e-ISSN 1984-7246  

 


A intelectualidade negra brasileira e os espaços decisórios: uma análise quanto à representatividade por raça/cor e gênero na Universidade Federal do Rio de Janeiro[i]

 

 

Fernanda Barros dos Santos

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Rio de Janeiro - RJ, Brasil

lattes.cnpq.br/5499777483143764

orcid.org/0000-0002-6202-0571

fbarros245@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A intelectualidade negra brasileira e os espaços decisórios: uma análise quanto à representatividade por raça/cor e gênero na Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

Resumo

Esta pesquisa objetiva discutir e analisar a representação de pessoas negras nas instâncias universitárias. A sua problemática recai sobre o racismo institucional e estrutural presente na academia. Para tanto, adotou-se a metodologia quantitativa, bem como o estudo de caso referente à candidatura negra na última eleição à reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Paralelamente à revisão de literatura, os resultados obtidos recaem sobre o perfilamento do quadro técnico, docente e de apoio da universidade supracitada. Em suma, observaram-se as consequências das opressões identitárias na ascensão social dos sujeitos expropriados do acesso a bens e poder.

 

Palavras-chave: população; negra; espaço; poder.

 

Brazilian black intelligentsia and decision-making spaces: an analysis regarding representation by race/color and gender at the Federal University of Rio de Janeiro

 

Abstract

Traditionally, the field of Brazilian Social Thought has canonized the interpretations of Brazil The research aims to discuss and analyze the representation of black people in university bodies. The research issue concerns the institutional and structural racism present in academia. To this end, the research adopted a quantitative methodology, as well as a case study regarding the black candidacy in the last election for the rectorship of the Federal University of Rio de Janeiro. In parallel with the literature review, the results obtained focus on the profiling of the technical, teaching and support staff of the aforementioned university. In short, it observed the consequences of identity oppression in the social ascension of subjects expropriated of access to goods and power.

 

Keywords: population; black; space; power.

 

 

 

 

 

 

Na atualidade, o cenário brasileiro tem sido marcado pela presença de personalidades negras em áreas de poder e tomadas de decisão. Neste sentido, se sobressai nesses cargos a intelectualidade negra de notória expertise acadêmica e ativismo político consoante à agenda racial. Cabendo a esta pesquisa mencionar o Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania Silvio de Almeida, a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco e, por fim, a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Brasil, 2023).

Assim, é salutar desfiar o lócus de formação da intelectualidade negra, qual seja, as universidades públicas e privadas, as faculdades, bem como os centros de pesquisa e ensino. Com ressalvas, este estudo reflete quanto às adversidades relativas à participação das classes populares e das minorias étnico-raciais nos segmentos educacionais, principalmente na educação superior. De acordo com a historiografia brasileira, o berço de formação da intelectualidade do país privilegiou as classes altas e médias da sociedade, bem como impedimentos relacionados à classe social e à raça/cor fizeram com que os extratos mais empobrecidos perfilassem a massa interditada ao ensino superior (Bastos, 2016, p. 748).

Nesse quadro, as desvantagens geracionais cumulativas fomentadas pelo sistema escravista corroboram a presença majoritária das elites brancas nas primeiras faculdades do país. Convém frisar que, em meados dos séculos XVIII e XIX, as primeiras faculdades brasileiras foram influenciadas pelas teorias racialistas disseminadas pela inteligência europeia e norte-americana, com forte apelo e influência nas áreas de Direito e Medicina (Schwarcz, 1993). Paralelamente, a partir da década de 1950, as desigualdades sociais vinculadas à raça/cor se tornaram temáticas centrais na agenda de pesquisa das principais universidades e avindo a esses estudos foram evidenciadas as dissimetrias entre negros e brancos em vários setores da vida social (Bastide; Fernandes, 1955), em sincronia com as denúncias históricas tecidas pela Frente Negra Brasileira (1931) e pelo o Movimento Negro Unificado (1978) contra o “mito da democracia racial” (Freyre, 1933).

Todas essas denúncias foram endereçadas às consequências materiais do referido mito para equidade dos povos negros e indígenas. Grosso modo, Gilberto Freyre diagnosticou que o Brasil despontaria entre as nações pelo “crisol de raças”, bem como seria marcado pela convergência biológica e cultural entre “o português, o indígena e o negro africano”.  Portanto, ele seria o melhor exemplar de relações raciais pacíficas e aquele que melhor solução teria dado “aos antagonismos de raça”, frutos do processo escravocrata (Freyre,  1933,  p. 276).

Por conseguinte, as questões norteadoras desta pesquisa recaem sobre o papel da intelectualidade negra em uma das principais instâncias de formação de saberes e transformação do país. Quais as áreas de pertença da população negra quando dimensionadas as esferas decisórias e de produção do conhecimento? Os negros e o poder: seria essa uma realidade possível? Quais os estereótipos associados aos negros que atravessam os meandros das instituições de educação superior e obstaculizam a sua participação equitativa nos cargos de status e comando? Para finalizar, como a intelectualidade negra tem criado estratégias para romper com o racismo estrutural e institucional existente nas instituições sociais e políticas?

Em linhas gerais, esta pesquisa analisa, de modo preliminar, a mobilidade vertical dos intelectuais negros no âmbito das universidades públicas. Para tanto, procurou mobilizar, enquanto estudo de caso, a última eleição à reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2023. Simultaneamente, a metodologia buscou acomodar os dados estatísticos quanto ao perfil étnico-racial e ao gênero fornecidos pela Pró-Reitoria de Pessoal (PR-4) da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2023, em sintonia com os índices levantados pelo IBGE (2019-2020) concernentes à escolaridade e à representação no mercado de trabalho por raça/cor e gênero. Por fim, a pesquisa realizou a revisão bibliográfica sobre o assunto, bem como ancorou o corpo teórico-metodológico nas teorias do feminismo negro. Logo adiante, versaremos sobre a composição do corpo social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 

Um retrato da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Quem são e quantos são os servidores federais?

Refletir sobre os quadros identitários da universidade pública hoje é fundamental para pensarmos a produção do conhecimento a partir de múltiplos prismas analíticos e condizentes com a realidade social brasileira. Neste caminho, as tecnologias e produções socialmente referenciadas, produzidas no Sul global, são reflexo da entrada de novos segmentos nas instâncias acadêmicas com a inclusão das “agendas periféricas”. Ademais, essas novas produções científicas se alinham ao desenvolvimento sustentável, humano e tecnológico, bem como têm remodelado os usos e sentidos da universidade. Mormente, pelas respostas criativas e inovadoras fomentadas pelos jovens cientistas e pesquisadores conscientes dos novos desafios que se avizinham na contemporaneidade.

Neste âmbito, com mais de 100 anos de existência, a Universidade Federal do Rio de Janeiro desponta entre as maiores do mundo em pesquisa, ensino e extensão. Com excelência, se destaca no ranking mundial nas áreas das Ciências Humanas, Exatas, Biológicas e Sociais Aplicadas (França, 2023a). Ademais, a universidade é composta por 175 cursos de graduação, 315 de especialização, 224 programas de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) e mais de 1,5 mil projetos de extensão (França, 2023a). Cabe destacar que a UFRJ apresenta 65 mil estudantes, quatro mil docentes e pouco mais de três mil técnicos administrativos atuantes nos hospitais, bem como nas demais unidades. Segundo a instituição, a circulação diária na Cidade Universitária gira em torno de 100 mil pessoas (França, 2023a).

