares que surgiram e se mantiveram dirigidas por décadas pelas Associações Escolares, orientadas por estatutos e formadas pelos moradores das localidades onde foram fundadas, majoritariamente imigrantes e descendentes de alemães[5]. No diálogo com Giralda Seyferth (2017), é certo que essas escolas contribuíram para contornar as relações comunitárias manifestadas na esfera pública e privada, ensinando elementos de coesão identitária, com maior relevância prática e simbólica para a conservação da língua alemã.
Até o início da década de 1930 as escolas particulares ainda predominavam em Blumenau, característica alterada com o aumento progressivo do número de escolas públicas tanto aquelas criadas e mantidas com recursos estaduais quanto municipais. Nesse cenário, também existiam as escolas subvencionadas pelos poderes públicos, especialmente, com recursos federais, ou seja, a maioria delas, tinha origem pela iniciativa particular, mas após as subvenções, foram processualmente sendo incorporadas pelo governo estadual. Assim, eram classificadas como escolas públicas, caracterização que envolveu relações complexas, findadas com a doação dos bens imóveis e a dissolução das respectivas Associações Escolares.
Além desses formatos, ainda existiam as escolas inicialmente fundadas como particulares e que eram entregues para a administração pública, sem que suas Associações Escolares fossem extintas, continuando como proprietárias do patrimônio escolar (terreno, edifício, mobiliário), apenas mais tarde formalizando as doações para o poder público.
A Escola Particular de Rega[6], no distrito de Rio do Testo, estava entre aquelas que vivenciou o movimento de transição responsável por alterar seu funcionamento, deixando de ser uma escola particular em 1938, mas mantendo sua Associação Escolar por alguns anos. Seguiu até os dias atuais como uma escola pública, chamada de Escola Básica Municipal Almirante Barroso, inserida na mesma localidade de Testo Rega, porém, pertencente desde 1959 ao município de Pomerode, emancipado de Blumenau.
Foi fundada em 10 de maio de 1886 em uma comunidade majoritariamente constituída por imigrantes alemães e seus descendentes, que mantinha laços estreitos com a Igreja Evangélica Luterana[7], inclusive compartilhando o espaço da escola para os cultos religiosos (Guenther; Liesenberg, 2002, p. 234). As famílias que podiam custear os vínculos como sócios da Associação Escolar, matriculavam as crianças na escola organizada com turmas multisseriadas, que funcionava no modelo misto, onde estudavam meninos e meninas com idades distintas, conforme a imagem 1 permite visualizar.
Imagem 1 – Professor João Ehlert e seus alunos da Escola Particular de Rega em 1924
Fonte: GRUETZMACHER, Danilo. João Ehlert: professor e músico. In: POMERODE: sua história, sua cultura, suas tradições. Pomerode: Fundação Cultural, 1985. v.3. p. 41.
Por mais de três décadas essa escola foi regida pelo professor João Ehlert[8], descendente de alemães e morador da comunidade escolar. Na fotografia, é o único adulto e segura o quadro com a escrita em alemão “Deutsche Schule” ou Escola Alemã, em português. Diferente da maioria dos professores do início do século XX, tinha formação para a função, além de ter prestado os exames de habilitação promovidos pelo Estado, o que significava comprovar o domínio da língua portuguesa, aspecto que se tornou fundamental no tempo da nacionalização durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945).
Apesar de certa autonomia na maior parte dos anos por ser uma iniciativa privada, a Escola Particular de Rega, assim como as outras com esse caráter, não podia evitar completamente as interferências governamentais, que se configuravam pelas determinações das leis educacionais e dos agentes públicos no exercício das funções, principalmente, manifestadas pelo trabalho de fiscalização desempenhado pela inspeção escolar. Paulatinamente, as ações nacionalizadoras foram adquirindo consistência com as medidas nacionais e do governo de Santa Catarina, comandado pela família Ramos do PLC, primeiro Aristiliano Ramos e depois Nereu Ramos, desencadeadas com maior vigor nas regiões de colonização estrangeira, com atenção redobrada para as áreas ocupadas pela imigração alemã[9]. Ficaram mais evidentes a partir de 1935, como um dos efeitos da Lei de Segurança Nacional (nº 38), implantada em 04 de abril daquele ano (Brasil, 1935). Em 1937, com a ditadura do Estado Novo, a nacionalização se tornou um pilar da intervenção federal no Estado catarinense, intensificada pela participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) contra a Alemanha e Itália a partir de 1942.
Como professor da única escola local, ainda mais tendo aproximações com funções atreladas a Igreja Evangélica Luterana, João Ehlert era uma liderança comunitária, reconhecido por suas contribuições perante diferentes demandas, inclusive no campo político, além do educacional e religioso. Sua presença alcançava as esferas da vida pública e privada, o que permitia condições favoráveis para expressar suas ideias, demarcando posicionamentos por meio de suas atribuições, ampliadas ao nível municipal quando foi eleito vereador de Blumenau em 1935.
O cargo político foi conquistado como representante filiado ao Partido Integralista, que adquiriu centenas de adeptos em Blumenau e regiões do Vale do Itajaí, incluindo o distrito do Rio do Testo[10], onde no mesmo ano de fundação da AIB, foi instalado em 25 de novembro de 1934 um núcleo distrital, responsável por conduzir o funcionamento dos sub-núcleos daquela área[11]. No mês anterior, em 12 de outubro de 1934, a comunidade de Testo Rega, já tinha recebido a visita de uma “bandeira”, ou seja, lideranças integralistas reunidas para promover propaganda do movimento[12]. Nesse dia, foi realizada uma reunião pública com a participação de Alberto Stein, chefe municipal do integralismo e futuro prefeito de Blumenau também eleito em 1935 (O Integralismo [...], 1999, p. 35).
A estrutura organizativa da AIB que foi implementada em Blumenau, permitiu a capilaridade do movimento pelas áreas do interior, alcançando muitas pessoas, inclusive lideranças comunitárias, que viviam distantes do centro administrativo e, desta forma, dos principais arranjos políticos, muitas vezes com dificuldades para participar ativamente das discussões e decisões (Imagem 2).
