Caixa de Texto:  e-ISSN 1984-7246   Perspectivas de Lélia Gonzalez e Milton Santos em relação ao racismo e ao preconceito de classe: o caso do Jardim Nova Esperança em São José dos Campos-SP[i]

 

José Moacir de Sousa Vieira[ii]

Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP)

plataforma-lattes-logo.jpgSão José dos Campos, SP - Brasil

lattes.cnpq.br/6397246067811080

image orcid.org/0009-0006-7779-7216   

jmoacir.sv@gmail.com

 

 

Rodolfo Moreda Mendes [iii]

Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP)

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image orcid.org/0000-0003-1833-3084    

rodolfo.mendes@cemaden.gov.br

 

 

Mario Valério Filho [iv]

Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP)

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Perspectivas de Lélia Gonzalez e Milton Santos em relação ao racismo e ao preconceito de classe: o caso do Jardim Nova Esperança em São José dos Campos-SP

 

Resumo

Este artigo tem o objetivo de analisar a relação entre o racismo e o preconceito de classe com a falta de serviços de esgotamento sanitário em assentamentos precários. A análise é conduzida por meio de um diálogo apoiado nas teorias dos intelectuais brasileiros Lélia Gonzalez e Milton Santos, utilizando o estudo de caso do Jardim Nova Esperança, no município de São José dos Campos, SP. A pesquisa adota uma abordagem dialética e um procedimento metodológico baseado na estratégia da documentação secundária, utilizando fontes estatísticas provenientes de órgãos públicos e entidades ligadas ao saneamento, bem como na revisão bibliográfica de obras e pesquisas relacionadas ao tema. Os resultados revelam as dificuldades enfrentadas pelos habitantes desses assentamentos, a maioria dos quais pertencentes a grupos de baixa renda e com ascendência afrodescendente, no acesso aos serviços de saneamento básico. Este estudo contribui para uma compreensão mais ampla das complexas interações entre racismo, preconceito de classe e a precariedade do saneamento básico, enfatizando a necessidade de adotar medidas concretas para abordar as disparidades estruturais em comunidades que sofrem processos de vulnerabilização. Suas conclusões podem contribuir na formulação de políticas inclusivas e no desenvolvimento de estratégias voltadas para a melhoria da qualidade de vida nesses contextos, além de estimular pesquisas futuras capazes de impulsionar ações para mitigar as desigualdades e aprimorar as condições de saneamento, independentemente da origem social ou étnico-racial dos indivíduos.

 

Palavras-chave: saneamento básico; serviços de esgotamento sanitário; assentamentos precários; racismo; preconceito de classe.

 

Perspectives of Lélia Gonzalez and Milton Santos on racism and class prejudice: the case of Jardim Nova Esperança in São José dos Campos-SP

 

Abstract

The aim of this paper is to analyse the relationship between racism and class prejudice and the lack of sanitation services in informal settlements. The analysis is conducted through a dialogue supported by the theories of Brazilian intellectuals Lélia Gonzalez and Milton Santos, using the case study of Jardim Nova Esperança, located in the municipality of São José dos Campos, SP. The research adopts a dialectical approach and a methodological procedure based on secondary documentation strategies, utilizing statistical sources from public agencies and entities related to sanitation, as well as a bibliographic review of papers and research on the topic. The results reveal the difficulties faced by residents of these settlements, most of whom belong to low-income groups and have Afro-descendant ancestry, in order to access basic sanitation services. This study contributes to a broader understanding of the complex interactions between racism, class prejudice, and the precariousness of basic sanitation, emphasizing the need for concrete measures to address structural disparities in communities experiencing vulnerability. Its conclusions may contribute to the formulation of inclusive policies and the development of strategies aimed at improving the quality of life in these contexts, as well as encouraging future research capable of driving actions to mitigate inequalities and improve sanitation conditions, regardless of individuals' social or ethnic-racial backgrounds.

 

Keywords: basic sanitation; sanitation services; informal settlements; racism; class prejudice.

1 Histórico sobre o racismo e o preconceito de classe nas desigualdades no acesso ao saneamento básico

Ao longo da formação do Estado brasileiro, desde o período colonial, observa-se uma continuidade de experiências sanitárias desfavoráveis para a população pobre e negra, caracterizadas pela falta de acesso aos serviços de saneamento e pelo seu impacto na qualidade de vida e na saúde desses grupos. Notavelmente, no contexto da população negra, pessoas morrem diariamente no Brasil devido à falta de saneamento básico, uma realidade resultante da interação entre o Estado e o racismo institucional, contribuindo para as adversidades enfrentadas pela população negra brasileira (Batista; Werneck; Lopes, 2012).