No que tange ao corpo social, a Universidade Federal do Rio de Janeiro conta com 12.765 servidores efetivos e 11.031 aposentados e pensionistas, distribuídos da seguinte forma: 4.149 docentes, 8.616 técnicos administrativos em educação, 3.412 pensionistas e 7.619 aposentados. A proporção entre homens e mulheres nas classes docentes na educação superior tem ampla maioria masculina, sendo 54,5% de homens entre os titulares, 51,2% de homens entre os adjuntos, 51,8% de homens entre os associados e 53,2% de homens entre os assistentes e auxiliares. Já as mulheres estão conformadas na seguinte proporção: 45,5% das docentes titulares, 48,8% das adjuntas, 48,2% das associadas e, por fim, 46,8% das assistentes e auxiliares. No quadro docente por identidade de gênero, os homens representam 52% e as mulheres 48%. Em perspectiva comparada, o corpo técnico-administrativo se divide da seguinte forma: 48,1% composto por homens e 51,9% composto por mulheres (UFRJ, 2023a).

No quesito raça/cor, a partir da autodeclaração dos servidores públicos, a proporção entre brancos e negros no quadro técnico com o ensino superior autodeclarados brancos é de 76,5% e os autodeclarados negros são 23,5%. Já entre os técnicos administrativos com ensino médio a distribuição é de 54,5% de brancos e 42,6% de negros. Entre os técnicos que perfilam o apoio (terceirizados), 60,5% está representada na cor negra, e 39,5% são brancos (UFRJ, 2023a, p. 15).

Agora, na comparação concernente ao corpo docente quanto à raça/cor entre os titulares, 93,4% são brancos e 6,6% são negros; entre os associados, 87,4% são brancos e 12,6% são negros. No comparativo, os adjuntos estão perfilados em 17,9% dos professores negros e 82,1% dos professores brancos, bem como os assistentes e auxiliares compõem 83,1% dos brancos e 16,9% dos negros (UFRJ, 2023a, p. 16). Gradativamente, em 2022, houve o aumento de pessoas negras, com ingresso de 40,7% do total desse grupo enquanto servidores federais. Em comparação, no mesmo ano, houve a entrada de 59,3% do total de pessoas brancas. Nos anos anteriores, a exemplo de 2006, o ingresso de pessoas brancas esteve em 85,8%. Por outro lado, no mesmo ano, o ingresso de pessoas negras esteve em 14,2%. A hipótese relativa ao aumento percentual observado, entre 2006 e 2022, poderia ser o resultado da incorporação das ações afirmativas na educação superior e nos concursos públicos.

O total, na estruturação por cargo e raça/cor, os docentes compõem 76,5% daqueles representados na cor branca e 12,7% dos docentes negros, somados os pretos e pardos. No quadro técnico-administrativo, 55% são brancos e 35,6% são negros. De todo modo, o corpo social da universidade, segundo o censo, por raça/cor apresenta 62,0% de brancos e 28,1% dos negros, adicionados pretos e pardos. Por último, 8,4% não informaram a sua raça/cor (UFRJ, 2023a, p. 17). A pesquisa formulada pela instituição comprova a composição maciça de pessoas brancas e do gênero masculino nos diferentes segmentos da carreira universitária, associados aos maiores proventos obtidos. Em comparação, quanto mais próximo das áreas de apoio e baixa remuneração, se destaca a presença de uma maioria negra. Consequentemente, a referida universidade reflete em sua composição étnico-racial, de gênero e viés socioeconômico, as mesmas características das disposições estruturais societárias nas suas discrepâncias sociais.

Entretanto, as iniciativas nascidas no âmbito do Poder Executivo e Legislativo são responsáveis pelos números identificados quanto ao crescimento da presença negra nas instituições de ensino superior e nas repartições públicas. A exemplo da Lei n.º 12.990 de 2014, sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff (2011-2016), que “dispõe a reserva de vagas para pretos e pardos na administração pública, autarquias e demais órgãos ligados à União” (Brasil, 2014).

Em acréscimo, em 8 de maio de 2024, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, por intermédio do Projeto de Lei  1958/2021, obteve aprovação unânime para prosseguimento do projeto, no tocante à reserva de vagas em concursos públicos, com previsão de ampliação de 30% de vagas para pretos, pardos, indígenas e quilombolas, por dez anos (Brasil, 2024). A legislação acima é fruto dos primeiros passos dados pela militância negra e pela ação dos intelectuais negros. Nesse caso, a primeira proposição de igual teor surgiu por intermédio do deputado federal Abdias Nascimento. Em 1980, o político formulou o Projeto de Lei nº 1.332/1983, que propunha a reserva de 20% das vagas para mulheres negras e 20% para homens negros nas seleções de candidatos ao serviço público, além de bolsas de estudos e a introdução no currículo escolar da história das civilizações africanas e do africano no Brasil. Apesar disso, o Projeto de Lei de Abdias Nascimento foi reprovado pelo Congresso Nacional (Nascimento, 2014). A seguir, abordaremos o debate racial e de gênero enquanto pauta eleitoral para a reitoria na UFRJ.

 

A corrida eleitoral para a reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro 2023 - questões estruturais e os temas sensíveis à comunidade universitária

A última eleição para reitor(a) e vice-reitor(a) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em julho de 2023, delineou um novo retrato possível quanto à liderança da universidade. Nesse sentido, a pesquisa em tela observou a candidatura de uma chapa composta por duas pessoas negras. Vantuil Pereira (reitor) e Katya Gualter (vice-reitora), com a chapa “Redesenhando a UFRJ: Democracia, Autonomia e Diversidade”, em contraposição à proposição da candidatura de Roberto Medronho (reitor) e Cássia Turci (vice-Reitora) a partir da chapa “UFRJ para todos”. Nesse quesito, sublinhamos que ambas as candidaturas são representativas quanto à igualdade de gênero com a proposição de mulheres na vice-reitoria. Em similitude, as duas plataformas políticas sobrelevaram a questão racial nos debates, propuseram o enfrentamento do racismo institucional e a proposição de uma agenda antirracista. No que tange às entrevistas para o canal da UFRJ, ambos os candidatos matizaram em suas narrativas a experiência prévia na gestão da universidade, a preocupação com o corpo estudantil, bem como o empenho em majorar o orçamento universitário nos anos subsequentes. Além disso, os dois candidatos receberam apoio externo de expoentes do mundo da música, política e intelectuais ao longo das suas campanhas para a reitoria.

Nesses meandros, o candidato Roberto Medronho evocou a ciência e o trabalho desempenhados pela UFRJ no combate à Covid-19 e alinhou as últimas reformas universitárias nas universidades federais ao tema das cotas sociais e raciais. Em outros termos, o candidato a reitor proclamou que o Reuni aumentou o número de vagas e, em conjunto com as cotas, “trouxeram o retrato do Brasil para a universidade.” A presença dos extratos empobrecidos e racializados, ao se ver, tornou a universidade mais democrática. Além disso, Roberto Medronho assinalou a proeminência do fortalecimento das comissões de heteroidentificação, com vistas à extinção dos casos de fraude observados nas cotas raciais (UFRJ, 2023b).

