e-ISSN 1984-7246
Fernanda
Maria Caldeira Azevedo[ii]
Universidade Federal do
Paraná (UFPR)
Curitiba, PR – Brasil
lattes.cnpq.br/2240701218669224
Lucas Barbosa Pelissari[iii]
Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP)
Campinas,
SP – Brasil
lattes.cnpq.br/8723394397607851
Contribuições do marxismo-leninismo na constituição da educação
socialista de Nadezhda Krupskaya
Resumo
O objetivo deste trabalho é analisar a concepção
socialista de educação presente na obra de Nadezhda Krupskaya, situando-a no âmbito
da corrente leninista do marxismo. A perspectiva pedagógica da Revolução Russa,
leito no qual se insere o pensamento de Krupskaya, privilegiou a tomada de
consciência da totalidade social e ficou sintetizada no conceito de politecnia,
que possui particularidades quando trabalhado pela teoria marxista. Partindo
desse pressuposto, foram examinadas 25 publicações da intelectual e dirigente
comunista. Para isso, foi utilizada a metodologia da análise de conteúdo e
tomada por base uma matriz categorial composta pelas seguintes noções teóricas:
politecnia, trabalho, sistema de complexos, mulher e democracia. Foram, então,
identificadas articulações entre essas noções, das quais emergem as dimensões
da educação socialista de Krupskaya: a) o caráter ideológico da educação, o
trabalho e a questão das mulheres; b) o papel e a natureza do Estado. Em
relação ao primeiro aspecto, a autora evidencia a centralidade da questão da
mulher nas relações educativas. No que se refere ao segundo, concluímos que sua
concepção é influenciada diretamente pelo debate leninista sobre o Estado.
Palavras-chave: Krupskaya; educação
socialista; marxismo-leninismo.
Contributions of
Marxism-Leninism in the constitution of socialist education by Nadezhda
Krupskaya
Abstract
The objective of this paper
is to analyze the socialist conception of education present in Nadezhda
Krupskaya's work, situating it within the framework of the Leninist current of
Marxism. The pedagogical perspective of the Russian Revolution, in which
Krupskaya's thought is embedded, privileged the awareness of the social
totality and was synthesized in the concept of polytechnics, which has
particularities when worked through Marxist theory. Based on this assumption,
25 publications by the intellectual and communist leader were examined. For
this purpose, the methodology of content analysis was used, and a categorical
matrix composed of the following theoretical notions was taken as the basis:
polytechnics, labor, system of complexes, women, and democracy. Articulations
between these notions were then identified, from which the dimensions of
Krupskaya's socialist education emerge: a) the ideological character of
education, labor, and the women's question; b) the role and nature of the
State. Regarding the first aspect, the author highlights the centrality of the
women's question in educational relations. As for the second, we conclude that
her conception is directly influenced by the Leninist debate on the State.
Keywords: Krupskaya; socialist education; marxism-leninism.
1
Introdução
O objetivo deste trabalho é analisar a concepção
socialista de educação presente na obra de Nadezhda Krupskaya, situando-a no
âmbito da corrente leninista do marxismo. Especificamente, buscamos compreender
a influência teórica do leninismo na elaboração político-pedagógica de
Krupskaya, à luz dos desafios políticos com os quais se depararam os
bolcheviques no processo revolucionário de 1917.
A Revolução Russa trouxe possibilidades e perspectivas para uma nova
organização da escola, abrindo grandes contribuições teóricas para o debate
pedagógico. O período imediato após a revolução contou com uma profunda
transformação de métodos, centrada na capacidade de contemplar os conhecimentos
de alto nível da ciência, formando estudantes para o trabalho produtivo pautado
na consciência de classe e na edificação de um Estado socialista.
A proposta desenvolvida pelo Comissariado do Povo
para a Educação (Narkompros), do qual Krupskaya foi figura nuclear, consistia
na educação multilateral, na qual os estudantes se aprofundariam na produção,
nas técnicas e na ciência, e não apenas obteriam conhecimentos fragmentados
para a escolha profissional individual. A concepção revolucionária privilegiou
a tomada de consciência da totalidade social e sua compreensão como processo
articulado, sintetizada na perspectiva politécnica.
Partimos do pressuposto de que há, na teoria
científica marxista, uma concepção particular da politecnia. Tal concepção é
produto do próprio desenvolvimento do marxismo como teoria, mas,
principalmente, das experiências de luta travadas pelos trabalhadores no bojo
das revoluções dos séculos XIX e XX. Esses contextos possibilitaram a crítica
profunda aos modos de pensar até então hegemônicos nas sociedades burguesas e,
consequentemente, produziram rupturas no âmbito da Pedagogia. É interessante
perceber, nesse sentido, que o desenvolvimento da noção marxista de politecnia
tem como fio condutor a construção da crítica ao Estado capitalista,
fundamentalmente nas seguintes obras: A
Ideologia Alemã (1846), Manifesto
Comunista (1848), O Capital – Livro 1
(1867), Crítica do Programa de Gotha
(1875) e Instruções aos Delegados do
Conselho Central Provisório da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT)
(1886) (Dias, 2015; Machado, 1989; Moura; Lima Filho; Silva, 2014; Quintaneiro et al., 2003; Rodrigues, 1998).
A educação politécnica, no entanto, encontra-se,
nos textos citados, ainda em estado prático[1] e com a
função de confrontar conteúdos oriundos de pedagogias liberais. O mesmo termo
era mobilizado, no século XIX, para atribuir sentido a diversas outras
concepções pedagógicas, como, por exemplo, a unificação escolar burguesa de
base durkheimiana; o tecnicismo produtivista, de corte liberal; e a anarquista,
orientada pelas experiências de Paul Robin e Sébastien Faure. Análises dessas
concepções podem ser encontradas, respectivamente, em Machado (1989), Frigotto
(1984) e Gallo (1993). O alçamento da noção de politecnia, apresentada nos
textos políticos de Marx do século XIX, a status de conceito passou por um
longo e detalhado trabalho teórico, que envolveu as contribuições de Lenin e
Gramsci e as experiências educacionais postas em prática pelas diversas
revoluções do século XX.