Para compreender essa dinâmica, é necessário ir além do racismo institucional e reconhecer a estrutura que o sustenta. Nesse sentido, Almeida (2019) destaca que o racismo estrutural organiza as relações sociais no Brasil, permeando diversos aspectos das esferas social, política e econômica, não sendo essa apenas uma questão de atitudes individuais ou práticas institucionais isoladas, mas um fenômeno profundamente enraizado nas estruturas que perpetuam a desigualdade. Esse racismo estrutural cria uma rede de práticas conscientes e inconscientes que colocam grupos racializados, como a população negra, em situação de desvantagem, incluindo a privação de direitos fundamentais, como é o caso do saneamento básico.

O processo de urbanização no Brasil é caracterizado pela predominância, nos centros urbanos, de um mercado imobiliário que reproduz o espaço de acordo com um modelo de acumulação capitalista. Esse cenário resulta na expulsão de uma parcela considerável da população para áreas periféricas, encostas e margens das cidades, ocasionando uma crise habitacional e precariedade das condições de moradia. O crescimento das periferias no Brasil é marcado pela autogestão na construção, pela exploração urbana e pela especulação imobiliária, o que acarreta uma crise urbana caracterizada pela segregação socioespacial e pela vulnerabilização de determinados grupos, majoritariamente de pessoas negras em situação de pobreza, que habitam espaços com infraestrutura urbana inadequada ou inexistente. Essas periferias apresentam diversas características, como condições habitacionais precárias, insegurança na posse, serviços de saneamento inadequados e uma proporção significativa de residentes em condições precárias de qualidade de vida, representando uma espécie de não cidade, ou seja, a cidade dos “excluídos ou favelados” (Maricato, 2021, p. 164).

Flávio Villaça (2012), urbanista e autor de Reflexões sobre as cidades brasileiras, aborda, de maneira enfática, o modelo de segregação onde ocorre a concentração dos mais ricos no centro urbano, e dos mais pobres, na periferia. "A obscena desigualdade que existe na sociedade brasileira se manifesta na enorme segregação observada em nossas cidades. Essa segregação impõe um ônus excepcional aos mais pobres” (Villaça, 2012, p. 70, grifo nosso).

O racismo estrutural e a vulnerabilidade do saneamento básico nos assentamentos precários são temas relevantes e interligados. O estudo desse tema desempenha um papel relevante no desenvolvimento teórico e político-social no combate ao racismo, considerando que essa forma de racismo está associada aos obstáculos invisíveis que afetam o acesso aos direitos por parte de grupos vulneráveis (Almeida, 2019).

 O racismo institucional resulta de políticas públicas que, ao contrário do racismo individual, estabelecem uma dimensão estrutural que abrange aspectos organizacionais, políticos, práticas e normas que causam tratamentos e resultados desiguais. Essas desigualdades são promovidas não apenas por meio de ações, mas também por omissões do Poder Público, que frequentemente concentra os investimentos em áreas centrais, negligenciando as periferias. Embora tais políticas não sejam intencionalmente fundamentadas em bases racistas, elas acabam gerando consequências desiguais para indivíduos pertencentes a diferentes grupos raciais. Esse fenômeno, também conhecido como racismo sistêmico, contribui para a exclusão seletiva de grupos racialmente subordinados (Werneck, 2016).

Para uma compreensão mais clara do impacto desse modelo de segregação socioespacial, é importante abordar a perspectiva da necropolítica, conforme definida por Mbembe (2020) conceitua necropolítica como o exercício máximo de soberania que envolve o poder de decidir sobre quem pode viver e quem deve morrer e que se manifesta na imposição de condições que determinam o valor da vida de certos grupos em detrimento de outros, especialmente em contextos de exclusão social e racial. No Brasil, essa perspectiva é importante, pois observamos que o Estado, por meio de ações e omissões, cria um cenário em que as populações marginalizadas, muitas vezes negras e pobres, são relegadas a territórios marcados pela precariedade e pela ausência de infraestrutura básica.

Essa distribuição desigual dos investimentos públicos, que privilegia as áreas centrais, contribui para a perpetuação de um sistema de segregação socioespacial e vulnerabilização que se alinha às noções de necropolítica, onde o poder se manifesta no controle da morte e no descaso pela vida daqueles que habitam essas “zonas de não-ser” (Smith; Machicote, 2020, p. 131).

O sociólogo e antropólogo Darcy Ribeiro (2015) fornece uma análise sobre a estrutura do preconceito de classe no Brasil, que está ligada às relações de trabalho que surgiram durante o Período Colonial. Essas relações foram fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico do país e para a criação de uma segregação social que persiste até hoje. O Ribeiro (2015) descreve o preconceito como um produto das disparidades sociais e culturais que criam divisões entre pessoas que compartilham o mesmo espaço. Essas divisões são especialmente evidentes ao considerarmos a grande discrepância entre os pobres e os ricos, além da discriminação enfrentada por pessoas que se identificam como pardas, negras ou indígenas. Essas distâncias se referem às posições ocupadas pelos indivíduos na sociedade, onde suas interações sociais ocorrem e onde as desigualdades são percebidas e comparadas.