Nesse quesito, cabe explicitar que o Reuni, dentre outros propósitos: “previa a reestruturação e expansão universitária, além do aumento do número de vagas para os discentes, expansão dos campi, criação de novos cursos, contratação de novos docentes, interiorização, dentre outros objetivos previstos” (UFRJ, 2007). Outro dado relevante é que a Universidade de Brasília (UNB), em 2004, foi a primeira universidade federal a incluir as cotas raciais e sociais no quadro universitário. Em comparação, a priori, a UFRJ fez a inclusão das cotas sociais nos cursos de acesso à graduação somente em 2008. Posteriormente, em 2014, a universidade incluiu as cotas raciais nos processos seletivos por força da Lei 12.711/2012.

Para finalizar, Roberto Medronho manifestou seu posicionamento contra toda forma de assédio dentro da universidade; neste campo, se referiu ao gênero feminino, bem como salientou que sob seu comando haveria a criação de uma “ouvidoria da mulher” para salvaguardar os direitos das mulheres. Ademais, o candidato asseverou que combateria toda forma de discriminação e assédio, e destacou a sua preferência pela equidade institucional entre todos os servidores. Quando perguntado sobre a questão étnico-racial e a representação nos cargos de gestão e direção, Roberto Medronho relembrou a criação lei de ações afirmativas nas instituições públicas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, segundo ele, ratificada em 21 de março de 2023, com vistas ao preenchimento dos cargos de poder por pessoas negras e indígenas (UFRJ, 2023b). Todavia, a Lei 12.990, anterior, foi sancionada por Dilma Rousseff, em 9 de junho de 2014 (Brasil, 2014).

De todo modo, Medronho ponderou que, em sua gestão, a prioridade seria a ocupação dos cargos de livre nomeação da reitoria pelos grupos étnico-raciais prognosticados. Segundo o candidato, os principais entraves à ocupação dos cargos de poder ou decisórios na universidade por negros e indígenas se daria pelos processos decisórios que passariam pelas eleições de departamento. Sem maiores detalhes, ele rechaçou o papel da reitoria para a representação negra nos cargos de confiança da universidade. Finalmente, Medronho destacou que o tripé da sua campanha residiria na assistência estudantil, infraestrutura universitária digna e melhores condições de trabalho ao corpo social da UFRJ, bem como na reforma da graduação com a inclusão de novas tecnologias pedagógicas (UFRJ, 2023b).

Em patamar diametralmente oposto, em entrevista à UFRJ, Vantuil Pereira frisou a responsabilidade com a instituição e as questões relacionadas às progressões, aos cargos e carreiras no seio das políticas internas de qualificação; propôs ainda a ampliação das cotas na graduação e pós-graduação, o combate à evasão discente; externalizou a criminalização dos estudantes, a seu ver, efetuada pela Reitoria e propôs a revitalização da universidade por intermédio do trabalho coletivo. Também se posicionou de modo contrário ao Reuni; porém, o candidato reforçou a contrariedade devido ao formato com que o primeiro projeto foi implementado na universidade.

Em paralelo, Vantuil Pereira expressou a necessidade da política de parentalidade e maternidade na pós-graduação, com ênfase para os estudantes que se tornam mães e pais ao longo da trajetória acadêmica. O intelectual realçou o papel das atividades de extensão e sugeriu a promoção de festividades culturais nos campus do Fundão e Praia Vermelha de modo a incorporar a sociedade carioca na universidade. Um dos pontos do debate recaiu sobre o “equipamento cultural”, resultado do leilão que concedeu a entrada de R$ 137 milhões de reais à universidade, por 30 anos, na Praia Vermelha. O projeto prevê o retorno de shows no “Canecão”, bem como a construção de um novo restaurante universitário e salas de aula na localidade.

Vantuil Pereira refutou o modelo que foi proposto para a implantação do projeto; em relevo, ponderou que este teria impacto sobre o meio-ambiente e a saúde pública e destacou a ausência de uma audiência pela antiga gestão da reitoria com os setores imprescindíveis à sua implementação. Na pauta de assistência estudantil, tema sensível, o candidato se colocou enquanto entusiasta das cotas raciais, então propôs cotas para pessoas trans e sobreluziu o tema do capacitismo, a partir da proposição de cotas às pessoas com deficiência. Neste escopo, propôs a ampliação de bolsas para estudantes e extensão do alojamento estudantil por intermédio de novas edificações para discentes da graduação e pós-graduação.

No que concerne aos técnicos administrativos, sugeriu a criação de uma política de qualificação, sobressaindo a perspectiva que eles mesmos prossigam com o doutoramento, bem como enfatizou a promoção da saúde do trabalhador, tanto dos técnicos administrativos quanto dos docentes. Quando perguntado sobre a equidade de gênero, Vantuil Pereira se disse defensor da equidade de gênero e asseverou que a maioria na UFRJ é de mulheres, e se comprometeu a perseguir essa pauta, a partir da presença de mulheres nas pró-reitorias e nas superintendências da instituição. Por último, quanto às ações afirmativas, diagnosticou que as cotas ainda carecem de radicalização, uma vez que devem incluir pessoas trans e quilombolas; se estender à iniciação científica, extensão e residência estudantil, bem como requisitou maior atenção às cotas raciais nos concursos públicos para docentes. Para isso, elevou o tom da discussão ao identificar apenas 11% de pessoas negras no corpo docente da UFRJ e problematizou o dado.

No cômputo geral, dialogou sobre a necessidade da recomposição do orçamento da universidade; propôs uma política estudantil que incorporasse os novos segmentos da sociedade, cargos gratificados, qualificação dos servidores, monitoramento da segurança dos campi em parceria com as polícias militares e seus respectivos batalhões, no intuito de reduzir a violência na universidade, bem como a ampliação das cotas raciais e de gênero. Para finalizar, norteou sua fala a partir da originalidade de uma chapa composta por duas pessoas negras após mais de 100 anos da escravidão no país, a seu ver, “por intermédio de um diálogo franco, fraterno e feito pelos afrodescendentes” (UFRJ, 2023c). O candidato também vislumbrou que a chapa representa uma série de demandas da sociedade brasileira com menção direta à entrega da faixa presidencial ter sido feita por uma mulher negra ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2023), na rampa do Congresso Nacional, no ato de tomada de posse. E, assim, afirmou que da mesma forma que falta democracia na sociedade, falta democracia na universidade. E, por último, indicou o vazio de políticas internas voltadas aos técnicos administrativos e aos estudantes no espaço universitário (UFRJ, 2023c).

Vale dizer que a UFRJ conta com um colégio eleitoral de aproximadamente 80 mil eleitores. Nesse processo eleitoral foram instituídas 39 novas seções de pesquisa presenciais e cinco seções de pesquisa virtuais (UFRJ, 2023d). De acordo com a UFRJ, a chapa “UFRJ para todos” angariou 31,7% dos votos válidos distribuídos da seguinte forma: 18,1% entre os docentes, no total de 2.253 votos; entre os técnicos-administrativos 10,3%, ou seja, 2.536 votos, e entre os estudantes 3,3%, aproximadamente 6.835 votos (França, 2023b).

