Resenhas, Ensaios e
Entrevistas
Resenha:
Piano.Pérolas - quem brinca já chegou! ¹
REVIEW:
Piano.Pearls Who plays has arrived!
Helena Karavassilakis Uzun
2
helenakms@hotmail.com
Universidade Estadual de Maringá, Brasil
Vania Malagutti 3 vamsloth@uem.br
Universidade Estadual de Maringá, Brasil
Revista Orfeu
Universidade do Estado de Santa Catarina,
Brasil
ISSN: 2525-5304
Periodicidade: Contínua
vol. 7, núm. 2, 2022
revistaorfeu@gmail.com
Recepção: 30 Maio 2022
Aprovação: 05 Julho 2022
Autores mantém os
direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação.
Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0.
Resumo: O
livro “Piano.Pérolas: Quem brinca já chegou!”, de
autoria das professoras, pianistas e compositoras Carla Reis e Liliana Botelho,
foi lançado em 2019. O material é composto por 18 obras autorais para
iniciantes, pautadas no ensino por imitação, de modo que a leitura musical é
considerada como um dos aspectos a serem abordados no processo do ensino de um
instrumento musical. Nesta direção, o livro traz subsídios pedagógico-musicais
que contemplam, por exemplo, a topografia do teclado, a aquisição da técnica, a
exploração sonora, a criatividade e a compreensão de elementos de estruturação
musical. A proposta traz peças em solo e duos e disponibiliza a gravação das
mesmas em um canal do Youtube. O
material se constitui em uma possibilidade prática e viável que considera as
demandas reais do ensino do piano no século XXI, oferecendo um caminho que
contempla a performance e a criação musical.
Palavras-chave: Pedagogia do Piano, Ensino
por Imitação, Iniciação ao piano.
Abstract: The
book “Piano.Pearls: Who plays has
arrived!”, written by the teachers,
pianists and songwriters Carla Reis and
Liliana Botelho, was released
in 2019. The material consists of
18 copyrighted works for begginers, based on rote teaching, so that the
musical reading is considered one of the aspects
to be aproached
in the process of teaching a musical instrument. In this regard, the book offers pedagogical-musical
subsidies that include, for instance,
keyboard topography, technique
acquisition, sound exploration, creativity and understanding of musical structuring elements. The proposal brings solo and duo musicals and makes their recording available on a Youtube channel. The material consists in
a practical and feasible possibility that acknowledge the real demands of piano teaching in the 21st century, offering a way that aims musical performance and creation.
Keywords: Piano Pedagogy,
Rote teaching, Piano initiation.
O livro “Piano.Pérolas: Quem brinca já
chegou!” foi elaborado pelas professoras, pianistas e compositoras, Carla Reis
e Liliana Botelho da Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ) de Minas
Gerais. O livro, com peças autorais, oferece para a educação musical e para o
ensino do piano, um repertório diversificado composto por 18 obras, organizadas
em duas partes. Na primeira, intitulada “Iniciante 1”, contém 12 obras e, na
segunda, “Iniciante 2 e Intermediário 1”, seis.
O material possui como principal característica o ensino por
imitação. As autoras afirmam esta abordagem, que ocorre antes da leitura
musical, contribui para o desenvolvimento de “outros aspectos do aprendizado do
instrumento”, como “as competências técnico-musicais básicas, compreensão
musical e desenvoltura performática” (REIS; BOTELHO, 2019, p. 11). Todas as
obras foram gravadas em vídeos e estão disponíveis em um canal do Youtube1 para que professor (a) e aluno tenham referência da
proposição interpretativa das autoras/compositoras.
O ensino por imitação é uma abordagem defendida tanto por
educadores musicais consagrados, tais como Shinichi
Suzuki, Zoltán Kodály e Émile JaquesDalcroze
(MATEIRO; ILARI, 2012), quanto por educadores contemporâneos, como Barros Filho
(2021). Esta forma de ensinar permite que o aluno observe e imite o
professor/intérprete não somente no que se refere as questões técnicas, mas
também idiomáticas. Ela se perpetua por conferir leveza à prática musical,
permitindo que o aluno possa, inclusive, tocar obras que são “difíceis de ler,
mas fáceis de tocar” (REIS; BOTELHO, 2019, p. 11).
