Caixa de Texto:  e-ISSN 1984-7246    


As relações raciais no Ceará e o raid dos jangadeiros negros em época de Lei Afonso Arinos (1951-1958)[i]

 

 

 

 

 

Arilson dos Santos Gomes

Universidade da Integração Internacional da Lusofonia

Afro-Brasileira (Unilab)

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As relações raciais no Ceará e o raid dos jangadeiros negros em época de Lei Afonso Arinos (1951-1958)

 

Resumo

O foco deste artigo são as relações raciais no estado do Ceará na década de 1950. Seu objetivo é compreender como os impressos, na década de 1950, tratavam a identidade racial dos jangadeiros cearenses que realizaram o raid, uma incursão ao mar, em sua luta por direitos trabalhistas na época de criação da Lei Afonso Arinos (1951). Os exames dos impressos terão como período limite o ano de 1958, ano do artigo publicado pela colunista cearense Adísia Sá no contexto de realização do Primeiro Congresso Nacional do Negro de Porto Alegre. Por meio do método de análise de conteúdo proposto por Bardin (2009), as matérias jornalísticas são investigadas. As fotografias dos impressos igualmente estão sendo analisadas à luz de Miriam Moreira Leite (1993). O estudo, embasado em Gilberto Freyre (1967), Parsifal Barroso (1969), Lélia Gonzalez (1984) e Roberto Damatta (2000) aponta a conclusão de que, ao negar o racismo e a contribuição de pretos e negros à identidade regional, pela identificação racial dos jangadeiros como caboclos, reproduziu-se no Ceará um “racismo à cearense”.

 

Palavras-chave: jangadeiros; identidade negra; caboclo; racismo à cearense; impressos.

 

Race relations in Ceará and the raid of black jangadeiros at the time of Lei Afonso Arinos (1951-1958)

 

Abstract

The focus of the article is racial relations in the state of Ceará in the 1950s. Its objective is to understand how the printed matter, in the 1950s, treated the racial identity of the Ceará fissherman who carried out  in to raid in their fight for labor rights at the time of creation of the Afonso Arinos Law (1951). Examinations of the printed matter will have as a limit the year 1958, the year of the article published by Ceará columnist Adísia Sá in the context of the First National Congress of Black People in Porto Alegre. Using the content analysis method proposed by Bardin (2009), journalistic articles are in the process of being analyzed. The printed photographs are also being analyzed in the light of Miriam Moreira Leite (1993). The study, based on Gilberto Freyre (1967), Parsifal Barroso (1969), Lélia Gonzalez (1984) and Roberto Damatta (2000) points to the conclusion that, by denying racism and the contribution of black people to regional identity, Through the racial identification of fissherman as “caboclos”, a “Cearense-style racism” was reproduced in Ceará.

 

Keywords: fissherman; black identity; “caboclo”; cearense-style racism; printed.

 

 

 

 

 

1 Considerações iniciais

As ações dos jangadeiros “negros” cearenses no raid (incursão ao mar), realizado em 1951, foram fundamentais para a compreensão das dinâmicas relacionadas às reivindicações de melhorias das condições de trabalho e da garantia de direitos da classe. A ênfase ao termo (negros) no trabalho incide no reconhecimento dos traços “negroides” dos jangadeiros cearenses divulgados nas imagens dos impressos, e registrados nas escritas dos redatores jornalísticos como “caboclos”.

O recorte temporal deste trabalho é do ano de 1951, ano de promulgação da Lei nº 1.390/1951, que torna crime de contravenção penal o ato de um estabelecimento recusar hospedagem, serviço e atendimento a negros, perpassando a repercussão midiática realizada por ocasião do segundo raid realizado pelos jangadeiros cearenses para cobrar os seus direitos ao então presidente Getúlio Vargas (1882-1954). Em virtude da complexidade de examinar as relações raciais no estado, os exames dos impressos terão como período limite o ano de 1958, em decorrência de um artigo publicado pela colunista cearense Adísia Sá, dias antes do Primeiro Congresso Nacional do Negro realizado na cidade de Porto Alegre/RS.

O objetivo do artigo é compreender como os impressos de Fortaleza, na década de 1950, tratavam a identidade racial dos jangadeiros cearenses que realizaram o raid em sua luta por direitos trabalhistas, justamente em um contexto de criação da primeira lei que passa a tratar como contravenção penal a discriminação racial no Brasil, a Lei Afonso Arinos (1951). Diante disso, como eram registradas, no período, as discussões raciais nos impressos cearenses?

Por meio do método de análise de conteúdo proposto por Bardin (2009), nos seus aspectos qualitativos, e com o propósito de examinar notícias sobre o raid de 1951, além de bibliografia pertinente, estão sendo utilizadas matérias jornalísticas dos seguintes impressos: O Estado, Diário do Povo, O Povo, O Unitário e o Gazeta de Notícias, entre outros, localizados na Biblioteca Pública Menezes Pimentel (Bece) de Fortaleza, e da Revista do Globo, localizada no Museu da Comunicação Hipólito José da Costa de Porto Alegre[1]. A coleta de dados focou em matérias que publicaram as seguintes unidades de registros: “raça”, “preto”, “negro”, “branco”, “índio”, “caboclo”, “miscigenação”, “preconceito de cor”, “racismo”, “discriminação racial”, “ódio racial” e “Lei Afonso Arinos”, assim como outros termos que foram adicionados para o entendimento do conteúdo analisado.

Nas fontes anunciadas, estão sendo analisadas as fotografias dos jangadeiros, nas quais estão em observação as características fenotípicas (conjunto de características físicas visíveis do indivíduo, predominantemente a cor da pele, a textura do cabelo e os traços faciais) a fim de identificar as suas características raciais por meio da “discriminação positiva”[2]. As características fenotípicas observáveis são definidas como “marcas” do sujeito (Nogueira, 2006). É a partir da heteroidentificação racial, com base nas fotos, que se propõe analisar as imagens dos jangadeiros cearenses que realizaram o raid no ano de 1951[3].

Cabe destacar que o termo “raça”, aqui, é usado porque a discriminação racial e o racismo existentes na sociedade brasileira se dão não apenas “[...] devido aos aspectos culturais dos representantes de diversos grupos étnico-raciais, mas também devido à relação que se faz na nossa sociedade entre esses e os aspectos físicos observáveis na estética corporal dos pertencentes às mesmas” (Gomes, 2005, p. 45).

A identidade racial negra é ressignificada pelas ideologias dos movimentos sociais de maneira assertiva à resistência contra a opressão. A partir disso, o termo “raça” vinculado ao fenótipo negro é ressignificado. Enfatiza-se que o termo, aqui exposto, não é alicerçado na ideia de raças superiores e inferiores, como originalmente era usado no século XIX. Pelo contrário, utiliza-se uma nova interpretação ― em consonância com o Movimento Negro e alguns sociólogos ― que tem base na dimensão social e política do referido termo (Gomes, 2005, p. 45).

Quanto à utilização das fontes imagéticas, Miriam Moreira Leite explica que as imagens são representações aguardando um leitor que as decifre (Leite, 1993). Portanto, não se pretende utilizar as imagens como meras figuras ilustrativas no artigo, mas, sim, demonstrar um estudo comparativo dos sistemas de símbolos e significados da linguagem fotográfica a partir de aspectos visualizáveis, sobretudo em relação ao fenótipo dos sujeitos examinados.

Para desenvolver o estudo, em um primeiro momento, será discutido o surgimento do caboclo cearense, já que essa categoria é a principal designada pela imprensa à identidade dos jangadeiros. Em um segundo momento, far-se-á uma breve análise, por meio dos conteúdos registrados, das relações raciais sob o prisma dos impressos e, posteriormente, a identificação da construção positiva da identidade negra diante do racismo à cearense. E, por fim, caberá o exame de como foram registradas as características físicas, nos veículos jornalísticos, em relação aos traços raciais dos jangadeiros.

 

2 O surgimento do caboclo cearense

“O caboclo é uma categoria social complexa que institui dimensões geográficas, raciais e de classe”, de acordo com Deborah de Magalhães Lima (1999, p. 06). Na dimensão geográfica, ele é reconhecido como um dos “[...] tipos regionais do Brasil [...]”. Em geral, a autora destaca que “[...] os caboclos são reconhecidos pelos brasileiros como tipo humano característico da população rural da Amazônia [...]. O caboclo é também uma mistura racial. Refere-se ao filho de branco com o índio” (Lima, 1999, p. 06).