A partir dessas comparações, influenciadas por fatores históricos e culturais, surgem diferentes formas de preconceito, incluindo o de classe social, que acaba por marginalizar os indivíduos. Destaca-se que a maioria dos brasileiros pertence a classes sociais subalternas, sendo “[...] a grande massa das classes oprimidas dos chamados marginais, principalmente negros e mulatos, moradores das favelas e periferias da cidade.” (Ribeiro, 2015, p. 157, grifo nosso).

Este artigo tem como propósito analisar a influência do racismo e do preconceito de classe na persistente falta de saneamento básico, utilizando como estudo de caso o assentamento precário Jardim Nova Esperança, situado no município de São José dos Campos-SP, um centro urbano próspero, tecnológico e considerado avançado. Mesmo em meio a essa prosperidade, a comunidade em questão, com mais de 100 anos de existência, continua desprovida de serviços de esgotamento sanitário. Essa análise será fundamentada nas teorias de Lélia Gonzalez e Milton Santos. Em nossa concepção, esse caso conecta a teoria à prática. Nesse sentido, compreendemos, à luz de Popper (1975, p. 321), que "A tarefa da ciência é em parte teórica, explicação, em parte prática."

A pesquisa adota uma abordagem dialética e um procedimento metodológico baseado na estratégia da documentação secundária, utilizando fontes estatísticas provenientes de órgãos públicos e de entidades ligadas ao saneamento, bem como na revisão bibliográfica de obras e pesquisas relacionadas ao tema (Marconi; Lakatos, 2003).

O termo “assentamento precário”, nesta pesquisa, segue a definição da Política Nacional de Habitação (PNH), que se refere a áreas urbanas inadequadas e ocupadas por pessoas de baixa renda (Brasil, 2008). Essa terminologia também foi adotada pelo Ministério das Cidades ao desenvolver o Guia para o Mapeamento e a Caracterização de Assentamentos Precários (Brasil, 2010). Ela engloba diversos tipos de assentamentos, como loteamentos irregulares e clandestinos, favelas, aglomerados subnormais, núcleos informais, invasões, entre outros (Cardoso, 2008).

Este trabalho está organizado em quatro seções distintas. A primeira visa contextualizar o problema. Na segunda seção, as perspectivas teóricas de Lélia Gonzalez e Milton Santos são exploradas, estabelecendo conexões com as categorias de racismo e de preconceito de classe. A terceira seção apresenta o estudo de caso do assentamento precário Jardim Nova Esperança. A quarta aborda a discussão sobre a relação entre a precariedade dos serviços de saneamento e as manifestações de racismo e preconceito de classe à luz dos fundamentos teóricos previamente apresentados. 

 

2 Influência do racismo e do preconceito de classe no saneamento básico

Lélia Gonzalez (1935-1994), uma importante intelectual brasileira do século XX, se destacou em diversas áreas, como filosofia, antropologia, sociologia e história. Suas reflexões sobre o racismo na sociedade brasileira foram profundas, especialmente ao explorar as interseções entre gênero, raça e classe. Com uma vasta produção escrita, ela também exerceu o papel de Professora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e foi Diretora do Departamento de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) (Ratts; Rios, 2010). Sua perspectiva teórica favoreceu uma melhor compreensão sobre como o preconceito e a discriminação raciais são ressignificações da estrutura social brasileira, demonstrando que as práticas racistas resultam em benefícios materiais e simbólicos para o grupo hegemônico dominante ao mesmo tempo em que desqualificam a população negra. Esse contexto pode ser explorado em relação ao tema do saneamento básico. Gonzalez (1977 apud Gonzales; Hasenbalg, 2022) contribuiu para abrir caminho na compreensão dos mecanismos de discriminação e exclusão, revelando as nuances das desigualdades raciais presentes no Brasil.

Essa análise das desigualdades raciais de Gonzalez (1977 apud Gonzales; Hasenbalg, 2022) ressoa com os dados recentes sobre a distribuição racial no Brasil. O Censo Demográfico (2022) mostra que cerca de 92,1 milhões de brasileiros se identificaram como pardos, o que representa 45,3% da população, estimada em 203 milhões de pessoas. Esse marco é significativo, pois, desde a inclusão da categoria "cor ou raça" no censo nacional, em 1991, essa é a primeira vez que a população parda constitui a maioria. Em comparação, 88,2 milhões de brasileiros se identificaram como brancos (43,5%), 20,6 milhões como pretos (10,2%), 1,7 milhão como indígenas (0,8%) e 850,1 mil como amarelos (0,4%).

Os dados do Censo Demográfico (2022) mostram que aproximadamente 49 milhões de brasileiros vivem sem coleta de esgoto adequada, o que evidencia que 24% da população total enfrenta a precariedade dos serviços de esgotamento sanitário. A situação é ainda mais crítica para pretos e pardos, que representam mais da metade da população e entre os quais cerca de 68,6% não têm acesso a esse serviço essencial. Esses dados refletem a persistência das disparidades estruturais que, como apontado por Gonzalez (1977 apud Gonzales; Hasenbalg, 2022), impactam de forma mais acentuada as populações racializadas.

