e-ISSN 1984-7246
Adelcio
Camilo Machado[ii]
Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar)
São Carlos, SP – Brasil
lattes.cnpq.br/4163948825825308
Raul Ayrton Franco[iii]
Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar)
São Carlos, SP –
Brasil
lattes.cnpq.br/0960563330280717
Sobre crianças, quadris,
pesadelos e lições de casa: diáspora africana, orgulho
negro e opressão racial em disco de Emicida
Resumo
O presente artigo examina o disco Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições
de casa, lançado por Emicida em 2015. As análises procuraram apontar as
maneiras pelas quais a chamada nova condição do rap (Santos, 2022) se formaliza
nos elementos constitutivos do álbum como um todo, bem como no interior de suas
faixas. Foi possível reconhecer que a experiência da diáspora africana se
constitui como o cerne do disco. De modo mais específico, observou-se que o
álbum traz um equilíbrio entre composições que denunciam as opressões sofridas
pela população negra e, no polo oposto, por faixas que abordam a negritude a
partir de uma perspectiva celebrativa e enaltecedora. Por sua vez, tais temas
encontram correspondências entre, de um lado, o emprego de sonoridades mais
agressivas e, de outro, maior delicadeza e leveza sonora, tanto no canto quanto
na base musical. Foram constatadas ainda diferentes maneiras de cantar, algumas
muito próximas à própria oralidade e outras com maior formalização musical. Em
síntese, discutiu-se que a diversidade de temas e de sonoridades presentes no
disco mostra-se compatível com a ampliação do público do rap, algo constitutivo
de sua condição contemporânea, e que nisso reside tanto sua força quanto o
limite de sua crítica.
Palavras-chave: rap brasileiro;
Emicida; canção popular; diáspora africana.
About kids, hips, nightmares
and homework: african diaspora, black pride and racial oppression in Emicida
album
Abstract
This article examines the
album About kids, hips, nightmares and homework, released by Emicida in 2015.
Through analyses, we sought to point out the ways in which the so-called new
condition of rap (Santos, 2022) is formalized in the constituent elements of
the album as a whole, as well as within its tracks. We recognized that the
experience of the African diaspora constitutes the core of the album. More
specifically, we observed that the album brings a balance between compositions
that denounce the oppression suffered by the black population and, on the
opposite pole, tracks that approach blackness from a celebratory and uplifting
perspective. In turn, such themes correspond, on the one hand, to the use of
sounds that are more aggressive and, on the other, to greater delicacy and
lightness of sound, both in the singing and in the musical base. We also found
different ways of singing, some very close to orality itself and others with
greater musical formalization. In summary, we discussed that the diversity of
themes and sounds present on the album is compatible with the expansion of
rap’s audience, something constitutive of its contemporary condition, and that
this lies both its strength and the limit of its criticism.
Keywords: brazilian
rap; Emicida; popular song; African diaspora.
1 Da faixa de abertura para o álbum
Timbre de piano acústico
realizando um acorde de Ab7M em região médio-aguda, com uma divisão rítmica
regular marcando, sobretudo, a pulsação e, assim, definindo um andamento lento,
em torno de 76 bpm, em compasso quaternário. Esse acorde permanece por dois
compassos, sendo seguido por um Cm7, que soa como repouso harmônico – e,
portanto, assume função de Tônica –, mantendo semelhante divisão rítmica e
também permanecendo por dois compassos. Então, o acorde de Ab7M retorna por
outros dois compassos, mas dessa vez acompanhado por uma bateria eletrônica com
certo grau de reverberação, em que se destacam o bumbo com sonoridade seca e em
frequência médio-grave, a caixa com sonoridade mais próxima à de um woodblock, timbre agudo e rápido
decaimento, e o chimbal com timbre sintetizado. Simultaneamente à entrada da
bateria, são inseridos alguns efeitos sonoros mais ao fundo da mixagem, em
geral com durações mais longas. Na sequência, passa-se por um compasso com o
piano no acorde de Fm7, já em uma região menos aguda e, portanto, mais central
do instrumento, até se chegar ao Cm7 no compasso seguinte, mantendo a mesma
região. Até aqui, seja pelo andamento e pelas sonoridades, obtém-se um clima de
leveza e delicadeza. É assim que se inicia a faixa “Mãe”, a primeira do álbum Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições
de casa[1],
lançado em 2015 pelo rapper Emicida.
Após esses oito compassos de
introdução instrumental, inicia-se o canto de Emicida. A base musical, em
grande medida, mantém as características até então apresentadas, mas a bateria
eletrônica, embora realize a mesma levada rítmica, traz um bumbo mais intenso e
com maior presença de frequências graves e uma caixa com timbre mais semelhante
ao de baterias acústicas e com frequências médias. Essas sonoridades atenuam um
pouco aquela delicadeza inicial, mas acabam ocupando mais amplamente as regiões
média e grave do espectro sonoro.
Ainda assim, a emissão vocal
de Emicida se mostra bastante suavizada, trazendo até mesmo certa soprosidade[2]
em alguns momentos. Dando continuidade à tradição entoativa do rap em que foi
formado, Emicida estabiliza ritmicamente seu canto através de diferentes formas
de subdividir a pulsação. Além disso, já nos primeiros versos[3],
apresenta uma de suas marcas que é o trabalho com a sonoridade das palavras,
observado na profusão de rimas – as quais aparecem não só nos finais dos
versos, mas no interior dos mesmos (peito, imperfeito e estreito; imposto e
encosto) –, em aliterações (“sorriso no rosto”) e em assonâncias
(banzo, tanto, pranto, canto e chorando)
(Emicida – Mãe [...], 2015).
Porém, quanto à dimensão
melódica, o canto de Emicida se afasta um pouco da tradição do rap segundo a
qual, conforme as palavras do pesquisador Marcelo Segreto, não se costuma
“estabilizar a frequência em alturas que coincidem com as notas musicais”, o
que faz com que “a altura no rap [seja] geralmente a altura da voz falada”
(Segreto, 2015, p. 28). Isso porque, no início da parte cantada de “Mãe”,
Emicida sustenta trechos de seu canto em regiões mais delimitadas da
frequência, o que dá a sensação de que ele esteja cantando notas musicais, por
mais que seja difícil precisá-las com exatidão.
Contudo, essa maneira de
cantar não se mantém ao longo de toda a faixa. Ao contrário, há momentos em que
Emicida promove um recrudescimento da força entoativa[4]
através do abandono dessas regiões mais delimitadas de frequência e faz com que
as alturas sejam equivalentes às suas inflexões vocais. Em outras palavras, é
quando Emicida se aproxima da maneira de cantar mais convencional no cenário do
rap. Isso aparece, sobretudo, na segunda estrofe da canção, em versos como “Não
esqueci da senhora limpando o chão desses boy cuzão” (Emicida – Mãe [...],
2015). Por fim, há momentos em que o rapper atenua a força entoativa e, assim,
acentua a forma musical de seu canto, fazendo com que a estabilização das
alturas em notas musicais se concretize de forma mais plena, tornando possível
reconhecer cada uma das notas que está sendo entoada. Tal maneira de cantar
pode ser ouvida principalmente nos refrãos (“Nossas mãos ainda encaixam certo” [...])
(Emicida – Mãe [...], 2015), que contam não apenas com o canto de Emicida, mas
também da cantora Anna Tréa. Por último, ao final da gravação, a partir de 4
min. 03 s., há o momento de maior intensificação da força entoativa, que ocorre
não na voz do próprio Emicida, mas na de Dona Jacira, mãe do rapper, que recita
os versos finais. Nesse caso, não há nem mesmo uma estabilização rítmica, o que
faz com que tanto as alturas quanto o ritmo sejam os mesmos da voz falada.