Mas de que forma, o marxismo-leninismo, gestado no seio da luta
revolucionária bolchevique das décadas de 1900 a 1920, contribuiu para esse
trabalho teórico? Mais especificamente, qual a influência de Krupskaya nessa
tarefa, visto ser uma das principais dirigentes comunistas e dada sua vasta
contribuição escrita a respeito da Pedagogia? Vale salientar que Krupskaya
ocupou a cadeira de presidente da Seção Científico Pedagógica da Comissão
Estatal Científica, órgão responsável por criar os programas escolares para o
sistema único de educação da União Soviética. Seu papel articulou intensa
atividade prática com formulação teórica, originando elaborações ainda pouco
conhecidas e, principalmente, analisadas e debatidas no campo pedagógico
brasileiro (FREITAS, 2017).
Buscamos, então, cumprir o objetivo proposto
examinando o lugar da obra de Krupskaya no desenvolvimento do conceito marxista
de educação politécnica. O artigo inicia com uma discussão geral sobre a
politecnia na acepção leninista. Em seguida, com base na análise de conteúdo
(Franco, 2008) de 25 publicações da autora, identificamos duas dimensões de sua
educação socialista: a) o caráter ideológico da educação, o trabalho e a
questão das mulheres; b) o papel e a natureza do Estado. Concluímos com
considerações finais.
2 A
politecnia como eixo da educação leninista
A discussão metodológica de Althusser (2017) a respeito do trabalho
teórico nos permite compreender o movimento complexo que caracteriza a
elaboração de conceitos no âmbito de uma teoria em formação. O autor discute
criteriosamente as duas operações que, articuladas, permitem dar forma adequada
a um conteúdo teórico existente em estado prático: “a retificação crítica da
antiga forma e a produção da nova” (Althusser, 2017, p. 105). No caso do
marxismo, esse processo fundou uma disciplina filosófica do conhecimento,
caracterizada pelo Materialismo Dialético, que ampliou o campo de abrangência
das Ciências Sociais e arrancou das concepções burguesas a ideologia operária
propriamente revolucionária.
A base para esse desenvolvimento teórico reside em textos fundadores
do próprio marxismo, escritos por Marx. Mas não haveria outra fonte que teria
permitido prolongar os efeitos de uma elaboração inicial sobre a educação
politécnica ou sobre qualquer conceito marxista? Althusser responde da seguinte
forma:
A prática dos partidos políticos comunistas pode,
com efeito, conter, no estado prático, determinados princípios marxistas ou
algumas das suas consequências teóricas que não se encontraram nas análises
teóricas existentes. Do ponto de vista do próprio conteúdo teórico, a prática política organizada da luta de classes
pode encontrar-se, em determinados casos e em determinados pontos, e por vezes
profundamente, em avanço em relação à teoria existente. Podemos, portanto,
‘extrair’ da prática política elementos teóricos que ela contém, e que estão em
avanço relativamente ao estado da
teoria existente (Althusser, 2017, p. 107-8).
Esse é o caso não só do conceito de politecnia, mas, de modo geral, de
uma Pedagogia marxista gestada no seio das experiências revolucionárias dos
séculos XIX e XX. Mostramos, em outra oportunidade (Pelissari, 2020), que duas
obras de Lenin cumprem papel decisivo para o início de um trabalho teórico no
campo pedagógico, ambas anteriores à Revolução Russa. Em Materialismo e Empiriocriticismo (1908-09), Lenin demarca com o
revisionismo esboçando o caráter científico da educação do proletariado e
reforçando a dialética marxista como método de superação do idealismo, que
dissocia o plano cultural da realidade concreta. Já em Marxismo e Revisionismo (1908), apresenta o nexo fundamental entre
o processo educativo das massas operárias e a elevação dos níveis de
consciência direcionada à tomada do poder; o pano de fundo dessa discussão é
justamente o conceito marxista-leninista de Estado, definido como instância
organizadora do poder das classes dominantes.
Alguns anos depois, mas ainda antes da revolução, a principal
discussão sobre educação focava a relação entre a teoria e a prática. Para
Machado (2020), esse debate aprofundou em Lenin a importância dos saberes
científicos em relação orgânica com o trabalho produtivo. Ou seja, “esse
vínculo subentende a subordinação da atividade de trabalho às necessidades e
desafios da aprendizagem” (Machado, 2020, p. 24).
A preocupação dos revolucionários russos com temas como a erradicação
do analfabetismo, ampliação do parque industrial-produtivo e elevação dos
índices de escolarização permitia produzir um vínculo orgânico entre educação e
política, que transpunha em muito um debate formal sobre a didática. Nessa perspectiva,
a educação está inserida na luta de classes: se as ideias dominantes são as
ideias da classe dominante, os interesses do proletariado são antagônicos aos
da burguesia. Oyama (2014) resgata um discurso de Lenin em 1919, em que
disserta sobre a não neutralidade da escola:
Uma das hipocrisias da burguesia é a crença
segundo a qual a escola pode ser apartada da política. Vocês sabem tão bem quão
falsa essa crença é. A própria burguesia, a qual advoga esse princípio, faz sua
própria política burguesa a pedra angular do sistema escolar, e tenta reduzir a
escola ao treino de servos dóceis e eficientes à burguesia, reduzir a educação
universal para o fim de treinar servos dóceis e eficientes para a burguesia, ou
escravos e instrumentos do capital. A burguesia nunca pensou em dar à escola o
sentido de desenvolver a personalidade humana (Lenin, 2002, p. 1. apud Oyama, 2014, p. 53).
Já nesse período que segue a Revolução Russa, algumas questões
precisavam ser resolvidas com urgência. As condições da Rússia eram de pobreza
e devastação em consequência da guerra. Um dia após a derrubada do governo
provisório de Kerensky, foi realizado o II Congresso dos Soviets de toda a
Rússia e instituído o Conselho dos Comissários do Povo, seguido da criação do
Narkompros. Daí em diante, abriu-se um profundo debate sobre as questões
pedagógicas, levando em consideração as concepções do regime anterior e os
pontos de vista liberais, postos em análise crítica.
Com base nesse ponto de partida, o governo dos sovietes implementou
dois conjuntos de ações fundamentais que ficaram consubstanciadas no Programa
do Partido para a educação de 1919: 1) Iniciativas de erradicação da pobreza;
2) Participação da educação no plano de reconstrução econômica após o fim da
guerra civil (Oyama, 2014).