Imagem 2 – Organização do núcleo municipal integralista de Blumenau
Fonte: CAVALETT, Laucí Aparecida. O Integralismo e o teuto-brasileiro: Joinville – 1930-1938. 1998. 108 f. Dissertação (Mestrado em História). Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998. Anexo I. Destaque próprio.
Ao instalar além do núcleo municipal, núcleos distritais e sub-núcleos locais, o integralismo promoveu a aproximação com os chamados colonos tanto em relação as suas demandas quanto a localização geográfica. Conforme Clayton Hackenhaar (2019, p. 172), o integralismo “representou uma opção para o grupo que se encontrava em ascensão social e econômica, formado, em sua maioria, por jovens, descendentes de imigrantes europeus, com menos de 30 anos”. Esse “perfil”, deslocava a atenção dos tradicionais homens públicos, a maioria deles posicionados em alguns dos dois partidos políticos. Eram figuras atreladas as famílias com destaque econômico e vinculadas as decisões tomadas na sede administrativa, por muito tempo reconhecidos como os únicos aptos a conduzir a política e suas interlocuções com outros níveis de poder. O momento era de reposicionar os holofotes para aqueles insatisfeitos, interessados em assumir protagonismo político com base em outras estratégias, que inevitavelmente, confrontaram as redes de sociabilidades estabelecidas.
Sobre as circunstâncias da adesão de João Ehlert ao integralismo não foi possível obter informações, apenas que por ter participado das eleições, já tinha vínculo partidário em 1935, certamente permanecendo até ser deposto do cargo político no final de 1937 devido a proibição dos partidos no Brasil. Por trabalhar em uma escola particular, sem indicativos de receber nenhuma subvenção, aparentemente não teve empecilhos para exercer suas atividades políticas concomitante a função de professor, possibilitando considerar que seu posicionamento político foi referendado na comunidade escolar ou pelo menos não foi encarrado como um problema a ser combatido. O mesmo não foi válido para o entendimento expressado pelos poderes governamentais, que não demoraram a questionar as escolhas de Ehlert.
A proximidade do integralismo com escolas em Blumenau não foi incomum, pelo contrário, em diferentes comunidades escolares também foram criados sub-núcleos, viabilizando identificar que haviam aproximações de professores[13], diretores, membros da diretoria das Associações Escolares, familiares das crianças, além de alunos. Em uma demonstração de reconhecimento público, estudantes do Colégio Santo Antônio[14] participaram do encaminhamento de um telegrama para Plínio Salgado, aonde manifestaram a “espera confiante” da vitória do chefe nacional da AIB na eleição presidencial, programada para o ano de 1937. Vários nomes de alunos apareciam no final da mensagem publicada no jornal integralista Flamma Verde[15] de 24 de julho de 1937, corroborando as palavras de apoio com a afirmação de que “a mocidade patriótica de Blumenau está com e pelo Integralismo” (Os estudantes [...], 1937). Parece não ser impertinente considerar que em alguma medida, o integralismo estabeleceu relações com várias escolas, o que pode ter contribuído de maneira significativa com seu rápido avanço em Blumenau e municípios vizinhos.
A expectativa de futuro dos alunos não se confirmou naquele passado, marcado pelo golpe que implantou no Brasil a partir de 10 de novembro de 1937, a ditadura do Estado Novo. Os integralistas passaram a ser perseguidos, mesmo com as tentativas, mal sucedidas, de negociações com o presidente Vargas. Os políticos eleitos anteriormente, perderam seus mandatos e foram substituídos por outros alinhados aos propósitos do governo nacional, que ordenou a indicação de interventores estaduais e municipais. Em Santa Catarina, Nereu Ramos, foi definido como interventor e direcionou o governo de Blumenau para José Ferreira da Silva, também vereador integralista recém deposto, que governou de 1938 até metade de 1941. Os motivos das decisões de entrada e saída desse primeiro interventor ainda hoje não estão esclarecidos, no entanto, é certo que causou incômodos entre os integralistas locais e, mesmo em outras lideranças políticas ligadas ao germanismo. O próprio prefeito substituído, Alberto Stein, demonstrou suas críticas incisivas contra José Ferreira da Silva, relatadas no termo de declaração à Delegacia de Ordem Política e Social após sua prisão em Jaraguá do Sul/SC, acusado de participar da tentativa de golpe integralista para destituir Getúlio Vargas no início de 1938 (Brasil, 1938).
Como interventor, José Ferreira da Silva colaborou oficialmente com a organização e implantação da política de nacionalização que teve Blumenau como município de referência para as práticas direcionadas pelo poder estadual em articulação com o governo nacional. As escolas receberam especial atenção, por serem consideradas instituições propagadoras dos vínculos étnicos alemães, desta forma, entendidas como resistentes a nacionalização. De acordo com o Relatório de Administração do Município referente ao ano de 1938, José Ferreira da Silva nacionalizou e, portanto, alterou seu formato para pública municipal, onze escolas classificadas anteriormente como particulares, incluindo a Escola Particular de Rega, regida desde 1918 pelo professor Ehlert (Blumenau, 1939).
Os arranjos necessários para que sua escola fosse municipalizada foram intermediados pelo próprio João Ehlert, que nessa circunstância retomou o contato com o poder municipal e de forma oficial com José Ferreira da Silva, ambos integralistas depostos, que voltaram a estabelecer uma aproximação, dessa vez, posicionados em condições distintas, não mais como milicianos[16]. Os indicativos são de que a responsabilidade por uma nova denominação para a escola foi do professor, que decidiu chamar de Escola Municipal “Almirante Barroso”. Talvez a escolha desse personagem da marinha do Brasil tenha alguma relação com estudos integralistas, que poderiam ter sido acessados por Ehlert durante suas participações em reuniões e outros encontros do movimento.