Em relação aos dois primeiros censos nacionais (1872 e 1890), João Pacheco de Oliveira (1997) constata que a população indígena foi designada por “caboclos”. Em ambos os censos, existem quatro categorias, ali chamadas de “raças”: “brancos”, “pretos”, “pardos” e “caboclos”. No censo de 1890, são traduzidas essas categorias para o idioma francês. Os “pardos” são caracterizados como mestiços (“métis”), enquanto os “caboclos” seriam os indígenas (“indiens”) (Oliveira, 1997, p. 70).

Na literatura, o romance escrito por José de Alencar (1829-1877) traz sentidos para a mistura racial na formação do cearense. Iracema, livro escrito em 1865, trata da relação entre a indígena Iracema e o europeu Martim. Do “amor” entre ambos surge Moacir, “[...] filho do sofrimento [...] havia aí a predestinação de uma raça?”, questiona o autor no final do romance (Alencar, 1865, p. 72). Seria Moacir, decantado em verso e prosa, o primeiro cearense. Essa fabricação estaria alinhada, guardadas as proporções, a uma “fábula das raças” (Damatta, 2000) em nível regional.

Na escrita da história, o Instituto Histórico do Ceará (1887), por meio de seus intelectuais, justificaria a pouca presença das populações negras fundamentada na hipótese de uma escravidão menos intensa do que em outras regiões do Brasil. O espaço reproduziu a história do pioneirismo abolicionista e a manutenção do status quo das elites políticas letradas, legando às populações negras estigmas e estereótipos (Funes; Rodrigues; Ribard, 2020).

Ana Sara Irffi (2008, p. 48) pesquisou as categorias “raciais” escravistas no sul do Estado do Ceará dos “oitocentos” e constata: “[...] na vantagem da cor mais clara [...] os pardos libertos poderiam se inserir com maiores chances de êxito na esfera dos brancos”. “A cor da pele, a textura do cabelo, e outros sinais físicos visíveis determinavam a categoria racial em que a pessoa era posta àqueles que ficava conhecendo”, aponta Thomas Skidmore (1976, p. 55). Nessas relações, “[...] os limites sociais da sua mobilidade dependiam sem dúvida da aparência (quanto mais “negroide”, menos móvel)” (Skidmore, 1976, p. 56)[4].

O termo “caboclo” é também empregado como “uma categoria relacional”. “Identifica uma posição social inferior em relação àquela com que o locutor ou a locutora se identifica”. Os critérios utilizados nessa classificação cotidiana “[...] incluem as qualidades rurais, descendência indígena e ‘não civilizada’, que contrastam com as qualidades urbana, branca e civilizada” (Lima, 1999, p. 07-08).

Em 1914, “Monteiro Lobato começou a publicar artigos de jornal sobre o estado de atraso da agricultura brasileira [...]” (Skidmore, 1976, p. 199)[5]. Os ensaios resultaram na publicação de “Urupês” (1918), que focalizava a preguiça e a ignorância do caboclo (termo abrangente para todo o paulista nato – com uma pitada de índio, tipo encontradiço do interior), a quem deu o nome de “Jeca Tatu”. Para Skidmore, “Lobato acusava uma nova escola de escritores (não identificada) de enfeitar o caboclo com as velhas virtudes índias de orgulho altaneiro, lealdade, bravura e virilidade heroica, quando, na verdade, era ‘incapaz de evolução, impenetrável ao progresso’” (Skidmore, 1976, p. 199-200). Em certa medida, uma crítica à construção alencarina (Freitas, 2015).

Idelfonso Albano (1885-1957), prefeito de Fortaleza (1921-1923) e governador do Estado do Ceará (1923-1924), admirador de José de Alencar, foi o criador do Mané Xique-Xique. Um “contra ensaio” a Lobato, no qual descreve “[...] o homem do sertão (que ele batizou de “Mané Xique-Xique”) como fazendeiro modelar, intrépido criador de gado, pescador habilíssimo e eficiente coletor de borracha. Era ele o ‘sustentáculo da nação’” [...] (Skidmore, 1976, p. 200). O “Mané Xique-Xique” “[...] mais do que o bom sertanejo é a construção do cearense idealizado e do cidadão perfeito que a República Brasileira necessitava. Apesar do instinto justiceiro, respeitava as leis, apreciava os homens públicos do Estado”, como aponta Bianca Freitas (2015, p. 13). O caboclo, a partir de então, é revigorado.

De acordo com Jerry Dávila (2005, p. 60), “A preocupação com a ‘redenção’ do Brasil reuniu a educação e a saúde em um empenho comum”. Manoel Lourenço Filho, em 1922, da Escola Normal de São Paulo, foi contratado por Idelfonso Albano para trabalhar pelo progresso do Estado. Em Juazeiro, terra de Padre Cícero, Lourenço Filho, educador e pedagogo, relatou: “[...] na costa, predomina o branco, fato que demonstra preponderância ariana da nossa gente de hoje, a breve trecho, surgem, porém, expressões do mais violento caldeamento as três raças primitivas, com a presença muito rara do preto puro” (Lourenço Filho, 1955, p. 34 apud Dávila, 2005, p. 62-63). A solução era a educação: “A miséria que os brasileiros enfrentavam era a responsável por sua ‘degeneração’”.

“O governo na verdade encorajava a degeneração promovendo jogos políticos de curto prazo entre as facções locais [...] por meio da construção de escolas e da reorientação das prioridades das elites” (Dávila, 2005, p. 63), incluindo as cearenses[6]. A campanha de saúde pública “[...] destinada a resgatar o caluniado homem do interior não se fizera acompanhar de uma revisão do ‘problema étnico’ [...]. ‘Jeca Tatu’ não tinha, na concepção geral, uma gota sequer de sangue africano. Muito pelo contrário. Pensava-se que ele fosse (no que passasse a realidade) um branco retrógrado, com, talvez, um pouco de sangue índio” (Skidmore, 1976, p. 204). Portanto, no Sul, o caboclo não era associado às populações negras, assim como no Ceará (Menezes, 1995).

A categoria regional do termo “caboclo” é enfatizada por José de Carvalho na década de 1930 em sua obra O matuto cearense e o caboclo do Pará – contribuição ao folk-lore nacional. Para o autor, as diferenças entre esses dois “tipos” eram a mistura racial e a diversidade climática do Ceará em contraponto à natureza Amazônica, rica em florestas e rios, o que teria originado um caboclo nortista mais simples, mais primitivo e menos complicado. No livro, o autor, entre as comparações regionais, distingue o caboclo como um “tipo” da Amazônia em vez de um tipo cearense. Apesar disso, essa situação não impediu a construção do “caboclo/matuto cearense” já que ele tinha o que era necessário, além da “coragem, o sangue indígena”, igualmente associado ao vaqueiro (Carvalho, 1930)[7].

Em 1944, em pleno Estado Novo getulista, no contexto da II Guerra Mundial, Gilberto Freyre (1900-1987) realizou uma palestra no Teatro José de Alencar de Fortaleza. Em sua fala, destacou que o Brasil precisava inspirar-se no espírito solidário das tradições cearenses contra uma sociedade competitiva. Para Freyre, as atividades econômicas passavam por “[...] um desordenado começo, ostensivo em São Paulo e já visível noutras áreas, de industrialização, de urbanização e de secularização” (Freyre, 1967, p. 11). Uma nítida defesa a um passado agrário tradicional (Fernandes, 1978).

Parsifal Barroso (1913-1986), intelectual local, descreve que, após assistir à conferência realizada por Freyre, sentiu-se instigado a aplicar o modelo freyreano para compreender a origem da “cearensidade”. Ele procura, no “mestre”, elementos da “[...] flor amorosa das três raças tristes [...]” (Barroso, 1969, p. 44). Conclui suas pesquisas defendendo que o Ceará é constituído por apenas duas combinações étnicas básicas — o português e o índio — considerando a contribuição africana (negra) sem importância. A intelligentsia cearense, ao seu modo, constrói a harmonia racial; não obstante, apaga a presença negra em terras locais, perspectiva com alto grau de difusão, já que Parsifal Barroso atingiria a posição de governador.

