e-ISSN 1984-7246
“Habitar e construir nas Resex Marinhas na Amazônia” - as dimensões
funcional e simbólica das casas das populações tradicionais[i]
Débora Melo Alves[ii]
Universidade
Federal do Pará (UFPA)
Belém
- PA, Brasil
Tânia Guimarães
Ribeiro[iii]
Universidade
Federal do Pará (UFPA)
Resumo
Este
artigo analisa as dissonâncias entre as dimensões funcional e simbólica que se
materializam na construção das casas numa Resex Marinha, e as necessidades
socioterritoriais e culturais das populações tradicionais que habitam as casas
construídas com recursos do Crédito Habitacional do II Programa Nacional da
Reforma Agrária (II PNRA), na Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu,
Bragança-PA. A metodologia utilizada é de cunho qualitativo e se ancora em
entrevistas semiestruturadas e questionários socioeconômicos aplicados às
moradoras da Resex, na análise de atas, documentos e dados de sites oficiais. A
partir do campo sociológico e interdisciplinar são analisados os conflitos e a
ressignificação das formas de habitar e de construir as casas das populações
tradicionais locais. De um lado, temos a política pública que, seguindo o
padrão de edificação estabelecido pelo Estado, visa popularizar e baratear a
construção de moradias para os pobres (Valladares; Figueiredo, 1981) produzindo
homogeneizações; de outro, observa-se a agência das famílias que produzem
outras simbologias com o ato de habitar e (re)construir suas moradias. Essas
pessoas, mesmo em desvantagem na posse de capitais – econômico, político,
social (Bourdieu, 1998) – produzem outros significados às “casas verdes”, como
denominam as construções oriundas do II PNRA. Os resultados mostram que “o
fazer decorrente do habitar” (Sennett, 2018) revela como as mudanças funcionais
da habitação agregam à sua dimensão simbólica elementos socioculturais de suas
tradições culturais. Por outro lado, atrelados ao modo de vida das populações
tradicionais dessa região, os efeitos da política habitacional apontam a falta
de singularidade das habitações aos propósitos da população tradicional
extrativista costeiro-marinha, e a ausência de um olhar a respeito da
conservação ambiental para os que vivem nessa região amazônica. A conquista das
populações tradicionais do direito à moradia esbarra na deficiência de acesso
universal e na fragilidade das construções que não atendem seus modos de vida,
suas necessidades que se relacionam com os rios, o mangue e o mar.
Palavras-chave: reservas
extrativistas; política habitacional; habitação; Amazônia; casa-lar.
"Living and building in Marine Resexes in the
Amazon” - the functional and symbolic dimensions of the houses of traditional
populations
Abstract
This article analyzes the
dissonances between the functional and symbolic dimensions, which materialize
in houses’ construction in a Marine Resex, and the socio-territorial and
cultural needs of the traditional populations that inhabit the houses built
with resources from the Housing Credit of the II National Agrarian Reform
Program (II PNRA), in the Caeté-Taperaçu Marine Extractive Reserve,
Bragança-PA. The qualitative methodology is used in nature and is based on
semi-structured interviews and socioeconomic questionnaires applied to Resex
residents, in the analysis of records, documents and data from official
websites. From the sociological and interdisciplinary field, conflicts and the
redefinition of the ways of living and building houses of traditional local
populations are analyzed. In one hand, there is public policy which, following
the building standard established by the State, aims to popularize and make
housing construction cheaper for the poor (Valladares; Figueiredo, 1981),
producing homogenization; on the other hand, it is observed the agency of
families who produce other symbols through the act of inhabiting and
(re)building their homes. These people, even at a disadvantage in the
possession of capital – economic, political, social (Bourdieu, 1998) – produce
other meanings for “green houses”, as the constructions originating from the II
PNRA are called. The results show that “the doing resulting from inhabiting”
(Sennett, 2018) reveals how the functional changes of housing add sociocultural
elements of its cultural traditions to its symbolic dimension. Still, linked to
the way of life of the traditional populations of this region, the effects of
housing policy point to the lack of uniqueness of housing for the purposes of
the traditional coastal-marine extractive population, and the absence of a view
regarding environmental conservation for the who live in this Amazon region.
The conquest of traditional populations to the right to housing comes up
against the lack of universal access and the fragility of buildings that do not
comply with their ways of life, their needs that are related to the rivers,
mangroves and the sea.
Keywords: extractive reserves; housing policy; inhabiting;
Amazon; house-home.
1 Considerações iniciais
Os
conflitos socioambientais da década de 1970 deram visibilidade à luta dos
seringueiros amazônicos e de movimentos ambientalistas (Almeida, 2004) e levou
à criação das primeiras Reservas Extrativistas (Resex) que visavam atender à
necessidade social de promover a regularização fundiária e, proporcionar
melhores condições socioeconômicas aos seringueiros. Isso porque, àquela altura,
esses trabalhadores encontravam-se em vulnerabilidade econômica, devido ao declínio da atividade da borracha na Amazônia (Allegretti,
1994).
O
engajamento de Chico Mendes, seringueiro e líder sindical, e de outros atores
sociais que lutaram pela união da ecologia e da justiça social, foi fundamental
para dar visibilidade às demandas socioambientais (Santos, 2009), visto que a
representação política organizada dos movimentos de base rural no Brasil sempre
foi mínima, e estes raramente conquistaram resultados que fossem relevantes
para sua categoria (Allegretti, 2008). Dessa forma, o movimento dos
seringueiros e a criação da Reserva Extrativista Chico Mendes, em 1990, foi o
passo inicial para o reconhecimento legal dos povos tradicionais da floresta.
As
Reservas Extrativistas (Resex) são reconhecidas como Unidades de Conservação de
Uso Sustentável (UC)[1], permitindo que os grupos humanos que residem no seu
interior ou entorno, realizem atividades econômicas que se pautam na extração
de produtos da floresta, na pesca, na agricultura, na criação de animais e até
mesmo, na criação de produtos que atendam a critérios de sustentabilidade e de
retorno social (Allegretti, 1994). Surgindo como uma organização social que
previa sua gestão autônoma ao longo dos anos de 1990, a partir da década de
2000, as Resex se institucionalizam com a criação do SNUC (Sistema Nacional de
Unidades de Conservação), por meio da Lei 9.985/2000[2].
Atualmente,
além de permitir que populações tradicionais permaneçam em seus territórios,
com base no Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU)[3], a criação
das Resex possibilitou o acesso a políticas públicas. Dentre elas, destacamos o
Crédito Habitacional do II Programa Nacional da Reforma Agrária (II PNRA), que
permite a reforma ou construção de moradias em territórios reconhecidos pelo
Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
A
Resex da qual trataremos neste artigo é a Reserva Extrativista Marinha
Caeté-Taperaçu (REMCT), localizada em Bragança, município do estado do Pará, na
qual foi implementado o Crédito Habitacional do II PNRA. Essa linha de crédito
ganhou destaque por se destinar às populações extrativistas mais necessitadas.