Gonzalez (2020), ao abordar o tema do racismo, identifica duas formas estratégicas pelas quais a exploração e a opressão são mantidas: o racismo aberto e o disfarçado ou "racismo por denegação". Enquanto o racismo aberto é mais comum em países anglo-saxônicos, o disfarçado predomina em sociedades de origem latina e onde ganham destaque as teorias como a miscigenação, a assimilação e o mito da democracia racial. Essas ideias mascaram a realidade do racismo, impedindo que se tenha uma consciência objetiva sobre suas práticas desiguais e cruéis. No contexto brasileiro, a crença histórica na miscigenação criou o mito da inexistência do racismo no país, o que alimenta a alienação e dificulta o reconhecimento direto das formas de discriminação.

Gonzalez (2020, p. 144), dialogando com Fanon (2008), também aponta para a ideologia do branqueamento no racismo brasileiro. Essa ideia tem eficácia na medida em que estimula o desejo de embranquecer, de "limpar o sangue", o que leva à negação da própria raça e cultura. Essa dinâmica interna perpetua a discriminação e reforça a hierarquia racial presente na sociedade. O racismo tem uma história que marginaliza e segrega os negros nos espaços urbanos, perpetuando a precariedade e o controle racial sobre eles. Esse cenário é utilizado para justificar a suposta superioridade branca e a desigualdade social, econômica e política. Gonzalez (2020) destaca como o racismo está enraizado na sociedade e denuncia a percepção equivocada e preconceituosa que muitas pessoas têm em relação aos negros, associando-os a características negativas, com supostas irresponsabilidade e preguiça. Esses estereótipos infundados levam à perseguição policial e à marginalização desses indivíduos, que são estigmatizados como malandros e criminosos.

A autora também ressalta a forma como as mulheres negras são estereotipadas e relegadas a profissões desvalorizadas e estigmatizadas, como cozinheiras e faxineiras. Esses estereótipos são amplamente divulgados pela mídia, contribuindo para a desigualdade e a exclusão social. Fica evidente a urgência de desconstruir esses discursos preconceituosos e combater os estereótipos raciais que perpetuam a desigualdade e a discriminação.

Essa reflexão mostra como ainda existe a crença de que o lugar destinado aos negros é a miséria, a favela e os assentamentos precários, sem acesso a serviços básicos, como esgotamento sanitário. Gonzalez (2020, p. 28) denuncia, de forma contundente, a persistência de uma mentalidade preconceituosa que perpetua o racismo e o preconceito de classe. Quando alguém afirma que "negro tem mais é que viver na miséria" e que é aceitável relegá-los à condição de favelados, fica evidente como o racismo ainda persiste. Essa visão estigmatizante não apenas marginaliza os negros, mas também reforça a exclusão social, negando-lhes o acesso igualitário a oportunidades e condições dignas de vida.

Milton Santos, respeitado geógrafo brasileiro, ganhou destaque internacional por sua obra complexa e diversificada, dedicada a uma teoria geográfica do espaço. Seu trabalho em prol da cidadania e da ética transcendeu o meio acadêmico. Ao longo de sua carreira, publicou cerca de 40 obras, 300 artigos em revistas científicas, fundando a vertente crítica da Geografia Nova. Diferentemente de Gonzalez, apesar dos obstáculos, o reconhecimento acadêmico de Milton Santos em vida foi notório, recebendo 15 títulos de Doutor Honoris causa, além de prêmios, incluindo o Prêmio Internacional Vautrin Lud, sendo o único latino-americano laureado com esse título, considerado o Nobel da Geografia. Sua influência epistemológica nas Ciências Geográficas foi amplamente reconhecida (Carlos, 1996).

O conceito de espaço proposto por Santos (2012) é compreendido como o conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações, considerando que nesse espaço geográfico ocorrem as ações de racismo e de preconceito de classe. Essa definição baseia-se na ideia fundamental de que a ação é o elemento essencial do espaço geográfico. O autor adotou uma abordagem dialética para promover um melhor entendimento da sociedade, da qual o espaço é indissociável. Santos (2020b) ressalta a importância de considerar a prática geográfica como uma possibilidade de segmentação do espaço em partes. Nessa perspectiva, ele apresenta categorias de análise para interpretar o espaço geográfico: forma, função, processo e estrutura.

No entanto, ao considerar a totalidade, fica claro que o espaço geográfico não pode ser analisado isoladamente com base apenas nessas categorias. Assim, defende-se a necessidade de uma abordagem que leve em conta as interações e relações complexas presentes no espaço. A compreensão do espaço geográfico requer uma visão que integre as múltiplas dimensões e elementos que o constituem, incluindo aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais.