A letra da canção se
estrutura a partir de um eu-cancional que se dirige à sua mãe. Com isso, há
diversas passagens que apontam para imagens repletas de ternura que destacam os
vínculos entre filho e mãe (“Nossas mãos ainda encaixam certo”, “Em tudo eu via
a voz de minha mãe / Em tudo eu via nóis”, “Até meu jeito é o dela”, “Esses
dias achei, na minha caligrafia, / A tua letra e as lágrima molha a caneta”)
(Emicida – Mãe [...], 2015). Tal perspectiva é complementada pelo trecho final
em que, em primeira pessoa, a própria mãe apresenta um relato igualmente pleno
de afetividade sobre o nascimento de seu terceiro filho[5]
(“Buscava o amor nas coisas desejadas / Então pensei que amaria muito mais /
Alguém que saiu de dentro de mim e mais nada / Me sentia como a terra,
sagrada”) (Emicida – Mãe [...], 2015). Ao mesmo tempo, há outras passagens que,
em direção oposta, apontam para as diversas dificuldades que atravessaram a
vida daquela mãe [“Profundo ver o peso do mundo nas costas de uma mulher”;
“[...] moça, de onde ‘cê tirava força?”] (Emicida – Mãe [...], 2015), que
valorizam ainda mais a personagem celebrada.
Vale destacar que a própria
letra da canção traz alguns marcadores de negritude, os quais podem ser
encontrados no trecho “Quando disser que vi Deus / Ele era uma mulher preta”
(Emicida – Mãe [...], 2015) e na menção às senzalas no trecho “Luta diária, fio
da navalha, marcas? Várias / Senzalas, cesárias, cicatrizes” (Emicida – Mãe
[...], 2015). Assim, o próprio plano interno da canção não deixa dúvidas quanto
ao fato de que a mãe focalizada nessa letra consiste em uma mulher negra e,
mais do que isso, que a matéria histórica tomada como ponto de referência para
sua elaboração consiste na experiência das mulheres negras no contexto da
diáspora africana.
A escolha por iniciar um
exame do disco Sobre crianças pela
canção “Mãe” se justifica não apenas por ela ser sua faixa de abertura, mas por
condensar características que marcam o álbum como um todo. Em um primeiro
plano, nota-se que a experiência da diáspora africana (Hall, 2003) está
presente em todas as suas faixas, sob diferentes perspectivas, tanto em suas
letras quanto em suas sonoridades[6].
Além disso, pode-se considerar que a faixa “Mãe” e o disco se desenvolvem no
entrecruzamento de quatro principais eixos. O primeiro deles consiste na já
mencionada gradação entre, de um lado, o predomínio da forma musical e, de
outro, a prevalência da força entoativa nas vozes.
Nesse sentido, nota-se que
em duas faixas – “Amoras” e “Trabalhadores do Brasil” – há um emprego mais
intenso da força entoativa a ponto de, nelas, as vozes não se estabilizarem nem
ritmicamente e tampouco em notas musicais, mas se manifestarem através da
oralidade, à semelhança do que ocorreu ao final de “Mãe”, como já comentado. Na
outra extremidade, encontram-se ao menos três faixas que, em sua totalidade,
trazem as alturas da voz estabilizadas em notas musicais; trata-se de “Baiana”,
“Passarinho” e “Sodade”, as quais são inseridas sequencialmente em uma posição
central do álbum, entre a sexta e a oitava faixas. As demais situam-se entre essas
extremidades, trazendo diferentes níveis de gradação entre forma musical e
força entoativa, geralmente consistindo em uma seção da canção com o canto
organizado ritmicamente, mas com as alturas correspondendo às inflexões da
fala, e outra seção com os vocais entoando notas musicais.
O segundo eixo consiste em uma oscilação entre, de um
lado, maior delicadeza e leveza sonora e, de outro, o emprego de sonoridades
mais agressivas, tanto no canto quanto na base musical. Assim, faixas
como “Mãe”, “Amoras”, “Mufete”, “Baiana”, “Passarinhos” e “Madagascar” empregam
sonoridades mais leves, em geral à base de instrumentos acústicos ou ainda de
instrumentos digitais com timbres mais limpos e com ataques suaves; além disso,
essas canções apresentam emissões vocais que se mostram igualmente suaves, sem
indicar tensões. Por sua vez, as faixas “8” e “Boa esperança” têm suas bases
construídas sobretudo por instrumentos digitais com maiores intensidades e
ataques mais bruscos, que se associam a emissões vocais mais tensas. As demais
faixas, por sua vez, trazem oscilações entre esses dois polos, as quais serão
comentadas adiante.
Um terceiro eixo caracteriza-se, em uma extremidade,
por canções que denunciam as opressões sofridas pela população negra e, no polo
oposto, por composições que abordam a negritude a partir
de uma perspectiva celebrativa e enaltecedora. Nesse sentido, canções como “Boa
Esperança”, “Mandume” e “8” expressam descontentamento
e enfrentamento a diversas formas de
violências que permeiam as experiências da população negra. Já “Mufete”
e “Salve Black (estilo
livre)”, por exemplo, trazem letras e sonoridades que
valorizam diversos aspectos ligados à pessoa e à
cultura negra.
Por fim, o quarto eixo corresponde a uma alternância
entre faixas do álbum centradas em situações mais individualizadas e outras que são elaboradas a partir de um foco mais coletivo. No
primeiro grupo, encontram-se as canções “Mãe”, “Amoras”, “Baiana” e “Chapa”; no
segundo, localizam-se as faixas “Mufete”, “Boa esperança”, “Trabalhadores do
Brasil” e “Salve Black (estilo livre)”. Do mesmo modo como se afirmou em outras
situações, essa distinção não impede que algumas faixas partam de um foco
individual para tocar em algo mais coletivo e vice-versa.
Vale ressaltar que, se esses
eixos modulam o álbum como um todo, e
o mesmo ocorre no interior de cada faixa. No decorrer delas, podem ser
percebidos momentos de intensificação em direção a algumas das polaridades dos
eixos anteriormente descritos – e, consequentemente, de atenuação de outras. Para
compreender melhor essa dimensão, é necessário discorrer separadamente sobre
cada uma dessas faixas. Mas, antes de proceder a essas considerações, convém
situar o álbum no interior da carreira de Emicida, o que ajudará na compreensão
dos sentidos que essa produção fonográfica tem tanto na trajetória específica
do artista,
quanto no cenário do rap nacional.
2 Emicida e o álbum Sobre crianças
Na atual organização da discografia de Emicida, disponibilizada em seu site
oficial[7],
Sobre crianças, lançado em 2015,
aparece como o sétimo álbum da carreira do rapper[8],
sendo que o primeiro havia sido lançado em 2009. Antes do primeiro álbum, o
rapper já havia produzido sua primeira música, “Contraditório vagabundo”, em
2005, e o single “Triunfo”, em 2009. Outra experiência
que parece significativa para a inserção e a consolidação de Emicida no
circuito do rap foi sua
participação nas batalhas de freestyle,
em especial a chamada Batalha do Santa Cruz, realizada na estação de metrô de
Santa Cruz, na cidade de São Paulo, na qual se sagrou vencedor pela primeira
vez em 2006[9].
Vale mencionar que a atuação de Emicida na cena pública
não se resumiu à sua produção como rapper, mas, ao contrário, envolveu outras
dimensões. Uma das mais destacadas é a sua atividade empreendedora, que se
estruturou de forma mais sólida a partir de 2009, quando o artista e seu irmão, Evandro Fióti, fundaram a produtora
Laboratório Fantasma. Foi através dela que Emicida inicialmente produziu e
lançou seus próprios discos, mas, posteriormente, a empresa também trabalhou
com outros artistas e até mesmo em outros segmentos do mercado, como o de
roupas e acessórios.