Entre os moradores da REMCT, a política habitacional ficou conhecida como “Casa
Verde” ou “Casa do INCRA”, que foi o órgão responsável pela sua implementação.
Este
trabalho tem como meta analisar as dissonâncias entre a materialização das
casas construídas através da Política Pública denominada de Crédito
Habitacional do II Programa Nacional da Reforma Agrária (II PNRA) e as
dimensões funcional e simbólica a elas atribuídas pelas vivências/experiências
socioterritoriais e culturais das populações costeiro-marinhas tradicionais que
conquistaram o direito às casas.
O II
PNRA é o pano de fundo a partir do qual vamos desvelar as contradições e
conflitos gerados pela política, com base na vivência das entrevistadas, as
quais atribuem outros significados e funcionalidades à casa, que estão ligados
a sua relação com o meio natural e social, que guardam estreita ligação com a
vida entre a terra firme, o mangue e os mares e as marés. O reconhecimento
social em processo, ao mesmo tempo que garante acesso aos direitos sociais,
traz a marca da luta e contínua busca por assegurá-los.
Partimos
da compreensão da habitação enquanto um bem social, um direito conquistado que
não pode ser visto como uma mercadoria qualquer (Perdigão; Gayoso, 2012). A
casa é o primeiro lugar do homem no mundo, é um local íntimo e único na vida de
cada um. É nesse espaço físico, social e cultural que se desenrolam as relações
humanas. A casa é, portanto, uma expressão da personalidade e dos padrões de
vida único de quem a habita (Pallasmaa, 2017). Dessa forma, entendemos que a
implementação de uma política pública habitacional precisa, sobretudo, levar em
consideração os modos de viver das populações tradicionais de territórios como
as Reservas Extrativistas Marinhas.
Foi
feita pesquisa de campo com a realização de entrevistas semiestruturadas e
questionários entre as moradoras que foram contempladas pelo Crédito
Habitacional (II PNRA) e as lideranças da REMCT que fizeram parte do processo
de implementação da política. Consideramos um conjunto de entrevistas
realizadas em várias etapas da pesquisa, nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2022 (este
período de intervalo de dois anos entre as duas últimas visitas de campo se deu
devido à pandemia da COVID-19). O objetivo das entrevistas foi captarmos a
percepção dos sujeitos sobre as principais mudanças ocorridas no território e
em suas vidas a partir da implementação da política pública, bem como, observar
as nuances afetivas, simbólicas e de reconhecimento social que as casas
proporcionaram a essas pessoas, para além da conquista material (Alves, 2023).
As
pessoas entrevistadas fazem parte dos povos e comunidades tradicionais
extrativistas costeiros e marinhos. Segunda A CONFREM (Comissão Nacional de
Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas
Costeiros e Marinhos), os extrativistas costeiro-marinhos são compostos por um
conjunto de atividades que compõem esse segmento social: Pescadores(as)
artesanais; Marisqueiras; Catadoras de mangaba; Piaçabeiros; Tiradores(as) de
caranguejos; Agroextrativistas; Artesãos; Cipozeiros; Artesãos de pesca;
Extrativistas; Catadeiras de camarão; Caiçaras; Coletoras de frutíferas e
sementes; Coletores de algas. A expressão extrativista costeiro-marinho seria
uma espécie de categoria “guarda-chuva” que abriga um conjunto de atividades
que caracterizam os extrativistas costeiro-marinhos do litoral brasileiro
(Alves, 2023; Sousa, 2022).
Os
extrativistas costeiro-marinhos entrevistados são, em sua maioria, mulheres, tendo
em comum serem mães e donas de casa. Todas elas exercem ou já exerceram
atividades relacionadas à pesca ou à catação de caranguejo, tendo uma íntima
relação com os mangues, os rios e o mar. E é a partir do olhar dessas mulheres,
a respeito da construção de suas casas, que seremos conduzidas(os) a analisar a
moradia partindo das dimensões funcional e simbólica.
Essas
duas dimensões são usadas nesta pesquisa para que possamos perceber que
mudanças foram necessárias para transformar uma habitação padronizada e
construída através de uma política habitacional, em uma casa, um lar de
moradoras e usuárias[4] de uma Reserva Extrativista Marinha situada na Amazônia
(Alves, 2023). O espaço vai além de limitações físicas, constituindo-se por
relações entre o lugar e as pessoas, que se moldam por variados processos,
moldando também, o espaço habitado, que por sua vez, não pode se constituir em
um período de tempo estrito, por possuir uma dimensão temporal e contínua, que
se transforma conforme a adaptação do indivíduo e da família ao mundo
(Pallasmaa, 2017; Santos, 2006).
Para
Woortmann (1982), a casa ultrapassa a ideia de “um teto sobre a cabeça”, pois
ela constitui a categoria central de um domínio cultural e é um mapa simbólico
de representações ideológicas. Portanto, é o lócus de realização de um grupo familiar, no sentido de que a
existência de uma família tem como requisito uma casa. Nesse sentido, a moradia
é uma “necessidade básica”, que está para além do seu sentido material, mas
sobretudo, está relacionada a uma família e às relações sociais que nela
ocorrem.
As
moradias construídas de forma padronizada e com métricas que não comportam a
realidade de seus moradores, terminam por serem modificadas por estes para que
sua estrutura faça sentido no território no qual elas são construídas; esta é,
portanto, a expressão da dimensão simbólica do modo de habitar. Pallasmaa
(2017, p. 7) nos diz que se “por um lado, o habitante se acomoda no espaço e o
espaço se acomoda na consciência do habitante, por outro, esse lugar se
converte em uma exteriorização e uma extensão de seu ser, tanto do ponto de
vista físico quanto mental”. Portanto, se esse ambiente construído não comporta
minimamente os ideais de habitação de seus futuros moradores, então as
alterações físicas do ambiente serão feitas na medida em que o morador se
adapta nesse espaço.
Neste
artigo, analisaremos, brevemente, no item dois, o processo de criação da
Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu (REMCT), no município de Bragança,
no nordeste paraense. No item três, discutiremos como ocorre a implantação do
Crédito Habitacional (II PNRA) na REMCT, a partir da luta das populações
tradicionais para obter acesso às políticas públicas destinadas para assentados
da reforma agrária. Na parte quatro, analisamos a dinâmica de implementação da
política habitacional distinguindo analiticamente as dimensões simbólica e
funcional da habitação, as quais na prática se entrelaçam produzindo conflitos,
ganhos e propondo desafios que se cruzam com a história dos diversos movimentos
sociais populares em busca de justiça social.