No comparativo, a chapa “Redesenhando a UFRJ" obteve 19,8% dos votos válidos. Entre os docentes alcançou 835 votos com percentual de 6,7%, bem como os técnicos administrativos totalizaram 8,4%, ou 2.066 votos. Para finalizar, os estudantes totalizaram 4,7% dos votos, 8.828 votos (França, 2023b). A distribuição total dos votos é contrastante; entre os docentes, a chapa “UFRJ para todos" albergou 11,4% a mais do que a chapa “Redesenhando a UFRJ”. Em seguida, entre os técnicos administrativos, a diferença da primeira chapa para a segunda foi de 1,9%.  No que concerne à distribuição de votos entre o corpo estudantil, a distinção entre as chapas foi de 1,4% percentual com êxito para segunda chapa, ou seja, a chapa “Redesenhando a UFRJ” teve maior votação entre os estudantes.

Esse cenário é significativo quanto à participação estudantil nas decisões universitárias e, principalmente, quanto à imagem da liderança da universidade. Em outros termos, a participação dos discentes se alinha ao novo perfil do estudante universitário, oriundo das classes populares e autodeclarado preto ou pardo, podendo ser essa variável responsável pela escolha da segunda chapa, no cerne da representação ligada à raça/cor. Apesar disso, ao esmiuçarmos a divisão dos votos entre as chapas, quanto ao corpo técnico-administrativo, a diferença identificada foi de 1,9% entre a chapa “UFRJ para todos” e a chapa “Redesenhando a UFRJ”. Destarte, duas premissas merecem destaque nesse último caso, ou seja, a proporção de pessoas negras é menor do que de pessoas brancas no quadro técnico-administrativo, bem como as ações afirmativas nos concursos públicos ainda são políticas incipientes em relação aos resultados, conforme último censo demográfico apresentado pela universidade, ou seja, 55% dos técnicos-administrativos são brancos e 35,6% são negros.

Entretanto, cabe refletir quanto à autoidentificação racial e à linearidade dessa variável na escolha política dos candidatos para reitoria. Observando que no topo da pirâmide universitária, os votos computados pelos professores universitários, de maioria autodeclarada branca, tenderiam a eleger o candidato similar a sua identidade étnico-racial, neste sentido, especificamente, ao examinar o comportamento eleitoral universitário, parece haver uma perpendicularidade associada à identidade racial e de classe.

No geral, o resultado da eleição à reitoria da UFRJ culminou com 31,7% votos e a chapa vencedora foi “UFRJ para todos”, relativa ao atual Reitor Roberto Medronho e Vice-Reitora Cássia Turci. Em contrapartida, a chapa opositora “Redesenhando a UFRJ” alcançou 19,8% dos votos válidos (UFRJ, 2023d). A singularidade da corrida eleitoral à reitoria reside na apresentação de uma chapa prevalecente negra na história da universidade, a partir do Professor Dr.º Vantuil Pereira do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (reitor) e na (vice-reitoria) a Professora Dr.ª Katya Gualter da Educação Física. Em oposição à chapa do Professor Dr.º Roberto Medronho da Faculdade de Medicina (reitor) e da Professora Dr.ª Cássia Turci do Instituto de Química (vice-reitora).

Comumente, as candidaturas se tornaram um reflexo das demandas oriundas da sociedade em relação à representatividade de pessoas negras, bem como à presença de mulheres nas instâncias decisivas e de poder, com ênfase para as questões de gênero nesse debate e para o enraizamento da identidade racial presente neste episódio. Para tanto, o cruzamento de dados mostrou que 56,1% da população brasileira se autodeclara negra (pretos e pardos) e 43% se autodeclara branca, bem como 51,1% das mulheres representam a maioria da população nacional, em comparação a 48,9% da população masculina (IBGE, 2022). Essa mudança verificada nos números do IBGE, concernente à autodeclaração racial, sedimenta a hipótese referente aos efeitos das políticas de reconhecimento, estimulada pelos movimentos sociais identitários, a exemplo dos movimentos negros e indígenas.

Isso pode ser resultado da valorização da ancestralidade indígena e africana, conforme prevê a Lei 10.639 de 2003 e a Lei n.º 11.645 de 2008, condizente ao ensino da história e cultura africana e indígena nos três segmentos educacionais. Em simultaneidade, a participação do gênero feminino no mercado de trabalho e sua escolarização se coadunam à emancipação feminina, em objeção direta à tradição patriarcal, branca, cisheteronormativa e classista, como base da regulação social. Na próxima seção, dissertaremos sobre as variáveis de gênero e raça na concepção identitária dos sujeitos, bem como as resultantes para prosseguimento nos lugares de poder e comando.

 

Gênero e raça - agora as mulheres vão falar e também vão liderar!

Para compreensão das pautas identitárias associadas a gênero e raça/cor, no interior e fora do âmbito universitário, é oportuno recuperar os subsídios teóricos possibilitados pelas teorias do feminismo negro. É a partir deles que diagnosticamos o porquê de ambas as chapas alçarem as mulheres à posição de vice-reitora.

Vale distinguir que as sociedades pós-escravistas conjugam uma série de opressões relacionadas à raça/cor, classe, sexo, gênero, religião e sexualidade. A formação patriarcal concebeu um sistema de privilégios atrelados aos homens e às pessoas brancas, de modo a hierarquizar os sujeitos de acordo com as categorias identitárias expressas. Desse modo, as lutas promovidas pelo feminismo branco, feminismo negro e pelo feminismo decolonial, a partir das suas peculiaridades, se contrapuseram ao patriarcalismo, sendo o feminismo negro contrário ao racismo e ao sexismo, bem como o feminismo decolonial opositor ao eurocentrismo e ao racismo experienciado pelas populações indígenas e do terceiro mundo.

Cabe sinalizar que o direito ao sufrágio universal, o direito à participação no mercado de trabalho, o direito à paridade salarial, o direito à liderança feminina nas empresas públicas e privadas, o direito à sexualidade e aos direitos reprodutivos, o direito à participação na esfera política e nos postos de tomada de decisão, o direito à luta pelas terras quilombolas e indígenas, o direito à habitação, o direito à vida, o direito à liberdade de expressão, o direito à proteção contra o feminicídio são conquistas das marchas avivadas pelos feminismos. 

 Neste sentido, Angela Davis (2016) realça que as opressões estruturais conformam um sistema de violência racial contínuo. O feminismo negro estadunidense sublevou as pautas escamoteadas pelo feminismo branco, bem como ascendeu as demandas das identidades marginalizadas pela sociedade estadunidense, aquelas ligadas à sobreposição entre negritude e sexualidade. Angela Davis (2016) iluminou as reivindicações das mulheres negras, a exemplo da hipersexualização do corpo negro, a invisibilidade e o silenciamento de pessoas negras, as reivindicações contra o racismo, a brutalização dos corpos pelo Estado, a exploração da mão de obra negra e sua alocação em posições servis e a estereotipação quanto à agressividade e à violência natas (Davis, 2016, p. 101-113).

