Reflexões para uma moda em perspectivas afrodiaspórica e decolonial

RESUMO

Há muito já se problematiza sobre a moda, e seu sistema, enquanto produções da cultura ocidental supremacista branca capitalista (hooks, 2019), podendo-se acrescentar patriarcal, cissexista, cisheteronormativa e ciscolonial (Vergueiro, 2016) como provocações. Este estudo tem como objetivo ressaltar a importância das perspectivas afrodiaspóricas e decolonial para tensionar o campo da moda, sobretudo a relação entre estética, corpo, moda e processos de subjetivação. Considerando a importância de perspectivas corporificadas e situadas (Kilomba, 2019; Haraway, 1995), esta pesquisa básica com revisão bibliográfica demonstra a busca por saberes afirmativos na elaboração da percepção crítica e sensível sobre moda, sistema de moda e estética, de modo a ressaltar as contribuições dos Feminismos Negros, da Teoria Decolonial, Transfeminismo e das discussões sobre Moda e Decolonialidade. Assim, em honra aos esforços de mulheres negras e de perspectivas afrodiaspóricas, propõe-se a valorização de subjetividades negras, bem como da ancestralidade, possibilitando reflexões com perspectivas corporificadas no campo da moda acerca de processos de subjetivação e, ainda, de cultura e estética a partir da contribuição dessas subjetividades. Foi possível compreender que o campo da moda é político, que a estética é política, assim como os dispositivos de produção de existências, de modos de estar, ser e fazer mundo.

Palavras-chave: Decolonialidade; Moda; Perspectivas Afrodiaspóricas.

Reflections on fashion by afro-diasporic and decolonial perspectives

ABSTRACT

For a long time, fashion and the fashion system have been discussed as productions of capitalist white supremacist Western culture (hooks, 2019), and we can add patriarchal, cissexist, cisheteronormative, and ciscolonial (Vergueiro, 2016) provocations. This study aims to highlight the importance of Afrodiasporic and decolonial perspectives to tension the field of fashion, especially the relationship between aesthetics, body, fashion and processes of subjectivation. Considering the importance of embodied and situated perspectives (Kilomba, 2019; Haraway, 1995), this study is a basic research with bibliographic review for affirmative knowledge in developing a critical and sensitive understanding of fashion, the fashion system, and aesthetics. It highlights the contributions of Black Feminisms, Decolonial Theory, Transfeminism, and discussions on Fashion and Decoloniality. Thus, in honor of the efforts of Black women and Afro-diasporic perspectives, it proposes the valorization of black subjectivities as well as ancestry, enabling reflections with embodied perspectives in the fashion field regarding processes of subjectivation and the body, as well as culture and aesthetics from the contributions of Black subjectivities. It was possible to understand that the field of fashion is political, that aesthetics are political, as well as devices for the production of existences, ways of being, being and making the world.

Keywords: Decoloniality; Fashion; Afro-diasporic Perspectives.

Reflexiones sobre una moda en perspectivas afro-diaspóricas y decoloniales

RESUMEN

Durante mucho tiempo se ha discutido la moda y el sistema de moda como producciones de la cultura occidental supremacista blanca capitalista (hooks, 2019), y podemos añadir patriarcal, cissexista, cisheteronormativa y ciscolonial (Vergueiro, 2016) como provocaciones. Este estúdio tiene como objetivo ressaltar la importância de las perspectivas afrodiaspóricas y decoloniales para tensionar el campo de la moda, especialmente la relación entre estética, cuerpo, moda y processos de subjetivación. Teniendo em cuenta la importancia de perspectivas corporificadas y situadas (Kilomba, 2019; Haraway, 1995), esta investigación básica com revisión bibliográfica demuestra la búsqueda de conocimientos afirmativos en la elaboración de una percepción crítica y sensible sobre la moda, el sistema de moda y la estética, resaltando las contribuciones de los Feminismos Negros, la Teoría Decolonial, el Transfeminismo y las discusiones sobre Moda y Decolonialidad. Así, en honor a los esfuerzos de mujeres negras y de perspectivas afrodiaspóricas, se propone valorar las subjetividades negras así como de la ancestralidad, permitiendo reflexiones con perspectivas corporificadas en el campo de la moda sobre procesos de subjetivación y el cuerpo, así como cultura y estética a partir de la contribución de subjetividades negras. Era posible entender que el campo de la moda es político, que la estética es política, así como dispositivos de la producción de existencias, modos de estar, ser y hacer mundo.