Essa atuação em outras vertentes para além da produção
fonográfica foi considerada, pela socióloga Daniela Vieira dos Santos, como um
sintoma da “organização e representação do rap para além de um gênero musical”
(Santos, 2022, p. 14). A autora reconhece um percurso no qual o rap aparece
inicialmente ligado à cultura hip-hop, passa depois a ser pensado como um
“gênero musical” mais ligado aos mecanismos da produção fonográfica e culmina, mais recentemente, sendo “pensado também não
apenas como música, mas como um conceito – estilo de vida e consumo que
extrapolam as suas ‘origens’” (Santos, 2022, p. 14).
Por sua vez, essa suplantação do rap em relação à sua
condição de gênero musical aparece para Santos como um dos traços daquilo que
definiu como a nova condição do rap, do qual Emicida seria um emblema (Santos,
2022, p. 5). A socióloga define essa categoria para expressar as mudanças no
lugar social e simbólico do rap, que abrangem:
1) impacto das
tecnologias digitais – que
reestruturam a produção,
a circulação e
a recepção da
prática musical; 2) mudança
no gerenciamento das
carreiras artísticas; 3)
ampliação da legitimidade cultural do rap; 4) mudança do
status dos artistas; 5) internacionalização do rap brasileiro; 6)
ampliação do conceito
de rap/Hip Hop
para além de
um gênero musical;
7) protagonismo feminino e
LGBTQI+; 8) diversificação do público (Santos, 2022, p. 5).
A partir dessas reflexões, pode-se considerar que o álbum
Sobre crianças, aqui focalizado,
consista em mais uma das produções
de Emicida inserida nessa nova condição do rap. Assim, o presente artigo
procura discutir as maneiras pelas quais essa condição se inscreve no disco[10].
Portanto, do ponto de vista teórico, o estudo se inspira e se ampara nos
apontamentos do crítico literário Antonio Candido (2011) sobre o exame das
relações entre a obra e seu contexto histórico-social. O autor considera que a
integridade da obra exige que seu estudo seja realizado “fundindo texto e
contexto numa interpretação dialeticamente íntegra” (Candido, 2011, p. 13). De
modo mais específico, Candido convida a perceber como o elemento externo
“desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto,
interno” (2011, p. 14). Assim,
trata-se aqui de compreender como aquilo que Santos chamou de nova condição do
rap não se caracteriza somente como algo que circunda externamente o álbum de
Emicida, mas como se formaliza em seus elementos
internos.
Como já indicado, Sobre crianças foi lançado no ano de
2015, quando o artista comemorava 10 anos de carreira[11].
Para celebrar essa marca, Emicida realizou uma viagem para Angola e Cabo Verde,
países do continente africano que, assim como o Brasil, tiveram momentos sob
governança do colonialismo de Portugal e, dentre os muitos legados desse
processo histórico, têm a língua portuguesa como seu idioma oficial. Além
desses aspectos, a escolha por esses destinos se deveu ao fato de que ambos
haviam completado 40 anos de independência naquele mesmo ano (Sobre [...],
[20--]). Segundo o rapper, o disco
surgiu com objetivo de expressar a forma como Brasil e continente africano como
um todo estavam intrinsecamente ligados, apesar da distância geográfica (Sobre
[...], 2015). Para isso, sonoridades e temáticas associadas às culturas
africana e afro-brasileira foram inseridas nas canções, e houve ainda uma
significativa participação de músicos e grupos de artistas angolanos e
cabo-verdianos nas gravações.
O disco totaliza 52 minutos
de música, divididos entre 14 faixas. Destas, Emicida não assina a autoria e
não participa da performance de duas: “Sodade”, cuja autoria é atribuída a
Nenzalina Correia e Semedo Garcia, e que foi interpretada por Neusa Semedo,
líder do grupo de batucadeiras de Terreiro dos Órgãos, de Cabo Verde; e
“Trabalhadores do Brasil”, composta e interpretada por Marcelino Freire. Das 12
faixas restantes, seis delas (“Amoras”, “Mufete”, “Passarinhos”, “Chapa”,
“Madagascar” e “Salve Black”) têm sua autoria creditada a Emicida e a Xuxa
Levy, que ainda assina outras duas composições (“8” e “Casa”) da qual
participam outros coautores, e também foi o produtor do disco, juntamente com
Emicida e Evandro Fióti.
Ao se
apreciar as faixas na sequência do álbum, é possível dividi-lo em quatro
blocos. O primeiro deles compreende a faixa de abertura, já comentada, e as
duas faixas seguintes. O segundo bloco é o de maior leveza, tanto do ponto de
vista musical quanto de suas letras, e abrange as quatro faixas seguintes. Na
sequência, cinco faixas constituem o terceiro bloco, no qual o álbum atinge o
ápice de sua dimensão de denúncia e, também, de revide. Por fim, as duas
últimas faixas integram um quarto bloco, em que a celebração da negritude volta
a aflorar. Na sequência, serão comentadas essas faixas, inseridas no interior
desses blocos.
3 Da exaltação da maternidade ao “solo não dócil”
Como já destacado
anteriormente, a faixa “Mãe” é aquela que dá início ao álbum. Por meio dela,
instaura-se um clima de ternura e de leveza, marcado por um forte componente
lírico[12].
Conforme já sublinhado, essa atmosfera é permeada, em alguns momentos, por uma
maior tensão na fonoação de Emicida, que costuma estar relacionada a trechos da
letra que aludem às diversas dificuldades enfrentadas pela personagem referida
na canção. Ainda assim, o começo da escuta do disco é marcado por leveza e
suavidade, já apontando para um certo caráter celebrativo – no caso, da mulher
negra –, ainda que realizado com serenidade e não com euforia. Além disso,
acompanhando os argumentos de Mostranges (2023, p. 65), a faixa consegue captar
“a relevância da maternidade nas sociedades matriarcais e, também, naquelas
cuja ancestralidade faz parte da organização social”.
A faixa seguinte do disco,
intitulada “8”, estabelece um intenso contraste com a canção de abertura. Até
cerca de seus 25 segundos, ela não apresenta um andamento e um padrão rítmico
definidos, sendo construída apenas por sonoridades que remetem, de um lado, a
timbres sintetizados e, de outros, a sons “naturais” que aludem a gorjeios de
aves. Porém, após esses segundos iniciais, ouve-se a voz de Emicida cantando
com bastante firmeza e intensidade, em um canto estabilizado ritmicamente, mas
sem fixar as alturas em notas musicais. Ao mesmo tempo, surge uma bateria
eletrônica que estabelece o andamento em torno de 85 bpm – portanto, um pouco
mais acelerado do que “Mãe” – e um compasso quaternário. Seus timbres de bumbo
e caixa possuem uma sonoridade seca, trazendo um ataque intenso e um rápido
decaimento, e frequências médio-grave.
A letra de “8” apresenta
diversas formulações ligadas a sofrimentos e dificuldades da população negra,
como se vê nos trechos “O fardo é foda, não é conto de fada”, “A tristeza deforma
os rostos daqui” e “Nóis nunca entendeu essa história manca / Sangue índio,
suor preto e as igreja branca” (Emicida – 8 [...], 2015). A canção possui ainda
um refrão em cuja base musical se destaca um vocalize realizado com a vogal [ô]
em notas mais longas e em região um pouco mais aguda, complementado por outros
sons eletrônicos, especialmente o scratch;
sobre essa base, são inseridas colagens de fragmentos de outras canções. Ao
final, há um solo de guitarra sobre o qual Emicida declama uma mensagem direcionada
à “quebrada” convidando as pessoas para buscarem informações (“Vamo’ buscar se
informar, mano”) e se unirem (“Unido a gente fica em pé”) (Emicida – 8 [...],
2015).