A partir das negociações entre os interesses públicos e particulares, em 07 junho de 1938 a assembleia extraordinária promovida pela Associação Escolar autorizou a entrega da administração de sua escola para o município, sendo o professor Ehlert incorporado como funcionário da prefeitura (Guenther; Liesenberg, 2003, p. 176). Formalmente foi implicado no trabalho de nacionalizar as crianças da localidade de Testo Rega, que deveriam aprender a se reconhecer como brasileiras e estarem comprometidas com a vida nacional, inclusive influenciando seus familiares na intimidade da casa. Entretanto, apesar de sua habilitação no ensino da língua portuguesa, os indicativos são de que, por vezes, esse conhecimento não refletiu na prática escolar de João Ehlert, que ainda desencadeava desconfianças, inclusive depois da municipalização da escola. O professor parece não ter abandonado o uso da língua alemã para desempenhar sua função, postura que passou a ser questionada pela política de nacionalização como um problema que precisava de resolução, tarefa a ser executada pelos poderes governamentais.
Mesmo não identificando motivações específicas, o fato é que já no primeiro ano do governo de José Ferreira da Silva, a escola do professor Ehlert pôde estabelecer as interlocuções necessárias para lidar com os impactos diretos da nacionalização, operacionalizados com o decreto-lei nº 88, de 31 de março de 1938 (Silva, 2014, p. 24). Perante as alianças políticas de outrora, não é impertinente reconhecer como plausível que a municipalização da escola particular tenha sido parte de uma estratégia de enfrentamento das muitas exigências legais para retomar seu funcionamento, após o fechamento compulsório de várias das escolas de Blumenau, uma vez que não atendiam aos critérios legais da nacionalização.
Para decidir entre nacionalizar ou fechar a escola, aparentemente foi relevante para o professor Ehlert e a Associação Escolar assegurar que a administração não fosse assumida pelo governo estadual, comandado por Nereu Ramos. Isso porque, possíveis arranjos nos bastidores com menor rigor das cobranças legais, poderiam ser viáveis com as relações entre o governo municipal e a escola, aceitas como mais vantajosas e menos fissuradas, considerando as experiências de outrora. Com José Ferreira da Silva à frente da prefeitura, as chances de garantir algum tipo de “blindagem” para lidar com a política de nacionalização seriam mais plausíveis, uma vez que esse ex-integralista não ficou imune as várias críticas, inclusive de traição, por ter sido escolhido como interventor. Os indicativos são de que se aproximar das escolas negociando a nacionalização, faria parte dos interesses de Ferreira da Silva, visando se reposicionar na cena política local, em busca de apoio dos antigos aliados, porém, sem que isso custasse seu capital político perante o governo do Estado.
Depois de efetivada a municipalização em 1938, a Escola Municipal “Almirante Barroso” manteve João Ehlert como professor até a conclusão do ano escolar de 1942, tendo sua exoneração sido oficializada no início de fevereiro de 1943 (Guenther, LIESENBERG, 2003, p. 176). Significa dizer que logo após José Ferreira da Silva deixar de ser interventor, em junho de 1941, a configuração política foi alterada e no governo seguinte, do interventor Afonso Rabe, o professor Ehlert deixou o cargo. Mesmo sem poder identificar com exatidão os termos dessa exoneração, é certo que estava relacionada com a questão étnica, possivelmente, pela ausência do ensino da língua nacional. Em 1941, o relatório referente ao mês de julho, do inspetor escolar estadual Celso Rila, apontou que na visita realizada na escola municipal, cobrou que João Ehlert iniciasse as atividades da associação auxiliar Liga Pró-Língua Nacional[17], conforme já determinado na reunião realizada em abril daquele ano (Santa Catarina, ago. 1941, fl. 95). Tratava-se de uma obrigatoriedade avaliada como fundamental para o projeto de nacionalização do ensino em Santa Catarina, o que permite pensar que tanto a nova cobrança do inspetor quanto a demora do professor teriam provocado fissuras.
O desenho político que se contornou foi que sem José Ferreira da Silva a frente da interventoria municipal, João Ehlert também não permaneceu como professor, apenas retomando a função, inclusive cobrando que fosse reintegrado como regente da sua antiga escola, em 1946, poucos meses depois do término da ditadura do Estado Novo, com a volta da democracia, anteriormente criticada por seu grupo político, o integralismo (Santa Catarina, 1946, fl. 243).
3 Um inspetor, várias escolas e a propaganda miliciana
Assim como o professor João Ehlert, o inspetor escolar Aristides Largura exerceu sua função no sistema escolar de Blumenau e foi membro do movimento integralista fundado em 1934. Entre as semelhanças, também foi eleito em 1935 para um cargo municipal, porém, sua vitória foi no município de Joinville/SC, onde se tornou o prefeito integralista, posteriormente deposto com o Estado Novo, outra aproximação com a trajetória do professor.
Antes de assumir funções na inspetoria estadual, primeiro em Joinville, a partir de 1933 e, depois em Blumenau, para onde foi transferido em fevereiro de 1935 como responsável pela 2ª Circunscrição do Estado, Aristides Largura tinha sido professor e diretor escolar. Seus vínculos com essas funções, em especial como inspetor, permitiram sua circulação por diferentes áreas dos municípios de atuação, fiscalizando escolas tanto estaduais quanto municipais e particulares.
Sua presença pública conferia prestígio ao inspetor, mesmo quando desagradava com suas recomendações sobre o funcionamento da escola. Ainda assim, não deixou de colher os benefícios políticos por ser conhecido nas comunidades escolares, indicando que sua presença favoreceu o alcance dos propósitos do movimento integralista, que pode atravessar diferentes povoações por meio da propaganda política facilitada pela função institucional do inspetor estadual. Ser um agente da educação, posicionava Largura perante as relações políticas, praticadas no cotidiano social e atreladas as diferentes demandas, que puderam ser mobilizadas pelo integralismo para estabelecer uma aproximação com as populações locais.
Sem dúvidas, entre as questões que atravessavam grande parte das populações das áreas de colonização estrangeira onde o inspetor trabalhava, estavam as ações do projeto nacionalizador, desenhado desde o início da década de 1930, com destaque para as críticas e, posteriormente, proibição do uso das línguas italiana e com maior evidência, a alemã. Entre essas localidades, estava a comunidade de imigrantes italianos onde o próprio Largura tinha nascido em 1906, conhecida como São Bernardo, território pertencente ao distrito de Timbó, que até 1934 ainda fazia parte do município de Blumenau (Cavalett, 1998).