Santos (2014), em Metamorfose do Espaço Habitado, avança no desenvolvimento de sua epistemologia do espaço, sugerindo que a percepção se relaciona com o que definimos como paisagem, que é descrita como um conjunto abrangente que inclui não somente volumes visíveis, mas também cores, movimentos, odores e sons. Portanto, “o espaço é o resultado da soma e síntese, sempre refeita, da paisagem com a sociedade por meio da espacialidade. [...] O espaço é igual à paisagem mais a vida nela existente; é a sociedade encaixada na paisagem, a vida que palpita conjuntamente com a materialidade” (Santos, 2014, p. 80).

Gonzalez (1977 apud Gonzales; Hasenbalg, 2022, p. 23), ao abordar a realidade dos moradores de favelas na Baixada Fluminense, descreve as paisagens presentes no cotidiano dos negros que vivem nessas periferias, ressaltando que "seus habitantes logo se acostumam a um novo componente da paisagem: os presuntos (cadáveres) desovados pelos justiceiros da nova ordem." A autora destaca que 70% dessas vítimas eram negras, e essa situação se torna ainda mais desumana quando confrontada com a explicação de paisagem proposta por Santos (2014).

Em O Espaço do Cidadão, Santos (2020) aborda a discussão sobre a cidadania, relacionando-a aos espaços onde os serviços públicos são precários. Nesse contexto, a interligação entre o racismo, o preconceito de classe e a falta de saneamento básico se torna um ponto de análise. A ausência de investimentos adequados nessas comunidades marginalizadas é frequentemente resultado de uma estrutura social que perpetua desigualdades e discriminações. A precariedade no saneamento básico, especialmente em assentamentos precários habitados por populações negras e de baixa renda, cria barreiras para o pleno exercício da cidadania, negando a essas comunidades o acesso aos serviços essenciais que garantiriam uma vida digna e justa.

No esforço do geógrafo Santos (2020, p. 19) de evidenciar a dificuldade de ser um cidadão integral no Brasil, ele apresenta valiosas perguntas, como: "Há cidadãos neste país? Quantos habitantes no Brasil são cidadãos? Quantos nem sequer sabem que o são?" Para ele, o simples ato de nascer investe o indivíduo no direito de participar da sociedade, tornando-o um ser do mundo, portador de prerrogativas sociais, como o direito à moradia, à comida, à educação, à saúde, ao trabalho, à justiça, à liberdade e a uma existência digna. "A cidadania é uma lei da sociedade que, sem distinção, atinge a todos e investe cada qual com a força de se ver respeitado contra a força de qualquer circunstância." (Santos, 2020, p. 19).

Santos (2020, p. 24) aborda a desigualdade, destacando que algumas pessoas que têm maior acesso a direitos e serviços “são mais cidadãos”, enquanto outras são privadas dessas oportunidades e “são menos cidadãos”, sempre com privilégios para as classes mais favorecidas. Essa disparidade é evidente em assentamentos carentes de saneamento básico e próximas a regiões mais privilegiadas, como o caso do assentamento precário Jardim Nova Esperança, que ilustra claramente as diferenças na qualidade de vida e nos direitos desfrutados pelos cidadãos em diversos contextos urbanos.

Nesse cenário de privilégios, Gonzalez (2020, p. 75) também faz referência ao preconceito e ao racismo presentes nessa estrutura social e reproduz um discurso onde se tenta camuflar essa situação discriminatória, comum dentro dessa estrutura: "Aqui não tem diferença porque todo mundo é brasileiro acima de tudo, graças a Deus. Preto aqui é bem tratado, tem o mesmo direito que a gente tem." No entanto, a realidade mostra que, apesar dessas palavras, o racismo e o preconceito de classe persistem, como no saneamento básico.

Ao analisar a questão do uso desigual do território e suas consequências, Santos (2020) afirma que a distribuição desigual de recursos, a infraestrutura e os serviços públicos, em determinados espaços geográficos, resultam em disparidades no exercício da cidadania. Alguns territórios são privilegiados e outros são marginalizados, ampliando as desigualdades sociais e limitando o acesso aos direitos e oportunidades. De forma clara, evidencia-se que “morar na periferia é, na maioria das cidades brasileiras, o destino dos pobres, eles estão condenados a não dispor de serviços sociais ou utilizá-los precariamente, ainda que pagando por eles preços extorsivos” (Santos, 2020, p. 63, grifo nosso).

De acordo com Santos (2020, p. 31), a expressão "cidadão mutilado" é utilizada para descrever uma das muitas formas de vida dos “não cidadãos”, o que ilustra a falta de observância dos direitos da população direta ou indiretamente. No contexto mencionado, são implementadas políticas eleitorais que, por vezes, têm como objetivo enviesar a participação popular, além de processos burocráticos que perpetuam um contexto de exclusão já estabelecido.

Santos (2020) destaca a relevância da interação entre cidadania e território, sendo que a compreensão da cidadania não pode ocorrer de forma isolada, mas em relação ao espaço geográfico. O geógrafo ressalta a existência de espaços desprovidos de cidadãos, onde os serviços públicos estão ausentes, criando uma situação em que as pessoas parecem não existir nesses locais. "Deixado ao quase exclusivo jogo do mercado, o espaço vivido consagra desigualdades e injustiças e termina por ser, em sua maior parte, um espaço sem cidadãos" (Santos, 2020, p. 59, grifo nosso).