Assim, se a primeira faixa
do disco tendia a um caráter mais celebrativo, a segunda assume um tom de
denúncia das opressões. Esse traço é mantido na canção seguinte, intitulada
“Casa”. As estrofes cantadas por Emicida trazem a mesma tensão na emissão, com
ritmo estabilizado e frequências correspondentes às inflexões da fala. Com essa
maneira de cantar, o rapper entoa vários versos que apontam para as
dificuldades e perigos de estar no mundo[13],
como se observa em “Lá fora é selva, a sós entre luz e trevas / Nós, presos
nessas fases de guerra, medo e monstros”, “Nunca foi fácil, solo não dócil;
esperança, fóssil” e “Jacaré que dorme vira bolsa” (Emicida – Casa [...],
2015). Em contraste, os refrãos da canção são entoados por vozes de crianças,
em registro agudo, com emissão suave e contornos melódicos bem definidos em
termos de notas musicais, e seus versos exprimem uma relação de conjunção entre
o eu-cancional e o mundo: “O céu é meu pai / A terra, mamãe / E o mundo inteiro
é tipo a minha casa” (Emicida – Casa [...], 2015).
Essa alternância entre
emissões tensas e suavizadas em “Casa” encontra correspondências também em sua
base musical. Enquanto Emicida canta, destacam-se no acompanhamento sonoridades
graves e intensas, que marcam todos os tempos do compasso. Porém, em outros
momentos, as próprias vozes das crianças entoam um vocalize, dando mais leveza
à faixa. Além disso, ouve-se também o timbre do berimbau, submetido a algum
processamento eletrônico, que intensifica a atividade rítmica e ainda remete à
prática afro-brasileira da capoeira, na qual o instrumento é amplamente
utilizado.
4 “Riso contente”
Depois de duas faixas mais
voltadas para a denúncia de formas de opressão que se voltam à população negra,
com suas correspondentes sonoridades mais agressivas, o álbum segue com um
conjunto de quatro faixas que trazem maior leveza e que, em sua maioria, trazem
um caráter celebrativo. A primeira desse conjunto é a quarta faixa, “Amoras”,
bastante breve, durando apenas 56 segundos. Seu acompanhamento é construído
predominantemente através da kalimba, instrumento que traz um conjunto de pequenas
placas metálicas que, ao serem dedilhadas, produzem sons agudos, em diferentes
afinações conforme o tamanho de cada placa. Sobre essa base musical, Emicida
declama um texto utilizando a voz falada, com uma emissão bastante suave e até
mesmo soprosa, em um registro agudo. Assim, há delicadeza tanto na base musical
quanto na voz. O texto de “Amoras” traz um eu-cancional que narra uma situação
na qual teria afirmado à sua filha que as amoras mais escuras (“as pretinhas”)
eram as mais doces e suas favoritas, e que, diante disso, a criança teria
expressado seu orgulho em ser negra: “Papai, que bom, porque eu sou pretinha
também”. A letra destaca ainda os nomes de Martin Luther King, Zumbi e Malcom
X, importantes protagonistas das lutas da população afrodescendente, indicando
que eles também ficariam impactados (“cairia em pranto”, “diria que nada foi em
vão” e “contaria a alguém”) (Emicida – Amoras [...], 2015) com o fato de que “a
doçura das frutinhas sabor acalanto” teria despertado essa consciência em uma criança.
O orgulho negro retorna na
faixa seguinte, a quinta do disco, “Mufete” (Emicida – Mufete [...], 2015). Seu
refrão exalta diversas regiões periféricas da cidade de Luanda, capital de
Angola (“Rangel, Viana, Golfo, Cazenga pois / Marçal, Sambizanga, Calemba
Dois”) (Emicida – Mufete [...], 2015). Além disso, a letra é repleta de
exaltações à população negra (“Nobreza mora em nóis, não num trono / Logo somos
reis e rainhas, somos”) (Emicida – Mufete [...], 2015) e sua produção cultural
(“Djavan me disse uma vez / Que a terra cantaria ao tocar meus pés / Tanta
alegria faz brilhar minha tês” e “Aí, 'cá na cintura das mina de Cabo Verde / E
nos olhares do povo em Luanda / Nem em sonho eu ia saber que / Cada lugar que
eu pisasse daria um samba”) (Emicida – Mufete [...], 2015). Além disso, de
acordo com comentários de Joel Inga, baterista angolano que gravou a canção, o
padrão rítmico ali empregado se aproxima da kizomba, gênero musical originário
de Angola e de caráter dançante, o que intensifica a atmosfera festiva presente
em sua letra (Emicida – Documentário [...], 2017).
Um verso em particular chama
a atenção: trata-se de “Ligue a pele preta a um riso contente” (Emicida –
Mufete [...], 2015), que aponta para a necessidade de se criar novos
imaginários em torno da população negra, afastando-o da perspectiva de
sofrimento e reconhecendo que há também alegrias nas experiências decorrentes
da diáspora africana. O verso se aproxima, portanto, das reflexões da
pensadora, teórica e ativista bell hooks (2019), que considera que
[...] uma tarefa
fundamental dos pensadores negros críticos tem sido a luta para romper com os
modelos hegemônicos de ver, pensar e ser que bloqueiam nossa capacidade de nos
vermos em outra perspectiva, nos imaginarmos, nos descrevermos e nos inventarmos
de modos que sejam libertadores (hooks, 2019, p. 32-33).
Ainda na perspectiva da
exaltação da pessoa negra, tem-se a faixa seguinte, “Baiana” (Emicida – Baiana
[...], 2015), a sexta do álbum. Porém, aqui, o sentido é, em uma primeira
apreciação, mais individualizado e menos coletivo do que em “Mufete”. Na canção
em tela, o eu-cancional exprime seu deslumbre por uma mulher negra (“cor nagô”)
nascida no estado da Bahia, que o teria fascinado ao beijá-lo “no canto da
boca” (Emicida – Baiana [...], 2015). Porém, ainda que a declaração seja
direcionada a uma mulher em específico, não se menciona nenhum nome próprio,
mas a mesma é designada apenas por baiana
(“Baiana, ‘cê me bagunçou”) (Emicida – Baiana [...], 2015). Com isso, ainda que
parta de um prisma individual, a canção acaba se constituindo como uma
homenagem a todas as mulheres negras da Bahia, bem como uma reverência a toda
uma vertente do cancioneiro popular brasileiro que exalta as baianas e a Bahia[14].
Vale destacar que a canção conta com a participação do também baiano Caetano
Veloso, um dos artistas brasileiros de maior consagração no cenário da canção
popular brasileira, que dobra os vocais com Emicida nos refrãos. Essa
participação simboliza a ampliação da legitimação cultural do rap, um dos
componentes de sua nova condição, como apontado por Santos (2022).
A canção “Passarinhos”
(Emicida – Passarinhos [...], 2015), a sétima do disco, encerra esse conjunto
de canções que dá maior leveza ao álbum. Seu acompanhamento musical traz um
padrão rítmico que remete ao reggae, vertente musical também associada à
diáspora africana, mais especificamente na Jamaica[15],
e que estimula o balanço dos corpos dos/as ouvintes. Os instrumentos escolhidos
para integrar essa base musical também contribuem para a suavidade dessa faixa:
a condução rítmica é feita inicialmente pelo ukulelê, cordofone de menor
potência sonora e de frequência médio-aguda, sendo complementada por bateria
acústica, tocada com ataques menos intensos, bem como por guitarra e
contrabaixo elétricos, também com sonoridades leves e contribuindo com a
subdivisão rítmica. A canção tem uma linha melódica bem definida, estabilizada
em notas musicais, e conta ainda com a participação da cantora Vanessa da Mata
que, em alguns momentos, dobra o canto de Emicida e, em outros, realiza
contracantos.