Em março de 1951, ano do segundo raid dos jangadeiros, que denominamos “negros cearenses”, José de Piratininga (1951, grifo próprio) escreveu em artigo jornalístico: “Jeca Tatu e Mané Xique-Xique. Em defesa do Caboclo que Lobato teria denegrido”. Piratininga diz:

 

o caboclo das caatingas nordestinas, luta contra o meio, contra a natureza, contra homens, nunca deixando eliminar, e, se alguma vez abandona o terreno da sua gente, não é se não para desbravar outros chãos [...]. ‘Magnífica réplica de Idelfonso Albano’, [...] ninguém mais vacilará” em reconhecer a “vitoriosa e insubstituível, para orgulho de todos nós [...] ante os surpresos olhos da inconteste e desfibrada sub-raça do litoral, a titânica e bronzeada face de MANÉ CHIQUE-CHIQUE” (Piratininga, 1951, p. 09, grifo próprio).[8]

 

“Denegrido” e “sub-raça”, termos utilizados por Piratininga, evidenciam as suas considerações sobre “os caboclos”, “bronzeados”, em contraste ao que seria uma raça civilizada (Lima, 1999), que não seria negra. Ademais, o termo caboclo “[...] usado no discurso coloquial não se refere exclusivamente a um grupo social ou étnico [...]” (Lima, 1999, p. 21). Inclusive, como percebeu Débora Lima na Amazônia, “[...] ao se identificar como um caboclo o sujeito afirma uma identidade negativa. Essa razão se dá pelo fato de que o caboclo não é utilizado como um termo de autodesignação, nunca foi associado a um movimento político” (Lima, 1999, p. 22). Ou seja: “Não há uma identidade clara, forte e socialmente valorizada relacionada ao termo [...]” (Lima, 1999, p. 26). “Não é senão uma encenação pré-fabricada, uma aceitação dissimulada da nomeação que é imputada ao locutor e que este adota para uma plateia específica: uma que lhe seja (ou que ele considere) superior” (Lima, 1999, p. 26), diferentemente da construção afirmativa da identidade negra.

Após o período conhecido como Estado Novo (1937-1945), a redemocratização foi marcada pela intensa agitação política, advinda das negociações em que, por meio de suas ideologias, novos grupos ou classes, até então sem forte participação nas instâncias de poder, passam a reivindicar melhores condições materiais e representação na política brasileira[9]. O modelo político para equilibrar as tensões da incipiente democracia foi identificado na ideologia trabalhista promovida pelo Estado e pela mobilização dos movimentos sociais originados com esse processo, os quais passam a ter espaço no período conhecido como populismo ou do pacto trabalhista (Fausto, 2002; Gomes, 1988; Weffort, 1973). Entre esses movimentos sociais, estão o movimento negro e o movimento dos jangadeiros (Gomes, 2012, 2014)[10].

 

3 Uma breve análise das relações raciais a partir dos impressos da década de 1950 e a afirmação da identidade negra ao racismo à cearense

Serão examinadas, brevemente, algumas matérias para dimensionar a questão racial e a sua possível relação com as populações negras do Ceará no contexto deste estudo. Diante disso, localizaram-se matérias sobre discriminação racial e racismo nos jornais cearenses da década de 1950. Na maioria, tem-se, notadamente, o interesse na divulgação dos casos de racismo ocorridos nos Estados Unidos. Quando o racismo ocorria no Brasil, era observado pelos redatores como algo não original do país, como se fosse uma ideologia importada, por isso denominado por eles de um “racismo yankee”. Quanto à integração dos grupos, no Ceará, o discurso hegemônico é o de uma sociedade democraticamente integrada ao ethos cearense, à “cearensidade”.

A seguir, será apresentada uma breve seleção de matérias que tiveram como temas as questões raciais nos periódicos de Fortaleza. A delimitação temporal da seleção dessas matérias é de 1951, ano de publicação da Lei Afonso Arinos, até o ano de 1958, ano de realização do Primeiro Congresso Nacional do Negro de Porto Alegre, organizado pela Sociedade Negra Floresta Aurora,[11] evento ocorrido dias depois do artigo de Adísia Sá, intitulado Discriminação racial.

As matérias foram selecionadas a partir de um recorte de pesquisa que tem como foco, além de interpretar como os jornais designaram os jangadeiros racialmente, localizar os assuntos que tratam em alguma medida do reconhecimento da presença da identidade negra ou do termo “raça” nos periódicos de grande circulação no estado.

 

 

 

Quadro 1 - Matérias jornalísticas com questões raciais (1951-1958)

Periódico

 

Data

Título da matéria

 

O Estado (Página Especial)

10/7/1951. Sp.

“Os braços lusitanos que impulsionam o comércio cearense” e “Carmona, Espelho de uma Raça!”

 

O Estado

16/9/1951, p. 01

“São Paulo, foco de racistas”

 

O Estado

26/10/1951, p. 04

“Coluna Café da Manhã. Anjo negro”

 

Diário do Povo

17/11/1951, p. 01

“Racismo Ianque desenvolve-se em São Paulo”

 

O Povo

04/2/1955, p.08

“Uma noite na Bahia?”

 

Unitário

08/2/1955, p. 08

“As pretas do candomblé e os capoeiras que fizeram apresentações folclóricas na festa ‘Uma noite na Bahia’ deram um espetáculo”

 

Gazeta de Notícias

06/09/1958, p.03

“Discriminação racial”

Fonte: Elaborado pelo autor (2023).

 

Do quadro 1, realiza-se uma breve análise de conteúdo das matérias intituladas: “Os braços lusitanos que impulsionam o comércio cearense” e “Carmona, Espelho de uma Raça!”, “São Paulo, Foco de Racistas”, “Anjo Negro”, “Racismo Ianque desenvolve-se em São Paulo”, “Uma noite na Bahia?” e “Discriminação Racial”.

A primeira foi localizada no impresso O Estado, em julho de 1951; uma matéria especial sobre os comerciantes portugueses que “contribuíram para o progresso” do Ceará. A homenagem está acompanhada de uma reverência póstuma ao Presidente Militar Carmona. Em uma narrativa positivista, em que se respaldava “o homem íntegro”, “o militar brioso” e “o estadista íntegro”, a notícia continha o seguinte título: “Carmona, Espelho de uma Raça!” O que chama a atenção na matéria é a alusão da contribuição do progresso advindo da “raça” portuguesa.

Na matéria, “São Paulo, foco de racistas”, Francisco Moraes, candidato a vereador da cidade de São Paulo, acusa que a cidade era um “foco de racistas”, com mais de “trezentos casos” de “preconceito de cor”. Moraes diz que levará ao Tribunal de Justiça denúncias “dentro dos dispositivos que a recente lei sobre o assunto determina”. E o que determinava a Lei: “instituía como contravenção penal o estabelecimento que recusasse hospedar, servir e atender negros (Brasil, 1951, grifo próprio). Crime passivo de multa de Cinco Mil Cruzeiros ou prisão de quinze dias a três meses” (Brasil, 1951).

Em consulta ao Centro de Memória da Câmara Municipal de São Paulo, constatou-se que Moraes exerceria a função de Vereador uma década depois desses acontecimentos, na Legislatura de 1964 a 1969. Primeiro, como correligionário da UDN, e depois na ditadura, com a implantação do Ato Institucional nº 2, que instituiu o bipartidarismo na ARENA. Ou seja, Francisco Moraes era da mesma linha ideológica do deputado Afonso Arinos, relator da lei em questão.

Abdias do Nascimento (2004) evidencia que os partidos progressistas, na época, creditavam a desigualdade e as discriminações à questão de classe, possibilitando, provavelmente, o uso eleitoreiro da demanda por parte dos partidos conservadores. Independentemente dessa situação, a matéria anteriormente citada foi a única identificada sobre a Lei Afonso Arinos nos impressos, o que comprova as repercussões do decreto no Ceará.

Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982), autora do conto “Anjo Negro” (1951), atuava como romancista, contista e cronista. Nascida em São Paulo e falecida no Rio de Janeiro, colaborava como colunista do periódico O Estado, com isso, contribuindo à opinião pública local. A coluna evidencia um conto interessante para se analisar raça, gênero e naturalização do racismo, já que, neste caso, o termo “anjo negro” denota a epiderme das mulheres referenciadas a partir da designação da autora. Porém, faz com que a pesquisa se atente para quem escreveu a matéria, em que a colunista fenotipicamente branca, como imagens públicas consultadas permite-nos visualizar, constrói referências às mulheres negras, em um conto narrado pelo prisma das relações de trabalho.

Alice e Marcelina, personagens, ocupam, como cozinheiras, arrumadeiras e criadas, em relação ao patrão e à patroa, o lugar de subalternidade das hierarquias. A coluna reforça, por meio de registros destacados, os dispositivos: “anjo negro, anjo e anjos” sete vezes, incluindo o título da matéria, para tratar das duas mulheres, em que sua índole fiel, ou infantil, são legadas às suas personalidades. Termo advindo do espólio das relações raciais ainda presentes, influenciadas pela longa escravidão brasileira e da branquitude que cria um “espelho” à raça negra (Cardoso, 2010). Como se o exemplo da bondade fosse uma colher de chá, como enfatiza Lélia Gonzalez (1984, p. 235) parafraseando Gilberto Freyre: “A única colher de chá que dá pra gente é quando fala da ‘figura boa da ama negra’ [...] da “mãe preta”, da “bá”, que “[...] cerca o berço da criança brasileira de uma atmosfera de bondade e ternura. Nessa hora, a gente é vista como figura boa e vira gente”.

A matéria “Racismo Ianque desenvolve-se em São Paulo”, escreve: “[...] São Paulo. Registra-se atualmente nesta capital uma assustadora”:

 

[...] intensificação da discriminação racial. A onda do racismo é uma sequência direta do domínio do país pelos americanos [...] com os dólares para a [...] economia nacional eles em sua bagagem [trazem] o estilo de vida de Coca-Cola e das histórias em quadrinhos, do linchamento de negros [...] e do ódio racial. Assim [...] o que ocorre nos EE. UU. [...] contra os milhões de negros oprimidos começa a intensificar também no Brasil [...] (Racismo [...], 1951, p. 01, grifo próprio).

 

Na matéria anterior, constata-se que o racismo, segundo os seus redatores, é importado dos Estados Unidos para o Brasil, sendo São Paulo, pela influência do “mercado”, o “campo fértil” da violência sofrida pelos “negros”. Como se o racismo ocorresse somente em sociedades de “industrialização e de urbanização”, como apontava Freyre em sua parcialidade.

Em fevereiro de 1955, ocorreu em Fortaleza uma série de apresentações culturais com a presença de uma delegação de pretos e pretas da Bahia (Uma noite na Bahia, 1955, p.08). O objetivo da presença desses sujeitos foi evidenciar, em locais frequentados pelas elites, a “[...] autêntica cultura afro-brasileira.” (Uma noite [...], 1955, p. 08). A atividade Uma Noite na Bahia foi realizada no clube Náutico Atlético Cearense, no Teatro José de Alencar e na Sociedade Cearense de Tiro, Caça e Pesca.

De acordo com Joel Bezerra, “[...] as apresentações da capoeira e do candomblé foram cercadas de silenciamentos com relação às práticas afro-cearenses de Fortaleza [...]” (Bezerra, 2021, p. 114). Parafraseando Alex Ratts, a constatação reforça a invisibilidade histórica da presença dos corpos e da cultura negra no Ceará, já que o autêntico negro é o que vem de fora. “Se não há negro, não há por que existir história e direitos dos negros” (Ratts, 2011, p. 22).

Todavia, em 1958, no Jornal Gazeta de Notícias, localizou-se o artigo intitulado: “Discriminação Racial”. Na matéria, Adísia Sá descreveu o seu trauma ao presenciar as tropas norte-americanas em Fortaleza para a construção de pontes aéreas para a África na II Guerra. De acordo com Sá, o que chamou a sua atenção foi o ineditismo de ver a “distância entre pretos e brancos”, o que deixou em sua alma “revolta”. A autora ainda expressa: “[...] que os exemplos dos yankees não cheguem até nós, que sempre fomos irmãos de pretos e brancos, de índios (sic) e mulatos [...] tão imitadores que somos nós – por chaga que queima, humilha e degrada um povo: a discriminação racial.” (Discriminação [...], 1958, p. 03). Adísia reforça os sentidos de afeto característico da harmonia racial contra a segregação (Discriminação [...], 1958, p. 03)[12].

Dias depois desse artigo, entre 14 e 19 de setembro de 1958, ocorreu a abertura do Primeiro Congresso Nacional do Negro da cidade de Porto Alegre, sob a organização da Sociedade Floresta Aurora[13]. O encontro teve como objetivos: primeiro, a necessidade de alfabetização frente à situação atual do Brasil; segundo, a situação do homem de cor na sociedade e, em terceiro, o papel histórico do negro no Brasil e demais nações (Gomes, 2008). Um encontro nacional, sem nenhuma repercussão nos impressos cearenses[14].

Diante dessa consolidação de uma “possível” identidade do “caboclo cearense” e da reprodução em matérias jornalísticas de que o negro é de fora ou de que o racismo não existe no Ceará, como apontam os indícios das pesquisas realizadas nos impressos até o momento, como a identidade negra foi afirmada em contraponto a um “racismo à cearense”? Esse termo, diferentemente do “racismo à brasileira” teorizado por Damatta (2000), como “fábula das raças”, calcado na pretensa harmonia racial que reforçava hierarquias entre brancos, indígenas e negros no Ceará é caracterizado somente pela relação entre brancos e indígenas, excluindo a presença negra, e gerou o que Antonio Vilamarque Sousa (2006) identificou por “racismo à cearense”.

Esse tipo de racismo foi notado por ocasião da arregimentação de pessoas para o Grupo União e Consciência Negra, o Grucon de Fortaleza, no início da década de 1980, como relata Lúcia Simão, fundadora do Grupo:

 

A dificuldade no início de convidar negros para aumentar o grupo que tinham somente seis membros foi porque naquela época era uma grande ofensa chamar um negro de negro, mesmo tendo muitos negros no Jardim Iracema. Quando a gente convidava algumas jovens para o grupo, respondiam: Não sou negra, tomo sol. Ando na praia’. Ou então: meu cabelo ficou assim, porque uma mulher que não tinha mão boa cortou’. Essa foi a dificuldade no bairro até o grupo ficar conhecido (Simão, 2012, apud Nascimento, 2012, p. 90).

 

O Fórum Cearense de Entidades Negras, ocorrido em 1995, igualmente foi um marco para a valorização da identidade negra cearense (Nascimento, 2012). Pesquisas no Ceará, a partir da década de 1990, evidenciam as resistências culturais e sociais dos sujeitos escravizados e libertos diante da condição de inumanidade imposta antes e após a abolição (Funes; Rodrigues, Ribard, 2020). O destacado Francisco José do Nascimento, “o Chico da Matilde”, José Napoleão e a “mulher negra esquecida”, Preta Tia Simoa (Alves, 2015), atuante nas ações diretas abolicionistas no fechamento dos Portos contra o embarque de escravizados (Ferreira Sobrinho, 2011), assim como o reconhecimento atual dos remanescentes de quilombos presentes no estado, do Seminários Artefatos da Cultura Negra, realizado no Cariri, e do Seminário Negras e Negros no Ceará, passam a ser enfatizados com veemência pelos movimentos sociais nessa reconstrução histórica da presença das populações negras no Ceará.

 

4 Os impressos e as marcas raciais observáveis dos jangadeiros

Antes de analisar os traços dos jangadeiros negros cearenses, convém mencionar os raids já ocorridos à Capital Federal. Em 1922, sob as homenagens do Centenário da Independência, ocorreram os “raids da independência”. Uma espécie de “corrida da sorte” promovida pela Confederação Geral dos Pescadores do Brasil, com o patrocínio do Senado brasileiro e de doações efetuadas pelos leitores do jornal A Noite do Rio de Janeiro que, entre as suas páginas, registrou as aventuras dos jangadeiros pelo país[15].