Palabras-clave: Descolonialidad; Moda; Perspectivas afro-diaspóricas.

1. PARA INÍCIO DE CONVERSA: MODA EM PERSPECTIVAS CORPORIFICADAS

Pode a moda ser compreendida a partir de perspectivas afrodiaspórica e decolonial? Este estudo é uma tentativa de ressaltar a importância das perspectivas afrodiaspórica e decolonial para tensionar o campo da moda, sobretudo a relação entre estética, corpo, moda e processos de subjetivação. Sem buscar verdades absolutas, soluções finais e esgotamentos.

É importante considerar a perspectiva interseccional, mas não apenas enquanto conceito. Acredita-se na importância de nutrir uma produção de saberes e fazeres em articulação efetiva à prática da interseccionalidade, evitando essencializações (Ferdinand, 2022) e essencialismos limitantes (Nascimento, 2021) na produção de saberes e fazeres, em busca de propor processos de criação que impulsionem a “desconstrução do caráter essencializador e biologizante dos padrões de gênero, raça, sexualidades etc.” (Lima, 2022, p. 134) e instrumentalizem a produção de conhecimento inclusive no campo da moda (Lima, 2022). Assim, o papel da interseccionalidade (Collins, 2016; 2019; Akotirene, 2020) neste estudo está para além de metodológico, demonstrando a necessidade de refletir a moda a partir de perspectivas afrodiaspórica e decolonial, relembrando ainda que “a interseccionalidade visa dar instrumentalidade teórico-metodológica à inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado” (Akotirene, 2020, p. 14).

Considera-se as movimentações dos Feminismos Negros para “um ponto de vista de e para mulheres negras” (Collins, 2016, p. 101), ao se produzir conhecimento neste artigo, sem esquecer e invisibilizar a relevância do marcador étnico-racial, do dispositivo da racialidade (Carneiro, 2023; 2005) quando se produz a partir de subjetividades negras sobre subjetividades negras, sobretudo para subjetividades negras. Há duas subjetividades negras neste estudo: uma travesti negra e uma mulher negra cisgênera. Neste sentido, torna-se imprescindível as perspectivas corporificadas e situadas (Kilomba, 2019; Haraway, 1995) na busca de fomentar, impulsionar, nutrir e contribuir para diálogos interseccionais que considerem nossas ações na vida cotidiana, em um compromisso muito levantado pela ação dos Feminismos Negros, que busca transformação social, “de modo a superar universalidades e essencialismos limitantes” (Nascimento, 2021, p. 22), também percebidas nas práticas do Transfeminismo.

Nesta pesquisa básica, em busca de transformação social e de contribuição aos estudos sobre moda e decolonialidade, ou moda decolonial, reitera-se uma abordagem de perspectivas corporificadas [sobretudo afrodiaspóricas], propondo um diálogo e uma revisão teórica com saberes e fazeres da Teoria Decolonial, Feminismos Negros e Transfeminismo em discussões sobre estética, corpo e moda – na tentativa de ressaltar a importância das perspectivas afrodiaspórica e decolonial ao problematizar a relação entre branquitude, cisgeneridade e o campo da moda na construção de senso crítico e percepção estética.

2. DAS MOVIMENTAÇÕES

A partir daqui considera-se a importância de ressaltar os estudos e movimentações que inspiram e conduzem as reflexões deste artigo. Neste sentido, a fim de tensionar a lógica do sistema de moda, é importante levar em conta a ideologia de dominação que permeia a cultura ocidental (Hooks, 2019; 2020ª; 2020b). A mesma cultura ocidental de supremacia branca capitalista (Hooks, 2019; 2020ª; 2020b), que consequentemente permeia a moda e sustenta a lógica do sistema de moda e, ainda, da colonialidade – do poder, do saber; a “colonialidade de gênero” (Lugones, 2014). Tanto a colonialidade quanto a cultura ocidental, não deixam de evidenciar os reflexos do colonialismo e da dominação; logo, é importante considerar os epistemicídios produzidos por epistemologias que se tornaram hegemônicas (Grosfoguel, 2016).