Quanto à erradicação da pobreza, era necessário um investimento no
combate ao analfabetismo, elevando o nível cultural e técnico da população para
uma reconstrução econômica da sociedade. Portanto, uma das primeiras medidas
foi um decreto no final de 1918, que mobilizou a população que sabia ler e
escrever a se comprometer com o trabalho de alfabetização. Em 1919, foi emitido
outro decreto, com o objetivo de incentivar toda a população entre oito e
cinquenta anos de idade a se alfabetizar em russo e/ou sua língua materna.
Foram fornecidas condições estruturais: redução da jornada de trabalho em duas
horas, com salário integral; vários espaços foram transformados em sala de aula
como salões, clubes, fábricas etc.; além da disponibilização de centenas de títulos
da literatura clássica nacional (Oyama, 2014).
Já no que se refere especificamente à participação da educação no
plano de reconstrução econômica, o debate era atravessado pela exigência de
impulsionar a indústria e a agricultura em bases tecnológicas mais avançadas. O
principal ponto propulsor foi a articulação entre educação e trabalho diante da
construção de relações de produção socialistas, com um programa capaz de
oferecer conhecimentos científicos e organicidade com a vida e a sociedade.
Nesse sentido, “o programa pedagógico revolucionário propugnava criar vínculos
relacionais entre educação geral, de cunho humanístico, e trabalho socialmente
útil, isto é, defendia a ligação orgânica da teoria com a prática” (Bittar;
Ferreira Jr., 2015, p. 7). A educação deveria unir as atividades pedagógicas
com uma nova organização social, buscando romper a cisão entre trabalho manual
e trabalho intelectual, considerada o núcleo da divisão técnica do trabalho
capitalista.
Tais questões ficam evidentes no discurso de Lenin durante o III Congresso de toda a Rússia da União da
Juventude Comunista em 1920 (Lenin, 1920, p. 1):
Só transformando radicalmente o ensino, a
organização e a educação da juventude conseguiremos que os esforços da jovem
geração tenham como resultado a criação duma sociedade que não se pareça com a
antiga, isto é, da sociedade comunista. Por isso precisamos de nos deter
pormenorizadamente naquilo que devemos ensinar e como deve aprender a juventude
se quiser realmente justificar o nome de juventude comunista, e como prepará-la
para que seja capaz de acabar de construir e completar aquilo que nós
começamos.
Três anos depois, já bastante debilitado e próximo da morte, Lenin
recoloca essa questão, agora buscando resolver o problema dos baixos níveis educacionais
entre os camponeses: “Como desenvolver a instrução pública e desencadear no
campo uma ‘revolução cultural’? Como lutar contra a monstruosidade burocrática
herdada do aparelho de Estado czarista?” (Lenin, 2023 apud Linhart, 1976, p. 62).
Para Lenin, a resposta a esses problemas indicaria as possibilidades
de se apropriar dos métodos tayloristas subordinando-os aos princípios do
socialismo[2].
Segundo Linhart (1983, p. 64), o que se propõe no detalhe é: “promover o corpo
de professores primários, desenvolver a educação primária, organizar o
‘apadrinhamento da população do campo pelos operários das cidades’, organizar
instituições cooperativas e servir dos laços comerciais para estabelecer
relações culturais etc.”
Esses pontos permearam o debate posto pelo Narkompros, possibilitando
o aprofundamento das elaborações sobre a pedagogia socialista. O Narkompros foi
presidido por Anatoli Lunatcharsky e teve como uma das primeiras medidas reunir
o corpo que iria formar o Comissariado. Foram nomeados nessa ocasião Krupskaya,
Pokrovsky[3]
(1868–1932) e Lepshinsky[4]
(1868–1944) que, em 1917, elaboraram o documento Princípios Fundamentais da Escola Única do Trabalho, base da Declaração sobre a Escola Única do Trabalho
aprovada pelo Comitê Central do Partido no ano seguinte.
Posteriormente, participaram do Comissariado Blonsky[5]
(1884–1941), Menzhínskaia[6]
(s.d), Shatskiy[7]
(1878–1934), Pinkevich[8]
(1883–1937) e Pistrak (1888-1940). Após 1931, destaca-se Makarenko que, embora
estivesse desde o início dos processos revolucionários trabalhando com as
questões da educação, se encontrava na Ucrânia e não na Rússia. Lunatcharsky
apontou Krupskaya como a essência do Comissariado, tendo uma participação
fundamental na organização da educação soviética. Nesse contexto, a Escola Única
do Trabalho foi desenvolvida pelo conceito de educação politécnica amparada
pelo princípio da coletividade (Felicio, 2016).
De acordo com Freitas (2009), o Narkompros em 1918 instituiu como
experiência principal as Escolas Experimentais-Demonstrativas, sendo uma delas
as Escolas-Comunas do tipo internato. Essas instituições tinham a tarefa de
promover inovações nas escolas regulares, a partir dos princípios básicos da
Escola Única do Trabalho. Pistrak foi responsável por conduzir uma dessas
escolas, tendo oportunidade de criar novas formas e conteúdos educacionais na
perspectiva socialista. Para o intelectual, a escola para o trabalho deveria
ser orientada pelo conhecimento do mundo natural e social sob a perspectiva
dialética, havendo uma dimensão política nas concepções pedagógicas para uma
prática revolucionária.
O Narkompros criou, então, a Comissão Estatal Científica, incumbida de
elaborar os novos programas educacionais. Dentro da comissão se encontrava a
seção científico-pedagógica presidida por Krupskaya. Pistrak assumiu a
presidência da subcomissão para elaboração dos programas para a escola de
segundo nível (Freitas, 2009).
Nadezhda Krupskaya defendia centralmente uma escola politécnica que
visasse a compreender a realidade em suas múltiplas determinações e relações,
pelo estudo e pelo trabalho. Ela se aprofundou nos problemas do ensino
politécnico a partir do método de complexos, definido como
[...] a compreensão, o estudo e a vivência dos
princípios e dos vários ramos da produção, posto que a produção é altamente
integrada e organizada. Para ilustrar o que seria o ensino politécnico,
Krupskaia (Krupskaia 27 [publicado em 21 de março de 1925], s.d.a.) deu o
exemplo do processo de aprendizagem que ocorreria na indústria têxtil. Assim,
numa sociedade com a produção integrada, é preciso que haja alunos que tenham o
conhecimento do conjunto da produção; que compreendam os princípios e a
natureza do processo técnico; que possuam um conhecimento generalizado dos
mecanismos técnicos envolvidos; da integração do trabalho em sua totalidade.
Isto é, tenham um conhecimento politécnico (Oyama, 2014, p. 62).