2 Criação e
institucionalização da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu
A
Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu está localizada em Bragança,
município com uma estimativa de 130.122 habitantes (IBGE, 2021), situado no
estado do Pará. A UC faz parte de uma espécie de mosaico formado por outras
três reservas costeiro-marinhas que se situam ao longo do litoral do nordeste
paraense, criadas em 2005, situadas nos municípios de Augusto Corrêa, Viseu e
Tracuateua, constituindo-se em áreas protegidas, numa região de mangues, cuja
atividade econômica principal é a pesca.
A
economia da região depende da atividade pesqueira e do comércio em geral.
Segundo dados do último censo demográfico, mesmo com significativo avanço nos
últimos 20 anos, a renda média da população estava em torno de até meio salário
mínimo por mês (IBGE, 2010). O município ocupa atualmente a 47º posição no
ranking de desenvolvimento humano no estado, com um Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) em 0,600, abaixo da média nacional que está em 0,765. Dados do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2013) apontam que cerca de 41,59% da
população ainda se encontra vulnerável à pobreza e 20,59% à extrema pobreza.
Esses dados ressaltam a importância de políticas públicas que possam fomentar o
desenvolvimento social e econômico na região.
A
Resex é enquadrada como uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, onde é
permitida a permanência de pessoas a partir da conciliação da conservação da
natureza com o uso sustentável dos recursos naturais concedido às populações
tradicionais extrativistas (Allegretti, 1994). Sua área territorial corresponde
a aproximadamente 42 mil hectares e 7.500 km² de costa de manguezal. Essa Resex
(Figura 1) conta com oito polos comunitários e 55 comunidades (Abdala, 2012).
Segundo alguns estudiosos da região (Ribeiro, 2016; Silva, 2018; Souza, 2019),
sua criação foi resultado de uma série de eventos e ações coletivas que
ocorreram em Bragança a partir da década de 1980, com base na mobilização de
moradores das comunidades que pertencem ao município e com o apoio de segmentos
da sociedade civil local e até de agentes do Estado.
Figura
1 - Mapa de localização das comunidades da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu
Fonte: IBGE (2021); ICMBio (2022);
Alves (2023).
A
cogestão do território é feita por um Conselho Deliberativo formado por
representantes da sociedade civil e do Estado, dentre os quais estão: o
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Secretaria de Estado do
Meio Ambiente do Pará (SEMA), a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a
Associação dos Usuários da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu (ASSUREMACATA).
Todavia, as populações tradicionais devem representar a maioria nesse conselho.
Durante o ato de criação dessa Resex foi constituída a ASSUREMACATA, associação
de cunho jurídico fundada em 8 de agosto de 2005. Seu papel é representar os
usuários da REMCT, proporcionar aos seus associados uma forma de participação
comunitária ativa e representá-los e defendê-los em seus interesses sociais,
políticos, econômicos, ambientais e culturais (ASSUREMACATA, 2005 - Estatuto da
associação, art.1, 2005) (Alves, 2023).
Como
foi posto, a criação da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu
possibilitou aos usuários a formação de uma associação no ato de sua criação em
2005, e também a elaboração de um Plano de Manejo, um elemento obrigatório para
a criação de uma Resex, no qual são definidas as normas de uso, o zoneamento
das áreas e os programas de sustentabilidade ambiental e socioeconômica, entre
outros aspectos. Nessa categoria de unidade de conservação também é permitida a
visitação pública e a realização de pesquisas científicas (Alves; Ribeiro;
Silva, 2020, p. 2).
3 A implementação do crédito habitacional em uma Reserva
Extrativista Marinha na Amazônia
A
questão central deste artigo, analisar a implementação de uma política
habitacional em uma Resex Marinha, está inserida no campo de estudos das
políticas públicas, que sempre gravitou em duas dimensões de análise. A
primeira, top down (de cima para
baixo), foi comumente usada em estudos clássicos que colocam o Estado como
detentor do monopólio das políticas públicas, sendo o ator principal nesse
cenário. Já a perspectiva bottom up
(de baixo para cima) busca romper alguns paradigmas, como por exemplo a ideia
do Estado como benfeitor da sociedade (Lascoumes;
Le Galès, 2012). Nesse sentido, nos ancoramos teoricamente na segunda
proposição de análise das políticas públicas, por ser capaz de situar as
constantes interações entre diversos atores na busca por influenciar as
estratégias, os projetos e os resultados das políticas públicas (Alves, 2023).
O
Estado não é mais o único capaz de conduzir as decisões, sendo influenciado por
atores públicos e privados, instituições financeiras, corporações
internacionais, organizações não governamentais e agências multilaterais (Lascoumes; Le Galès, 2012). Desse modo, as contribuições
da sociologia sobre o tema nos direcionam para a importância das relações de
interdependência entre os atores societais, estatais e as instituições (Alves,
2023; Cortes; Lima, 2012).
Do
ponto de vista sociológico, a ênfase dada para a atuação e constituição dos
atores sociais frente ao Estado é importante para demonstrar a construção das
políticas e seus efeitos. Dada a complexidade da temática central, a questão da
habitação e as contribuições produzidas por outras áreas disciplinares sobre as
políticas públicas (Cardoso, 2012; Rolnick, 1985; Valladares, 1981) são
importantes para enriquecer essa proposta (Alves, 2023).
A
criação da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu possibilitou a chegada
de um aparato de apoio jurídico para a defesa do território das populações
extrativistas costeiro-marinhas que vivem na região. À primeira vista, esse
cenário aparenta ter como protagonistas o Estado e seus agentes, que tomam a
posição de responsáveis pelas decisões para solucionar os problemas públicos.
Mas, conforme apontam estudos sobre a REMCT, o movimento em defesa do
território e para criação da REMCT se iniciou a partir de 1980, ao emergirem
conflitos sociais e ambientais que se desencadearam devido a vários
acontecimentos, dentre os quais estão a construção da PA 458, a instalação de
empresas de pesca industrial e o empreendimento de carciniculturas (Ribeiro,
2016; Ribeiro; Souza, 2018; Silva, 2018; Souza, 2019).
Esses
são apenas alguns exemplos de eventos que levaram ao aumento de trabalhadores
em atividades de pesca e captura de caranguejos. Diante disso, a criação da
Resex Marinha Caeté-Taperaçu e o reconhecimento de seus usuários e moradores
por parte do Estado foi resultado de algumas décadas de organização e luta. O
acesso às políticas públicas do II Programa Nacional da Reforma Agrária (II
PNRA) também pode ser visto como parte desse processo de reconhecimento.