Em entrevista concedida no anos de 1982 para a pesquisadora Dúnia de Freitas Toaldo, Aristides Largura formalizou uma narrativa interessada em demonstrar suas preocupações com os impactos da nacionalização na vida das pessoas de origem alemã. Nesse sentido, reconhecia que haviam se formado quistos étnicos em Santa Catarina, que precisavam ser integrados a nação brasileira “e eu, já pela função de Inspetor senti o problema e procurava, uma maneira de penetrar, entre eles, nesses núcleos e trazê-los ao nosso convício”. Considerou ser pertinente, associada a função de inspetor, desempenhar suas atividades políticas como adepto do integralismo, divulgando as ideias da doutrina nas comunidades escolares e, “aproveitava as minhas visitas de inspeção escolar para difundir esse movimento”. Como membro fundador do núcleo municipal de Joinville, estabeleceu uma interação consistente com a AIB, comprometido com sua propagação, expressando considerações positivadas sobre o integralismo, legitimado por ser uma “doutrina [que] pregava o nacionalismo, o direito, o respeito à propriedade, o culto [...] e percebi que seria uma maneira de penetrar nesses núcleos com essa doutrina” (Largura, 1982, p. 10).
Sobre os efeitos práticos desse trabalho de promoção da AIB, não foi possível mensurar. Contudo, é certo que sua atuação como agente público não passou despercebida, produzindo impactos nas relações cotidianas, inclusive que o levaram ao poder Executivo. Os relatórios de inspeção poderiam servir de meios para denunciar hábitos, levantar suspeitas, mas também para registrar elogios, validar comportamentos, emitindo perante os poderes governamentais um olhar sobre a escola e o próprio lugar. Desta forma, seguir as recomendações do inspetor, poderia ser uma decisão considerada acertada, principalmente, naquele tempo de nacionalização, quando a vigilância sobre as comunidades escolares foi entendida como um procedimento estratégico.
Se por um lado, para as populações locais poderia ser vantajoso um inspetor estadual interessado em negociar aproximações, por outro causou incômodos e passou a ser reconhecido como um problema, visto os avanços do número de adeptos ao movimento integralista, resultado que não interessava aos grupos políticos representados pelo PLC e PRC, que queriam se manter nos poderes governamentais. Essa influência política exercida por Aristides Largura com seus cargos exercidos concomitantemente, o de inspetor estadual e de chefe do núcleo municipal do integralismo, motivaram sua transferência de inspetoria, deslocado em fevereiro de 1935 para exercer a função de inspetor no município de Blumenau.
Enquanto esteve responsável por fiscalizar e conduzir as práticas educativas na 2ª Circunscrição Escolar, sediada em Blumenau e que compreendia outros municípios vizinhos do Vale do Itajaí, continuou a participar das atividades integralistas, não mais como chefe, mas como miliciano atuando junto ao núcleo de Blumenau. Inclusive foi preso em 04 de agosto de 1935, na localidade de Encruzilhada, município de Timbó/SC, região onde tinha nascido, quando fazia propaganda política do integralismo, acompanhado de Carlos Brandes, que também foi eleito prefeito de Timbó naquele ano e, mais tarde deposto do cargo. A prisão de ambos foi brevemente noticiada em 06 de agosto de 1935, no Blumenauer Zeitung, jornal local apoiador da AIB, que comunicou ter sido o ato uma “ordem do delegado daquele município, inclusive o mesmo arrancou-lhes os distintivos das camisas” (Lokales A.I.B., 6 ago. 1935a) Na mesma publicação, foi esclarecido que os dois já estavam soltos e que outros integralistas também tinham sido detidos em Gaspar/SC, situação que recebia atenção das lideranças para rapidamente ser resolvida. Dias depois, em 15 de agosto, novamente o mesmo jornal informou que “o Tribunal Eleitoral em Florianópolis, suspendeu a proibição do uso das camisas verdes e as reuniões” (Lokales A.I.B., 15 ago. 1935b). Em alguma medida, essas prisões e outras restrições contra os integralistas a partir de 1935, tinham relação com as tentativas de comprometer a continuidade e ampliação do movimento em Santa Catarina, amparadas pela recém criada Lei de Segurança Nacional, articuladora do ordenamento jurídico que definia os crimes contra a Nação.
Maiores informações sobre a prisão de Aristides Largura não foram identificadas, nem mesmo na entrevista anteriormente referenciada, esse acontecimento foi narrado, possivelmente, por ocasionar desconfortos. Assim como lembrar, esquecer também faz parte do trabalho de memória, até mesmo quando o esquecimento se apresenta na forma do não-dito. Ao colocar em diálogo Paul Ricoeur (2007) e Michael Pollak (1989)[18], considero que o interesse de interdição da memória funciona como tentativa de disputar a narrativa histórica, em busca de uma legitimidade avaliada como fiadora de uma memória oficial. Vincular a sua imagem a prisão não parecia ser pertinente, inclusive porque logo após essa ocorrência, foi afastado da função de inspetor estadual, sugerindo a relação entre esses dois eventos. Seu último relatório sobre as escolas inspecionadas foi referente ao mês de junho de 1935 e enviado ao governo do Estado em 22 de julho, vestígio que corrobora a perda do cargo no mês de agosto.
Ao investigar os relatórios produzidos pelo inspetor Largura durante o tempo de atuação em Blumenau e região, um total de quatro documentos encaminhados ao governo estadual, os indicativos são de que sua presença nessas comunidades escolares tratou de forma tolerante o uso da língua alemã no cotidiano das escolas inspecionadas. Isso não significa dizer que deixou de apontar para os professores a necessidade de ensinar em língua nacional, inclusive cobrando que as crianças falassem o português também no recreio. Entretanto, as críticas não foram dirigidas com imposição, nem mesmo com ameaças de punições administrativas ou por outros meios, características identificadas nos relatórios seguintes produzidos por seu sucessor, o inspetor Celso Rila, que ocupou o cargo entre agosto de 1935 até 1945.