Tudo isso se contrapõe ao ideal de “sororidade” apregoado pelas feministas brancas e confirma a “dororidade” experimentada por mulheres negras: “quanto mais preta, mais racismo, mais dor” (Piedade, 2019), em menção ao racismo e ao sexismo praticados por mulheres brancas no projeto feminista global, que viabilizam o silenciamento e o apagamento das violências cotidianas vivenciadas por mulheres negras (Kilomba, 2019, p. 100-107).

Sendo assim, devido aos vários processos violentos e ao epistemicídio, a assunção da identidade negra de forma valorativa compreende a desconstrução do ideário branco eurocêntrico. Nesse ponto, ao agasalhar a identidade racial nos discursos dos candidatos à reitoria da UFRJ, podemos constatar a primazia da afirmação identitária negra, tanto no domínio interno, quanto no domínio externo da universidade. Essa inovação política e ideológica se ampara nas produções científicas negras e na empiria das repressões experimentadas pelos afrodescendentes nos espaços de saber e poder. 

Nesse aspecto, Neusa de Souza Santos (2021) adverte que os impedimentos à consolidação da identidade das mulheres e homens negros recaem sobre as referências negativas relacionadas ao corpo, cabelo, tom de pele, fundadas no racismo generalizado. A estudiosa denunciou as violências no campo psicológico e simbólico, bem como revelou que essas violências tornaram a autoafirmação da identidade negra um tema caro ao coletivo. No quadro geral, Neusa de Souza Santos vasculhou os desdobramentos do racismo estrutural na psique de pessoas negras e o “ideal branco” conformado no auto-ódio e repulsa à negritude, confirmando que as sequelas da escravidão se fazem não só nas searas historiográfica, econômica, política, cultural e social, mas também se sobrepõem na mirada psicanalítica. Em outros termos, nas negociações contínuas feitas entre o subconsciente e o consciente das pessoas negras em prol da sua cultura, existência e autoestima, em coerência com a realidade social conflitiva, violenta, eurocentrada e suplantadora dos saberes e conhecimentos dos sujeitos afro-diaspóricos (Santos, 2017).

Em conclusão, a teoria evocada pela intelectual realça a discussão quanto à heteroidentificação racial garantida aos candidatos com ações afirmativas na educação superior, às cotas raciais efetivas tanto nos cursos de acesso à graduação, quanto nas disputadas pelas vagas para técnico administrativo e docência, versadas pelo atual Reitor Roberto Medronho e pelo Decano Vantuil Pereira. Fato é que a adoção das cotas raciais aumentou residualmente o percentual de negros na UFRJ, bem como exibiu o preconceito de marca no Brasil (Nogueira, 1942). Outro aspecto a ser debatido reside na demora da UFRJ quanto ao acolhimento das cotas raciais na graduação e na pós-graduação; esse dado desvela as formas com que o racismo acadêmico ocorre, bem como desnuda o conservadorismo das elites quanto à entrada de pessoas negras na academia. Podemos dizer que a população negra tem se movimentado estrategicamente de modo a conquistar os seus direitos e ampliá-los, em diferentes espaços. Nesse ponto, a apresentação da chapa composta por um homem e uma mulher negra testemunha a percepção supracitada.

No embate quanto à eleição para reitoria da UFRJ, podemos enegrecer a discussão vinculada à presença feminina e negra na vice-reitoria, ainda que com ressalvas à posição secundária oferecida pelas chapas às mulheres. Em decorrência disso, vale discorrer sobre outras pautas identitárias que também se fizeram constantes no debate pautado pelos candidatos à reitoria. Nesse caso, é mister perceber que as opressões se entrecruzam em avenidas identitárias, bem como estas são variáveis elementares para a compreensão da dimensão das discriminações sofridas no dia a dia pelos sujeitos. As identidades de gênero cor, raça, classe, sexualidade, religião, nacionalidade, idade e afins, em fusão, são vetores responsáveis para que o indivíduo sofra maior ou menor grau de violência, quanto mais distante da cisheteronormatividade, ou seja, os indivíduos destoantes do sistema patriarcal, branco, cristão e pertencente às classes dominantes.

Kimberlé Crenshaw (2002) mobilizou todos esses conceitos enquanto “força centrípeta”, de modo a delinear a hostilidade sofrida por alguns sujeitos ao longo da sua trajetória social. De outra maneira, as interdições suscitadas a um ou mais eixos interseccionais da identidade fazem com que as objeções se ergam à medida que esse sujeito pleiteia participação nos bens sociais e coletivos em uma dada sociedade. É primordial a percepção dessas interdições para que ações e/ou práticas estatais simultâneas possam contornar a referida violação (Crenshaw, 2002). Neste mote, o tema da sexualidade produz a apartação do tecido social das pessoas trans, lésbicas e homoafetivas, ou seja, das identidades LGBTQIAPN+ que compõem os outsiders devido aos padrões pré-estabelecidos pela sociedade.

Esse tipo de segregação torna a sua empregabilidade, acesso à educação, saúde, moradia e outros aspectos dos serviços sociais básicos pouco ou nada acessíveis (Louro, 2004). Assim como, as violências se tornam ainda maiores quando as intersecções contornam as identidades de gênero e sexualidade (Lorde, 2020). Em vista disso, a interseccionalidade ajuda na compreensão dos discursos apresentados pelos candidatos à reitoria relativos às minorias identitárias, tendo em vista as várias formas de violência vivenciada pelos indivíduos dentro e fora da universidade. Sendo este um espaço democrático e de construção dos saberes, há que se construírem políticas internas de proteção e promoção da dignidade humana, com vistas à fruição de direitos humanos.

Neste sentido, é pertinente frisar o caso emblemático ocorrido em julho de 2016. À época, Diego Vieira Machado, estudante negro e homoafetivo, de 29 anos, morreu assassinado no campus universitário do Fundão. O seu corpo foi encontrado nu e sem documentos, com sinais de espancamento e um golpe na cabeça na Baía de Guanabara, atrás da residência estudantil da UFRJ (Martín, 2016).  Em resumo, examinar e analisar a importância da liderança de uma reitoria estruturada sobre políticas públicas preventivas e protetivas das minorias raciais e de gênero é fundamental para essa discussão.

 

Pessoas negras e o poder: entre o mito da democracia racial e a realidade social?

Nesse enredo, não podemos deixar de tangenciar as manifestações ideológicas propiciadas pelo “mito da democracia racial”. A perspectiva adocicada consoante às relações raciais desenvolvidas entre as três raças na proposição de Freyre desempenha uma fórmula orientadora das posições a serem ocupadas pelos sujeitos, de modo a alinhar a ideia de meritocracia ao fenótipo do indivíduo. Na voz do autor: “Entre tantos antagonismos contundentes, amortecendo-lhes o choque ou harmonizando-os, (temos) condições de confraternização e de mobilidade social peculiares ao Brasil: a miscigenação...” (Freyre, 1933, p. 54). Dessa conjunção sociológica e política, a análise do antropólogo oferece a possibilidade de entendimento que a sociedade brasileira é livre das suspeições associadas à cor e raça, bem como as tensões raciais são inexistentes. E, desse modo, confere o racismo à brasileira um grau de sofisticação e invisibilidade singular. O marco dessa discussão esteve também nos estudos da Unesco (1950), no que tange ao debate sobre raça e classe e a ascensão social dos indivíduos em uma dita sociedade harmônica. As pesquisas, em sua maioria, identificaram que o preconceito racial era fator de impedimento à mobilidade social de pretos e pardos na estrutura de classes (Bastide; Fernandes, 1955).