Os raidmen, como foram denominados pescadores, marujos e jangadeiros, arriscaram-se pela “festa do centenário”, e pelas recompensas almejadas em alusão à efeméride, já que “[...] conforme a distância e as dificuldades do percurso (marítimo) os valores poderiam ser maiores” (Sr. Azeredo [...], 1922, p. 03)[16]. E “[...] foi assim que deixaram as praias alvinitentes do Ceará, do Rio Grande do Norte, da Parahyba, de Pernambuco, da Bahia, do Espírito Santo e do Paraná, os valentes pescadores” (Consagrando [...], 1922, p. 08). Portanto, os cearenses sem a “fabricação” plena de “ser caboclo” já se aventuraram à Capital Federal.

Porém, um fato desencadeou preocupação: os jangadeiros alagoanos, que saíram da enseada de Jaraguá, em Maceió, rumo ao Sul, sumiram (Não [...], 1922, p. 07). A jangada, denominada “Independência”, contava com a presença de quatro pescadores, Umbilino José dos Santos, Joaquim Faustino de Sant’Ana, Eugênio Antônio Oliveira e Pedro Ganhado da Silva, mas por motivos de mau tempo, somente em dezembro chegaram ao seu destino, sendo recebidos com festa pelo presidente Arthur Bernardes (1875-1955) (A jangada [...], 1922, p. 01).

Em imagens dos jornais da época, é possível observar os marcadores fenotípicos brancos dos alagoanos, em relação à pele, ao cabelo, ao nariz e aos lábios (Ticianeli, 2016).

 

Imagem 1 - Características fenotípicas dos jangadeiros alagoanos

Fonte: Ticianeli, 2016.

 

Destaca-se que os raidmen, independentemente de seus estados, eram denominados “bravos, patriotas e heróis”. Em relação às suas qualidades, eram consagrados “de beleza moral e physica” (Consagrando [...], 1922, p. 08). Nas matérias consultadas, não há menção à raça ou ao termo “caboclo” designado aos marítimos. Skidmore afirma que a “[...] soma total das características físicas (o fenótipo), era o fator determinante, na sociedade pós-abolicionista, embora sua aplicação (em relação ao mestiço, pudesse variar de região para região, conforme a área e o observador” (Skidmore, 1976, p. 55).

As características que possam definir alguém ― como, fenotipicamente, da raça negra (preta e parda), branca, indígena, amarela etc. ― incidem nos aspectos observáveis: cor da pele, lábios, nariz, cabelo e traços faciais em conjunto. Essa conjunção de fatores possibilita a definição da fisionomia dos sujeitos observados por uma outra pessoa.

As características fenotípicas observáveis são definidas por Oracy Nogueira (2006), em termos de relações raciais, como “marcas” do sujeito. É nesse olhar, em uma situação discriminatória, que um grupo ou um indivíduo pode ser excluído ou aceito às possibilidades de oportunidades sociais e materiais (Brasil, 2012). É a partir dessa situação que se propõe analisar as imagens dos jangadeiros cearenses que realizaram o raid no ano de 1951, no mesmo ano em que entra em vigor a primeira lei que reconhece a discriminação racial como uma contravenção penal. Todavia, não foi a primeira vez que os jangadeiros se lançaram aos mares. Na matéria localizada no jornal O Estado, a seguir, tem-se a constatação:

 

Novamente os jangadeiros do Ceará vão emprender um “raid” de longa distância. Da primeira vez foram ao Rio de Janeiro solicitar do Presidente da República a sua atenção para os problemas que aflingem os heróis do mar [...]. Desta feita vão a Porto Alegre, do outro lado de lá, no extremo Sul do nosso país [...] (Cinco [...], 1951, p. 08, grifo próprio).

 

O primeiro raid cearense foi realizado em 1941, como pesquisou Márcia Juliana Santos (2009). Berenice Abreu de Castro Neves aprofundou os motivos e os resultados dos raids (Neves, 2007). Em ambos os estudos, as autoras problematizaram as reivindicações de classe e as cobranças dos direitos trabalhistas identificadas nas ações dos jangadeiros.

Berenice de Castro Neves nos traz importantes elementos, a partir dos discursos proferidos pelo Ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema (1900-1985), para o entendimento das questões raciais que permeavam os pensamentos das autoridades brasileiras, que tiraram proveitos simbólicos dos raids à nacionalidade:

 

[...] os discursos proferidos durante as homenagens aos jangadeiros no Rio de Janeiro estavam permeados por [...] elementos retóricos, que buscavam ressaltar as qualidades morais e físicas do ‘povo’ brasileiro, que ora se pretendia inserido na idéia de nação em construção. É assim no discurso do Ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema [...] o Ministro se voltou contra as “teorias arianas” que justificavam a inferioridade do povo mestiço, como era o caso do brasileiro, valorizando, assim, as qualidades advindas da contribuição das diferenças raciais. Para Capanema, a Juventude Brasileira encontrava nos jangadeiros ‘o peremptório desmentido das biologias de imaginação e do artifício, das arrogantes teorias eivadas do preconceito ariano, que tantas vezes nos tem tentado diminuir, como raça e como povo’ (Neves, 2007, p. 137-138, grifo próprio).

 

Agora, para além da qualidade “moral e física”, a raça passa a ser enfatizada. Os jangadeiros eram um exemplo às qualidades “das diferenças raciais”, “como raça e como povo mestiço” ao “preconceito ariano”. No primeiro raid, reivindicativo, quatro jangadeiros se deslocaram pelos mares: Raimundo Lima “Tatá”, Jerônimo, Manoel Preto e Manoel “Jacaré”, que saíram de Fortaleza em uma pequena jangada chamada “São Pedro”, em 14 de setembro de 1941, para o Rio de Janeiro (Santos, 2009). A viagem durou 61 dias. Manoel “Jacaré”, que esteve na primeira incursão ao Rio, faleceu em 1942 quando gravava o filme com o cineasta Orson Welles, intitulado: It’s All True (É tudo verdade), baseado na façanha dos quatro jangadeiros que atravessaram 2,7 mil quilômetros de litoral para chegar à capital federal.

No segundo raid, com destino a Porto Alegre, cinco jangadeiros participaram, conforme o jornal O Estado: “Manoel Preto, Mestre Jeronimo e Tatá” considerados “veteranos” [...] “os dois restantes, os irmãos frades, João e Manuel são os ‘debutantes’ do grande cruzeiro” (Cinco [...], 1951, p. 08). Na ocasião, o trajeto, realizado em 127 dias, foi de mais de 4,2 mil quilômetros, o que representou, de longe, a mais nova façanha dos marítimos. Quanto às regiões de origem dos jangadeiros, as suas bases: “nordestina e cearense” eram constantemente enfatizadas nas matérias, assim como o ato de heroísmo daqueles homens. Mas, como os impressos identificam o fenótipo racial dos jangadeiros em 1951?

O jornal Gazeta de Noticías destacou a recepção festiva realizada na capital de Pernambuco para os jangadeiros, em sua escala na cidade do Recife rumo a Porto Alegre. Na ocasião, o impresso identificou os cearenses como: “os bravos homens do mar da terra de Iracema” (Camello, 1951). A identidade cearense, elaborada sob o imaginário da obra Iracema, pode ter sido decisiva para o silenciamento da identidade negra regional (Mulato, 2022). Parsifal Barroso, intelectual cearense que seria governador entre os anos de 1959 e 1963, defendia que o Ceará era constituído por apenas duas combinações étnicas básicas — o português e o índio — considerando a contribuição africana (negra) sem importância. Nesse sentido, a mistura do branco e do índígena é associada ao cabloclo cearense.

No periódico analisado, O Estado, tem-se uma observação correspondente ao fenótipos dos sujeitos ao mesmo tempo em que há um desejo de sorte. Segundo a matéria: “[...] Oxalá, os nossos heróis bronzeados do sol vençam não só os mares como a obstinação das autoridades sulinas” (Cinco [...], 1951, p. 08, grifo próprio). O periódico registra que os “heróis” eram “bronzeados do sol”. Essa observação identifica, mesmo de maneira trivial ao olhar de quem apenas observa um “bronze” de dias ensolarados, uma cor de pele no mínimo mais escura em comparação, por exemplo, à brancura.