Os relatórios de Aristides Largura evidenciaram que frequentemente testemunhou professores e alunos expressando-se em alemão, nem sempre sendo as circunstâncias explicitadas com detalhes. Os principais apontamentos descritos, manifestavam seu incômodo com o desprestígio das escolas públicas perante a população local, atribuído por ele devido à falta de melhores condições de funcionamento, o que implicava maior presença do Estado na manutenção dessas escolas. Também apresentou sua preocupação envolvendo as situações identificadas nas relações comunitárias que necessitavam ser intermediadas pelo poder público, considerando fundamental garantir ações eficazes que afirmassem a credibilidade da autoridade estatal, incluindo a do próprio inspetor.
O caso da Escola Estadual de Velha Central pode contribuir para compreender as tensões em torno das relações entre o poder público e a população local, formada majoritariamente por descendentes de alemães. Tratava-se de uma escola, inicialmente de iniciativa particular e depois subsidiada pelos poderes estatais, com isso, classificada como uma escola pública, que desde 1919 era regida pelo professor João Durval Müller[19], função exercida até fevereiro de 1935, quando ocorreu sua exoneração, aparentemente a pedido, conforme informa seu assentamento funcional[20]. Os indicativos são de que a saída da escola teve relação com a sua atividade política por ser membro do integralismo, chefe do sub-núcleo da Velha e candidato a vereador, mandato confirmado com sua vitória nas urnas ainda em 1935 e também perdido em 1937, assim como João Ehlert e Aristides Largura.
Até o momento da saída do professor Müller, a Escola Estadual de Velha Central funcionava com uma professora adjunta devido ao número elevado de matrículas, cargo ocupado por Horací Cunha, que foi deslocada para a regência da escola, provocando a necessidade de mais um professor para a outra vaga. Essa questão ganhou evidência em dois relatórios de inspeção de Aristides Largura, aonde apresentou a importância de agilizar uma nova contratação, já que a escola continuava com muitos alunos, um total de oitenta e seis crianças. Entre os argumentos mobilizados em seu relatório referente ao mês de maio de 1935, registrou que havia “sido procurado por diversos pais de alunos da Velha Central que me fazem ver a impossibilidade de continuar a escola daquela localidade nas suas atuais condições” (Santa Catarina, jun. 1935a, fl. 26-27) A reclamação seria o motivo para o inspetor alertar o governo que “os pais, descontentes, já cogitam da criação de uma escola particular afim de que os alunos não sejam prejudicados no ensino” (Santa Catarina, jun. 1935a, fl. 27) Ainda entre as ponderações sobre o assunto no mesmo relatório, Largura expressou críticas pela falta de resolução do problema, argumentando que a insatisfação da comunidade escolar abalava a credibilidade do poder público.
Essa Diretoria não ignora a atmosfera de desconfiança que envolve nossas escolas situadas nos meios de colonização alienígena. Diante da impossibilidade em que nos achamos de desfazer essa desconfiança, que, aliás, seja dito com franqueza, tem, em grande parte, sua razão de ser na deficiência das instalações, do material e, principalmente, deficiência de preparo do professorado, acho que devemos envidar todos os esforços para salvaguardar o bom nome das que ainda gozam de bom conceito. É o caso da escola em questão (Santa Catarina, jun. 1935a, f l.27).
Com a expressão “nossas escolas”, Aristides Largura referia-se as escolas públicas e nacionais em antagonismo as particulares e alemães, que deveriam demonstrar eficiência para convencer as populações de descendência alemã a deixarem suas escolas particulares. Ao ressaltar os problemas, atribuídos a falta de assistência dos poderes estatais, comunicou sua visão que responsabilizava a ineficiência governamental como um dos fatores comprometedores para os avanços da nacionalização. Seu entendimento, corroborava com a leitura política do integralismo, crítica e contestadora da concepção que chamavam de liberal-democracia, regida pelos tradicionais partidos políticos, no caso de Santa Catarina, o PRC e o PLC.
A situação da Escola Pública de Velha Central referenciava as tensões de fundamento étnico, que para o inspetor deveriam ser tratadas por meio do convencimento de para uma assimilação gradativa da população de origem alemã, pois, considerava a nacionalização um desafio, constatando no relatório sobre junho de 1935, que após “diversas escolas visitadas, muito há, ainda, a fazer nesse sentido” (Santa Catarina, jul. 1935b, fl. 48). Entretanto, nessa escola pública, regida durante anos por João Durval Müller, também descendente de alemães, que se tornou professor e liderança comunitária, o trabalho para nacionalizar pareceu nos primeiros meses de 1935 ser bem conduzido aos olhos do inspetor Aristides Largura.
Não é impertinente sugerir que o inspetor manifestou maior interesse com as demandas e o funcionamento da Escola Pública de Velha Central, motivado pela proximidade com João Durval Müller devido o compartilhamento de ideias e experiências em comum como integralistas. Seu posicionamento incisivo, favorável pela rápida nomeação de um professor adjunto, além do reconhecimento pelo trabalho de nacionalização com o ensino da língua portuguesa, avaliado por Largura como bem sucedido, demonstram um diálogo mais estreito com aquela escola, até pouco tempo atras, regida por um companheiro miliciano.
Ainda nesse sentido, seguiu avaliando o professor João Durval Müller quando inspecionou em junho de 1935 a Escola Particular Duque de Caxias, onde ele continuava suas atividades. No seu relatório, o inspetor concluiu que apenas duas escolas particulares, do total de dez inspecionadas, “satisfaziam o mínimo desejável quanto ao que diz respeito a nacionalização; a regida pelo professor João Durval Müller e a regida pelo professor Curt Klein”. Ao afirmar que estava sendo feito o “mínimo”, Aristides Largura explicou que ideal seria o “dia em que dentro das escolas primárias virmos abolido por completo o uso de idiomas que não sejam o pátrio” (Santa Catarina, jul. 1935b, fl. 48). Portanto, a escola particular estaria no caminho correto com a condução de João Durval Müller, mesmo que a língua alemã não estivesse completamente presente, o que para o inspetor, possivelmente por sua relação com o integralismo, parecia ser aceitável e justificado pela defesa de uma assimilação gradual.