Para descolonizar o olhar e os reflexos da colonialidade de gênero (Lugones, 2020), destaca-se a importância de desnaturalizar e tensionar a categoria da cisgeneridade, crítica evidente do Transfeminismo que permite refletir a descolonização e a desnaturalização de nossos processos subjetivos, a produção de conhecimento, bem como provocar reflexões que atravessem o campo da moda.

O transfeminismo é, assim como o feminismo negro, a busca de uma voz coletiva na qual possamos expressar nossas mulheridades/feminilidades, como evidencia Patricia Hill Collins (2019). Um compartilhamento, que deve acontecer de modo articulado, com as nossas interseccionalidades raciais, etárias, de localização geográfica, de classe, entre outras (Nascimento, 2021, p. 51).

Neste sentido, em diálogo com Viviane Vergueiro (2016; 2015), considera-se a cisgeneridade como categoria analítica, possibilitando a construção de estudos, análises, teorias interseccionais, contribuindo assim com as discussões de um pensamento crítico decolonial.

[...] a cisgeneridade não diz respeito apenas a um processo subjetivo, mas a uma ordem política. Conforme traz Vergueiro (2016), trata-se de um conceito que caminha em paralelo a produções sobre branquitude e heteronormatividade, fazendo com que o entendimento de “cisgênero” não possa ser somente o de alguém que se identifica como tal, mas como alguém que é endereçado a diferentes lugares devido ao fato de ser cis. Cabe, então, considerar a cisgeneridade como um marcador atuante no tecido social, fabricando reconhecimento epistêmico para uns, todavia, alienação para outros (Favero, 2020, p. 6-7) [grifos nossos].

Assim, ao se compreender e desnaturalizar a branquitude¹, além do racismo e do sexismo, considerado aqui cissexismo, na produção de opressões e dos epistemicídios, é possível transbordar também as percepções que alimentam o sistema de moda, e ainda da “ciscolonialidade” (Vergueiro, 2016; 2015), tensionando a relação entre moda e ciscolonialidade. Tanto a ciscolonialidade quanto a moda são dispositivos da cultura ocidental que alimentam o sistema de moda.

[...] a proposição conceitual de cisgeneridade se localiza para além de enfatizar o caráter de “ideologia cultural” que configura a cisgeneridade (e muito mais distante ainda, evidentemente, de um exercício de nomeação de “quem é cis e quem não é”). É uma proposição nos que incita, também, a desestabilizarmos hegemonias epistêmicas, legitimando e valorizando a necessidade dos saberes desde “olhares oposicionais”, parafraseando bell hooks (1992) (Vergueiro, 2016, p. 263).

Com isso, compreende-se a categoria de gênero como determinante para a organização social de sociedades ocidentais (Oyewúmí, 2021) e, ao refletir sobre o conceito de cisgeneridade como categoria analítica e decolonial (Vergueiro, 2016), torna-se imprescindível inclusive na contribuição de “uma crítica da opressão de gênero racializada, colonial e capitalista heterossexualizada visando uma transformação vivida do social” (Lugones, 2014) – ressaltando portanto a importância de perspectivas corporificadas (Kilomba, 2019; Haraway, 1995) ao se discutir sobre a moda e seu, tentativa deste artigo, e que se encontram com a teoria decolonial, bem como com perspectivas de pesquisadoras de moda e decolonialidade (Lima, 2022; Rosa, 2023; Vilela, 2022; Santos, 2020).

A colonialidade do gênero permite-me compreender a opressão como uma interação complexa de sistemas econômicos, racializantes e engendrados, na qual cada pessoa no encontro colonial pode ser vista como um ser vivo, histórico, plenamente caracterizado (Lugones, 2014, p. 941).