Em outra matéria, localizada no dia 20 de dezembro de 1951, os jangadeiros, como escala, atracam na capital da República e são recebidos como “heróis”. Assim, tem-se o seguinte registro:

 

Rio – A senhora que tirava e botava o chapéu, que despenteava o cabelo avermelhados na face marcada pelo sangue índio e que deixava a chuva escorrer-lhe a face era cearense e gritava. Oba – Ceará homem! A garota de Copacabana, também indiferente à chuva, lançava-se contra os cinco caboclos nordestinos e beijava-os [...] (A senhora [...], 1951, p. 08, grifo próprio).

 

Na reportagem mencionada, localizam-se dispositivos instigantes para a análise, já que o periódico destaca o “sangue índio” da senhora cearense ao ovacionar os seus conterrâneos bem como cita a “garota de copacabana” que beijava de alegria os “caboclos nordestinos”. João Pacheco de Oliveira identifica o termo caboclo também a partir da mistura do indígenas com pretos (1997). Porém, como aduz Henrique Cunha (2015), o mestiço embranquecido era mais valorizado que o mestiço enegrecido.

Na imagem fotográfica, é possível visualizar o deputado federal cearense “Walter de Sá Cavalcante e José Maria, redator de O Globo que coordena os festejos do povo carioca”; à direita, o “bravo jangadeiro Jerônimo” (Logo [...], 1951, p. 08).

 

Imagem 2 - Festejos do povo carioca aos jangadeiros

Fonte: Logo após o desembarque na praia de Copacabana, Jeronimo posa para a objetiva ao lado do deputado federal Walter de Sá Cavalcante e José Maria. O Globo, Fortaleza, p. 1, 20 dez. 1951.

 

Na fotografia, de fato, é possível observar que os traços do jangadeiro Jerônimo, objetivamente a sua característica fenotípica (cor da pele e demais traços raciais), é cabocla ou mestiça. Sem querer entrar na discussão biológica, o que se torna inviável na análise, por mestiço pode-se entender a mistura racial em geral; porém, por caboclo compreende-se a mistura do branco com o índio.

Ao identificá-los como “caboclos” e ao associar o “índio ao cearense”, o jornal O Estado, mesmo sem pormenorizar as características fenotípicas dos jangadeiros, de uma maneira geral, reproduz uma “fábula racial” (Damatta, 2000). Mas, e os pretos, parte mais retinta da população? Como eram identificados? Seria representante deste grupo o jangadeiro Manoel Preto? Segundo o Instituro Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na atualidade, preto pode ser considerado negro. No conteúdo do impresso, o preto é cor, e está aglutinado à identidade “cabocla” ao invés de uma diferenciação particular, como negro.

O periódico faz uma rápida descrição do físico de Tatá: “Tatá é o mais comunicativo do grupo. Está com 62 anos. Uns poucos cabelos brancos e uns bigodes bem tratados, um tórax de campeão esportivo tornando uma figura agradável à vista” (Recepção [...], 1951, p. 08, grifo próprio). Na matéria, o físico “agradável” é evidenciado. Como destacou Neves, o Ministro Capanema investia nessa percepção dos jangadeiros para afirmar o brasileiro “mestiço” “como raça” e “como povo” (Neves, 2007, p. 137-138).

Em fevereiro de 1952, os jangadeiros chegam a Porto Alegre. E, assim como no Rio de Janeiro, são recebidos com festa. Abaixo, na Imagem 3, selecionada da Revista do Globo, é possível observar as características fenotípicas dos jangadeiros (127 dias [...], 1952, p. 34-37). Na visualização, notadamente, os jangadeiros negociaram suas poses para as fotos, representadas pelos olhares à direita, à esquerda e ao sorrir, como é o caso de Manoel Preto.

 

Imagem 3 - Características fenotípicas dos jangadeiros cearenses

Fonte: 127 dias [...], 1952, p. 35.

 

Em seus aspectos fenótipos, os traços dos jangadeiros são característicos das populações negras, já que no mínimo são “caboclos enegrecidos”. Nitidamente diferentes dos jangadeiros alagoanos visíveis na imagem 1, na imagem 3, os cabelos, em virtude dos chapéus, são inobserváveis, porém, ao que parece são de texturas crespas. Em uma certa medida, tanto o cabelo de Jerônimo como o de Manoel Preto parecem ser mais brancos, notadamente pela barba rala branca de Manoel Preto. Todas as peles observadas são escuras, em que pese a falta de uma definição mais acurada em virtude das fotografias serem em preto e branco. No entanto, o grupo tem como característica geral os traços negroides.

Tatá (Raimundo Correia Lima), o quinto jangadeiro da equipe, “o do físico agradável”, em virtude de ter contraído malária, ficou hospitalizado na cidade do Rio de Janeiro para ser tratado, por isso sua ausência na fotografia. Para os jornais, os jangadeiros da imagem são “caboclos cearenses”, e não negros cearenses. A dimensão antropológica, ou como os jangadeiros se autoatribuíam em relação ao seu pertencimento racial, seria um importante elemento para a análise em questão. Assim como as suas experiências pessoais em relação ao convívio no cotidiano cearense ― por exemplo, se existia alguma dificuldade nos trânsitos em espaços sociais devido à cor de suas peles ― seriam elementos interessantes à pesquisa. Discussão inviável pelos seus finamentos.

 

5 Considerações finais

Os raids dos jangadeiros cearenses foram pesquisados por Berenice de Castro Neves (2007) e Márcia Juliana Santos (2009). As discussões apresentadas neste artigo foram sob a perspectiva da afirmação da raça negra no estado do Ceará, tendo por mote o reconhecimento do fenótipo enegrecido dos “bravos homens do mar”, que “raramente são referenciados como negros” (Ratts, 2016, p. 07). Foi sobre o prisma de uma construção racial política, cultural e social da identidade negra positiva diante da opressão (Gomes, 2005; Munanga, 1999; Souza, 1983), que se discutiu neste trabalho.

Para homenagear o centenário da independência, os raidmen do Norte, Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil navegaram à Capital Federal. Todavia, a exaltação à identidade cabocla nacional veio a acontecer a partir da ótica dos raids de 1941 e 1951, realizados pelos jangadeiros cearenses em épocas da construção da identidade nacional do Estado Novo e do nacionalismo trabalhista.

A maneira que os impressos analisados encontravam para não distinguir os grupos era apostando na brasilidade e na cearensidade ― termos e ideias que reúnem grupos diferentes que formam um todo. Lembremos: “[...] o caboclo não é utilizado como um termo de autodesignação, nunca foi associado a um movimento político.” Ou seja: “Não há uma identidade clara, forte e socialmente valorizada relacionada ao termo [...]” (Lima, 1999, p. 22).

Cabocla é a identidade regional cearense (branco e indígena), fabricada por José de Alencar. Reelaborada por Idelfonso Albano (e seu Mané Xique-Xique, Djacir de Menezes, José de Carvalho (e seu matuto cearense) e Parsifal Barroso. O que esses sujeitos têm em comum: foram políticos ou intelectuais vinculados ao Instituto Histórico do Ceará. O “caboclo” é identificado nas matérias dos jornais de 1951, em que se intensificam alianças potentes na designação aludida ao povo cearense que negou e impediu a construção da identidade negra positiva no Estado ao mesmo tempo em que contribuiu para a construção da identidade nacional.

Entre brincadeiras e afetos divulgados, como o registrado no conteúdo da coluna “Anjo Negro” de Dinah Silveira de Queiroz, transpondo para o cotidiano, podem prevalecer discriminações sem punições em uma crença de que o racismo no Brasil seria inventado, como problematizou Lélia Gonzalez (1984). E que o fenômeno somente existiria nos Estados Unidos, como reproduziam os jornais brasileiros, não somente os periódicos de Fortaleza, mas também os localizados em pesquisas efetuadas nos periódicos de Porto Alegre (Gomes, 2014). Ora, esse é o “racismo à brasileira”.