Além disso, Santos (2020) fala sobre a ausência do Estado nessas áreas precárias, onde a falta de hospitais, postos de saúde, saneamento básico, escolas e outros serviços essenciais compromete a vida individual e social, precarizando a cidadania. A falta de infraestrutura e dos serviços essenciais demonstra a carência de presença estatal. É importante observar que Santos (2020) enfatiza a importância da atuação do Estado na garantia dos direitos básicos e na promoção da igualdade social, evidenciando a interdependência entre cidadania e território, e analisa como o espaço geográfico influencia o exercício pleno dos direitos dos cidadãos. Ele aponta para a existência de espaços desprivilegiados, onde há a ausência de serviços públicos essenciais. “Onde estão os programas para atenuar tais fragilidades e reverter a situação?” (Santos, 2020, p. 59).

 

3 Jardim Nova Esperança: entre a esperança e a precariedade

O assentamento precário Jardim Nova Esperança, também conhecido como Banhado, está localizado em São José dos Campos, que é um dos 645 municípios do Estado de São Paulo, com uma população estimada em 697.428 (IBGE, 2022). Esse assentamento enfrenta fragilidade no saneamento básico, especialmente com a falta de serviços de esgotamento sanitário. Apesar de São José dos Campos ser amplamente reconhecida como uma cidade tecnológica e inovadora, ela obteve recentemente o título de primeira "Cidade Inteligente" do Brasil, concedido pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Esse reconhecimento segue as diretrizes de três normas internacionais, NBR ISO 37120, 37122 e 37123 (São José dos Campos, 2022), muitos residentes de assentamentos precários ainda enfrentam a realidade de não possuir acesso adequado a serviços essenciais de saneamento básico. Essa situação levanta questionamentos importantes sobre as razões para essa exclusão, especialmente considerando que o acesso a esses serviços é fundamental para a dignidade humana e assegurado por lei.

O assentamento Jardim Nova Esperança é um dos mais antigos da cidade, com um histórico de ocupação irregular que se estende por aproximadamente 100 anos, porém apresentando baixa densidade demográfica. A caracterização do assentamento inclui residências térreas, muitas delas sem acabamento adequado e cercadas de forma irregular, frequentemente construídas com o uso de materiais alternativos, como madeira. Além disso, é possível identificar a presença de templos religiosos, de um centro comunitário e uma quadra poliesportiva em condições precárias. Sua localização é próxima à região central da cidade (Figura 1).

 

Figura 1 - Localização do assentamento precário Jardim Nova Esperança

Fonte: Vieira (2023, p. 64).

Cerca de 297 famílias estão assentadas no local, e uma característica distintiva que o diferencia de outros bairros é a coexistência de traços rurais e urbanos em algumas de suas habitações. Uma parcela da população se dedica a atividades rurais, com a criação de animais e práticas agrícolas para a subsistência. A maioria trabalha no setor de comércio e serviços, devido à proximidade do centro da cidade (Silva, 2020).

Apesar de sua história centenária, a comunidade do Jardim Nova Esperança nunca conseguiu regularizar seus imóveis ou implementar as melhorias sociais necessárias para garantir o direito à dignidade de seus moradores, o que incluiria a oferta de serviços de esgotamento sanitário. Com discurso higienista e excludente, uma parte da elite local advoga pela remoção do bairro, adotando uma perspectiva preconceituosa e alegando que a presença da comunidade prejudica a imagem da cidade, afetando negativamente o turismo e a clientela dos comércios e serviços locais. Como resultado, a Prefeitura tem adotado medidas para reduzir o número de famílias no bairro, tendo obtido êxito parcial nesse esforço (Tabela 1). A administração municipal apresentou projetos que visam dificultar a consolidação e legalização do bairro, como a proposta de construção de um parque no local, e de uma via para melhorar a mobilidade de pessoas e mercadorias. No entanto, até o momento, esses projetos não foram implementados, e a área permanece inalterada e precária (Silva, 2020).

 

Tabela 1 - Histórico populacional do Jardim Nova Esperança

Ano de referência

Famílias assentadas

Habitantes

1989

250

1286

1991

272

1325

2014

460

1317

2019

297

950

Fonte:  Vieira (2023).

 

Em 2019, foi apresentado um Plano Popular de Regularização Fundiária e Urbanização para o Jardim Nova Esperança, cujo projeto foi elaborado em colaboração com diversas instituições, incluindo o Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU-SP), a Universidade de São Paulo (USP), o Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU-USP), a Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP-USP), o Curso de Engenharia Ambiental (EESC-USP), o Curso de Engenharia Civil (EESC-USP), a Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP) e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, além da Associação Comunitária do Banhado e da Comunidade Jardim Nova Esperança.  O Plano Popular de Regularização demonstra a viabilidade técnica da regularização fundiária e implementação do bairro, e uma decisão judicial de primeira instância favorável à regularização já foi emitida. No entanto, a prefeitura recorreu, manifestando-se contra essa regularização (Tavares; Fantin, 2019).