Como diz Lina Pereira, Linn da Quebrada, nos melódicos e sensíveis versões de “tudo”, canção do álbum “Trava Línguas”, no que parece ser uma crítica à cisgeneridade na constituição de subjetividades, sobretudo subjetividades negras e travestis: “Eu tinha tudo; Tudo, tudo, tudo, tudo; Tudo, tudo e mais um pouco; Tudo, tudo, tudo, tudo; Para te deixar”, no sentido que desistir da cisgeneridade se torna também uma movimentação política de rasura às convenções, aos essencialismos produzidos por uma tecnologia de gênero (Lauretis, 1987) e pela colonialidade de gênero (Lugones, 2014), que organizam as sociedades ocidentais e sua cultura, enquanto legitimam a cisgeneridade como um processo subjetivo natural. Assim, ciscolonialidade (Vergueiro, 2016) produz subjetividades hegemônicas – branquitude cisheteronormativa, cissexista, ciscolonial – para que as subjetividades que não se pareçam com as hegemônicas sejam dominadas, por meio das matrizes de opressão e dominação que marcam seus processos de subjetivação.

Ao considerar perspectivas corporificadas nos estudos de moda, e mais especificamente perspectivas de mulheres negras e afrodiaspóricas, é fulcral exaltar a potencialidade das críticas tecidas por Sueli Carneiro, em sua tese de doutorado acerca do dispositivo da racialidade (Carneiro, 2023; 2005). Logo, a relação dialética constitui o dispositivo da racialidade, no sentido que se “instaura, no limite, uma divisão ontológica, uma vez que a afirmação do ser das pessoas brancas se dá pela negação do ser das pessoas negras” (Carneiro, 2023, p. 13), ou seja, “a superioridade do Eu hegemônico, branco, é conquistada pela contraposição com o Outro, negro” (Carneiro, 2023, p. 13).

Para Isildinha Baptista Nogueira (1998), ao tratar de processos de subjetivação de subjetividades negras:

A ‘brancura’ passa a ser parâmetro de pureza artística, nobreza estética, majestade moral, sabedoria científica, etc. Assim, o branco encarna todas as virtudes, a manifestação da razão, do espírito e das idéias: ‘eles são a cultura, a civilização, em uma palavra, a humanidade’ (Nogueira, 1998, p. 88).

Sueli Carneiro (2003), em “Mulheres em Movimento”, lembra que o “racismo também superlativa os gêneros por meio de privilégios que advêm da exploração e exclusão dos gêneros subalternos” (Carneiro, 2003, p. 119) e alerta para o fato de que a raça atua na constituição de “gêneros subalternizados” (Carneiro, 2003), quer dizer, a maneira pela qual se constrói a narrativa da representação das categorias homem e mulher difere em relação a subjetividades de pessoas negras e de pessoas brancas. Assim, pode-se pensar nas questões associadas

[...] a uma identidade feminina estigmatizada (das mulheres negras), e aqui poderíamos sugerir feminilidades e mulheridades estigmatizadas, como a masculinidades subalternizadas (dos homens negros) com prestígio inferior ao do gênero feminino do grupo racialmente dominante (das mulheres brancas) (Carneiro, 2003, p. 19).

Isto convida ao questionamento de como são construídas nossas subjetividades, diante da importância das representações no imaginário cultural e, consequentemente, da materialidade do corpo, e ao resgate da noção de dispositivo da racialidade e biopoder aprofundada na tese de doutorado de Sueli Carneiro e no livro “Dispositivo de racialidade” (Carneiro, 2023; 2005).

Assim, a noção de dispositivo como “prática divisora” (Carneiro, 2023) constitui “uma nova unidade em cujo o núcleo se aloja a uma nova identidade padronizada, e, fora dele, uma exterioridade oposta, mas essencial para a afirmação daquela identidade nuclear” (Carneiro, 2023, p. 28). Quando a autora desenvolve e aprofunda a noção de dispositivo da racialidade e biopoder (Carneiro, 2023; 2005), certamente produz um tensionamento que pode ser aplicado às maneiras pelas quais são construídas nossas pesquisas em moda, passando à construção de pesquisas engajadas com o fortalecimento de perspectivas interseccionais.