Porém, a letra da canção
traz um certo contraste com toda essa singeleza da dimensão musical. Isso
porque trabalha a partir do estabelecimento de paralelos entre a vida humana e
os voos dos pássaros (“E, no meio disso tudo / ‘Tamo tipo passarinhos / Soltos
a voar dispostos”) (Emicida – Passarinhos [...], 2015), e acaba destacando
problemas e dificuldades, como se nota nos trechos “Despencados de voos
cansativos / Complicados e pensativos / Machucados após tantos crivos” (Emicida
– Passarinhos [...], 2015), “Vê só o que sobrou de nós e o que já era” (Emicida
– Passarinhos [...], 2015), “Em colapso, o planeta gira / Tanta mentira aumenta
a ira de quem sofre mudo / A página vira, o são delira, então a gente pira” (Emicida
– Passarinhos [...], 2015) e “Cidades são aldeias mortas” (Emicida –
Passarinhos [...], 2015). Por outro lado, o refrão da canção ameniza esse
diagóstico ao apontar para a esperança de encontrar um lugar seguro (“achar um
ninho”), mesmo que seja nas relações afetivas (“Nem que seja no peito um do
outro”) (Emicida – Passarinhos [...], 2015). Assim, por mais que grande parte
da letra faça alusão a adversidades, a atmosfera de otimismo acaba
predominando, seja pela reiteração do refrão, seja pelas características
musicais. De qualquer modo, o teor de sua letra parece já se constituir como
uma transição para os outros temas que são apresentados na sequência do álbum.
5 Melancolia e revide
Na sequência, dando início
ao terceiro bloco temático, ouve-se outra faixa mais curta, “Sodade”[16],
a oitava do álbum, com 1 minuto e 10 segundos de duração. Chama a atenção o
fato de que Emicida não participa dessa faixa, nem em sua autoria, nem em sua
performance. A canção é entoada pela já mencionada Neusa Semedo que, como
informado, lidera um grupo de batucadeiras em Cabo Verde. Essa é a única faixa
que não é cantada em língua portuguesa, sendo entoada, segundo Luis Gustavo
Coutinho, integrante da equipe do portal Música Pavê, em crioulo cabo-verdiano
(Pavezeiros, 2015). Seu acompanhamento consiste simplesmente na marcação de uma
pulsação em torno de 70 bpm com um timbre eletrônico semelhante ao de um caxixi
ou de algum outro chocalho. Sobre essa base, Neusa Semedo desenvolve seu canto,
que subdivide ternariamente essa pulsação, mas possui muitas notas longas,
especialmente nos inícios e finais de frase. A linha melódica possui um caráter
um tanto angular, iniciando-se em uma região mais aguda e concluindo-se no
grave. Essas características – pouca movimentação rítmica, notas longas e
melodia tendendo para o grave – conferem à canção certo caráter melancólico [17],
sugerido desde o seu título[18].
A faixa seguinte, “Chapa”, a
nona do álbum, mantém o caráter nã0 eufórico já presente em “Sodade”. Ela se
inicia com a fala de uma mulher, com sotaque nordestino, afirmando que está à
procura de dois filhos na cidade de São Paulo, introduzindo o tema central da
canção, que será desenvolvido com a entrada do canto e comentado adiante. O
sotaque dessa voz alude à imigração de pessoas da região Nordeste para o
Sudeste, as quais nem sempre conseguem ser contempladas com os postos de
trabalho formais e, assim, buscam sua subsistência através da informalidade[19].
Esse aspecto se articula ao próprio termo “chapa”, que dá título à canção e
será utilizado pelo enunciador para se dirigir a seu interlocutor, que costuma
ser utilizado para se referir a trabalhadores informais, como apanhadores de
café e carregadores/descarregadores de caminhão.
Ao se iniciar a parte
cantada, o eu-cancional dialoga com um vizinho que estava desaparecido, mas que
ele havia acabado de encontrar (“Chapa, pode pá, tô feliz de te trombar”)
(Emicida – Chapa [...], 2015). Nesse diálogo, o enunciador destaca toda a
tristeza decorrente do desaparecimento de seu interlocutor, especialmente por
parte de sua mãe (“Sua mãe chora / Não dá pra esquecer / Que a dor vem sem boi,
sentiu”, “Ela tá presa na de que ainda vai te ver”) (Emicida – Chapa [...],
2015) e de sua companheira (“Chapa, sua mina sorriu, mas era sonho / E quando
viu, acordou deprê”) (Emicida – Chapa [...], 2015). A letra traz ainda alguns
indícios que sugerem que o desaparecimento do “chapa” se deveu a um certo
estado depressivo (“Se encana ao crer / Que ninguém lá te ame”) (Emicida –
Chapa [...], 2015). A dimensão sonora contribui para fortalecer esse tom de
abatimento, trazendo uma linha melódica em região grave, um acompanhamento com
pouca subdivisão rítmica e o emprego da tonalidade menor. O eu-cancional faz
ainda um pedido para que o vizinho retorne (“Jura pra mim que foi / E que agora
tudo vai se resolver”, “Até breve, eu quero ver sua família feliz no rolê”)
(Emicida – Chapa [...], 2015).
Explorando esse pedido, o
refrão da canção quebra esse ambiente mais melancólico e projeta a expectativa
de retorno do personagem: “Mal posso esperar o dia de ver / Você voltando pra
gente / Sua voz avisar, o portão bater / Acende um riso contente / Vai ser tão
bom” (Emicida – Chapa [...], 2015). Em consonância com a mudança no caráter da
letra, os elementos musicais também acentuam essa esperança: o padrão rítmico
do acompanhamento passa a ser uma levada de samba, o canto se desenvolve em uma
região mais aguda e se torna mais sincopado. Ainda assim, mantém-se a
tonalidade menor, o que ajuda a entender que, apesar das expectativas, a realidade
ainda não se modificou, pois o personagem ainda não retornou (e pode não ter
superado seu estado depressivo).
Com a faixa seguinte, “Boa
esperança” o álbum atinge o seu ápice de agressividade, tanto do ponto de vista
sonoro quanto por seu caráter de denúncia. Sua letra expressa, de forma
contundente, diversas consequências da escravidão que ainda permeiam o
cotidiano da população negra. Seu refrão estabelece uma aproximação entre os
atuais camburões da polícia e os antigos navios negreiros, bem como entre as
favelas e as senzalas (“E os camburão, o que são? / Negreiros a retraficar /
Favela ainda é senzala, Jão”) (Emicida – Boa [...], 2015). Ao mesmo tempo,
diversos trechos da canção apontam para uma atitude de revide. Isso já aparece
no verso final do refrão, quando afirma que a favela é uma “Bomba relógio
prestes a estourar”, e é desenvolvido nas estrofes, em versos como “Violência
se adapta, um dia ela volta p’ocêis”, “Nóis quer ser dono do circo / Cansamos
da vida de palhaço” e “‘Cês diz que nosso pau é grande / Espera até ver nosso
ódio” (Emicida – Boa [...], 2015). Este último verso, aliás, pode ser pensado
como um revide à hiperssexualização dos corpos negros.
O revide presente na letra
se expressa igualmente em sua dimensão sonora. A bateria eletrônica volta a ter
timbres secos, com ataques intensos e rápido decaimento, à semelhança do que se
havia escutado nas canções “8” e “Casa”, realizando uma levada que marca os
quatro tempos do compasso. Além disso, a marcação, geralmente realizada pelo chimbal
com som mais seco, aqui traz uma sonoridade mais metálica e estridente. O
acompanhamento é complementado por um timbre de contrabaixo eletrônico, com
grande quantidade de harmônicos graves, geralmente marcando apenas o início do
compasso. O canto é dividido entre Emicida, responsável pelas estrofes, e o
rapper J. Ghetto, que entoa os refrãos. Estes possuem uma linha melódica mais
definida, com o canto estabilizado em notas musicais, mas a emissão de J.