As
Resex encontram-se como uma modalidade de assentamento reconhecida pelo INCRA
(ribeirinhos, extrativistas), e por isso as famílias, que são definidas como
assentadas, podem ter acesso a determinadas políticas públicas (Alves, 2023).
Após a criação da Resex se inicia a fase de instalação das famílias subsidiada
pela concessão de investimentos na infraestrutura (estradas, habitação, eletricidade
e abastecimento de água) e de créditos para a compra de eletrodomésticos,
móveis e materiais usados nas atividades de trabalho (Incra, 2018).
O
cadastramento dos moradores e usuários da REMCT e a inclusão destes na Relação
de Beneficiários (RB) foi realizada pelo INCRA em 2005, e possibilitou o acesso
a programas socioambientais e socioeconômicos. O acesso a essas políticas
ocorreu a partir de 2003, quando os Ministérios do Desenvolvimento Agrário e do
Meio Ambiente reconheceram as Populações Tradicionais que residem em algumas
UC’s como beneficiárias do II Programa Nacional de Reforma Agrária (II PNRA)
implementado em 2003, durante o primeiro governo do presidente Luís Inácio Lula
da Silva (2003-2011). A efetuação dessas políticas públicas foi possível devido
ao avanço na discussão sobre a reforma agrária, embora o Estado não tenha
criado políticas específicas para os territórios protegidos, aplicando os
mesmos modelos de políticas destinadas aos assentamentos da reforma agrária
(Alves, 2023).
Segundo
o INCRA (2011), o II Programa Nacional da Reforma Agrária (II PNRA) propõe
medidas que objetivam promover a distribuição da terra e a implementação de
políticas públicas através de modificações no regime de posse e uso, a fim de
atender aos princípios de justiça social, desenvolvimento rural sustentável e
aumento de produção (Alves, 2023). Ele prevê a implantação do Crédito
Instalação em Reservas Extrativistas, Florestas Nacionais e Reservas de
Desenvolvimento Sustentável através de nove[5] possibilidades de linhas de
crédito, com destaque para o Crédito Habitacional, política pública foco desta
análise.
A
escolha para analisar essa política se dá pelo fato de ela possibilitar a
construção de um bem material essencial para a reprodução da vida dos moradores
e usuários da REMCT. Além disso, foi possível observarmos em pesquisas
anteriores (Alves, 2018, 2019, 2023; Silva, 2018; Souza, 2017) a importância
dessa política pública habitacional
expressa
em entrevistas. Quando perguntadas sobre as principais contribuições
proporcionadas pela Resex, algumas moradoras disseram[1]:
Minha casa, o fomento que nós
ganhamos… foi só esses dois … E o Bolsa Verde, que é pela reserva, foram esses
três benefícios… E o conhecimento, que a gente tem que a reserva nos proporciona
que eu acho que é muito bom. Eu acho não, eu tenho certeza (Moradora 1, 2017).[2]
A casa, uma casa. E a bolsa família, a
bolsa verde. Hoje eu não recebo mais a bolsa verde, mas no passado eu já
recebi. Nos ajudou muito (Moradora 2,
2017).[3]
Através dela eu ganhei uma casa que a
minha era de barro, ganhei uma geladeira, fogão, rede para o meu marido pescar,
tudo isso eu ganhei (Moradora 3, 2017).[4]
O
processo de instituição do Crédito Habitacional se iniciou com o reconhecimento
das famílias extrativistas costeiro-marinhas da REMCT pelo INCRA como
assentadas da reforma agrária, sendo cadastradas e incluídas na Relação de
Beneficiários (RB)[6] em 2005. Foram cadastradas 5.002 famílias nesse período.
Em seguida, o crédito era liberado na conta da ASSUREMACATA para que esta
pudesse pagar as empreiteiras responsáveis pela construção das habitações. As
empreiteiras compravam o material necessário e pagavam a mão de obra para
executar os serviços. A mão de obra utilizada era local, conforme entrevistas
com as lideranças; essa foi uma exigência feita pela associação, para que esse
processo pudesse gerar empregos temporários para as pessoas das comunidades.
Era uma escolha nossa também. A
empresa vinha, mas que desse serviço aos comunitários, então todas as comunidades
nós pegamos trabalhadores, pedreiros para ajudar, da comunidade. No que era
necessário a gente ajudava eles também. Então foi importante também esse
movimento de trabalho porque envolveu a comunidade, e aí também eles
conseguiram o ponto financeiro deles. Foram pagos, não foi de graça, não
(presidente da ASSUREMACATA, 2022).[5]
A empresa contratou das próprias
comunidades. Precisava de dez pessoas? Aí pegava lá na comunidade. Inclusive
teve uma empresa que pegou mesmo os companheiros da comunidade e fez um grupo
grande e com isso ela construiu as casas que ela queria construir. Montou uma
equipe (ex-presidente da ASSUREMACATA, 2022).[6]
No quadro 01, elaborado a partir de dados do
INCRA (2019), é possível verificarmos que, embora 5.002 famílias tenham sido
cadastradas para serem contempladas, e 1.648 casas tenham sido pagas pelo INCRA
para serem construídas, apenas 1.623 casas foram construídas através do Crédito
Habitacional, isso porque os recursos da política foram interrompidos em 2013
através de um decreto do governo federal. Por conta dessa interrupção, 3.379
famílias não tiveram suas casas construídas, o que gerou um sentimento de
ressentimento nas famílias que não foram contempladas.
Partindo da perspectiva de Lobão (2006, p.
252) sobre “uma economia política do ressentimento”, é possível reconhecermos
nas falas dos entrevistados a existência de um sentimento que ultrapassa a
questão material de não terem tido suas casas construídas. Esse ressentimento
se apresenta também, no sentimento de desvalorização ou negação de suas
identidades e direitos enquanto populações tradicionais extrativistas
costeiro-marinhas. O fato de alguns moradores contemplados terem vendido,
alugado ou abandonado suas casas também é motivo de conflitos no território, por
questionarem se essas pessoas precisavam ou “mereciam” as casas, posto que não
fazem uso delas.
Quadro
01 - Número de Habitações construídas com os créditos do II PNRA
Valor da habitação |
Ano da entrega da
habitação |
Habitações
entregues |
05 mil |
2005 a 2006 |
400 |
07 mil |
2007 a 2008 |
565 |
15 mil |
2009 a 2013 |
683 |
Fonte:
INCRA, 2019. Elaborado pelas autoras, 2020.