Esse não foi o entendimento do inspetor Celso Rila, novo responsável pela 2ª Circunscrição Escolar e sem vínculos passados com o integralismo. Isso porque, após suas inspeções na Escola Particular Duque de Caxias, realizadas em julho, agosto e setembro de 1941, por motivos que não foram detalhados nesses três relatórios mensais, foi determinado pela Inspetoria Geral das Escolas Particulares e Nacionalização o fechamento da escola e a apreensão dos materiais encontrados (Santa Catarina, out. 1941b, fl. 144). O edifício escolar foi entregue ao governo do Estado sendo organizada uma escola reunida[21], posteriormente chamada de Escola Reunida Norma Ribas Pessoa[22] (Santa Catarina, ago. 1941a, fl. 73).
A questão da nacionalização se manteve como pauta para Aristides Largura, mesmo depois do seu afastamento da inspetoria estadual por determinação do governador Nereu Ramos (PLC), situação explicada na entrevista já referenciada, porém, novamente sem mencionar qualquer elemento que sugerisse sua prisão, ocorrida dias antes de deixar o cargo.
Sobre o caminho a ser percorrido para solucionar aquilo que era entendido como “uma questão que se acha sempre em foco, a da nacionalização dos elementos alienígenos e, principalmente, dos descendentes destes”, Aristides Largura comunicou essas e outras concepções por meio de um texto intitulado “A Nacionalização”, publicado no jornal Blumenauer Zeitung, de 05 de outubro de 1935, momentos antes da eleição que fez dele prefeito integralista de Joinville, possibilitando considerar que suas ideias para a condução da nacionalização receberam créditos. Nessa escrita, que parece apontar tanto culpados quanto vítimas, evidenciou que o propósito da nacionalização ocasionava “uma desconfiança mútua que vive ora latente ora se manifesta, em ambas as correntes em choque”. Essa definição de lados opostos, foi justificada considerando dois extremos, ou seja, aqueles que imigraram e insistiam em permanecer com os valores culturais “perfeitamente delineados por uma civilização secular” e, o outro grupo caracterizado pelo “jacobinismo estreito, querendo que o imigrante, ao penetrar no solo pátrio, se transforme subitamente” Apesar de reconhecer que alguns grupos de imigrantes e descendentes resistiam à integração nacional, ficou anunciado em suas palavras, a escolha por culpabilizar todos aqueles que buscavam implementar ações visando impossibilitar a população de descendência alemã, mas também italiana, de participar ativamente da vida do país, o que significava para Aristides Largura, cometer “um crime”. É certo que esses apontamentos tinham relação com as formas de condução dos poderes estatais, com destaque para o governo do Estado, também devido as últimas decisões tomadas que envolveram a retirada do inspetor do cargo.
Os argumentos que Largura relatou, consideravam que para conquistar um futuro de unificação, os esforços deveriam ser concentrados, primordialmente, em um ponto, “desfazer a mútua incompreensão que resulta, principalmente, do ponto de vista unilateral em que se colocam ambas as correntes”. Era preciso reconhecer um denominador comum, que não poderia ser outro se não “o supremo interesse da Pátria”, alcançado quando o idioma brasileiro for a única expressão linguística a vigorar. Estabelecido esse entendimento, Largura acionou o “tempo” como fiador indispensável na condução das mudanças necessárias em uma nação jovem, aonde
os costumes ou tradições que se possam denominar puramente brasileiras, são só as que nos legaram os indígenas e cujas raízes mergulham no estado selvagem, ao qual nós não poderíamos nos adaptar. Todos os outros foram mais cedo ou mais tarde, importados, e só tomarão características definitivas quando o homem brasileiro também estiver em vias de se definir (A Nacionalização, 1935).
Esse discurso do integralista Aristides Largura possui muitas camadas, mas aqui importa analisar como essa tolerância ou nas palavras da pesquisadora Daniely Wendland (2011, p. 74) sobre Largura, “aparente sensibilidade que demonstrava ter ao tratar de imigrantes e seus descendentes”, refletiu a vertente do integralismo manifestada em regiões de Santa Catarina, como no Vale do Itajaí e no Nordeste. As ideias anunciadas pelo ex-inspetor por meio do texto acima analisado, defendiam a implementação de um método de nacionalização que priorizasse e não descuidasse da busca por um “espírito nacional uno”, possível de ser conquistado já que no Brasil ainda havia “um povo em formação, de características ainda mal definidas”. Na sua perspectiva, esse bem maior, considerado a “grandeza do Brasil como Pátria soberana”, contava com as contribuições das culturas europeias, pois, os povos nativos, nada tinham a oferecer devido a sua natureza selvagem (A Nacionalização, 1935). Seria o “tempo”, guardião desse porvir, capaz de anunciar quando a formação do brasileiro estaria finalizada, amparada pelos valores das gerações anteriores e resultando em um povo civilizado. No diálogo com Reinhart Koselleck (2006, p. 36) sobre seu conceito de futuro passado, “a medida que o passado só pode ser experimentado porque ele mesmo contém um elemento de futuridade – e vice-versa”, fica compreendido que o futuro contorna as fronteiras do passado, já que necessita de referências do acontecido para amparar a expectativa do que se quer ou se coloca disponível para ser acessado.