São José dos Campos, além de ser certificada como uma cidade inteligente, ostenta um elevado Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e é reconhecida como uma das melhores cidades do Brasil, com o maior índice na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (RMVPLN) (Andrade, 2015). No entanto, ao analisar apenas os dados estatísticos, pode não ser evidente que diversos assentamentos precários no município não contam com serviços de esgotamento sanitário, conforme o Mapa da Pobreza Urbana de São José dos Campos (Borges, 2003).

Por outro lado, o município tem alcançado bons resultados em relação aos demais no que diz respeito à coleta e tratamento de esgoto que, consistentemente tem sido classificado entre os melhores do Brasil, além de manter uma posição de destaque no ranking de saneamento divulgado anualmente pelo Instituto Trata Brasil, com índices muito favoráveis com base em critérios estatísticos (Instituto Trata Brasil, 2022). A tabela 2 apresenta esses índices do município.

 

Tabela 2 - Índices de coleta e tratamento de esgoto em São José dos Campos

Ano

Índice de coleta de

esgoto da população

Índice de tratamento de

esgoto da população

2022

100%

94,63%

2021

100%

94,30%

2020

100%

94,15%

2019

100%

92,23%

2018

99,35%

92,20%

Fonte: adaptado do Instituto Trata Brasil (2022).

 

A administração municipal emprega o marketing urbano, que promove a cidade como um local tecnológico, inteligente e eficiente, com o objetivo de aprimorar a qualidade de vida e assegurar os direitos dos cidadãos. Essa estratégia busca estabelecer uma identidade urbana alinhada com os padrões da produção neoliberal do espaço urbano (Forti, 2021). Um exemplo desse marketing urbano é dado por uma reportagem relacionada ao esgotamento sanitário publicada no site oficial da Prefeitura Municipal de São José dos Campos, com o seguinte tema: "São José é considerada modelo em tratamento de esgoto" (São José dos Campos, 29 mar. 2019).

Mesmo com esse status apoiado pelo Marketing Urbano, os assentamentos precários de São José dos Campos ainda não receberam os serviços de coleta e tratamento de esgotos de forma igualitária.  Essa estratégia está alinhada à ideia de que as políticas públicas são moldadas por uma ótica neoliberal, visando atender aos interesses de uma elite e beneficiando exclusivamente uma parcela da população considerada conveniente para as demandas políticas e capitalistas. Enquanto isso, deixam de lado os demais habitantes que vivem em assentamentos precários, considerados de menor relevância política e econômica. Nesse contexto, as políticas e os investimentos direcionados ao saneamento em São José dos Campos não contribuem com a promoção da igualdade para todos os cidadãos (Souza, 2021).

 

4 Discussão sobre racismo e preconceito de classe no saneamento básico

É notória a realidade persistente de racismo e preconceito de classe que permeia o acesso aos serviços públicos, aqui com um foco particular no saneamento básico. Desde os tempos coloniais até os dias atuais, a população negra e de baixa renda enfrenta condições de vida desfavoráveis. Esse cenário contribui significativamente para a perpetuação do racismo institucional, cujas implicações são extremamente prejudiciais para a população negra brasileira (Batista; Werneck; Lopes, 2012).

Gonzalez (2020) expôs importantes reflexões sobre o racismo, demonstrando como o preconceito racial é uma ressignificação da estrutura social brasileira. As práticas racistas conferem benefícios materiais e simbólicos ao grupo hegemônico dominante, enquanto que desqualificam e causam prejuízos diversos, materiais e simbólicos, à população negra. Essa análise relaciona-se diretamente à falta de saneamento básico em assentamentos precários, onde a maioria da população é composta por negros e pessoas de baixa renda. A ausência de investimentos nessas comunidades marginalizadas perpetua o ciclo de discriminação e de exclusão, negando-lhes o acesso igualitário a oportunidades e condições dignas de vida. Isso demonstra como o preconceito racial permeia as estruturas sociais e econômicas do país.

Santos (2020) destaca a interdependência entre o espaço geográfico, a cidadania e o acesso a serviços públicos, evidenciando como a concentração de investimentos públicos em determinadas áreas resulta na criação de regiões desprovidas de cidadania, onde os serviços são escassos ou inexistentes. Isso se torna particularmente evidente em locais como o Jardim Nova Esperança, em São José dos Campos-SP, onde a falta de investimentos públicos em saneamento básico contribui para a precariedade das condições de vida e restringe o exercício da cidadania. Nesse sentido, lembramos quando Santos (2020) descreve apropriadamente essa situação como a de "cidadãos mutilados", pessoas privadas de seus direitos e serviços essenciais devido a desigualdades territoriais.