Outra
questão importante sobre o processo de instalação do Crédito Habitacional (II
PNRA) diz respeito ao valor investido nas construções que foi sendo alterado
com o decorrer do tempo. Tendo um reajuste expressivo a partir de 2009, o que
resultou na construção de moradias mais “completas”, esse reajuste, apesar de
ter beneficiado 683 famílias, também produziu um ressentimento nos primeiros
contemplados que receberam valores inferiores para a construção de suas casas.
Dessa forma, as primeiras casas eram construídas com um recurso mínimo, o que
implicou em matérias de menor qualidade e construções sem o devido acabamento,
conforme destacam as moradoras nos trechos abaixo.
O problema do acabamento da nossa
casa. Porque a casa veio sem reboco nadinha. O reboco nós mandamos rebocar. Os
telhados também foi aquela graça, nós que já mandamos trocar, porque quando
trocamos já estava se acabando tudo né. Que era para vir isso pra reforma da
casa e não veio. Não resolveram isso (Moradora 4, 2017).[7]
Tudo isso aqui nós já mudamos, perna
manca, ripa, trocamos tudinho. Estava tudo podre, não era bom. Nós tínhamos que
trocar porque se não trocasse ia até cair em cima da gente... A maioria das
casas aí já trocaram os telhados todinhos (Moradora 5, 2018).[8]
O telhado que tava tudo fraco, na
verdade. Tava muito fraco. Vish Maria, quando o homem trepou aí em cima que a
gente pagamos ele pra ajeitar tudinho. Já metemos dois tijolos, sabe (Moradora 6, 2022).[9]
Os
dados e relatos apontam para problemas importantes da política, como os efeitos
posteriores à sua implementação relacionados, sobretudo, ao sentimento de
injustiça que os não contemplados sentiram, e ao sentimento de insatisfação dos
contemplados face ao produto final que lhes foi entregue. Apesar disso,
percebemos por meio das entrevistas, que o Crédito Habitacional mudou a vida
das pessoas que conseguiram acessá-lo. Contudo, a política está atravessada por
várias questões, que vão do modelo padrão das moradias, que é designado para os
contemplados pela política sem uma consulta prévia, até o material utilizado na
execução da obra.
Já
os reflexos visuais nas comunidades são percebidos a partir da padronização das
moradias que foram construídas em alguns locais, de maneira espalhada, e em
outros, uma ao lado da outra, nos dando a impressão de um conjunto habitacional
de casas muito simples, sem reboco ou pintura nas paredes, como se tivessem
sido abandonadas pela construtora responsável pela obra. No campo social,
quando se fala em “casa verde”, ou “casa do INCRA”, todos sabem nos apontar
alguma direção, pois mesmo após modificações, todos sabem quem foi ou não
contemplado pela política pública. Afinal, ter a casa construída era um sonho
de todos, fosse para si ou para seus filhos que estavam prestes a formar suas
próprias famílias.
As
Reservas Extrativistas são espaços que aliam a conservação ambiental e a
permanência de populações tradicionais que fazem uso desses territórios para
sobreviverem; dessa forma, é de suma importância que os projetos direcionados
pelo governo federal considerem a questão socioambiental desse espaço. A
padronização das habitações, por exemplo, leva em consideração um único fator,
o barateamento do custo. Dessa forma, a habitação é tratada como um mero
produto do mercado, sem levar em conta as especificidades de cada região, ou os
costumes específicos de cada população. O modelo habitacional reproduzido na
Reserva é o mesmo que os setores público e privado utilizam há mais de meio
século para construir moradias para as populações menos favorecidas
economicamente (Valladares; Figueiredo, 1981). Além disso, ele também se baseia
em realidades de determinadas partes do país, como as regiões Sul e Sudeste.
Conforme
documento oficial do ICMBIO (2011), foi possível verificarmos disparidades
regionais no que se refere à metragem das habitações construídas através do
Crédito Habitacional. Nas áreas situadas na Amazônia legal a área mínima de construção
é de 40 m², enquanto que para as demais regiões do país essa área é de 46 m². A
região amazônica sofre não só com a negação de direitos sociais, mas também com
a ausência de estudos que levem em consideração os diversos modos de habitar a
região (Alves, 2023).
4 Entre as dimensões funcional e simbólica do crédito habitacional
A
questão da habitação enquanto uma política pública só passou a ser discutida no
Brasil a partir da década de 1950 (Bonduki, 1994), através do seu enfrentamento
como uma questão social, embora a maioria dos esforços governamentais tenham
sido feitos sob um viés de classe (Cardoso; Negrão, 2012). Seu reconhecimento
está expresso em Leis[7] que situam a habitação como um direito social de
responsabilidade do Estado. Apesar disso, o déficit habitacional cresce a cada
ano, segundo dados da Fundação João Pinheiro (2020). Atualmente, esse déficit
está em 5,657 milhões de habitações.
O
governo federal, apesar dos esforços, segue há décadas a mesma regra de
construção de habitações para as populações mais pobres, fazendo uso de um
modelo padronizado nos grandes projetos, que visam popularizar e baratear a
construção de conjuntos habitacionais (Valladares; Figueiredo, 1981). Com a
expansão de políticas de habitação do meio urbano para o meio rural, por meio
de programas como o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e o Programa
Nacional de Habitação Rural (PNHR), esse modelo seguiu sendo reproduzido para
regiões afastadas das grandes cidades.
Na
área rural, a complexidade do acesso à habitação é atravessada pelas
dificuldades em obter linhas de crédito e recursos materiais para construir ou
realizar melhorias nas habitações. Além disso, as populações rurais possuem
necessidades diferenciadas, relacionadas principalmente às atividades de
trabalho, pois a habitação possui uma multiplicidade de sentidos, que estão
para além da ideia situada em todas as sociedades, independentemente da época
ou região, que sempre tiveram na habitação um lugar que abriga o corpo e traz
proteção. Esse também é um espaço da sociabilidade humana e das relações de
produção material.
No
caso da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, o modelo padronizado foi
levado através do Crédito Habitacional (II PNRA), que tem como objetivo
reformar ou construir habitações em territórios reconhecidos pelo INCRA. Sob a
perspectiva sociológica das políticas públicas, entendemos que por tratar-se de
uma política pública habitacional que pode ser designada a territórios com
especificidades ambientais e simbólicas, ela precisa ser implementada em
conjunto com a comunidade a qual é destinada.
Dessa
forma, nos apoiamos em duas dimensões da habitação para analisar o Crédito
Habitacional. A primeira é a dimensão material, relacionada à organização do
espaço destinado ao desempenho de atividades da rotina familiar, que se
materializa na esfera concreta. Essa materialização pode ocorrer através da
utilização do espaço existente ou pelas alterações realizadas pelos seus
moradores com o objetivo de suprir suas necessidades materiais.