Ghetto carrega certa tensão, compatível com a letra entoada. Emicida também
emprega uma emissão bastante tensa, estabiliza ritmicamente seu canto, mas faz
com que as alturas correspondam à da voz falada, soando especialmente
agressivo.
Na sequência, tem-se mais
uma das faixas de curta duração do álbum. Trata-se de “Trabalhadores do
Brasil”, a décima primeira do disco, que se estende por 1 minuto e 22 segundos.
Assim como em “Sodade”, a faixa não tem a participação de Emicida, pois
consiste, na verdade, em um poema de autoria de Marcelino Freire[20],
recitado pelo próprio poeta, sem nenhum acompanhamento instrumental. No início,
a entoação de Freire apresenta inflexões bastante acentuadas, ora dirigindo-se
para regiões mais agudas, ora para regiões mais graves, soando até um pouco
caricatural e sugerindo um certo humor. O texto enumera diversas atividades –
cortar cana, vender carne de segunda a segunda, trabalhar de segurança e limpar
fossa de banheiro – que, geralmente, são realizadas por pessoas de condições
financeiras mais precárias.
Porém, o que chama a atenção
é o fato de que, no poema, os sujeitos que realizam tais ações são orixás, tais
como Oloroquê, Obatalá, Olorum e Ossonhê, ou ainda personagens negros icônicos,
como Zumbi e a “Rainha Quelé” Clementina de Jesus. Desse modo, simboliza-se a
ancestralidade e, de certo modo, a divindade presente em cada mulher negra e em
cada homem negro. Além disso, de tempos em tempos, o texto repete a expressão
“Tá me ouvindo bem?”, que interpela o ouvinte e é entoada com alguma ênfase.
Então, ao final da faixa, essa expressão é repetida algumas vezes, com
intensidade e frequência crescentes, culminando em uma provocação ao ouvinte
branco: “Seu branco safado: / Ninguém aqui é escravo de ninguém” (Emicida –
Trabalhadores [...], 2015). Assim, se os traços caricaturais do início da faixa
pareciam inicialmente se contrapor ao revide escutado em “Boa esperança”, ao
final da mesma nota-se que a provocação é sustentada.
Esse bloco se encerra,
então, com “Mandume”, décima segunda faixa do álbum, que foi produzida de forma
colaborativa, contando com as participações de Drik Barbosa, Amiri, Rico
Dalasam, Muzzike e Raphão Alaafin. Assim, a canção consiste basicamente em um
refrão, cantado principalmente por Emicida, e em estrofes entoadas por cada uma
das pessoas convidadas, além de uma cantada pelo próprio Emicida, e um último
refrão cantado por todos. Isso faz com que essa seja a canção mais longa do
álbum, contabilizando 8 minutos e 15 segundos. Seu refrão aponta para outra
herança do período escravocrata, que são os mecanismos de manutenção das
diferenças sociais através, sobretudo, da docilidade e do esquecimento das
diversas formas de opressão (“Eles querem que alguém que vem de onde nós vem /
Seja mais humilde, baixe a cabeça / Nunca revide, finja que esqueceu a coisa
toda”) (Emicida – Mandume [...], 2015), e tais temas são aprofundados, de
diferentes maneiras, nas estrofes. Vale destacar, em especial, a participação
de uma mulher (Drik Barbosa) e de um homem que assumiu sua homossexualidade
(Rico Dalasam). Com isso, a faixa expressa, no álbum, o protagonismo feminino e
LGBTQIAPN+, outro componente da nova condição do rap.
6 Retorno à celebração
Depois das tensões e
enfrentamentos das últimas cinco faixas, o álbum conclui com duas canções que
retomam a exaltação à negritude. A primeira delas é “Madagascar”, que consiste
em uma canção lírico-amorosa, mas ambientada nas “noites de Madagascar”. Assim,
sua letra ora tece elogios à pessoa amada, ora contempla e celebra a paisagem
local, como ocorre em seu refrão:
Quantas
estrelas vi, ali, em seu olhar
Coisas com
as quais posso me acostumar facin’
Posso me
acostumar facin’
Céu azul,
vejo em mar
Pássaros,
pássaros, pássaros a cantar
São coisas
com as quais posso me acostumar facin’
Posso me
acostumar facin’ (Emicida – Madagascar [...], 2015)
Musicalmente, o
acompanhamento musical do refrão é realizado por um piano Fender Rhodes e por
violão acústico, que não estabelecem um padrão rítmico, deixando a base
bastante solta. Ainda no refrão, o canto é realizado por Jonas Paulo e Fattú Djakité,
que entoam com uma voz suave e até um tanto soprosa, em um arranjo vocal com
abertura de vozes. Na sequência, as estrofes trazem uma marcação rítmica mais
definida pela bateria eletrônica e são cantadas por Emicida, que em alguns
momentos estabiliza sua voz em notas musicais e, em outros, traz uma emissão
mais falada. A presença da bateria eletrônica se estende para a repetição do
refrão, conferindo-lhe maior movimentação, mas sem retirar seu lirismo.
Por fim, a canção “Salve
Black (estilo livre)” (Emicida – Salve [...], 2015) finaliza o álbum. A faixa
tem um caráter percussivo bastante acentuado, sendo possível perceber uma clave
semelhante ao da rumba, o que a aproxima dos ritmos afrolatinos. A letra de seu
refrão se inicia com uma possível remissão à própria diáspora africana (“A vida
levou cada um de nós pr’um canto, tormento”) (Emicida – Salve [...], 2015), que
teria promovido uma desarticulação das comunidades e o isolamento das pessoas
negras (“Espalha como estrelas sós, folhas ao vento”) (Emicida – Salve [...],
2015), mas conclui destacando a importância da coletividade: “Minha família,
meu povo / Parceria cem por cento” (Emicida – Salve [...], 2015). Esse caráter
é reforçado pela própria performance, já que o refão é cantado em coro por
Emicida, Djose, Alejandra Luciani, Ênio Cesar, Manno G e por Lakers e Pá,
simbolizando musicalmente a força do coletivo.
Alguns versos das estrofes
reiteram a importância da união (“Segura, negão / Cumprimenta o seu irmão, que
tá do seu lado / ‘Cês tão tudo aliado”) (Emicida – Salve [...], 2015), celebram
a cultura negra (“O rap nacional nos fortalece”) e destacam algumas
personalidades negras como Ella Fitzgerald. Além disso, em seu canto, Emicida
agradece aos países e às pessoas de Cabo Verde e de Angola, países nos quais o
disco foi produzido, bem como a membros de sua equipe, que o acompanham há
tempo (“Vinícius, Djose, Zala, Fióti / Comigo desde o início”) (Emicida – Salve
[...], 2015). À semelhança de uma apresentação ao vivo que se encerra, os
versos finais se despedem de forma festiva de seu ouvinte: “Aê negrão, aqui é
periferia / Muito abraço a todos / Axé!” (Emicida – Salve [...], 2015).
7 Considerações finais
Depois de examinar cada uma
das faixas de Sobre crianças,
evidencia-se, como já foi antecipado, que o álbum exprime uma diversidade de
experiências ligadas à diáspora africana. Esse caráter se coaduna, aliás, com o
próprio título do disco, pois este aborda crianças,
especialmente em “Amoras” (Emicida – Amoras [...], 2015); quadris, como no verso “Aí, cá na cintura das mina de Cabo Verde”
de “Mufete” (Emicida – Mufete [...], 2015), além de todo o aspecto dançante
presente em muitas faixas); pesadelos,
expressos nas as diversas formas de opressão e violência relatadas nas canções;
e lições de casa, relacionadas,
possivelmente, a processos de conscientização como se ouve em “Vamo’ buscar se
informar, mano” na canção “8” (Emicida – 8 [...], 2015) e em “Gente só é feliz
/ Quem realmente sabe que a África não é um país / Esquece o que o livro diz,
ele mente” na faixa “Mufete” (Emicida – Mufete [...], 2015).