Ao identificar e validar a existência de uma atmosfera de “desconfiança”, Aristides Largura posiciona o Partido Integralista como uma espécie de terceira via para aqueles que diziam não se posicionar favorável a nenhuma das duas “correntes”, conforme definiu na sua escrita. Isso porque, ambas, eram apontadas por negligenciarem sistematicamente as demandas da maioria da população, deslocada dos arranjos de poder tradicionais em Santa Catarina e capilarizados nos municípios. Se tornou uma opção para recrutar os insatisfeitos com as condições de vida, os desmandos das lideranças locais e, certamente, com as acusações de “perigo alemão” que atravessavam de forma mais ou menos contundente, o cotidiano dos imigrantes e descendentes[23]. Ao alcançar as áreas do interior, o integralismo garantia o contato com os moradores das áreas rurais, os chamados colonos[24], que em vários aspectos tinham sua participação nas decisões políticas reduzidas pela centralização das discussões na sede do município, onde viviam aqueles que assumiram a liderança política. Com o integralismo, pareceu ser a oportunidade de ter as demandas comunitárias reconhecidas, integrando aqueles que nem sempre estiveram no centro das atenções governamentais.
O formato do integralismo forjado em áreas de Santa Catarina assumiu características peculiares, que viabilizou negociar os elementos identitários e assegurar a valorização de um passado indispensável para anunciar o futuro, aonde mesmo afirmando a identidade brasileira, seria possível exaltar as heranças culturais legitimadas como civilizadas. Na interlocução com os estudos do historiador Luiz Felipe Falcão (2000) fica evidente que o movimento integralista adquiriu no Estado particularidades em relação a forma de expressão nacional, principalmente, no que diz respeito ao tipo de nacionalismo reivindicado com outros contornos pelos milicianos de origem alemã. Nas palavras do próprio Falcão (2000, p. 187-188), “afastava-se de um ‘nativismo’ mais inflexível, como o alardeado por personalidades do porte de Nereu Ramos (ou como o arquitetado por intelectuais e instituições ligadas ao governo Vargas)”. Entretanto, não deixava de se posicionar para os embates “com os partidários do germanismo, como era a caso de Marcos Konder e de tantos outros”. Esses eram os grupos em oposição, apresentados de forma compreensível pelo historiador, que Aristides Largura decidiu não explicitar na sua escrita, optando por defini-los com a ideia de “duas correntes”.
Interessado em potencializar seu capital político, o integralista Aristides Largura soube acionar suas experiências junto as escolas, o que parece ter sido fundamental para ascender até o poder Executivo municipal. Ao retomar as pesquisas de Daniely Wendland (2011, p. 64-65) fica evidente que Largura resgatou seus vínculos como inspetor para combater as críticas recebidas por não ter nascido, nem mesmo morado por muito tempo em Joinville, acusações mobilizadas na tentativa de descredibilizar sua candidatura na eleição de 1935. Em sua defesa, argumentava que a atuação na inspetoria havia sido importante para conhecer as demandas do município, o que possibilitaria sua boa administração. O quanto essa justificativa pode ter influenciado favoravelmente à campanha de Aristides Largura não foi possível avaliar, apenas que sua vitória foi considerada surpreendente, a julgar pelas circunstâncias manifestadas na trajetória política do antigo inspetor escolar e miliciano integrante do Partido Integralista.
4 Considerações finais
Os estudos mais robustos sobre o integralismo nas áreas de colonização estrangeira de Santa Catarina, são unanimes em afirmar que o formato assumido por esse movimento político na década de 1930 no Estado, foi definido com peculiaridades, atribuídas pelos contornos das características étnicas envolvendo a nacionalização da população de origem alemã. Entretanto, as articulações entre integralismo e nacionalização ainda não foram investigadas com o devido interesse, principalmente, na região do Vale do Itajaí, com destaque para Blumenau.
Como contribuição para este debate, as análises sobre as escolas demonstraram que a presença de integralistas nas comunidades escolares foi atuante, em especial, quando eram professores e inspetores, com ou sem vínculos institucionais com os poderes estatais. Por meio desses sujeitos, as concepções políticas propagadas pelo integralismo, principalmente, suas leituras sobre a adesão e os métodos de nacionalização, se aproximassem da cultura escolar, emitindo ressonâncias de forma capilarizada por diferentes localidades de Blumenau.
Perante a conjuntura política manifestada entre 1934 e 1937, o projeto paralelo de nacionalização idealizado por muitos integralistas, foi reconhecido como favorável a uma assimilação gradual dos imigrantes alemães e seus descendentes, sem que fosse preciso romper por completo o elo com os elementos culturais germânicos. A língua e a cultura nacional deveriam ser ensinadas nas escolas e, o integralismo podia contribuir por meio do exercício de uma dinâmica híbrida. Significava promover a tolerância com a adaptação, apresentar um programa patriótico e conservador dos costumes que afirmava o diálogo com os valores civilizatórios vinculados as culturas europeias, certamente incluindo as referências alemãs, o que garantiria a manutenção dos laços com os antepassados.
Ao observar aspectos das trajetórias do professor João Ehlert e do inspetor Aristides Largura, ambos integralistas atuantes em Blumenau, fica evidenciado que as escolas devem ser compreendidas como lugares de fazer político, aonde diferentes interesses podem ser manifestados a depender dos arranjos que assumem proeminência nas formas de organização social. Tanto Ehlert quanto Largura potencializaram seu capital político na articulação com suas funções escolares, mobilizando os vínculos com o integralismo para instrumentalizar paixões políticas sensíveis a um projeto de nacionalização que reconhecesse o valor da imigração alemã para a civilização do Brasil.
Referências
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[1] O território de Blumenau passou por mudanças que alteraram suas fronteiras, diminuindo sua extensão a partir da década de 1930, quando iniciaram desmembramentos ordenados pelo governo estadual no comando de Aristiliano Ramos, o que resultou na emancipação de novos municípios como Rio do Sul, Gaspar, Indaial, Timbó, Hamonia.
[2] A tese de doutorado está em fase de finalização, com defesa prevista para a primeira metade do ano de 2025, pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGH-UDESC). A pesquisa está vinculada ao Laboratório de Ensino de História (LEH-UDESC) sendo orientada pela professora doutora Cristiani Bereta da Silva.
[3] O território do Vale do Itajaí, que recebeu este nome devido as caraterísticas físicas da região, incluindo o principal rio chamado de Itajaí-Açu, foi colonizado a partir da iniciativa do imigrante alemão Hermann Bruno Otto Blumenau. A formação da Colônia Blumenau provocou o extermínio de centenas de indígenas do povo Laklãnõ-Xokleng. Após várias décadas, o amplo município de Blumenau foi desmembrado, o que resultou na emancipação de algumas áreas nos anos de 1930, formando os municípios vizinhos.