A segunda
é a dimensão simbólica que se associa às emoções, percepções e crenças que são
vinculadas ao desejo de criar lugares e atribuir a eles significados. Essa
dimensão pertence às esferas abstratas e invisíveis no espaço, e podemos
defini-la como o sentido emocional dado à habitação (Alves; Ribeiro; Silva,
2020; Perdigão; Gayoso, 2012). No caso específico de um território
ambientalmente protegido, a dimensão simbólica também é atravessada pelo modo
de viver e de se relacionar com o ambiente. No caso em tela, temos expressões
de uso da casa que estão atravessadas pela relação da população tradicional
extrativista costeiro-marinha com suas atividades de trabalho ligadas ao
mangue, rios e mar.
As
entrevistas feitas com as moradoras da Resex serviram de base para tentarmos
interpretar os significados que atravessam a ideia de habitar, isso porque a
habitação construída por meio do Crédito Habitacional (II PNRA) tornou-se a
nova habitação de muitas famílias da REMCT, e a interpretamos a partir da
relação de seus moradores com o espaço e dos símbolos que são atribuídos a esse
espaço. A inserção de significados e simbolismos em uma nova habitação, para
que esta seja percebida e vivenciada como um lar por seus moradores, é um
processo que se inicia na incorporação de nossas necessidades materiais
relacionadas à estrutura física, funcionalidade, estética e convenções
espaciais da habitação (Camargo, 2007). Dessa forma, as dimensões de análise
aqui proposta não podem ser interpretadas separadamente, pois elas fazem parte
do mesmo processo.
Foi
possível observarmos exemplos de mudanças estruturais realizadas nas
habitações. Na foto 01, a seguir, a moradora construiu um anexo aberto,
comumente chamado de “pátio”, que possui várias possibilidades de uso. Esse
tipo de alteração está relacionada ao fato de o padrão imposto pelas
construtoras responsáveis pelas obras não ter sido capaz de atender às
necessidades dos moradores. Isso porque a maioria dos moradores das habitações
necessitam de uma área aberta para as atividades relacionadas às atividades da
pesca e da catação de caranguejo, e mesmo para as interações com a vizinhança
(Alves; Ribeiro; Silva, 2020).
Foto 01 - Habitação
de moradora contemplada pela política do crédito habitacional
Foto:
Débora Alves. Local: Bragança/PA, junho de 2019.
As
entrevistadas seguiram uma direção parecida em suas falas no que se refere à
ampliação e melhorias que foram sendo realizadas em suas casas, sobretudo, por
conta da metragem e da qualidade inferior dos materiais utilizados nas construções.
Ela foi construída, aí depois aos
poucos nós fomos reformando e até hoje nós estamos com ela aí pra terminar
direito... melhorando aos poucos. Aí foi o tempo que eu casei né, e o meu
marido é pedreiro, aí aos poucos a gente vai arrumando (Moradora 7, 2018).[10]
Eu sei que quando eles me entregaram
que o senhor abriu a porta dela pra ver o piso, era só buraco, parece que eles
construíram o piso só com areia mesmo. Aí eu falei pra ele no dia que ele me
entregou a chave eu disse que não aceitava, aí ele disse “não, a gente vem
trazer mais três sacos de cimento, não te preocupa, a gente vai mandar passar
outra agoada”. Nunca passaram (Moradora 8, 2019).[11]
Outra
alteração feita por aqueles que tiveram condições financeiras, foi a construção
de “puxadinhos” (Foto 02), uma espécie de “nova cozinha”, um espaço que, apesar
de se inserir em uma perspectiva de funcionalidade material, é atravessado
pelas relações simbólicas dos núcleos familiar e de trabalho. Nesse espaço,
desenrolam-se práticas do convívio social entre a família e a vizinhança, bem
como, as atividades de trabalho, que normalmente, têm a participação de boa
parte do núcleo familiar.
A
forma de habitar uma casa se liga às relações sociais no campo simbólico, e
evidencia a percepção que o morador tem desse espaço, trazendo em si e na sua
forma de uso inúmeros significados. A habitação pode ser vista como uma
instituição social, o lugar da rede relacional dos comportamentos sociais, da
organização e hierarquia familiar, da manipulação de poder e desempenho de
papéis (Alves; Ribeiro; Silva, 2020; Perdigão; Gayoso, 2012).
Foto
02 - “Puxadinho” construído por moradora contemplada pelo Crédito Habitacional
Foto:
Débora Alves. Local: Bragança/PA, janeiro de 2022.
Apesar
das dificuldades em adaptar e ampliar as habitações para que fossem apropriadas
às suas realidades, as entrevistadas não deixaram de ressaltar as precárias
condições de moradia em que se encontravam antes da reforma ou construção de
suas habitações através da política pública (Alves; Ribeiro; Silva, 2020).
Primeiro era de paxiúbaxi,
que é a coisa do açaí, que a gente vai no igapó, corta ela, parte ela no meio,
aí tira o bagaço de dentro e vai cortando os tamanhos que faz a parede. Aí
depois passa o plástico preto por cima pra forrar. Era só um compartimento, era
só mesmo uma casinha. Depois que a gente foi pro mato tirar, pra fazer a de
barro. Cabia uma cama, uma penteadeira e uma rede. Cozinhava dentro, bem assim
na puxadinha tinha um fogãozinho de lenha (Moradora 9, 2019).[12]
A Reserva
Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu teve 5002 famílias cadastradas e apenas
1623 atendidas pela política pública, deixando de fora a maioria dos
cadastrados. A participação na implantação da política também não foi garantida
a essas famílias, principalmente no que se refere à escolha da forma como as
habitações seriam construídas. Embora algumas lideranças que fizeram parte da
implementação do Crédito Habitacional tenham destacado que houve reuniões entre
os comunitários, os contemplados pela política que foram entrevistados
informaram que o modelo de suas casas já veio pronto, sem que fossem
consultados sobre como gostariam que a habitação fosse construída.
Veio de lá... veio de lá a planta da
casa. Só era esse modelo e foi esse modelo mesmo (Moradora 10, 2022).[13]
Foi ele mesmo o ex-presidente da
associação, ele deu a indicação todinha pro rapaz, pra fazer. Que era de dois
quartos, era assim. Ele disse que era de lá mesmo que vinha pra eles coisarem.
Como a gente queria fazer, como a gente queria, ele disse que não, era como
tava lá (Moradora 11, 2022).[14]
Foi eles mesmos lá. Foi eles, porque
essas casas foram eles mesmos que já davam o feitio tudinho. Já tinham um
modelo pronto (Moradora 12, 2022).[15]
Norberg-Schulz
(2006) situa a multiplicidade de sentidos das habitações e se posiciona contra
o sentido estrutural e abstrato que predomina nos grandes projetos de
planejamento. Ele se pauta em uma perspectiva que vai além do dimensionamento e
da distribuição espacial. Portanto, é necessário considerar as singularidades
culturais, ainda mais se tratando do Brasil, com diferenças regionais tão
importantes (Alves; Ribeiro; Silva, 2020).