Nesse sentido, parece ser
relevante aproximar as observações realizadas até aqui com algumas discussões
de Santos sobre o desfile realizado em 2016 pela Laboratório Fantasma, empresa
fundada por Emicida e seu irmão Evandro Fióti, na São Paulo Fashion Week
(SPFW), um dos maiores eventos mundiais do circuito da moda e tradicionalmente
ligado às elites econômicas e culturais. A socióloga avaliou tal acontecimento
como uma “intervenção política inovadora, pois nunca a passarela da SPFW fora
ocupada por tantos pretos e pessoas fora do que é considerado padrão de beleza
dentro de um ponto de vista eurocêntrico” (Santos, 2022, p. 15). Porém, ao
mesmo tempo, a autora ponderou:
O sentido social do desfile se estruturou,
sobretudo, no resgate da história de resistência Africana e na tentativa de
asseverar a cultura e a luta das negras e dos negros, cuja história foi marcada
por conhecida opressão e consequente falta de oportunidades. Contudo, a chave
do artista não coloca ênfase na dor e na subordinação dos negros, mas na
possibilidade de narrar e construir uma história onde ganha força as
potencialidades (Santos, 2022, p. 15).
À semelhança do que Santos
apontou, o disco Sobre crianças
também é centrado no resgate da história de resistência africana. Porém, no
objeto aqui discutido, é mais difícil afirmar se houve (ou não) ênfase na dor e
na subordinação dos negros. Esses temas certamente estão presentes, sobretudo
no que foi aqui designado como o terceiro bloco do álbum, compreendendo as
faixas “Sodade”, “Chapa”, “Boa esperança”, “Trabalhadores do Brasil” e
“Mandume”, bem como nas faixas “8” e “Casa”, do primeiro bloco. Somando suas
durações, essas faixas ocupam quase 26 minutos, o que corresponde à metade do
tempo de reprodução do álbum todo, algo significativo. Portanto, qual sentido
se depreende de um álbum que se divide igualmente entre canções de denúncia e
canções de celebração?
Um exame mais panorâmico do
disco pode ajudar a elucidar essa questão. Quando se observam novamente as
faixas pela perspectiva dos temas centrais das canções, nota-se que o álbum:
- inicia-se com caráter celebrativo e singelo em “Mãe”;
- assume um teor de denúncia das opressões em “8” e
“Casa”;
- retorna à celebração e à leveza em “Amoras”, “Mufete”,
“Baiana” e “Passarinhos”;
- atinge o ápice do lamento, da denúncia e do revide em
“Sodade”, “Chapa”, “Boa esperança”, “Trabalhadores do Brasil” e “Mandume”;
- encerra-se com um retorno à celebração em “Madagascar”
e “Salve Black (estilo livre)”.
Observa-se, portanto, que o
disco tem um arco que se inicia e se encerra na ótica celebrativa e festiva. E
mais: sua faixa final aponta para o processo produtivo do disco através dos
agradecimentos de Emicida à equipe de produção e aos países que visitou, bem
como por meio da “despedida” nos últimos versos. Desse modo, o próprio álbum
desvela sua condição de mercadoria fonográfica, e isso talvez seja importante
para compreender seus sentidos: a diversidade de perspectivas apresentadas em Sobre crianças, o seu equilíbrio entre
exaltação e denúncia, bem como o seu início e fim em tom celebrativo apontam
para um produto que quer se estabelecer diante do novo status do rap que, como
percebeu Santos (2022, p. 16), “tem agradado a um público universitário e de classe
média.” Não é sem razão, portanto, que alguns estudos como o da socióloga
Vanessa Vilas Boas Gatti (2015) reconheçam uma proximidade entre a produção de
Emicida e a chamada “Nova MPB”. Do mesmo modo, não é raro que o equilíbrio
entre uma perspectiva mais celebrativa e outra mais combativa, presente no
álbum Sobre crianças, seja encontrado
também em discos ligados ao samba e a diferentes vertentes da MPB.
Sobre
crianças remete ainda a um outro debate que vem sendo travado no
interior do rap, a saber, o de sua função social[21].
Santos revisita esse tema apoiando-se, principalmente, nas reflexões do
sociólogo Márcio Macedo e do historiador Guilherme Machado Botelho. O primeiro
autor reconhece a passagem, do hip hop no Brasil, de uma “cultura de rua”,
predominante entre 1983 e 1989, para uma “cultura negra” entre 1990 e 1996,
para se aproximar, então, de uma “ideia de cultura periférica” na segunda
metade da década de 1990. Tais considerações sublinham, portanto, diferentes
funções sociais que o hip hop assumiu. Botelho, por sua vez, reconhece uma
diferenciação entre o rap enquanto “cultura musical” e como “gênero musical”.
No primeiro caso, o rap estaria associado a grupos com “traços étnicos, classes
sociais e interesses em comuns” (Botelho, 2018 apud Santos, 2022, p. 4); já o segundo seria pensado em uma “lógica
comercial apenas como gênero musical” (Santos, 2022, p. 4).
Porém, seguindo a
argumentação de Santos (2022), o caso de Emicida parece revelar que o rap
extrapola sua condição de gênero musical para se tornar algo como um conceito
ou um estilo de vida. Acompanhem-se as palavras da autora:
O rap originalmente vinculado à
cultura hip-hop e depois como “gênero musical” – dada a sua entrada na
fonografia despregada da sua organização social dentro da cultura hip-hop
(Botelho, 2018), agora pode ser pensado também não apenas como música, mas como
um conceito – estilo de vida e consumo que extrapolam as suas “origens”
(Santos, 2022, p. 14).
Esse aspecto se materializa
no álbum Sobre crianças, sobretudo, na diversidade de referências
sonoras que o constituem. Além disso, Santos examina uma entrevista de Emicida
e percebe como, ali, ele demarcava “o seu lugar como artista”, defendendo o rap
como “música livre” e que, portanto, não deveria ser “apenas narrativa de
problemas sociais”, mas que poderia “falar de amor, ‘de vida’” (Santos, 2022,
p. 6). Trata-se, portanto, de um rap que não se restringe às tradições poética
e musical do próprio rap. Será que, ainda assim, é rap? Trata-se, por certo, de
uma questão aberta a disputas, mas que aponta para novas funções que o rap vai
assumindo.
Em síntese, tomando de
empréstimo alguns versos ouvidos no álbum, quando a bomba-relógio estava
prestes a estourar (“Boa esperança”), o disco vai para temas com os quais o
público ouvinte, de diferentes estratos sociais, pode se acostumar facin’
(“Madagascar”). Talvez nisso residam tanto a força quanto o limite de Sobre crianças: por um lado, o álbum tem a capacidade de atingir um segmento
bastante ampliado e diversifivado de ouvintes; por outro, o conforto do
constante retorno à celebração pode atenuar um potencial gesto de revide,
levando a certo imobilismo.
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[1] Daqui em
diante, o álbum será referido de forma abreviada como Sobre crianças.
[2] Os comentários sobre as interpretações vocais empregadas nas canções aqui focalizadas amparam-se nos modos de fonação descritos na tese de Matheus Corusse (2021, p. 39-41).
[3] Os versos dessa primeira
estrofe são: “Um sorriso no rosto, um aperto no peito / Imposto, imperfeito,
tipo encosto, estreito / Banzo, vi tanto por aí / Pranto, de canto chorando,
fazendo os outro rir”.