Pistrak (2018) desenvolve essa perspectiva e a enriquece, defendendo a
escola como um centro cultural baseado no trabalho social e permeado pelas
novas relações sociais do período de transição. A fórmula de uma escola como
“superestrutura cultural edificada sobre um determinado modo de produção”
(Pistrak, 2018, p. 149) colocava, agora, essa instituição sob a direção
política do proletariado. Esse radical processo de transformação impôs a
inclusão do trabalho intelectual como instrumento de manutenção das conquistas
da revolução e da tomada do poder. Na educação burguesa, segundo a visão de
Pistrak (2018), essa função não é negada, mas serve a uma classe específica e,
por isso, é tão difícil de ser compreendida, mesmo entre os professores
progressistas. O papel cultural da escola é, no novo cenário, incomparavelmente
maior, de onde surge uma diferença prática: para o marxismo-leninismo, é
impossível de se efetivar sem a ligação com o trabalho e a construção
socialista.
Embora a educação politécnica não tenha sido plenamente aplicada na
União Soviética, foi a base de seu sistema escolar, avançando para o fim do
analfabetismo, que era preponderante nos primeiros anos após a revolução. Esse
cenário tornou a educação universal, contribuindo para os avanços econômicos e
influenciando o debate sobre educação politécnica entre educadores daquele
contexto.
3
Construção teórica da educação em Krupskaya
Ainda há poucos esforços de análise do trabalho de Krupskaya no meio
intelectual brasileiro, sejam eles focados no tema da educação ou com
abrangência geral.[9]
As sínteses de Oyama (2014), Corrêa-Lodi (2016) e Freitas (2019) nos indicaram
sensíveis transformações na concepção educativa da autora a partir da Revolução
Russa de 1917. Além disso, foi possível observar dois grandes grupos de textos
escritos por ela que, de alguma forma, tratam de educação. O primeiro grupo
apresenta elaborações mais gerais, que dialogam com diversas outras temáticas.
Já o segundo é composto por teorizações sistematizadas do conceito de
politecnia. Com isso, selecionamos para exame 25 textos de Krupskaya, divididos
conforme o quadro 1.
O procedimento de investigação teve por base a Análise de Conteúdo
orientada por Franco (2008). A própria etapa de pré-análise, calcada em
conclusões já obtidas pelas pesquisas que citamos anteriormente, indicou uma
matriz categorial composta por cinco noções teóricas: politecnia, trabalho,
sistema de complexos, mulher e democracia. Tais noções estruturam, em linhas
gerais, o pensamento pedagógico de Krupskaya e a permitem fundamentar uma
concepção geral de educação socialista.
Quadro 1 - Elaborações
analisadas nas obras da Krupskaya
|
Escritos até 1916 |
Escritos de 1917 em diante |
Grupo 1: elaborações gerais |
A
mulher e a educação das crianças (1899) Deve-se
ensinar “coisas de mulher” aos
meninos? (1909-1910) Ao
congresso dos professores públicos (1913) |
Materiais
para a revisão do programa do
partido (1917) Proclamação
do Comissário do Povo para a
Educação (1917) Deliberação
do comitê executiva
central de toda a Rússia (1918) Declaração
sobre os princípios fundamentais da
Escola Única do Trabalho (1918) Guerra e
Maternidade (1920) A
trabalhadora e a religião (1922) O
Partido Comunista e a trabalhadora
(1924) Uma
palavra sobre educação de classe
(1926) A
religião e a mulher (1927) As operárias e
camponesas nos conselhos (1927) Sobre o
congresso das operárias e camponesas (1927) Caminhos para a
emancipação da mulher oriental (1928) Apenas no país
dos sovietes a mulher é livre e tem direitos iguais (1935) |
Grupo 2: teorização sobre politecnia |
Educação pública e democracia (1915) |
Tareas
de la instrucción professional
(1918) Tesis
sobre laescuela politécnica (1920) As
tarefas da escola do primeiro grau (1922) Sobre
a questão do trabalho socialmente
necessário da escola (1926) Instrucción
Politécnica (1929) Sobre o
politecnismo (1929) A
escola politécnica e a organização dos
pioneiros (1932) O
papel de Lenin na luta pela escola politécnica (1932) |
Fonte: Elaborado pelos autores, 2023.
Abordaremos, aqui, duas articulações entre essas categorias, sem
esgotar as possibilidades de análise e de vínculos entre os eixos gerais da
concepção da autora, que, como mostram Bittar e Ferreira Jr. (2015),
Corrêa-Lodi (2016) e Pelissari (2021), é tributária do marxismo-leninismo. As
relações entre, de um lado, as cinco categorias identificadas na pré-análise e,
de outro, a educação leninista tal como discutida na seção anterior constituem,
portanto, o movimento analítico-metodológico aplicado na investigação.
3.1 Educação, trabalho e a questão das mulheres
Em primeiro lugar, partimos da constatação, relativamente bem
conhecida, de que Krupskaya tem uma relevante contribuição sobre o tema das
desigualdades das mulheres no capitalismo. Queremos demonstrar, entretanto, que
esse não é um tema paralelo ao da educação e não é um fragmento setorial nos
debates da época. Ao contrário, faz parte da compreensão de uma conjuntura econômica,
política e social da luta bolchevique, situando a relação de opressão e
exploração das mulheres no modo de produção.
Krupskaya escreveu, formulou e debateu sobre a condição das mulheres
na sociedade de classes, abordando o tema de maneira direta e também
transversal (Azevedo, 2023). Essa perspectiva teve impacto no sistema
educacional soviético, criando condições para avançar em um projeto de
emancipação das mulheres, a partir de uma sociedade fundamentada em valores e
estruturas diferentes do sistema capitalista (Pereira; Oliveira, 2021).
Em 1905, o principal instrumento de propaganda bolchevique, o jornal
Iskra, começa a publicar artigos sobre as condições das operárias (Gonzáles,
2010). Um dos primeiros números a conter textos dessa natureza apresenta um
capítulo destinado ao debate da educação, As
mulheres e a educação das crianças. O artigo é escrito por Kruspkaya e
aborda a continuidade da reflexão sobre a condição das mulheres russas. A
autora enfatiza que a relação entre os pais e as crianças era vista apenas como
uma condição de manter a vida, pois as mulheres, responsáveis pelas crianças,
não recebiam apoio adequado para a educação de seus filhos. Devido às
necessidades econômicas, as mulheres trabalhavam fora de casa, resultando na
responsabilidade de deixar as crianças pequenas sob cuidados dos idosos da
família ou dos irmãos mais velhos.