A
habitação é o primeiro universo do ser humano, definida como um espaço físico
destinado ao abrigo e à proteção (Bachelard, 1989), estando, também,
atravessada por simbolismos ligados à sua organização social e temporal. Sendo
constituídas pelas percepções daqueles que a habitam, no caso específico das
Resex, por populações tradicionais que possuem um modo de vida e vivência
diferenciados do padrão dos centros urbanos (Alves; Ribeiro; Silva, 2020), essas
diferenças no modo de habitar podem ser percebidas através das alterações
estruturais feitas nas habitações e no modo que cada espaço é utilizado.
O
processo que leva uma habitação padronizada a tornar-se uma casa, um lar, é o
ato de habitar, pois é a partir desse ato que seus moradores evidenciam suas
percepções sobre o ambiente e também, o moldam conforme suas necessidades e os seus
diferentes usos, podendo atribuir aos espaços inúmeros significados. Habitar é
um ato que remete às origens ontológicas da arquitetura, tanto no que se refere
às dimensões de habitar o espaço e o tempo, quanto à ação de transformar um
espaço vazio e sem significado em um lugar especial (Alves, 2023). Portanto, é
um ato simbólico que, sem que percebamos, cumpre o papel de organizar todo o
mundo do habitante, tanto a partir das necessidades físicas, quanto no que se
refere às nossas mentes, memórias, sonhos e desejos (Pallasmaa, 2017).
Apesar
das habitações construídas através do Crédito Habitacional do II PNRA serem
símbolo de conquista e orgulho para os seus moradores, o planejamento e a execução
do projeto não priorizaram as necessidades básicas de quem vive do trabalho da
terra, mas principalmente do mangue, dos rios e do mar, bem como, não houve
atenção necessária para as especificidades de um território ambiental protegido
(Alves; Ribeiro; Silva, 2020). Buscamos destacar o ato de habitar como um meio
de transformar a habitação produzida por uma política de habitação padronizada
em uma casa, um lar de moradoras extrativistas costeiro-marinhas de uma Resex
marinha situada na Amazônia.
Sendo
a habitação uma necessidade básica para a reprodução social dos indivíduos,
independentemente de classe social ou da localidade a que pertencem
(Buonfiglio, 2018), entendemos que o déficit habitacional possa ser encarado
através de algumas ações, como por exemplo, a partir da produção em massa de
habitações, principalmente para as camadas da sociedade que possuem um menor
poder aquisitivo. Mas, além disso, é importante ressaltar que a questão da
habitação não se trata apenas de números e de uma extensa produção padronizada.
Enquanto política pública, ela deve ser pensada a partir das necessidades de
seus futuros moradores (Alves; Ribeiro; Silva, 2020).
O
padrão de construção habitacional que vem sendo imposto há décadas não leva em
consideração várias questões, como a quantidade de pessoas que vão residir em
uma mesma habitação, a qualidade do material utilizado nos projetos, mas
principalmente, a opinião dos futuros moradores dessas habitações a respeito de
suas necessidades mais básicas em uma moradia.
Apesar
da tentativa de impor uma única racionalidade, baseada na delimitação de custos
e para uma produção em massa, como vimos, as pessoas na Reserva Extrativista
Marinha Caeté-Taperaçu seguiram um caminho da resistência, no qual empenham-se
em responder a essa tentativa de imposição de um padrão, através da diversidade
de sua própria racionalidade (Santos; Silveira, 2006). E isso é visto nas
mudanças materiais de suas habitações padronizadas, a fim de que essas
alterações tenham o efeito de transformar esse espaço em um lar de moradoras e
moradores de uma Resex Marinha.
5 Considerações finais
As
políticas habitacionais têm sido há décadas planejadas a partir de uma lógica
que vê as políticas públicas unicamente como uma solução criada pelo Estado
para resolver os problemas sociais. Por conta disso, grande é a resistência
para que essas políticas possam ser pensadas a partir de um projeto coletivo
que não toma as decisões dos governos como uma espécie de benfeitoria, mas sim,
como parte de um processo que precisa ser construído baseado em uma ação
conjunta, e pensada, sobretudo, levando em conta aqueles que são afetados
diretamente por essas políticas.
Na
Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, a implementação do Crédito
Habitacional (II PNRA) além de possibilitar que populações tradicionais
tivessem acesso a um bem material de grande valor na sociedade, a habitação,
surtiu efeitos que, para os moradores, representam grandes avanços na questão
da qualidade de vida, por significar para eles, além de um espaço que abriga e
traz proteção, um local que faz parte da cadeia de trabalho das famílias que
vivem da pesca ou da catação de caranguejo na região.
Embora
tenha mudado a vida de muitos através da construção de novas habitações, a
política pública não alcançou nem metade da população à qual ela foi destinada,
causando conflitos e ressentimentos entre os que não foram contemplados. E seu
processo de implementação refletiu a falta de interesse dos governos em tornar
as escolhas e decisões mais participativas, na medida em que não possibilitou
que seu público-alvo tomasse parte da escolha dos modelos de habitação adequados
às suas realidades. Como resultado, casas foram construídas sem levar em conta
as singularidades do território, seguindo padrões de construção que são
estabelecidos para o meio urbano.
Além
disso, na constituição de um território ambientalizado, como o da Resex
marinha, cuja função é sua conservação ambiental e a proteção do modo de vida
da população tradicional de extrativistas costeiro-marinha, tais fatores não
foram potencializados pela política do Crédito Habitacional (II PNRA). Pois,
foi possível apurar que várias casas foram entregues sem água encanada, com a
construção de banheiros pequenos e sem fossa séptica de tamanho adequado.
Situação que se agrava com a falta da coleta de lixo periódica, necessitando,
portanto, de políticas complementares.
A
identificação das dimensões material e simbólica da habitação, que
empiricamente não se separam, constitui-se neste trabalho como um arranjo
metodológico que nos possibilitou construir um olhar sociológico sobre as
políticas habitacionais rurais, em particular aquelas destinadas às Resex
marinhas na região amazônica, que seguem uma lógica de vida e trabalho que
depende da natureza, que é o caso das populações tradicionais que vivem nas
Resex. Se, de um lado, temos as dificuldades e desafios da construção das
políticas públicas a partir do referencial dos atores e organizações populares
empobrecidos, de outro, a perspectiva sociológica nos possibilita enxergar como
se tecem, às margens do Estado, interações entre os diversos atores para
ressignificar os resultados das políticas.