Reforçando a proposição do ensino por imitação, Reis e Botelho
(2019, p. 11), sugerem os seguintes passos: 1. Apreciação (ouvir, sentir e ver)
professor toca a peça para o aluno; 2. Provocações ao aluno sobre suas
primeiras impressões da obra; 3. Apreciação orientada quanto aos padrões
musicais e seu entendimento; Identificação das macro e
microestruturas, através da forma, frases, motivos, padrões; 5. Verbalização,
levando o aluno a fazer uma análise do que percebeu; 6. Performance fluente das
seções da obra, que envolve a compreensão motora e compreensão musical de cada
seção; 7. Recapitulação; 8. Performance fluente da obra completa.
Na apresentação do livro, as autoras/compositoras, afirmam que
“a leitura musical é muito importante no processo da aprendizagem em qualquer
instrumento, mas é apenas UMA das muitas habilidades que os alunos iniciantes
devem adquirir” (REIS; BOTELHO, 2019, p.10). Para elas, inicialmente é
fundamental que os alunos desenvolvam aspectos como: “domínio da topografia do
teclado, aquisição da técnica básica, memória, criatividade, exploração sonora,
percepção da dimensão estética da música e compreensão de elementos estruturais
da linguagem musical” (REIS; BOTELHO, 2019, p.10).
As chamadas “competências técnicas-musicais” tratadas pelas
autoras/ compositoras contemplam a alternância, cruzamento e simultaneidade do
uso das mãos, a fixação da arcada da mão, realização do legato, controle de
dinâmica, pedal sincopado, independência dos dedos, introdução à polifonia com
pergunta e resposta e melodia em blocos, dentre outros aspectos abordados.
No livro, de acordo com as autoras, as peças aparecem numa ordem
crescente de dificuldade, indo das primeiras experiências com o teclado e
gradativamente tornando-se mais complexo no que se refere aos aspectos
técnicos-musicais, ao próprio discurso da música e a desenvoltura performática.
Nesta proposição as cinco primeiras obras exploram especialmente o uso de
teclas pretas, oferecendo uma visão dinâmica e concreta da topografia do
teclado, aliada à um fazer musical divertido. No que se refere ao aspecto
rítmico e a atmosfera musical explorada no livro, destacamos os ritmos latinos
e brasileiros, como na obra Roda de Cassino (Suíte Sallon)
com a presença da salsa, e, na Tarde em Copacabana, que remete à bossa nova,
além do oriente caracterizado na Em um Templo Oriental.
A seguir abordamos sinteticamente cada uma das peças, sem a
intenção de esgotar sua riqueza técnico-musical, mas com o intuito de salientar
a diversidade de conteúdos musicais contemplada no material.
A primeira obra, Chove Chuva, em Fá# Maior, é em ritmo de bossa
nova, e explora as teclas pretas. Para sua execução, as autoras destacam a
importância de o professor fundamentar a técnica, frisando a liberdade e
flexibilidade das articulações das mãos, braços e ombros. Destaca-se o controle
da dinâmica. A tonalidade da peça está e o acompanhamento se dá com oitavas na
mão esquerda, intercalando com acordes. O solo, na mão direita, ocorre nas
teclas pretas e em oitavas, com as notas alternadas em dó#5 e ré#5 e em notas
duplas.
A Suíte Forró, é a peça seguinte, composta por três duetos em Si
Maior: I. Baião das Cinco; IIXoteando; III. Arrasta
Pé. Nela, uma das características marcantes são os ostinatos
no acompanhamento, que lembram uma zabumba, espécie de tambor percussivo que
acompanha o sanfoneiro no forró, ritmo típico do nordeste brasileiro. Além
disso, há o cruzamento de mãos e a exploração de legato e staccato.
Na sequência, Sinos de São João delRei,
em Dó# Maior, faz uso de ligaduras e sinais de expressão, com acordes
executados de forma lenta e solene. Aqui as teclas pretas são usadas para
remeter às badaladas dos sinos da cidade que lhe dá o nome. Como em outras
obras, há o automatismo, uso do pedal e simultaneidade das mãos. Além disso,
propõe a realização de improvisos na seção B ou B’ e traz, no final, clusters
tocados nas teclas pretas com as mãos espalmadas nas regiões aguda (M.D) grave
(M.E) do piano.