Nesse prisma analítico, a entrada de pessoas negras em áreas estratégicas representa um marco, no tocante aos avanços da agenda racial e de gênero, sabendo que os dois candidatos negros à reitoria são representativos dos índices do perfil demográfico dominante na mirada nacional, ou seja, a maioria é negra e de mulheres. Somado a isso, o fato consolida a proposta de um novo perfil no alto escalão acadêmico, bem como visa delinear as bases de uma intelectualidade negra em ascensão. Em prosseguimento, estimula o aumento gradativo dos afrodescendentes e indígenas na composição da comunidade universitária. No geral, esta etapa sinaliza a formação dos quadros políticos decisórios do país em equidade com a população branca. 

Neste caso, embora o processo eleitoral da UFRJ tenha sido democrático a partir do voto direto, devemos ponderar quanto às chances de elevação social de pessoas negras sem que sejam indicadas, ou mesmo, por força da lei. Em outras palavras, o quadro da desigualdade racial crônico e informativo da fluência do mito e dos percalços enfrentados por pessoas negras nas áreas de poder. Todas essas características conformam um campo de tensão relativo às relações sociais e prescrevem análises sociológicas no centro dos efeitos sociais da cor, ou seja, as hierarquias raciais estruturantes e estruturadas produzem um continuum de violências e interdições.

Segundo o antropólogo Kabengele Munanga:

 

Os responsáveis do país pareciam viver com consciência tranquila, de acordo com o ideal do mito de democracia racial que apresentava o Brasil como um paraíso racial, isto é, um país sem preconceito e discriminação raciais. Em razão desse ideal, o Brasil viveu muito tempo sem leis protecionistas dos direitos humanos dos não brancos, justamente porque não eram necessárias, tendo em vista a ausência dos preconceitos e da discriminação racial, pensavam. Enquanto permanecia essa consciência tranquila dos dirigentes e da sociedade civil organizada, inúmeras injustiças e violações dos direitos humanos foram cometidas contra negros e povos originários, como demonstrado pelas pesquisas quantitativas que o IBGE e o Ipea vêm realizando nos últimos vinte anos (Munanga, 2022, p.  119).

O estudioso revela que

 

As propostas de reconhecimento das diferenças raciais implicaria, segundo eles, mudança de paradigmas capaz de hipotecar a paz e o equilíbrio social solidamente construído pelo ideal de democracia racial brasileira. De outro modo, indagam que as políticas de reconhecimento das identidades raciais, em especial da identidade negra, poderão ameaçar a unidade ou a identidade nacional, por um lado, e reforçar a exaltação da consciência racial, por outro lado. Ou seja, que tais políticas poderiam ter um efeito bumerangue, criando conflitos raciais que, segundo dizem, não existem na sociedade brasileira (Munanga, 2022, p.  120).

 

Em analogia, Lélia Gonzalez (2020) analisou o racismo à brasileira e verificou que este ocorre por intermédio da “denegação”, ou seja, a categoria psicanalítica freudiana aplicada pela intelectual negra explicaria o comportamento da sociedade brasileira referente à negação da existência do racismo, como parte constitutiva de nossa gênese, mas sem nenhum constrangimento tenderia a praticar atos racistas contra a população negra. Esse pressuposto é recorrente nos países da América Latina, em oposição ao racismo aberto ou explícito praticado nos países de colonização anglo-saxã, de modo que a sua negação se constitui em óbice à luta contra o racismo estrutural e para a implementação das ferramentas necessárias ao seu enfrentamento (Gonzalez, 2020).

 Essa diagnose pontuada pela autora se coaduna às narrativas políticas e medidas jurídicas contrárias às ações afirmativas, enquanto mecanismos promotores de justiça social, sobretudo pelos setores conservadores, elitistas e tradicionais. Outro dado é a proposição de uma mulher negra relacionada com êxito ao cargo da reitoria, o que traria uma série de rupturas concernente às práticas racistas e sexistas ligadas ao imaginário social sobre a mulher negra. Gonzalez (2020) verificou que as percepções e os papéis sociais pré-definidos às mulheres negras no país recaem sobre a ideia da “mucama”, “doméstica” e da “mulata”. Dessa forma, a ocupação de espaços representativos e de poder por mulheres negras fomentaram a repulsa em diversos setores sociais e, ao mesmo tempo, impossibilidades e desqualificação. Por isso, a representatividade do gênero feminino negro em instâncias de prestígio e de tomada de decisão encoraja a ruptura da base escravista brasileira. Portanto, a seguir, iremos esmiuçar os sustentáculos das nossas desigualdades raciais sob os contornos estrutural e pragmático.

 

Poderíamos falar de uma elite intelectual negra? De onde partimos e em que lugar chegamos?

A desigualdade racial brasileira é fruto das desproporções ligadas à educação, renda, empregabilidade e que são sintomáticas dos fundamentos das relações econômicas e políticas pregressas. Para esse debate, as assertivas de Clóvis Moura (1988) explicam a imbricação entre o colonialismo e o capitalismo. O intelectual resgatou as premissas da convergência cultural e biológica entre negros, brancos e indígenas pavimentada por Freyre (1933), bem como sinalizou que a formação do capitalismo brasileiro se desenvolveu a partir das estruturas de opressão racial. Dessa maneira, Clovis Moura entendeu que a visão culturalista apregoada por Freyre escamoteou o problema do negro em seus diversos níveis, principalmente quanto à luta de classes. Clóvis Moura afirmou enfaticamente que “[...] o mito da democracia racial é uma ideologia arquitetada para esconder uma realidade social altamente conflitante e discriminatória no nível das relações interétnicas” (Moura, 1988, p. 30).

O autor também especificou que as relações interétnicas sobrepujam a condição de classe. A mediação proposta pelas ideologias mistificadoras da realidade, a seu ver, suavizam as etapas discriminatórias de inferiorização, fragmentação e hierarquização das pessoas negras na divisão social do trabalho (Moura, 1988). De outro modo, Moura detectou que o racismo legitimou a expansão, dominação, apropriação, invasão e o saqueamento elaborado pelos europeus. Assim como, a justificativa para esse comportamento genocida e epistêmico esteve calcada na autointitulação de “raça superior”, em comparação aos povos indígenas e africanos tidos por “raças inferiores”.

Logo, em seguida, a substituição do “braço escravo” pela incorporação da mão de obra europeia para o trabalho assalariado consolidou a dependência econômica da nação em relação aos países centrais. E, muito embora, o regime de assalariamento tenha surgido com a abolição da escravatura (1888), o autor percebeu que os escravizados e os trabalhadores livres conviveram nos mesmos espaços de trabalho, compartilhando formas de resistência e lutas políticas. Em conclusão, o teórico relatou que, a partir de mecanismos represssivos e reguladores das relações, se consolidou a divisão entre brancos, negros e seus descendentes: de um lado, trabalho qualificado e intelectual; de outro, trabalho não qualificado, braçal e mal remunerado (Moura, 1988).