O Preto (identificado no jangadeiro em Manoel) é somente o seu sobrenome, já que a sua identidade racial é diluída naquela reproduzida por intelectuais e pelos jornais cearenses, de maneira hegemônica, ao caboclo regional. Se individualizado, Manoel Preto é colocado dentro da construção da “cearensidade” ou da “harmonia racial” que se queria presente no Ceará, em que “preto, índios (sic), brancos e mestiços seriam irmãos”, como escreveu Adísia Sá. Situação que poderia ser condizente com um estado sem o histórico do Ceará, em que séculos de escravidão, racismo científico e abolição tardia ovacionada pelo pioneirismo, exclusão dos recém-libertos do mercado formal de trabalho além de um apagamento, contumaz, da presença e da trajetória das populações negras potencializassem violências. Entre essas ideias, a de que o próprio branco seria misturado ao indígena, justificando a comunhão no caboclo.

A competitividade, denunciada por Gilberto Freyre, faz parte de uma dinâmica parcial, já que dá a entender que o racismo, ou a sua reprodução, era apenas fruto da competição, sendo que uma sociedade tradicional ― e leia-se tradicional como patriarcal e agrária ― seria caracterizada como uma sociedade justa e igualitária. Essa linha freyreana será acusada de um poderoso “mito” pelos movimentos negros nos congressos realizados na década de 1950 e pelo Projeto da Unesco, já que os maiores beneficiados por uma eventual cumplicidade racial seriam os antigos donos dos modos de produção associados aos privilégios da branquitude.

Para Alex Ratts, o discurso histórico de que não há negro no estado é poderoso, já que, sem negro, não existe racismo. Não raro, as pessoas enegrecidas no Ceará são denominadas baianos, porque são “autênticos”? Denomina-se essa construção de “racismo à cearense”.

Se a lei Afonso Arinos tinha dificuldades de aplicação em São Paulo, como denunciou o candidato a vereador Francisco Moraes, no Ceará, os resultados da lei ou os casos de racismos sequer foram citados e localizados. O registrado é sempre de casos de racismo de fora do Ceará.

Entretanto, a condição do racismo, que se nega, não é exclusividade do Ceará, já que a miscigenação encontrava guarida na ideologia nacionalista tão presente no discurso político do país e utilizado por Getúlio Vargas e reproduzido pela imprensa regional e nacional. Inclusive nos raids dos jangadeiros noticiados com o apoio de Assis Chateaubriand, magnata dos Diário Associados. Reforçando a identidade dos jangadeiros que, antes de pretos, eram nordestinos, cearenses e brasileiros, com característica racial de “caboclo” ou de “bronzeado do sol”.

A desigualdade racial e o racismo no Brasil, desde o século XIX, eram denunciados pelos periódicos da imprensa negra, jornais escritos por negros para um público negro, do Sul e do Sudeste do Brasil. Os periódicos da impressa negra ainda não foram localizados no Ceará, o que, provavelmente, dificultou a construção de uma identidade negra positiva.

Inclusive, no Ceará, era comum às próprias populações mais retintas negarem a sua cor, antes de 1980, como demonstra Lúcia Simão, liderança do Grupo União e Consciência Negra (Grucon). Sem essa consciência, dificilmente os jangadeiros ou qualquer outra pessoa, independentemente de sua epiderme ou das suas características raciais, conseguiriam romper a hegemonia de um discurso que reforçava a existência do caboclo e a ausência de negros, ao mesmo tempo em que negava a existência do racismo, este identificado como “Ianque e paulista”. Todavia, se não existisse a ideia de “raça” nas percepções regionais, por que os portugueses, por meio do falecimento do General Carmona, foram lembrados nos jornais como “o espelho de uma raça”? Provavelmente, porque contribuir para a construção da altivez da “raça negra” no Ceará não era o objetivo da branquitude acrítica (Cardoso, 2010).

Atualmente, podem-se considerar os caboclos como sujeitos negros, situação que os próprios impressos não fizeram no passado? E, se fizeram, trouxeram registros de estigmas? Em época de Ações Afirmativas na luta contra o racismo, poderia o caboclo ser discriminado de maneira positiva? Para que isso ocorresse, seria necessário refletir sobre as relações raciais do presente, de modo a se chegar a uma possível compreensão histórica da realidade, diferente da elaborada pela “cearensidade”, o que traz enorme complexidade à questão que se torna inócua sem a colaboração com o movimento negro cearense.

A realidade do caboclo e dos próprios mestiços, a depender da cor de sua pele (se mais escura), da textura de seus cabelos e de sua fisionomia, pode ser mais próxima das dificuldades vivenciadas pelas populações, fenotipicamente, identificadas como pretas. Essas, sem dúvidas, “negras” discriminadas de maneira negativa e que passarão a resistir e a se afirmarem mediante a construção e o reconhecimento de uma identidade negra positiva e da negritude no combate efetivo contra o racismo e a discriminação racial, tratados como crimes inafiançáveis pela Constituição Federal e pela Lei Caó, décadas depois da Lei Afonso Arinos e do raid dos jangadeiros “negros” cearenses.

 

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[1] As pesquisas contaram com a atuação da bolsista Talia Alves, e foram realizadas com o apoio do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica PIBIC/Unilab (2020–2021). As pesquisas específicas relacionadas às relações raciais nos impressos cearenses na década de 1950 seguem em andamento pelo pesquisador.

[2] No contexto atual das Ações Afirmativas, a perspectiva deste artigo trata da discriminação positiva dos sujeitos, como aduz Ricardo Lewandowski. Segundo o autor: “[...] os constituintes de 1988 qualificaram de inafiançável o crime de racismo, com o escopo de impedir a discriminação negativa de determinados grupos de pessoas, partindo do conceito de raça, não como fato biológico, mas enquanto categoria histórico-social, assim também é possível empregar essa mesma lógica para autorizar a utilização, pelo Estado, da discriminação positiva com vistas a estimular a inclusão social de grupos tradicionalmente excluídos” (Lewandowski, 2012, p. 20).

[3] Em relação ao uso das fotografias para a análise fenotípica, de acordo com Luiz Fernando Rodrigues, que utilizou as fotos para examinar as características de trabalhadores negros do setor de transportes urbanos de Santa Maria no pós-abolição (1898 – 1937): “mais do que a identificação dos trabalhadores, as imagens nos oferecem uma percepção das fisionomias, posturas, vestimentas, enfim, uma construção daquilo que aqueles sujeitos quiseram materializar e delegar para a posteridade, mesmo que isso não fosse o objetivo principal naquele momento” (Rodrigues, 2024, p. 31).

[4] Em relação ao contexto cultural, político e social do pós-abolição, o racismo científico, a higienização, a política do branqueamento e da mestiçagem mantinham a inferiorização dos corpos e das culturas das populações negras.

[5] No contexto, as organizações e os coletivos negros lutavam pela diplomação do deputado negro Manuel da Motta Monteiro Lopes (1867-1910) à Câmara Federal, assim como liderada por João Cândido (1880-1969), em 1910, ocorreu a Revolta da Chibata (Gomes; Domingues, 2013; Nascimento, 2007).

[6] Para Durval Muniz de Albuquerque (2013), isso não se tratava de uma operação ingênua, pois: “[...] as esperanças das elites nordestinas pareciam deslocar-se para a possibilidade de o sertanejo vir a se tornar o tipo regional capaz de responder aos desafios que o espaço enfrentava nos anos 20 e 30”, o que “[...] parece denunciar a mudança de poder no interior dos Estados”, a mudança de grupos políticos que começavam a substituir os grupos vinculados à economia da escravidão (Albuquerque, 2013, p. 190).

[7] Como nos traz Durval Albuquerque, “[...] os discursos das elites nordestinas no período de 20 a 30 são harmonizados naquilo que seja uma característica do pensamento brasileiro, não ter amor pelas oposições e pela dissidência e sim pela harmonização dos contrários” (Albuquerque, 2013, p. 198).

[8] Artigo localizado no Museu Campos Gerais. Acervo Digital da Universidade Estadual de Ponta Grossa. http://memoriasdigitais.museu.uepg.br/scripto/transcribe/432/158. No título, permanece a grafia original: “Chique-Chique”. O nome do impresso não foi localizado no clipping acessado virtualmente. Acesso em: 8 jul. 2023.