A sexta obra, a 4 mãos, é Cerejeiras em Flor. Composta em Fá#
Maior, ela oferece uma atmosfera oriental fazendo uso da escala pentatônica e
anunciando a chegada da primavera no Japão. Destacamos nesta peça o cruzamento
de mãos, o controle da dinâmica e a fluência rítmica. Ela apresenta um ostinato no acompanhamento para ser tocado por outro aluno
e ao final explora um rallentando que conduz a música à acordes e fermatas, em
um movimento harmônico tonal de dominante e tônica.
Seguindo, o livro traz a Suíte Sallon,
um conjunto de danças, ambientadas a partir da dança de salão: Arretado
(baião), Ondulé (Zouk), Roda de Casino (salsa) e
Saudoso Adoniran (samba). A primeira, Arretado, é um
baião, ritmo típico do nordeste brasileiro, em Si Maior, com ostinatos na clave de fá, onde se tem a impressão de um Fá#
Maior durante a evolução de sua harmonia. Destacamos nesta obra o uso de duas e
três teclas pretas, a alternância e simultaneidade de mãos com independência
dos dedos e a presença de staccato, legato e non legato. A segunda dança, Ondulé, em ré# menor, está em Zouk, um estilo musical
típico das Antilhas, na América Central com o Mar do Caribe. Nesta dança propõe-se
a execução a quatro mãos com alternância das mãos. Já a terceira dança, Roda de
Casino, é uma salsa, também em re# menor. Ela se
caracteriza pela ênfase na alternância de mãos, glissando, legato e non legato,
e, na independência dos dedos. Quanto à dinâmica, o crescendo e o diminuendo,
aparecem de forma sutil. Por fim, um samba, Saudoso Adoniran, em ré# menor. A
peça homenageia o compositor e cantor brasileiro Adoniran Barbosa. Nesta obra
há a exploração das teclas pretas com alternância de mãos em legato e stacatto, além do controle de dinâmica e o uso de ritornellos e expressões específicas, como Coda.
Valsa Triste é a obra seguinte, indicada para iniciantes de
todas as idades aprenderem o nome das notas. Destacamos a parte do solo na mão
esquerda, com a mão direita valseando, enquanto que há, na outra parte, notas
repetidas passeando pela escala de dó maior, embora a parte do professor esteja
em lá menor. Observa-se a localização das teclas brancas, com movimento
alternado das mãos, além do deslocamento no teclado e a exploração de controle
dos planos sonoros. Aqui as autoras sugerem que o aluno cante as notas com
variações de andamentos.
Fechando a primeira parte do livro, está Brincando na Chuva,
para piano solo. Além das competências técnicas musicais já citadas
anteriormente, nesta peça tem-se uso do pedal direito na parte B o cruzamento
de mãos. Para a fluência rítmica, as autoras sugerem que o aluno possa tocar e
cantar a letra da música, em um andamento moderado, sem causar tensões
desnecessárias e ainda aproveitar o contraste entre as seções A e B para
trabalhar o conceito de “caráter musical”. A tonalidade é Dó Maior, porém, no
primeiro compasso há um cromatismo em acordes, encerrando-se na nota fá,
enriquecendo a obra.
Luzes Coloridas abre a parte 2 do material. A peça está em Dó
Maior, compasso ternário, andamento lento, denominado de “Flutuante”. Ela se
caracteriza pelas quintas ascendentes em colcheias, iniciando sempre pela mão
esquerda com cruzamentos de mãos e com sinais de dinâmica em decrescendo.
A peça seguinte, Templo Oriental, é em andamento lento e no modo
frígio. Faz uso de intervalos melódicos e harmônicos de 3ª e 5ª, executados de
forma ampla nas claves de fá e sol de forma arpejada, com alternâncias e cruzamento
das mãos. A obra traz uma atmosfera misteriosa, introspectiva e tipicamente
oriental.
Barcarola é a próxima peça. Composta para duas mãos, “as linhas
melódicas se encontram ‘espelhadas’ realizando um movimento contrário. Ambas
trabalhadas de maneira igual em uma obra que remete às pequenas formas
pianísticas do período romântico” (REIS; BOTELHO, 2019, p. 58). Em compasso
6/8, em lá menor, lembra o balançar de um barco em águas tranquilas, com
ligaduras de forma descendente no desenho melódico. Dentre suas características
estão a alternâncias e simultaneidade das mãos, a independência dos dedos, a
introdução à polifonia, a melodia em bloco e o pedal sincopado.