Em termos pragmáticos, as análises empreendidas por Clóvis Moura se ajustam à escassa presença de pessoas negras e indígenas no eixo universitário, assim como se conforma aos elementos produzidos pelo censo do IBGE (2021). Os dados estatísticos indicaram que mais da metade dos trabalhadores do país 53,8% eram pretos e pardos, no entanto, quando somados, ocupavam apenas 29,5% dos cargos gerenciais. Segundo o IBGE (2021), o grupo com maiores rendimentos nos referidos cargos é de brancos e representa 84,4%; em comparação, os pretos e pardos alcançam 14,6% dessas ocupações bem remuneradas. Todos esses aspectos estatísticos confluem com a questão da concentração de renda e com as disparidades sociais vinculadas à remuneração entre negros e brancos (IBGE, 2021).

Cabe exponenciar os limites concernentes ao acúmulo de bens e terras entre negros e brancos. Nesse caso, a concentração de terras, principalmente quando comparadas à relação entre a cor ou a raça dos produtores, bem como o tamanho das propriedades rurais, prescinde de observação específica no cerne das chances de formação do capital econômico de pretos e pardos. De acordo com o órgão, 13,7% dos proprietários rurais são pretos e 58,0% são pardos; esse grupo totaliza aqueles que têm estabelecimentos com menos de um hectare. Todavia, entre os proprietários com mais de 10 mil hectares, os brancos representavam 79,1%, pretos 1,6% e pardos 17,4% (IBGE, 2021).

Em continuidade, no quesito educação superior, a presença na graduação com maior número de matrículas, em 2020, de pretos e pardos recaiu sobre a graduação em pedagogia com 11,6% de pretos e 36,2% de pardos; já a enfermagem contou com 8,5% de pretos e 35,2% de pardos; em contrapartida, a medicina alcançou 3,2% de matriculados pretos e 21,8% de pardos (Costa, 2020). Na esfera dos rendimentos financeiros, as pessoas brancas com ensino superior completo ou mais ganhavam em média 50% a mais do que as pessoas pretas e cerca de 40% a mais do que as pardas (IBGE, 2020b). Toda essa amostra percentual revela que a escolha profissional condizente aos cursos de graduação tem efeito direto sobre a remuneração dos indivíduos, ou seja, os “cursos de prestígio” auferem maior remuneração, no comparativo com as outras áreas de “menor valorização” no mercado de trabalho.

Esse fator é distintivo para o prosseguimento na carreira universitária, principalmente para a formação continuada no mestrado e no doutorado, com posterior entrada na docência. Essa fase, ainda mais disputada, torna o horizonte menos animador devido às vagas escassas e ao grande número de concorrentes. Afora os impreterimentos realizados pelas bancas dos concursos por conta da raça/cor dos candidatos, independentemente das suas titulações e pesquisas, e o racismo acadêmico velado. Em compêndio, o burnout racial experienciado por docentes negros em seu cotidiano. Esses dados e outros explicam o cenário versado nesta pesquisa quanto ao percentual reduzido de pretos e pardos no magistério superior.

Ainda na pirâmide relativa à raça, classe e gênero, a pesquisa do IBGE (2019) descortinou que as mulheres pretas e pardas recebiam menos da metade do que os homens brancos, ou seja, apenas 44,4% do que os brancos ganham. Em seguida, a vantagem recaiu sobre a mulher branca, cujos rendimentos são superiores, não só aos das mulheres pretas e pardas, mas também aos homens desta cor, na seguinte proporção de 58,6% e 74,1%, respectivamente. Já os homens pretos e pardos apresentaram rendimentos maiores do que as mulheres da mesma cor, na proporção de 79,1%, a maior entre as combinações (IBGE, 2019, p. 4).

No desenho das desigualdades raciais, o mapa demográfico do Brasil indicou que pretos ou pardos tinham maiores restrições à Internet 23,9%, saneamento básico 44,5%, educação 31,3%, condições de moradia 15,5% e à proteção social 3,8% (IBGE, 2019). A compreensão dos dados expostos ajuda a cogitar as dificuldades vividas pelas classes populares, no que tange ao acesso e permanência na educação superior. Em confluência, a Pnad contínua trimestral divulgou, em agosto de 2020, dados relativos às mulheres negras, quais sejam, em 2019, 20% das mulheres negras e pardas trabalhavam com serviços domésticos, contra 10% entre as mulheres brancas (IBGE, 2020a). Por esse ângulo, a problematização sobre a participação feminina e negra em postos de poder e notabilidade é pertinente neste estudo.

De um modo geral, as assimetrias sociais avaliadas nos censos oficiais elucidam as marcas da escravidão para a vida das famílias negras. O que ratifica ainda hoje a cidadania inconclusa dos descendentes dos escravizados (Carvalho, 2002). Concomitantemente, as bases estatísticas identificadas sobredito se afinam ao espelhamento dos índices coletados na eleição para a reitoria da UFRJ, bem como à hierarquia racial e socioeconômica presente na universidade, enquanto berço da reprodução das elites.  Portanto, o acúmulo de desvantagens históricas constitui variáveis que tornam intransponível a mobilidade social de pessoas negras e indígenas. Em assonância, o esboço dos pormenores da efetivação do racismo institucional se relaciona à produção do racismo acadêmico, assunto esse que iremos ventilar a seguir. 

 

Racismo Institucional e o papel das universidades na inclusão social

Segundo Levine & Pataki (2005) as estruturas causam injustiças por causa da má distribuição de poder, assim como os agentes causam prejuízos injustos pelo abuso de poder. Desse modo, os intelectuais discorrem que “a vida social é restringida pelos recursos institucionais e culturais disponíveis e os modos em que temos poder de agente dentro dessas, e, às vezes, em oposição a essas restrições” (Levin; Pataki, 2005, p. 126). Os teóricos postulam que as instituições podem corroborar o racismo quando são cegas às opressões sofridas por determinados grupos, de modo a perpetuar e ainda exacerbar as distinções sofridas por eles. Nesse caso, as injustiças sociais estão conectadas às estruturas opressivas substanciais e interconectadas, as quais produzem prejuízos aos grupos minoritários nas instâncias de poder.

Em correspondência, as instituições são conformadas por indivíduos que a partir das suas crenças e preconceitos tendem a gerir e estabelecer padrões e práticas consoantes ao grupo dominante. De um modo geral, dentro das cinco formas de subordinação: exploração, marginalização, impotência, imperialismo cultural e violência sistemática. Ainda neste aspecto, os intelectuais observam que as estruturas que permeiam as instituições podem ser injustas na distribuição de benefícios e poder, sobretudo no significado social das relações que elas criam (Levin; Pataki, 2005, p. 129- 131).