Na avaliação da autora, mesmo quando as crianças camponesas tinham
oportunidade de frequentar uma escola, enfrentavam dificuldades em continuar
seus estudos devido à necessidade de trabalhar e assumir responsabilidade pelo
cuidado dos irmãos mais novos. As mulheres tinham limitações significativas em
relação ao que podiam ensinar aos seus filhos, contribuindo assim para a
perpetuação do analfabetismo. De acordo
com Krupskaya (2017a), devido às condições da época, essas mulheres eram
caracterizadas como impotentes e oprimidas. Isso enfatiza que a educação
realizada no seio da família era inadequada.
Sob a perspectiva pedagógica, as escassas escolas que estavam
disponíveis focavam no ensino do básico, concentrando-se principalmente no
domínio da leitura, da escrita e de conceitos iniciais da matemática. Nas
palavras da autora:
É preferível para o governo manter o povo na
ignorância e, de certa forma, nas escolas é proibido falar às crianças e
dar-lhes livros para ler sobre como outros povos conquistaram a sua liberdade,
quais são suas leis e regulamentos; proíbem explicar porque algumas nações têm
determinadas leis, e outras nações leis diferentes, e porque algumas pessoas
são pobres e outras ricas. Em poucas palavras, nas escolas é proibido dizer a
verdade, os professores só devem ensinar as crianças a reverenciar a Deus e aos
czares. Para evitar que algum professor mencione alguma verdade, há
monitoramento severo das autoridades e, para ocupar o cargo de professor,
colocam-se aquelas pessoas que não sabem de muita coisa (Krupskaya, 2017a, p. 23).
Nesse contexto, destaca-se a função ideológica da escola, que atua
como uma instituição que impede os educandos de desenvolverem uma consciência
de classe dentro das estruturas sociais burguesas. Como resultado, a escola
acaba por reproduzir as relações de dominação e exploração características do
sistema capitalista.
Krupskaya examinou a situação em que as crianças de cinco a oito anos
estavam envolvidas com o trabalho industrial, apesar de a legislação permitir
que isso ocorresse apenas a partir dos 12 anos. A autora expõe as condições
prejudiciais à saúde das crianças e os impactos negativos para o seu
desenvolvimento intelectual, físico e moral.
A intelectual também aborda a sobrecarga de trabalho enfrentada pelas
mulheres, que após uma jornada exaustiva no trabalho fabril ainda eram
responsáveis por todas as tarefas domésticas, incluindo o cuidado com as
crianças. Naquela época, as mulheres recorriam à papoula (uma substância que
contém ópio) para acalmar as crianças, possibilitando-lhes um breve alívio nas
obrigações domésticas ou um curto período de descanso. Essas situações são
descritas pela autora em um texto publicado entre 1909 e 1910, intitulado Deve-se ensinar “coisas de mulher” aos
meninos? (Krupskaya, 2017b).
No mesmo texto, a autora analisa um relatório sobre o ensino de
bordado em uma escola mista. No parecer, o especialista observa que os meninos
se saíam bem nos trabalhos com costura. Diante isso, Krupskaya levantou a
seguinte questão: “Deve-se ensinar aos meninos aqueles trabalhos que até então
eram considerados exclusivamente femininos, como costurar, cozinhar, lavar,
cuidar de crianças etc.?” A partir desse questionamento, chegou-se à conclusão
de que é fundamental que todas as pessoas devem ter a capacidade de executar
esses trabalhos, uma vez que contribuem para a formação integral para ser um
adulto independente, pois estão intrinsecamente ligados à sustentação da vida
(Krupskaya, 2017b, p. 88).
As condições enfrentadas pelas mulheres e crianças eram extremamente
precárias. É por essa razão que Krupskaya questiona a necessidade de condições
materiais e formação específica para que educação ocorra. A mera provisão de
cuidado ou a subsistência das crianças no seio da família não equivale a uma
educação adequada. Para a autora, a educação socialista é dever público e
coletivo, e esse é o tema central do texto de 1918 intitulado Sobre a questão da escola socialista, no
qual advoga que:
A situação doméstica da maioria da população não
é tal que possa contribuir para o desenvolvimento dos sentidos externos e da
criatividade da criança. Por isso, é necessário um determinado número de
jardins de infância, de modo que se possa acomodar todas as crianças
(Krupskaya, 2017c, p. 71).
Como consequência, Krupskaya defende que o sistema educacional deveria
oferecer os recursos básicos para a manutenção da vida, mas sobretudo deverá
garantir “que a criança tenha todo o necessário para que ela possa ter um
desenvolvimento pleno e multilateral” (Krupskaya, 2017a, p. 28). Nesse
contexto, a autora aborda questões como alimentação adequada, instalações
escolares bem equipadas, uniformes, e a presença de profissionais altamente
qualificados, entre outros aspectos.
Krupskaya defende que é responsabilidade do governo socialista criar
as condições efetivas para o desenvolvimento do sistema educacional. Nesse
quadro, a luta social pelo direito à educação se torna uma luta pela igualdade
de direitos, pois implica que o Estado assuma o dever de dispor a educação para
as crianças, em vez de deixar essa incumbência exclusivamente às mulheres na
esfera privada.
Por essa visão, todas as políticas estruturais dos bolcheviques tinham
como meta a criação de creches e escolas infantis, o sistema educacional
soviético buscava estabelecer uma educação que não fosse segregada por sexo[10].
O objetivo era proporcionar aos meninos e meninas as mesmas oportunidades,
garantindo, assim, condições materiais necessárias para que pudessem
desenvolver plenamente suas capacidades.
O rigoroso trabalho com esses temas, também presentes em A mulher e a educação das crianças (1899),
Ao congresso dos professores públicos
(1913) e Guerra e maternidade (1920),
permite a Krupskaya, mesmo que de forma indireta, levantar uma questão crucial
do debate sobre o trabalho reprodutivo. É importante frisar que esse conceito
não foi elaborado por Marx ou por Lenin, mas pela epistemologia feminista na
década de 1980. A fundamentação que surge é: “Se a força de trabalho produz
valor, como a força de trabalho é, ela mesma, produzida?” (Bhattacharya, 2013,
p. 102).