Seguindo, está a Tarantella, um Allegro em 6/8, em dó menor, que reafirma conteúdos da peça anterior, fazendo uma introdução à
polifonia, com pergunta e resposta, e o uso de melodia em blocos.
Tarde em Copacabana vem a seguir, com um clima de bossa nova.
Destinada a adolescentes e adultos, a peça explora, além do ritmo, os
intervalos harmônicos de quintas justas de forma sincopada em expressão forte/
piano.
Organizada em várias seções, está a Noturna, que possui uma
“atmosfera impressionista com pincelagens de linguagem contemporânea” (p. 67).
Carla Reis, a compositora, escreve que a obra faz menção às suas memórias de
infância, quando contemplava as noites estreladas do terraço de sua casa. Na
primeira seção, faz uso de intervalos harmônicos de quintas, controle de
dinâmica do pianíssimo ao forte, glissando em escala maior, clusters,
andamento, e, pulsação livre. Na segunda, Estrelas cadentes, o pianíssimo se
destaca com uso de una corda. Na sequência, é explorado o sincopado e glissando
descendente, remetendo a um Meteoro, seguido de clusters e fermata. Na seção
Lembranças de uma noite estrelada, o pianíssimo continua e a finalização é com
o Buraco negro, com as mãos espalmadas na região mais grave, onde a mão direita
toca as pretas e a mão esquerda as brancas.
Finalizando, “Piano.Pérolas: quem
brinca já chegou!” vem ao encontro de demandas da pedagogia do piano que tem
dirigido esforços no sentido de promover ao aluno o estudo de piano de forma
prazerosa e consciente. A maneira como as músicas foram compostas e propostas
permite que o aluno faça um mapeamento do instrumento, familiarizando-se com as
formas de tocá-lo e ganhando intimidade com a diversidade de discursos
musicais, desenvolvendo a escuta, a memória, a criatividade e os aspectos
técnicos e teóricos da práxis pianística.
O uso deste material com alunos iniciantes foi relatado por Marconato (2020). Ele que usou o livro com oito alunos
iniciantes com idades entre 6 e 13 anos, e afirma que o mesmo “se mostra muito
propício à iniciação ao instrumento por não fazer da prática musical algo
dependente da partitura” (MARCONATO, 2020, p. 129). Para ele, o livro explora
as habilidades aurais e de improvisação, que inclusive vão ao encontro da
prática instrumental também no âmbito da música popular.
O material ainda oferece orientações objetivas e práticas para o
professor, contribuindo para que a condução dos estudos seja a mais musical
possível, sem se ater à aspectos puramente técnicos. Nesta direção, o livro se
concretiza na prática de conceitos que favorecem o ensino e a aprendizagem do
instrumento, sendo margem para o aluno e oferecendo espaço para ele se
desenvolver musicalmente com autonomia.
REFERÊNCIAS
BARROS FILHO, Eduardo Dias de. Relato de
Experiência sobre o processo de produção do livro “Pianíssimo – música e
poesia”: o ensino por imitação e as práticas criativas no ensino do
piano. In: XXV Congresso Nacional da ABEM, 2021, Londrina. Disponível em: http://abemeducacaomusical.com.br/anais_congresso/v4/
papers/705/public/705-4300-1-PB.pdf.
Acesso em 02/03/2022.
MARCONATTO, Thiago Leme. Aplicações do livro “Piano. Pérolas –
quem brinca já chegou!” na iniciação ao piano popular. In: Encontro
Internacional sobre Pedagogia do Piano. V, 2019, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: EINPP, 2020, p. 124-129.
Disponível em: https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/485/2020/07/ANAIS-VEINPP.pdf. Acesso em 02/03/2022.
MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz. (org.). Pedagogias
em Educação Musical. Curitiba: Intersaberes,
2012.
Notas
Autor notes
2 Mestranda em Música
no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Estadual de Maringá.
Especialista em Música Brasileira pela Universidade Federal de Goiás (UFGO) e
bacharel em piano pela FAAM.
3 Professora Adjunta do
Departamento de Música e Artes Cênicas e do Programa de Pós-Graduação em Música
da Universidade Estadual de Maringá.