Em síntese, as teorias vinculadas ao racismo institucional definem que “nossas atitudes são moldadas pelo que vemos, e o que vemos, por sua vez, depende das estruturas institucionais que moldam nossas vidas e as vidas ao nosso redor” (Werneck, 2016, p. 143). Portanto, toda gama de práticas, instituições, políticas e coisas do tipo contam como racialmente opressivas e podem ser lidas enquanto racismo institucional (Werneck, 2016, p. 178). Jurema Werneck (2016) descreve o racismo institucional como: a ação institucional voltada para a geração da proteção e/ou redução da vulnerabilidade de indivíduos e grupos, na perspectiva de seus direitos humanos. Ou mesmo, segundo Werneck, “equivaleria a ações e políticas institucionais capazes de produzir e/ou manter a vulnerabilidade de indivíduos e grupos sociais vitimados pelo racismo” (Werneck, 2016, p. 543). Em seu formato mais específico, o racismo institucional diz respeito à divisão material e de acesso ao poder, de modo que o primeiro contorna a indisponibilidade e/ou o acesso reduzido à política de qualidade. Já o segundo, acesso ao poder, se coaduna ao menor acesso à informação, menor participação e controle social e escassez de recursos (Werneck, 2016).

Consoante ao racismo acadêmico, esta pesquisa acentua elementos a serem pensados concernentes à presença de pessoas negras nesses espaços. Grada Kilomba, em “Memórias da plantação” (2019), descreve os obstáculos estimulados pelas instituições de ensino superior, para obstruir o acesso de pessoas negras no reduto acadêmico. Kilomba assegura que "o centro acadêmico não é um local neutro”. Segundo ela, “ele é um espaço branco onde o privilégio de fala tem sido negado para as pessoas negras” (Kilomba, 2019, p. 50). Sempre alocando pessoas negras enquanto “sujeitos inferiores”, de maneira a “classificar”, “desumanizar”, “brutalizar” e produzir a “morte” destes. Kilomba identifica a objetificação e a criação da “outridade”, na qual a comunidade negra é reconhecida a partir da voz do branco, nunca dele mesmo.

Neste propósito, Kilomba observa a academia como espaço de violência, como a continuidade do projeto colonial. Ao contrário da perspectiva científica e erudita, a universidade conforma um local de múltiplas opressões. Em adendo, a teórica explicita que as produções de intelectuais negros são analisadas através de discursos categóricos, ou seja, desvencilhados de fatos objetivos e tidos por opiniões ou prismas subjetivos, de modo a classificar esses discursos nas margens, como conhecimento desviante. Todavia, Kilomba detecta que as produções dos intelectuais brancos se conservam no centro e conforme a norma eurocêntrica (Kilomba, 2019, p. 51-52).

No geral, a teórica conclui que essa dimensão do racismo institucional acadêmico funciona de modo a manter as posições hierárquicas, preservar a supremacia branca e postular “quem pode falar”, desconstruindo os saberes dos subalternizados e, ao mesmo tempo, tornando ainda mais árdua a luta de pessoas colonizadas para acessar a representação dentro de regimes dominantes. Assim, Kilomba salienta que “da margem” nos reportamos ao centro; da periferia, confrontamos as posições estabelecidas com resistência e criatividade. Segundo a autora: “Nesse contexto de marginalização, mulheres e homens negros desenvolvem uma maneira particular de ver a realidade: tanto de fora para dentro quanto de dentro para fora” (Kilomba, 2019, p. 67). A análise da autora converge as barreiras internas à formação e à ascensão de pessoas negras no reduto acadêmico e mais ainda, à inclusão destas nos cargos de direção.

Em destaque está a percepção que os corpos negros devem ocupar necessariamente “o espaço da rua, da prostituição e dos trabalhos servis”. Para os “estabelecidos”, a branquitude, a dissociação entre intelectualidade e negritude é uma constante. Dito de outra forma, para o público branco, as pessoas negras só seriam cabíveis no trabalho braçal; a capacidade de pensar e refletir sobre os processos sociais e sua própria existência só seria concebível ao coletivo branco. O que confirma as afirmações tecidas por Franz Fanon (1925-1961) em “Peles negras máscaras brancas” (2008), ao diagnosticar a conferência recorrente quanto à intelectualidade e humanidade dos negros pelos brancos.

Ou seja, o diploma não seria suficiente para os negros; sob constante vigília e controle, a intelectualidade negra estaria sempre submetida aos “testes comprobatórios” e “simbólicos” quanto ao domínio dos saberes eurocentrados. Somando-se à socialização de violência velada praticada horizontal e verticalmente contra as minorias étnico-raciais e de gênero no âmbito universitário. Nesse aspecto, a branquitude tende, em suas práticas relacionais, privilegiar o pensamento eurocêntrico e a afeição pela continuidade da supremacia branca, com o amparo do pacto narcísico da branquitude (Bento, 2022).

 

Considerações finais

Em conclusão, a pesquisa procurou identificar e analisar o papel da intelectualidade negra nos espaços decisórios; para tanto, observou enquanto estudo de caso as eleições para a reitoria em uma das maiores universidades do país, a UFRJ. Desse modo, foi esquadrinhada a disputa eleitoral entre duas chapas, com destaque para a composição de uma chapa formada por duas pessoas negras, “Redesenhando a UFRJ” versus a chapa “UFRJ para todos”. Desse modo, optou-se pela racialização da temática e analisaram-se as consequências do “mito da democracia racial” no cerne das representações sociais e das questões de ascensão universitária.

Em similitude, o estudo identificou o perfil identitário da UFRJ,  composto por maioria branca e do gênero masculino no quadro docente, posicionados nos maiores cargos e com os maiores salários, ao lado do perfil técnico-administrativo de maioria branca e do gênero feminino; porém, na composição dos terceirizados, a prevalência é negra. Cabe observar que não foram fornecidos dados quanto à proporção de gênero entre os terceirizados pela instituição.

De todo modo, afinada às desigualdades raciais e de gênero também perquiridas nos censos demográficos do país, esta pesquisa assinalou os dados da desigualdade racial em várias áreas da vida social e a continuidade desses elementos no âmbito universitário, principalmente pela ausência de capitais (capital econômico, social, cultural e político) não herdados geracionalmente pelos afrodescendentes e indígenas, devido ao processo escravista e suas consequências à mobilidade social. Em convergência, a pesquisa versou sobre o racismo acadêmico e as formas com que ele se apresenta; as dificuldades para a formação continuada na pós-graduação em stricto sensu pela população negra e os entraves à entrada e permanência na docência universitária.

Por fim, ponderamos quanto ao comportamento político eleitoral associado à hipótese da autoidentificação a partir da raça/cor e classe na expressão do voto universitário na eleição predita. Convém frisar que a presença de duas pessoas negras na disputa pela reitoria provocou o debate quanto à pauta racial, de gênero e sexualidade na eleição. Para finalizar, o estudo recapitulou os discursos proferidos pelos candidatos e os resultados da eleição, com vistas a segmentar a distribuição de votos entre docentes, técnicos administrativos e estudantes.

Neste aspecto, os docentes tenderam a eleger os candidatos autodeclarados brancos à reitoria, em correspondência aos técnicos administrativos. Por último, em contraste, o corpo discente votou pelos candidatos autodeclarados negros. Decerto, mais estudos exploratórios neste campo cabem ao prosseguimento desta pesquisa, sobretudo, quando diagnosticadas as questões de raça/cor, gênero, sexualidade e seus efeitos no ambiente universitário, bem como as suas implicações para a representatividade e a gênese de políticas internas protetivas, de acesso a bens e poder voltadas às minorias.

 

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[i] Artigo recebido em:  14/09/23

 Artigo aprovado em:  10/06/24