Assim,
a casa como um bem material que é tratado pelo capital como um mero valor de
troca, na apropriação simbólica realizada por seus moradores na Resex Marinha
Caeté-Taperaçu pode ser vista também, em suas moradias autoconstruídas, como
uma possibilidade de reconectar as dimensões que foram separadas pela política
e, quem sabe, apontar os caminhos para redesenhar as futuras políticas.
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[1]
Unidades de Conservação (UC) são territórios com características naturais
relevantes e, foram criadas com o objetivo de assegurar amostras significativas
e ecologicamente viáveis das diferentes populações, habitats e ecossistemas do
território nacional e das águas jurisdicionais, preservando o patrimônio
biológico existente. As UC asseguram o uso sustentável dos recursos naturais
pelas populações tradicionais, fomentando atividades econômicas sustentáveis.
Sujeitas às normas e regras especiais, elas são legalmente criadas pelos
governos federal, estaduais e municipais. Dividem-se em dois grupos: Unidades
de Proteção Integral (proteção da natureza é o principal objetivo) e Unidades
de Uso Sustentável (visam conciliar a conservação da natureza com o uso
sustentável dos recursos naturais). Nas unidades de uso sustentável estão
incluídas as Reservas Extrativistas (MMA, 2019).
[2] O
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC - LEI 9.985/2000) é o
conjunto de unidades de conservação (UC) federais, estaduais e municipais,
composto por 12 categorias de UC, cujos objetivos específicos se diferenciam
quanto à forma de proteção e usos permitidos. O SNUC visa potencializar o papel
das UC, de modo que sejam planejadas e administradas de forma integrada com as
demais UC, assegurando que amostras significativas e ecologicamente viáveis das
diferentes populações, habitats e ecossistemas estejam adequadamente
representadas no território nacional e nas águas jurisdicionais. Para isso, o
SNUC é gerido pelas três esferas de governo (federal, estadual e municipal)
(MMA, 2019).
[3] O
CCDRU é um documento amparado legalmente e está previsto no Decreto Lei nº 271,
de 28 de fevereiro de 1967; na Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1988; e na Lei nº
11.481, de 31 de maio de 2007. Tem por objetivo formalizar por meio de um
contrato com o Estado o reconhecimento de territórios tradicionais como espaços
necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades
tradicionais e que estabelece que essas áreas sejam utilizadas de forma
permanente ou temporária. Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/comunicacao/publicacoes/publicacoes-diversas/o_contrato_de_concessao_de_direito_real_de_uso_ccdru_nas_ucs_federais.pdf.
[4]
Usuários e usuárias são aqueles que residam nos limites do município de
Bragança desta 20/05/2005 (ano de criação da REMCT) e que se enquadrem em pelo
menos uma das atividades relacionadas ao extrativismo. São elas: Pescadores
artesanais; ribeirinhos; curralistas; caranguejeiros; marisqueiros;
ex-pescadores; pessoas de origem nas comunidades no interior e entorno da
REMCT; que trabalhem confeccionando petrechos e demais objetos para a atividade
extrativista; apicultores que extraiam ou produzam mel e demais produtos da
apicultura; Extrativistas de produtos de origem vegetal e/ou mineral; Pessoas
que trabalhem com o beneficiamento, a transformação e o reaproveitamento de
produtos e resíduos, oriundos de recursos naturais extraídos na área da Reserva
Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu (Abdala; Saraiva; Wesley, 2012a.).
[5]
Objetivos e Possibilidades do Crédito Instalação do II PNRA: I. Apoio Inicial;
II. Apoio Mulher; III. Aquisição de Materiais de Construção (Crédito
Habitacional); IV. Fomento; V. Adicional do Fomento; VI. Semiárido; VII.
Recuperação de Materiais de Construção; VIII. Reabilitação de Crédito de
Produção; IX. Crédito Ambiental (ICMBIO, 2011).
[6] A
Relação de Beneficiários (RB) é uma listagem de todas as famílias cadastradas e
selecionadas pelo Programa Nacional de Reforma Agrária. O documento possui
dados sobre o assentamento, município, nomes dos beneficiários, data na qual a
seleção foi homologada e situação da unidade familiar por superintendência
regional (INCRA, 2020).
[7]
Constituição Federal: Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição. Disponível em:
http://www.trtsp.jus.br/legislacao/constituicao-fe[deral-emendas. Acesso em: 08
nov. 2019.
[1] Por
solicitação das entrevistadas não divulgaremos seus nomes, atribuindo o
adjetivo “moradora” e a numeração para diferenciar as falas.
[2]
Informação fornecida por Moradora 1 durante entrevista realizada na cidade de
Bragança-PA, em
junho de 2017.
[3] Informação fornecida
por Moradora 2 durante entrevista realizada na cidade de Bragança-PA, em
dezembro de 2017.
[4] Informação fornecida
por Moradora 3 durante entrevista realizada na cidade de Bragança-PA, em
dezembro de 2017.
[5] Informação fornecida
pelo presidente da ASSUREMACATA durante entrevista realizada na cidade de
Bragança-PA, em junho de 2022.
[6] Informação fornecida
pelo ex-presidente da ASSUREMACATA durante entrevista realizada na cidade de
Bragança-PA, em julho de 2022.
[7] Informação fornecida por Moradora 4 durante entrevista
realizada na cidade de Bragança-PA, em dezembro de 2017.
[8] Informação fornecida
por Moradora 5 durante entrevista realizada na cidade de Bragança-PA, em maio
de 2018.
[9] Informação fornecida
por Moradora 6 durante entrevista realizada na cidade de Bragança-PA, em maio
de 2022.
[10] Informação fornecida
por Moradora 7 durante entrevista realizada na cidade de Bragança-PA, em meio
de 2018.
[11] Informação fornecida
por Moradora 8 durante entrevista realizada na cidade de Bragança-PA, em junho
de 2019.
[12] Informação fornecida
por Moradora 9 durante entrevista realizada na cidade de Bragança-PA, em junho
de 2019.
[13] Informação fornecida por Moradora 10 durante
entrevista realizada na cidade de Bragança-PA, em julho de 2022.
[14] Informação fornecida por Moradora 11 durante
entrevista realizada na cidade de Bragança-PA, em junho de 2022.
[15] Informação fornecida por Moradora 12 durante
entrevista realizada na cidade de Bragança-PA, em junho de 2022.
[ii] Contribuições da autora:
conceituação; análise formal; investigação; metodologia; visualização; escrita
– rascunho original; escrita – análise e edição.
[iii] Contribuições da autora: conceituação; aquisição de financiamento; investigação; administração do projeto; recursos; supervisão; visualização; escrita – rascunho original; escrita – análise e edição.