Ignorar a importância da racialidade, a importância de se refletir raça e etnia, classe, identidade de gênero, sexualidade, nacionalidade, geração, entre outros marcadores sociais, torna nossas análises rasas e produz a manutenção de uma ciscolonialidade de gênero que se valida do epistemicídio na construção de saberes e fazeres (Carneiro, 2023; 2005; Grosfoguel, 2016). O mesmo epistemicídio que recusa a existência da intelectualidade e saberes de subjetividades negras. Torna-se portanto relevante a consideração do dispositivo da racialidade e sua relação com biopoder na discussão sobre estética – tema muito abordado no campo da moda. O biopoder se expressa, incorpora-se na constituição da estética, seja enquanto pensamento ou identidade, seja enquanto uma construção política. Uma construção política de corporeidades é possível a partir da estética e de seu tensionamento.

Sueli Carneiro (2023) lembra como o branco se tornou o ideal de “Ser para os Outros” como forma de afirmação proveniente da burguesia, que instituiu o padrão estético desejável e até a forma de amor e sexualidade; assim, o corpo é a expressão dessa autoafirmação (Carneiro, 2023). Inspirada em Michel Foucault e na noção de dispositivo, a autora alerta o seguinte:

[...] o dispositivo da racialidade também produz uma dualidade entre positivo e negativo, tendo na cor da pele o fator de identificação do normal, e a brancura será a sua representação (Carneiro, 2023, p. 31).

Trata-se da brancura enquanto representação de normatividade. E, se no corpo pode-se encontrar a autoafirmação do padrão estético, faz-se necessário, além de nomear e reconhecer esse padrão estético para problematizar sua naturalização e transformar o imaginário social, considerar as diferenças ao corpo branco cisheteronormativo como possibilidades estéticas, afirmativas, de existência, enquanto subjetividades. Neste sentido, resgata-se a perspectiva de Isildinha Baptista Nogueira (1998), buscando compreender como o efeito das representações constroem a coletividade e ainda nossas subjetividades: “a vida coletiva, assim como a vida psíquica dos indivíduos, se faz de representações, ou seja, de figurações mentais” (Nogueira, 1998, p. 40).

Também faz sentido a provocação de inquietações acerca da importância de se construir saberes e fazeres corporificados, afirmativos, de modo que seja possível reconhecer o

[...] caminho de valorização da nossa ancestralidade, como base para a criação de imagens e processos respeitáveis a nós mesmas em primeiro lugar, para potencializar os processos criativos e produtivos nesse campo, centrando as reflexões e métodos na realidade das pessoas criadoras e não com base na utilização métodos de ensino elaborados a partir de roteiros prontos ou fórmulas a serem reproduzidas acriticamente (Lima, 2022, p. 36) [grifos nossos].

Como é se construir subjetivamente, percebendo que seus pares, corporeidades pares, são idealizados para não serem desta forma constituídos? A partir disso, considera-se a apropriação da noção de corpo-documento de Beatriz Nascimento, a partir de Alex Ratts (2007), relembrando que corpo, além de ser pontuado de significados, pode ser entendido como memória – compreendida como de suma importância no estudo das subjetividades negras e na constituição de corporeidades negras (Ratts, 2007), sobretudo ao se refletir sobre uma construção que se dá em movimento e se repensar o corpo a partir de perspectivas outras que não “a manutenção de uma técnica corporal disciplinar” (Aires, 2019, p. 99), que produz vidas e mortes.

Afinal, compreende-se “que ‘não se nasce mulher negra, torna-se [mulher negra] por meio de formas diversas de resistência’” (Lima, 2022, p. 139) e, para que se honre as movimentações de mulheres negras mais velhas como Beatriz Nascimento, além de transbordar a noção de corpo-documento e a relação com as subjetividades negras, propõe-se construir coletiva e continuamente movimentos afirmativos que fortaleçam a nutrição e a constituição de subjetividades negras – de modo que as perspectivas corporificadas e situadas, mais especificamente afrodiaspóricas, se tornem imprescindíveis.