[9] Para além dos pactos populistas ou trabalhistas, os movimentos sociais foram contestadores das ordens vigentes, desde o início da República, como o identificado em deflagrações de greves e protestos por melhores condições de trabalho, conforme evidenciam os estudos de Paulo Sérgio Pinheiro e Michael Hall. No pós-república, tem início o movimento operário no Brasil com a participação de imigrantes e alguns brasileiros. Publicações socialistas preparam a base para as manifestações de chapeleiros, alfaiates, sapateiros, tecelões, sobretudo em São Paulo. Entre 1891 e 1903, organizações de ofício, a liga da resistência e a federação operária reúnem os tipógrafos, os litógrafos, os sapateiros, os pedreiros, ferroviários etc. Na época, “a federação operária fez a sua primeira árdua prova na grande greve ferroviária [...]” (Pinheiro; Hall, 1979, p. 39). Era o desenvolvimento, com inúmeros desafios, da organização operária. Segundo Alceste De Ambris (1900 apud Pinheiro; Hall, 1979, p. 40), dirigente do movimento socialista italiano, um dos desafios era “[...] que a massa trabalhadora no Brasil é constituída de elementos dispares e variados de raça, língua, temperamento, cultura e hábitos, o que torna mais difícil o entendimento da organização.” Mesmo com dificuldades, o movimento operário organizou o Primeiro Congresso Operário em 1906. Loner (1999) destacou que nos municípios de Rio Grande e Pelotas, Sul do Rio Grande do Sul, a integração dos libertos negros ocorreu nas indústrias, sendo estes integrados ao operariado, diferente do centro do país que optou pela mão de obra imigrante.

[10] Flávia Rios aponta que “a expressão ‘protesto negro’ marcou a literatura acadêmica sobre movimentos sociais no Brasil porque abarcava toda sorte de ação coletiva de combate ao preconceito de cor” (Rios, 2012, p. 41), mesmo diante da desmobilização ocasionadas pela ideologia da democracia racial. Para Rios, em relação ao movimento negro contemporâneo “os atos públicos são fontes privilegiadas para apreender o movimento como um todo: as alianças, as bandeiras, os oponentes, as organizações, as lideranças, os símbolos, as identidades coletivas e os discursos” (Rios, 2012, p. 42). Nas marchas, por exemplo, “encena-se o enredo do conflito social, em sua forma simbólica e coletivamente organizada” (Rios, 2012, p. 43).

[11] A Sociedade Beneficente Floresta Aurora é o clube negro em atividade mais antigo do Brasil, fundado em 1872. O Teatro Experimental do Negro realizou as Convenções Nacionais do Negro, com sede em São Paulo, capital, no ano de 1945 e no Rio de Janeiro, em 1946, a Conferência Nacional do Negro, acontecida no Rio de Janeiro, em 1949, e o Primeiro Congresso do Negro, também sediado no Rio em meados de 1950. Deve-se estar atento à mudança sofrida na nomenclatura do congresso ocorrido no Rio de Janeiro em 1950, intitulado: Primeiro Congresso do Negro, organizado pelo Teatro Experimental do Negro e o Primeiro Congresso Nacional do Negro, organizado pela Sociedade Floresta Aurora em 1958, na cidade de Porto Alegre (Gomes, 2008).

[12] Nos impressos cearenses: O Estado de 13/9/1958, p. 01, O Democrata de 13/09/1958 e no Gazeta de Notícias de 13/09/1958, p. 01 é foi possível acompanhar o referendo sobre a questão da integração escolar dos negros propostos pelo Governador do Arkansas (E.U.A), Orval Faubus. No jornal O Nordeste, Orval Faubus é acusado de “perseguidor de negros”, 18/9/1958. Todavia, casos de discriminação no país, quando eram destacados, eram fatos ocorridos em São Paulo.

[13] A Sociedade Floresta Aurora foi fundada por negras e negros forros em Porto Alegre/RS, em 31 de dezembro de 1872, com o objetivo de gerar pecúlio para custear as despesas de enterros de escravizados e libertos. O Clube Negro existe até os dias atuais. Sobre a história da Floresta, ver: DUARTE, Eliane Pereira. Floresta Aurora: fundação e função até 1988. Monografia. PUCRS, Porto Alegre, 1986; MULLER, Liane. As contas do meu rosário são balas de artilharia: Irmandade, jornal e sociedades negras em Porto Alegre 1889-1920. Dissertação (Mestrado em História) – PUCRS, Porto Alegre, 1999; PEREIRA, Lúcia Regina Brito, Cultura e afrodescendência: organizações negras e suas estratégias educacionais em Porto Alegre (1872-2002). Tese (Doutorado em História) – PUCRS, Porto Alegre, 2008; ROSA, Marcus Vinicius de Freitas. Quando Vargas caiu no samba: um estudo sobre os significados do carnaval e as relações sociais estabelecidas entre os poderes públicos, a imprensa e os grupos de foliões em Porto Alegre durante as décadas de 1930 e 1940. Dissertação (Mestrado em História) – UFRGS, Porto Alegre, 2008; ESCOBAR, Giane Vargas. Clubes sociais negros: lugares de memória, resistência negra, patrimônio e potencial. Dissertação (Mestrado em História) – UFSM, Santa Maria, 2010; NONNEMACHER, Marisa Schneider. Tudo começou em uma madrugada: Sociedade Beneficente Cultural Floresta Aurora (1872-2015). Porto Alegre: Medianiz, 2015; SILVA, Fernanda Oliveira da. As lutas políticas nos clubes negros: culturas negras, racialização e cidadania na fronteira Brasil-Uruguai no pós-abolição (1870-1960). Tese (Doutorado em História) – UFRGS, Porto Alegre, 2017; MOREIRA, Paulo Staudt. Miguel Archanjo da Cunha já não existe: o associativismo da Sociedade Beneficente Floresta Aurora e as vicissitudes biográficas de um barbeiro negro, liberal e católico. Revista de História Regional[s. l.], v. 24, n. 2, 2019.

[14] Nos periódicos cearenses eram lugar-comum notícias sobre o Rio Grande do Sul, com destaque para as questões políticas relacionadas a Brizola e ao PTB, assim como eram destacadas as belezas turísticas de Gramado, cidade da Serra. O Primeiro Congresso Nacional do Negro de Porto Alegre, teve impacto relevante na mídia, pois suas atividades foram registradas nos seguintes impressos: A Hora, Porto Alegre, dia 15, 18 e 19/9/1958. Correio do Povo, Porto Alegre, dia 16 e 20/9/1958, Diário de Notícias, Porto Alegre, dia 18/9/1958, p.11. Folha da Tarde, Porto Alegre, dia 15, 18 e 19/9/1958. Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, dia 1/10/1958, p. 03 e Revista do Globo número 727, outubro de 1958, p. 86-87 (Gomes, 2008).

[15] A Noite, 31/8/1922, p. 03, 11/9/1922, sp., 13/9/1922, sp., 14/9/1922, Coluna, Independência, sp., 15/9/1922, sp., 15/9/1922, sp., 16/9/1922, sp., 18/9/1922, p. 01, 19/9/1922, p. 05, 19/2/1922, sp., 19/2/1922, p. 02, p. 03, 22/9/1922, p. 03, 23/9/1922, p. 07, 27/9/1922, p. 03, 28/9/1922, sp., 4/10/1922, sp. e 5/10/1922, sp. Os periódicos foram consultados no site da Hemeroteca Digital Brasileira. http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx. Acesso 7 abr. 2023.

[16] Sr. Azeredo, senador, presidiu a Sessão com a presença de 28 senadores. O projeto de Lei para recompensas teve a seguinte justificativa: “conceder uma pequena dotação aos intrépidos pescadores do norte e do sul da República, que se destinam ao Rio por ocasião de nossas festas comemorativas da Independência, dando uma alta e eloquente prova de seu heroísmo, da sua tenacidade, da sua bravura, e, sobretudo, de seu patriotismo”. (Sr. Azeredo [...], 1922, p. 03). Conforme o Jornal A Noite, o projeto seria aprovado no dia 29 de setembro de 1922: “[...] aprovado o prêmio de 200 contos aos jangadeiros [...] (Houve [...], 1922, p. 07).



[i] Artigo recebido em 10/08/2023

  Artigo aprovado em 16/10/2024