[4] As considerações expostas
aqui e na sequência amparam-se nas noções de força entoativa e de forma
musical conforme desenvolvidas pelo músico e linguista Luiz Tatit (2016).
Para o autor, a primeira está ligada “à linguagem oral e suas modulações
expressivas conhecidas como entoações” (Tatit, 2016, p. 45) e a segunda estaria
relacionada a “uma instância mais ‘artística’” na qual a voz “pudesse operar,
de igual para igual, com outros instrumentos” (Tatit, 2016, p. 46). O autor considera ambas como
pontos extremos do discurso cancional que, se exploradas em seus limites,
poderiam eliminar a outra e, com isso, desestabilizar o próprio fazer
cancional. Nas palavras do autor, “a atuação exclusiva, de um lado, da forma
musical, ou, de outro, da força entoativa, prenuncia certa paralisação no
funcionamento regular da linguagem cancional, o que provoca nos compositores o
desejo intuitivo de atenuar ora o ‘excesso de música”, ora o “excesso de fala’,
na esperança de recuperar a eficácia persuasiva de suas obras” (Tatit, 2016, p.
47). Para as considerações tecidas no momento, trata-se de perceber como a força entoativa e
a forma musical se exprimem em diferentes
maneiras de cantar presentes na faixa “Mãe”.
[5] Pelas
informações até aqui expostas, especialmente pelo emprego da enunciação em
primeira pessoa e pela materialização da canção nas vozes de Emicida e de sua
mãe, Dona Jacira, fica bastante evidente que a canção “Mãe” está fortemente
relacionada à trajetória e à experiência do próprio rapper. Para não haver
dúvidas, a declamação realizada por Dona Jacira se encerra dizendo que o nome
desse “terceiro filho” era Leandro,
nome de batismo de Emicida. Contudo, esse traço um tanto autobiográfico não
será explorado nos comentários em torno dessa canção por entender que os
sentidos que a ela adquire extrapolam essa esfera individual.
[6] Recentemente,
a monografia da historiadora Mariana Mostranges (2023) explorou as
possibilidades de aproximação entre Brasil e África presentes no disco Sobre crianças. Em seu estudo, a autora
mapeou comentários da crítica musical sobre o disco, discutiu cada uma de suas
faixas e ainda amparou suas reflexões em entrevistas de Emicida. Diante disso,
concluiu que o álbum se constituía “em um objeto complexo e de riqueza
inestimável para (re)encantar, e assim ressignificar saberes, valores,
experiências e culturas [negros] que a história oficial tentou durante muito
tempo apagar” (Mostranges, 2023, p. 99). As análises aqui apresentadas, ainda
que tenham alguma proximidade com as de Mostranges, não vão na direção de
entender o álbum na perspectiva das aproximações entre Brasil e África, mas
como uma certa forma de exprimir a experiência da diáspora africana.
[7] Disponível em:
https://emicida.com.br/escute?lang=ptbr. Acesso em:
06 jan. 2024.
[8] Os álbuns anteriores de Emicida, segundo
essa discografia, são: Pra quem já mordeu
um cachorro por comida, até que eu cheguei longe... (2009), Sua mina ouve meu rep tamém (2010), Emicídio (2010), Doozicabraba e a Revolução Silenciosa (2011), Criolo & Emicida ao vivo (2013) e O glorioso retorno de quem nunca esteve aqui (2013). Desses, o
álbum Sua mina [...] é designado, na
plataforma Spotify, como um EP, possivelmente por possuir apenas seis faixas e um tempo total de
reprodução de 16min26s.
[9] Para maiores informações sobre as batalhas de freestyle e, em particular, sobre as Batalhas do Santa
Cruz, conferir Teperman (2015).
[10] Ao tomar o álbum como
unidade de análise, o artigo se aproxima de outros estudos que também se
dedicaram a esse mesmo objeto, tais como os de José Adriano Fenerick e Carlos
Eduardo Marchioni sobre os álbuns Sgt.
Peppers (Fenerick; Marchioni, 2008) e Álbum
branco (Fenerick; Marchioni, 2015), dos Beatles, e o de Walter Garcia (2016) sobre o disco Encarnado de Juçara Marçal.
[11] Provavelmente a
contabilização da carreira artística de Emicida toma como marco inicial o
lançamento da já mencionada “Contraditório vagabundo”, que se deu em 2005.
[12] A atribuição
de um caráter lírico à canção “Mãe” ampara-se na caracterização do gênero
lírico estabelecida pelo crítico Anatol Rosenfeld. Para o autor, nesse gênero
“uma voz central exprime um estado de alma e o traduz por meio de orações.
Trata-se essencialmente da expressão de emoções e disposições psíquicas, muitas
vezes também de concepções, reflexões e visões enquanto intensamente vividas e
experimentadas” (Rosenfeld, 2000, p. 22). No caso da canção aqui discutida,
entende-se que seu lirismo decorre principalmente do fato dela exprimir a
sintonia, já referida anteriormente, entre o eu-cancional e sua mãe.
[13] Por mais que o
tema central de “Casa” consista nas dificuldades de se viver, vale observar que
sua letra traz uma série de figuras e imagens ligadas à natureza (selva, solo,
jacaré, céu, terra). Nesse sentido, ainda que tais termos normalmente possuam
uma função metafórica ao simbolizar os perigos da vida, a canção pode suscitar
interpretações que a associem ao tema das preocupações ecológicas.
[14] Apenas para
ilustrar, dentre as muitas canções que exaltam a Bahia e as baianas,
encontram-se “O que é que a baiana tem?” (Dorival Caymmi), “Você já foi à
Bahia?” (Dorival Caymmi), “Na baixa do sapateiro” (Ary Barroso), “No tabuleiro
da baiana” (Ary Barroso), “Falsa baiana” (Geraldo Pereira) e “Bahia com H”
(Denis Brean).
[15] Maiores
informações e reflexões sobre o reggae a partir da perspectiva da diáspora
africana podem ser encontradas no artigo de Hinkel e Maheirie (2022).
[16] EMICIDA – SODADE
(Pseudo Vídeo). [S. l.]: Laboratório
Fantasma, 2015. 1 vídeo (2 min.). Publicado pelo canal Emicida. Disponível em: https://youtu.be/xqlJlKEoCBI?si=aNYoIme0PZ2IxzK1. Acesso
em: 25 jul. 2024.
[17] Tal caráter
foi também percebido por Mostranges (2023, p. 18), que destacou, em um momento,
“a tristeza da melodia e do canto” e, em outro, a “melancolia da voz da cantora
e dos sons ao seu redor” (Mostranges, 2023, p. 65).
[18] Vale sublinhar
que “Sodade” é igualmente o título de uma canção da cantora cabo-verdiana
Cesária Evora, que também possui um traço melancólico, ainda que com
características musicais distintas em relação à de Neusa Semedo, gravada no
disco de Emicida.
[19] De acordo com
o estudo de Oliveira e Jannuzzi (2005, p. 142), “a dificuldade de inserção
laboral no local de residência anterior, seja pela elevada competitividade do
mercado formal, seja pela instabilidade do setor informal do mercado de
trabalho” tem se constituído como um fator impactante para as migrações de
retorno ao Nordeste.
[20] O poema foi
publicado no livro Contos negreiros,
lançado pela editora Record em 2005. Uma resenha do livro pode ser conferida em
Valenciano (2007).
[21] Essa temática
aparece também no artigo “A formação de um campo de valores e sua difusão e
defesa – o caso do rap brasileiro (1988-2015)”, de autoria do historiador
Roberto Camargos, que também integra o dossiê “Canção popular, mercado musical
e política no Brasil do século XXI” publicado nesta edição da
revista PerCursos.