A questão é reforçada, de maneira ainda mais complexa, nos textos
escritos ao longo das décadas de 1920 e 1930, agora já no contexto dos desafios
da construção do socialismo na União Soviética. Insere, assim, a superação das
desigualdades e da divisão do trabalho no centro de seu projeto educacional,
imputando ao Estado a responsabilização por todo tipo de trabalho, inclusive
aqueles até então desempenhados apenas pelas mulheres no âmbito familiar.
Esse ponto destaca a dimensão de classe da educação, uma vez que as
políticas do Estado garantem uma parte do trabalho reprodutivo e, assim, tornam
viável a participação do proletariado no trabalho produtivo. O objetivo é
oportunizar que todos possam se desenvolver, conforme suas capacidades, sem
hierarquizar a educação ou dividi-la por sexo e reproduzir a exploração
capitalista do trabalho: “o trabalho conjunto e em iguais condições desenvolve
a compreensão intelectual e garante relações de igualdade entre homens e
mulheres" (Krupskaya, 1986, p. 142).
Em síntese, até aqui, compreendemos que as categorias mulher e
trabalho se encontram em unidade dialética na gênese das reflexões pedagógicas
de Krupskaya. A autora faz críticas ao modelo de escola dividida por sexo que
exclui as mulheres do âmbito formal de produção do conhecimento e revela as
condições de exploração vividas pelas mulheres no modo de produção capitalista.
A crítica nos levou a interpretar além da desvalorização do salário no
mercado de trabalho. As questões que envolvem a jornada doméstica e a inserção
das mulheres no trabalho produtivo são importantes na luta de classes e na
concretização de uma educação socialista, pois essas contradições influenciam
inclusive o fato de as mulheres se enxergarem como classe trabalhadora e, a
partir disso, despertarem a consciência.
Além disso, nos permite compreender a importância do reconhecimento do
trabalho reprodutivo como também componente da engrenagem do sistema
capitalista. Embora não produza capital e historicamente seja desempenhado
gratuitamente pelas mulheres na esfera privada, é essencial para a reprodução
da classe trabalhadora. Esse ponto é fundamental para elucidar a proposta
politécnica de uma divisão racional e não social do trabalho e a não hierarquia
entre trabalho manual e trabalho intelectual.
3.2
A educação e o Estado
Ao aprofundar a análise dos elementos até aqui dispostos, observamos
que a inserção da formulação educacional de Krupskaya no marxismo-leninismo tem
um pano de fundo. Trata-se do conceito de Estado, formulado a partir de sua
função reprodutora das relações sociais, da direção política de classe e da
correspondência entre sua estrutura e o modo de produção hegemônico.
Com efeito, o leito teórico leninista apresenta uma elaboração genuína
a respeito, submetendo teses clássicas de Marx e Engels à prova do processo
revolucionário. A principal síntese está presente n’O Estado e a revolução (Lenin, 1987),
que é produto da efervescência política e social pela qual passa a Rússia já a
partir da I Guerra Mundial.
No interior desse debate, em 1915, Krupskaya
escreveu a obra Educação Pública e
Democracia (Krupskaya, 2017d), fruto de uma investigação sobre a conexão
entre o ensino e o trabalho reprodutivo em nações com industrialização
avançada. Essa obra é de tal importância que teve um papel crucial na
formulação de diretrizes educacioanais presentes no programa dos bolcheviques,
sob a direção de Lenin, em 1917 (Krupskaya, 2017e, p. 36).
Krupskaya examinou a qualificação da mão de obra no capitalismo e
revelou que, n’O Capital, Marx
ilustra como o avanço da tecnologia em si mesmo gera a demanda por operários
altamente capacitados, com habilidades multilaterais (Krupskaya, 2017e, p. 36).
Com o aprofundamento desse estudo, a autora faz críticas à Escola Nova e aos
internatos rurais dos Estados Unidos, argumentando que essas abordagens não
estão alinhadas com o propósito de uma escola politécnica. Tais métodos
estariam fundamentados em valores burgueses que separam o trabalho manual do
trabalho intelectual, promovendo assim uma hierarquia da produção.
Essa questão é crucial para entender a divergência de Krupskaya em
relação às teses da Escola Nova. Muitas vezes aparece como uma questão
controversa, uma vez que, em certos casos, outros pedagogos russos apresentaram
certa afinidade com elementos do escolanovismo, então em expansão no ocidente.
A característica central dessas conexões era, precisamente, a abordagem da
educação a partir do trabalho.
De fato, alguns pedagogos liberais influenciados pelas ideias
estadunidenses levaram para a Rússia o princípio do trabalho produtivo como
fundamental para estimular a atividade autoeducativa, embora essas experiências
tenham ocorrido de maneira privada. Seguindo essa perspectiva, o trabalho
promove mudanças na psique durante o processo de aprendizado e estabelece uma
conexão entre a escola e a vida social. Essas influências, em conjunto com as
experiências educadoras de Tolstói, tiveram um papel proeminente nos anos
iniciais da revolução russa e emergiram como tópicos significativos nas
discussões educacionais (Dewey, 2016).
Entretanto, após o término da guerra civil e a implementação da Nova
Política Econômica, as críticas de natureza marxista passaram a influenciar de
maneira mais notável o papel da educação socialista na União Soviética. Nesse
contexto, a ênfase no trabalho continuou, porém, os meios de produção não eram
mais de propriedade privada, estando sob o controle da classe trabalhadora, que
buscava estabelecer sua hegemonia na construção de um novo aparelho estatal.
Essa transformação teve profundo impacto nas relações materiais e ideológicas
do trabalho e, como resultado, desencadeou debate intelectual e prático
significativo sobre a inclusão do processo de trabalho na escola.
Os alicerces políticos e sociais da escola soviética, de acordo com a
proposta de Krupskaya, adotam características distintas daquelas defendidas
pela Escola Nova. O cerne da educação socialista está no trabalho socialmente
necessário, produzindo valores de uso em benefício de toda a sociedade e
comprometido com o avanço tecnológico em prol do bem-estar dos que produzem o
trabalho. Isso se baseia em uma divisão racional do trabalho, que é diferente
da abordagem da Escola Nova. Krupskaya argumenta que, embora a Escola Nova
possa ampliar a criatividade e a intelectualidade dos educandos, não rompe com
a lógica subjacente à exploração e à divisão social.