Mesmo passadas algumas décadas de realizadas as avaliações desses intelectuais brasileiros, é importante que sejam levadas em consideração, por gestores políticos, pesquisadores e a sociedade em geral, as análises de Gonzalez e Santos como ferramentas essenciais para abordar as desigualdades raciais e de classe no contexto do saneamento básico no Brasil. Somente por meio de um esforço conjunto e da implementação de políticas inclusivas, baseadas em uma compreensão aprofundada dessas questões, será possível avançar na busca por um país mais igualitário e justo.

No caso do assentamento precário Jardim Nova Esperança percebe-se que as políticas e os investimentos direcionados ao saneamento, em São José dos Campos, não promovem a igualdade para todos os cidadãos, embora os dados oficiais possam criar uma impressão otimista sobre o assunto (Instituto Trata Brasil, 2022). A cidade pode se orgulhar de oferecer serviços de esgotamento sanitário de qualidade para a maioria de seus moradores, mas isso não significa que todos desfrutem desses benefícios. Na realidade, para construir uma cidade ideal e justa é fundamental que todos os cidadãos sejam contemplados por esse serviço essencial, garantindo uma cidadania plena para todos. Situações como essa foram abordadas na dialética de Gonzalez e Santos.

Dessa forma, é importante ressaltar que pesquisas estatísticas oficiais e estudos acadêmicos demonstram que as disparidades raciais não podem ser atribuídas apenas a diferenças econômicas. A discriminação racial emerge como um elemento fundamental na estrutura dessas desigualdades. Essa constatação é crítica para entender a profundidade do problema.

É relevante mencionar o estudo realizado pelo economista Marcelo Paixão (2000), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que empregou a metodologia utilizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) na definição do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que abrange uma síntese de indicadores sociais, como renda, habitação, educação, saúde e expectativa de vida. O pesquisador recalculou o IDH brasileiro para a população branca e afrodescendente (agrupando as categorias pretos e pardos) e os comparou com os índices de outros 174 países ao redor do mundo. Os resultados indicaram que, enquanto o Brasil ocupa a 79ª posição entre os 174 países pesquisados, a população branca está em 49º lugar. Já a população afrodescendente se encontra em 108º lugar (Paixão, 2000). Portanto, a discrepância entre a qualidade de vida, a partir de diversos critérios da população branca e a população afrodescendente brasileira é de 59 posições. Compreendemos que a precariedade do saneamento básico contribui para a ampliação dessa disparidade.

 

5 Considerações finais

Neste estudo, exploramos as complexas interseções entre racismo, preconceito de classe e precariedade do saneamento básico, com foco nos assentamentos precários, tendo como estudo de caso o assentamento Jardim Nova Esperança, em São José dos Campos, São Paulo. As perspectivas teóricas de dois renomados intelectuais brasileiros, Lélia Gonzalez e Milton Santos, desempenharam um papel fundamental na compreensão dessa problemática multifacetada.

A análise da realidade enfrentada pelos habitantes do Jardim Nova Esperança, assim como de diversas outras comunidades marginalizadas em todo o país, evidencia uma dura realidade de desigualdade racial e de classe. A falta de acesso a serviços de saneamento básico adequados e as condições de vida precárias são indicativos da persistência do racismo institucional, contribuindo para uma tragédia silenciosa que perdura há séculos.

As contribuições de Gonzalez e Santos ofereceram uma lente através da qual se pode compreender as nuances do racismo institucional no Brasil e revelam como as estruturas sociais perpetuam a desigualdade racial e negam à população negra e de baixa renda o acesso igualitário a oportunidades e condições dignas de vida. Essas ideias levam à reflexão sobre a importância do espaço e do território na definição da cidadania e do acesso aos serviços públicos, lançando luz sobre a exclusão social que ocorre quando as comunidades são negligenciadas pelo Estado, privando seus habitantes dos direitos de cidadania. A ausência de investimentos em saneamento básico em áreas precárias, como o Jardim Nova Esperança, é um exemplo concreto dessa exclusão.

Como contribuição, espera-se que este artigo sirva para estimular pesquisas futuras capazes de impulsionar ações para mitigar as desigualdades e aprimorar as condições de saneamento, independentemente da origem social ou étnico-racial dos indivíduos. Além disso, este estudo serve como um registro de que a luta contra o racismo e o preconceito de classe no Brasil está longe de ser concluída. No entanto, ao aplicarem as lições de Lélia Gonzalez e Milton Santos, pode-se trabalhar em direção a um futuro em que a cidadania integral seja uma realidade para todos os brasileiros, independentemente de sua origem étnico-racial ou condição socioeconômica. Isso não é apenas uma questão de justiça, mas também de construção de uma sociedade mais inclusiva, solidária e democrática.

 

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[i] Artigo recebido em 14/09/2023

  Artigo aprovado em 21/11/2024

 

[ii] Contribuições do autor: conceituação; curadoria de dados; análise formal; aquisição de financiamento; investigação; metodologia; software e escrita – análise e edição.

[iii] Contribuições do autor: visualização; validação e análise formal.

[iv] Contribuições do autor: supervisão; administração do projeto e escrita – análise e edição.