[4] A Colônia Blumenau foi fundada como propriedade do imigrante alemão Hermann Bruno Otto Blumenau a partir de 1850, quando ocorreu a chegada dos primeiros imigrantes vindos do território que posteriormente formou a Nação da Alemanha. Em 1860 foi negociada com o governo imperial de D. Pedro II devido as dificuldades no desenvolvimento. Como Colônia Imperial existiu até 1883, até sua elevação a categoria de município.
[5] As Associações Escolares, também conhecidas como Sociedades Escolares ou Comunidades Escolares, foram organizadas pela iniciativa privada e responsáveis por fundar centenas de escolas em Blumenau, o que não significou a ausência completa de investimentos públicos. Os governos subsidiaram algumas dessas escolas particulares, apesar de por muitos anos os recursos chegarem de forma irregular e serem insuficientes.
[6] O nome dessa escola foi citado em diferentes documentos (crônica, relatório municipal, relatório de inspetoria escolar, correspondência do Estado) com algumas variações. A partir de 1915, alguns documentos apresentam a escola chamada de: Escola Particular de Rega, Escola Particular de Rega I, Escola Particular Testo Rega, Escola Particular Pommeroda. Como não foi possível localizar a ata de fundação dessa escola, para facilitar a compreensão decidi padronizar o uso de um único formato de nome com base no cruzamento de distintas fontes.
[7] Durante os primeiros anos de imigração para a Colônia Blumenau predominou a chegada de pessoas adeptas ao luteranismo, segmento religiosos atrelado a Igreja Evangélica Luterana. Algumas comunidades reuniam um grande número de fiéis, o que permitiu forte influência das lideranças religiosas, assim como o próprio João Ehlert.
[8] João Ehlert nasceu na comunidade de Rega, em Rio do Testo no dia 25 de dezembro de 1895, sendo descendente de alemães. Estudou os primeiros anos na Escola Particular de Pommeroda Centro, continuando seus estudos na Escola Particular Neue Schule (escola alemã fundada em 1889 na área central de Blumenau, posteriormente sendo chamada de Escola Nova e em 1942 transformada no Grupo Escolar Modelo Pedro II). Após o término, foi encaminhado em 1915 como professor para a Escola Particular de Warnow (localidade atualmente pertencente ao município de Indaial) atuando até 1917 quando devido as leis de nacionalização instigadas pela entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) as escolas foram fechadas por não ensinarem na língua vernácula. Manteve ao longo de sua vida, intensa participação no cotidiano da Igreja Evangélica e figurando como uma liderança comunitária (Guenther; Liesenberg, 2002, p. 173-174).
[9] As áreas de colonização alemã em Santa Catarina já tinham sido monitoradas na década de 1910, especialmente, a partir de 1917 com a declaração de guerra do Brasil contra o Império Alemão durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Nesse período, a ideia de “perigo alemão” adquiriu contornos mais evidenciados e implicou restrições de diferentes naturezas, com destaque contra as escolas, fechadas por manterem o ensino em língua alemã.
[10] Em alguns documentos o distrito de Rio do Testo também foi chamado de Pomerode.
[11] Os sub-núcleos eram representações do Partido Integralista em diferentes localidades que formavam o núcleo.
[12] O termo “bandeira” fazia relação com o movimento dos “bandeirantes”, homens que teriam se deslocado para ocupar o interior do território de São Paulo.
[13] As análises das fontes demonstram que no período de predominância das escolas particulares em Blumenau, quase todos os professores eram homens.
[14] Escola fundada pelo padre católico José Maria Jacobs em 1877, próximo a sede da Colônia Blumenau, com o nome de Colégio Paroquial São Paulo. Mais tarde a denominação foi alterada para Colégio Santo Antônio e atualmente chama-se Colégio Bom Jesus Santo Antônio.
[15] Periódico da Ação Integralista Brasileira publicado em Florianópolis, capital de Santa Catarina, sob a direção de Othon Gama d’Eça.
[16] Termo utilizado pelos próprios integrantes da Ação Integralista Brasileira nos discursos, notícias, artigos.
[17] A Liga Pró-Língua Nacional era uma associação auxiliar da escola, responsável por aprimorar o ensino patriótico e, nas áreas de colonização estrangeira, intensificar o aprendizado da língua nacional. Seu funcionamento foi implementado em todas as escolas de Blumenau.
[18] POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989; RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.
[19] Os indicativos são de que a escola passou a ser subvencionada após as medidas de nacionalização promovidas a partir de 1917 no contexto de entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial, quando as escolas particulares que não ensinavam o idioma nacional foram fechadas até comprovarem que estavam adaptadas as novas determinações legais.
[20] SANTA CATARINA. Assentamento funcional. João Durval Müller. fl. 45. (Arquivo Público do Estado de Santa Catarina – APESC).
[21] Formato organizado para agrupar algumas escolas menores, criando uma única escola com maior número de matrículas.
[22] Nome em homenagem a uma professora da região sul de Santa Catarina, que havia falecido próximo ao momento de criação dessa escola reunida.
[23] A ideia de uma ameaça à integridade nacional devido as aspirações de grupos de imigrantes alemães e seus descendentes, orientados ou não pelo governo da Alemanha, circulava no Brasil desde o final do século XIX. Entretanto, na década de 1910, com maior vigor a partir da posição assumida pelo governo brasileiro contra a Alemanha na Primeira Guerra Mundial em 1917, a noção de “perigo alemão” adquiriu contornos práticos, que passam a interferir na vida cotidiana da população em áreas de colonização como no caso de Blumenau e Joinville.
[24] Expressão mobilizada para referenciar moradores das áreas do interior dos territórios no Vale do Itajaí. Especialmente, com os discursos de modernidade em ascensão a partir da década de 1940, o termo adquiriu uma conotação vexatória, atribuída a ideia de pessoa ultrapassada, ignorante.