Aqui se encontra a passagem do mesmo texto de 1915, que revela a
perspectiva da autora em relação às escolas estadunidenses:
A aplicação prática dos princípios, sem os quais
é impossível o desenvolvimento livre da personalidade do estudante,
concretiza-se mais ou menos plenamente só com um regime democrático. É por isso
que, entre outras coisas, esses princípios criaram rapidamente raízes na escola
americana e com grande dificuldade se incorporam à escola alemã. Nos Estados
Unidos, na escola, à mesma mesa senta-se o filho de Roosevelt e o filho de um
operário braçal (Krupskaya, 2017e, p. 51-52).
Essa perspectiva foi desenvolvida à medida que Krupskaya analisou o
período mais consolidado da educação soviética após a revolução. Onze anos
após, como nos mostra Bittar e Ferreira (2015), a autora expressou uma visão
notavelmente diferente sobre o assunto. O trecho a seguir faz parte de uma
carta escrita por Krupskaya para a delegação de líderes sindicais britânicos da
National Union ofWomenTeachers (NUWT)
que visitaram a União Soviética para aprender sobre as políticas estatais em
relação à vida das mulheres e ao sistema educacional.
No texto Sobre a educação de classe, escrito em 1926, a autora destaca
a diferença entre a perspectiva da escola soviética e os países capitalistas,
ao reconhecer essa instituição como um meio de reprodução das relações sociais:
A escola americana, por exemplo, é muitas vezes
elogiada pelo fato de ser extremamente democrática apenas porque, da mesma
forma, lá o filho de um operário diarista senta-se com o filho do presidente
dos EUA em uma certa escola ‘ali’. Eles se esquecem apenas de dizer que toda a
educação é organizada sob a perspectiva mais vantajosa e necessária para o
filho do Presidente e não no espírito necessário para o filho do trabalhador
(Krupskaya, 1926, p. 51-52 apud Bittar;
Ferreira Jr., 2021, p. 10).
Essa demonstração revela que a autora aprofundou sua análise sobre a
natureza de classe da escola, incorporando-a como um componente essencial da
nova estrutura estatal a ser construída pelo proletariado. Conforme sua
compreensão atualizada, as instituições educacionais nas sociedades
capitalistas, mesmo quando são de caráter público, proporcionam uma formação
voltada para a perpetuação da classe dominante, tendo como principais
fundamentos o conservadorismo, a ênfase na liberdade individual e a promoção de
uma mentalidade chauvinista.
No contexto soviético, a principal prioridade seria estabelecer um
sistema educacional que valorize a coletividade e o internacionalismo da classe
trabalhadora, fundamentado nos princípios da ditadura do proletariado e na
democracia operária (Krupskaya, 1926 pudFerreira
Jr.; Bittar 2021, p. 16).
Ainda antes da Revolução Russa, Krupskaya intervém no debate
programático e sistematiza, no texto Ao
congresso dos professores públicos (1913), as cinco exigências da classe
operária para a escola:
1) educação
geral, gratuita e obrigatória para todas as crianças de ambos os sexos, até os
16 anos de idade [...];
2) escola laica
[...];
3) organização
democrática e não burocrática do trabalho [...];
4) garantia plena
de liberdade de opinião e direito de associação dos professores;
5) direito da
população de receber educação em língua nativa, sem qualquer privilégio para
uma dada língua em detrimento às outras (Krupskaya, 2017d,
p. 33-34).
O primeiro ponto é assim detalhado:
a escola deve propiciar às crianças o
desenvolvimento físico mais amplo e multilateral (requisito obrigatório para
isso é o fornecimento de alimentação saudável, roupas para as crianças); do
trabalho (da base do qual está a participação das crianças no trabalho
produtivo, desde idade precoce, em ligação com ampla educação politécnica, com
início no jardim de infância, durante até a escola superior); mental, que
prepara as crianças para o trabalho intelectual independente; social (que visa
o desenvolvimento das predisposições sociais, hábitos para o trabalho coletivo,
hábitos de auto organização e assim por diante) (Krupskaya, 2017d, p. 33).
A posição é reforçada em 1926, agora no contexto dos desafios de
construção do Estado socialista e no âmago do desenvolvimento da noção
leninista de Estado. Novamente, a sensível diferença aparece, deixando nítida a
influência das inovações teóricas sobre a evolução de sua concepção educativa.
Data desse ano seu discurso realizado no II Congresso da União da Juventude
Comunista:
É preciso saber que a construção do socialismo
não é apenas para criar uma nova base econômica e para implementar e fortalecer
o governo soviético, mas também na educação de um novo homem para tratar de uma
nova forma, o comunista, o socialista, todas as questões e cujos costumes e
relações com outros homens são completamente diferentes das que existiam sob o
capitalismo. A construção do socialismo não é apenas desenvolver a nossa
indústria, criar cooperativas e fortalecer o poder soviético, ainda que tudo
seja isso absolutamente necessário, mas também para transformar a nossa
psicologia e nossos relacionamentos (Krupskaya, [20--], p. 82 apud Silva,
2015, p. 75).
O trecho sintetiza a discussão desse tópico ao demonstrar que a
educação socialista, para Krupskaya, não diz respeito somente a criar condições
para nova base econômica. A educação deve estar intrinsecamente ligada à
totalidade social e à estrutura política e institucional sob a direção da
classe trabalhadora. A escola, portanto, deve possibilitar a efetivação de
novos valores que sejam coletivos, democráticos e igualitários, com o potencial
de promover mudanças nas mentalidades e nas relações sociais.
4
Considerações finais
Duas foram as dimensões abordadas neste trabalho para analisar a
concepção socialista de educação presente na obra de Nadezhda Krupskaya. Em
primeiro lugar, identificamos a forma como a autora analisa o caráter
ideológico da educação e sua relação com o processo de trabalho. Ao fazê-lo,
Krupskaya evidencia a centralidade da questão da mulher nas relações educativas
e mobiliza uma discussão sobre a família burguesa nas formações sociais
capitalistas. A partir daí, observa a necessidade de se localizar a educação na
totalidade social a que pertence, considerando a materialidade das divisões
social e sexual do trabalho. Para ela, a superação dessas contradições, no novo
modo de produção resultante da luta contra o capitalismo, implica conceber a
educação em bases políticas distintas daquelas que reproduzem a exploração.
É nessa perspectiva que se afirma a segunda dimensão da concepção
educativa de Krupskaya. Influenciada diretamente pelo debate leninista sobre o
Estado, a autora discute a natureza burguesa da escola capitalista, a partir de
um rigoroso exame do escolanovismo e das pedagogias ocidentais. A Revolução
Russa é decisiva nessa elaboração – assim como na formulação de Lenin sobre o
Estado –, na medida em que ilumina a necessidade da construção de uma escola
correspondente à hegemonia dirigente do Estado socialista.
Esses aspectos, no entanto, não esgotam as possibilidades de análise
do pensamento pedagógico de Krupskaya. Concluímos que a originalidade dessa
perspectiva está justamente em articular cinco grandes categorias teóricas e,
com isso, lançar as bases de uma corrente pedagógica própria. As noções de
politecnia, trabalho, sistema de complexos, mulher e democracia relacionam-se
de modo a resultar nas duas dimensões que aqui discutimos e em outras que devem
ser analisadas.
A lente
teórico-metodológica que propomos para essa análise é a localização da
Pedagogia de Krupskaya no seio do marxismo-leninismo, dado que as inovações
teóricas trazidas por essa corrente permitem ao materialismo histórico um salto
de qualidade até então não observado. De maneira análoga, a Pedagogia criada
por Krupskaya desenvolve princípios conceituais presentes ainda em estado
prático nas obras de seus precursores, sejam Marx e Engels, sejam pedagogos
marxistas.
No calor do processo revolucionário e dos desafios de administração do
socialismo, a articulação entre a educação e sua análise sobre a mulher permite
a Krupskaya uma criteriosa aplicação das teses sobre o Estado desenvolvidas por
Lenin. Essa relação, como pudemos observar em levantamento prévio da
literatura, ainda não foi abordada no Brasil e pode, a partir dos elementos
aqui expostos, ser aprofundada.
O debate sobre a reprodução da força de trabalho, por exemplo,
bastante atual no âmbito do feminismo marxista, pode encontrar aportes
fundamentais nos escritos de Krupskaya. Tal contribuição, aliás, não se
restringe ao campo educacional, mas pode influenciar a própria análise das
articulações entre exploração capitalista, gênero e patriarcado.
Além disso, cabe lembrar que dois temas são centrais na discussão
sobre a potencialidade revolucionária da educação politécnica: a atualidade e a
auto-organização dos estudantes como dimensões fundamentais da escola
socialista. Esses temas, em alguma medida, já estão presentes nos escritos de
Marx e Engels e são constituintes da noção marxista de politecnia. No entanto,
quando mobilizados por Krupskaya no debate com a Escola Nova e na análise das
experiências da Escola Única do Trabalho soviética, permitem avanços teóricos
no sentido de uma noção mais integral de educação socialista. Dão sentido à
própria tese do Estado como instituição organizadora da ditadura da classe
dominante em uma formação social dividida em classes.
Enfim, nossa análise, antes de encerrar as possibilidades de
investigação do pensamento pedagógico de Krupskaya, deixa canais abertos para o
aprofundamento em trabalhos futuros. O que se pode assumir como pressuposto
nessas iniciativas de pesquisa é a originalidade da concepção da autora,
sobretudo na forma de colocar e examinar problemas educativos inseridos em
cenários de transição histórica.
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RODRIGUES, J. A educação politécnica no Brasil. Niterói: EdUFF, 1998.
[1] O conceito de “estado prático”
é emprestado de Althusser e se refere a um elemento do processo teórico ainda
não teorizado, apesar de existente como conteúdo e como parte da teoria. Tal
elemento sofre desenvolvimentos antes de se tornar conceito dentro de um
sistema teórico.
[2] Não é nosso objetivo
desenvolver o problema complexo da apropriação do taylorismo pela planificação
econômica da União Soviética. Tal debate, aliás, carece de fontes históricas e
pesquisas historiográficas mais robustas no âmbito do marxismo brasileiro, aclarando
as diversas posições contrapostas no seio do Partido Bolchevique à época,
inclusive e principalmente após a morte de Lenin. Para um aprofundamento do
tema, indicamos a leitura de Linhart (1983). Para uma análise dos efeitos
produzidos pela apropriação do taylorismo no campo da educação, especialmente
em termos de uma análoga incorporação de métodos da Escola Nova ocidental à
educação soviética, ver Bittar e Ferreira (2015).
[3] Mikhail Pokrovsky se
organizou com os bolcheviques e é considerado um dos historiadores mais
influentes da década de 1920.
[4] Foi um educador soviético
responsável por elaborar o documento Princípios
Fundamentais da Escola Única do Trabalho, ao lado de Krupskaya.
[5] Foi um psicólogo russo
responsável por introduzir a abordagem marxista objetiva na pedagogia
soviética.
[6] Ludmila Menzhínskaia foi uma
professora filiada à União dos Professores que contabilizava 70 mil filiados.
Posteriormente foi expulsa, durante o governo provisório de Kerensky, acusada
de golpismo por defender as posições dos bolcheviques.
[7] Foi um educador soviético
responsável por uma colônia educacional na área rural.
[8] Albert Pinkevich foi um
educador soviético responsável por contribuir com as elaborações sobre o
sistema de complexos.
[9] Efetuamos buscas simples por
trabalhos acadêmicos que contenham o termo “Krupskaya”, nas plataformas
Sucupira, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).
Obtivemos, respectivamente, 11 e dez resultados (21 no total), divididos em 13 dissertações
de mestrado e oito teses de doutorado.
[10] Optamos por adotar o termo
sexo em detrimento de gênero por duas razões. Primeiro, por respeitar o termo
utilizado por Krupskaya, cujos textos datam
do início do século XX. Segundo, por compreendermos que gênero é uma categoria que
não imprime em si as relações de dominação e exploração. Ao referirmos gênero, estamos nos referindo à crítica de Heleieth Saffioti, que situa historicamente o patriarcado nessas relações.
[i] Artigo recebido em: 06/10/23
Artigo aprovado
em: 31/07/24
Fonte de fomento: Bolsa Pib-Pós Instituto Federal do Paraná (IFPR).
[ii] Contribuições da autora: conceituação;
curadoria
de dados; aquisição de financiamento; metodologia; administração do projeto; recursos;
supervisão; validação; visualização; escrita – rascunho
original e escrita –
análise e edição.
[iii] Contribuições do autor: conceituação; análise formal ; aquisição de
financiamento; investigação;
metodologia; administração do projeto; recursos; validação; visualização; escrita – rascunho original e escrita – análise e edição.