É urgente considerar o dispositivo da racialidade para refletir criticamente o campo da moda, seu sistema e nossas perspectivas estéticas. É urgente situar saberes e fazeres, corporificá-los e descolonizá-los. Novamente, pode a moda ser compreendida pelas perspectivas afrodiaspórica e decolonial?

2.1 Moda Decolonial e Modativismo

Ao se considerar a importância de uma reflexão sobre moda a partir de perspectivas corporificadas, enfatiza-se que, para uma produção corporificada efetiva, faz-se urgente afirmar

[...] o quão indissociáveis são a pessoa observadora e o fato por ela analisado nos processos de observação ao passo em que analisa as contradições do mundo social e busca compreender a singularidade dos fatos (Lima, 2022, p. 115).

Para a pesquisadora de moda decolonial, Heloisa Helena de Oliveira Santos (2020), ao “avaliarmos o próprio conceito de tempo e mudança como construções ocidentais, é possível discutirmos mesmo a própria noção de moda” (Santos, 2020, p. 168) e, neste sentido, transbordar discussões no campo de moda não apenas nomeando a relação do sistema de moda e a supremacia branca capitalista (Hooks, 2019; 2020ª; 2020b), mas tensionando as dinâmicas que constroem tal relação como dispositivo da constituição de subjetividades.

Acredita-se ser possível refletir sobre o campo da moda para além do sentido da visão, do privilégio visual o qual se insiste nas sociedades ocidentais (Oyewùmí, 2021), ao considerar a atuação dos diferentes sentidos – visão, audição, tato, olfato e paladar – nas elaborações relacionadas a uma percepção estética de perspectiva crítica, sobretudo nas reflexões sobre moda e o sistema de moda. Refletir sobre moda numa percepção estética crítica, além de acionar a importância de valorizar saberes corporificados, evoca a relação com perspectivas decoloniais, e o conceito de “cosmopercepção” proposto por Oyeronké Oyewùmí (2021).

O termo ‘cosmovisão’, que é usado no Ocidente para resumir a lógica cultural de uma sociedade, capta o privilégio ocidental do visual. É eurocêntrico usá-lo para descrever culturas que podem privilegiar outros sentidos. O termo ‘cosmopercepção’ é uma maneira mais inclusiva de descrever a concepção de mundo por diferentes grupos culturais. (Oyewùmí, 2021, p. 29) [grifos nossos].

Logo, o campo da moda transborda os sentidos enquanto uma cultura visual inserida em uma perspectiva ocidentalizada de moda e cultura; a relação entre moda e cultura não se esgota no sentido da visão e ao que se vê, pois outros sentidos tornam-se também relevantes. E se corpo é documento como bem lembra Beatriz Nascimento (1989; 2022), a moda faz parte dos dispositivos do corpo. Afinal,

[...] a moda e a biopolítica e colonialidade exercem paralelamente um poder sobre [o corpo] baseado na construção racial, legitimada por um processo bastante violento chamado colonização e, finalmente, a política das diferenças, que envolve principalmente questões identitárias e representações culturais simbólicas em relação ao Outro negro como forma de garantir a manutenção do privilégio estrutural racial branco (Vilela, 2022, p. 23).

Nas perspectivas de Caroline Barreto de Lima (2022),

A moda afeta ou determina não apenas nossas vestes, pois mesmo o corpo nu, as nossas habitações, o desenho urbano e demais formas visíveis ao nosso redor, têm a direcionadas as formas da construção de sentido e significado nos mais variados universos da nossa convivência e ao mesmo tempo em que age como correspondente do imperativo capitalista, atua também como uma forma de materialização dos códigos culturais e sociais sobre a aparência (Lima, 2022, p. 111).

A moda e a ciscolonialidade, enquanto dispositivos das sociedades ocidentais, tornam colonizado o corpo e, consequentemente, pode-se apontar a colonização do corpo [negro] (Vilela, 2022) como o que mais interessa para tratar de perspectivas que transbordem as noções coloniais, num movimento de afirmar saberes e fazeres afrodiaspóricos, com a teoria decolonial para refletir sobre moda e suas reverberações, de modo a contribuir para uma “cosmopercepção”, que considere a articulação de um pensamento interseccional, crítico, sensível, de saberes corporificados – compreendendo assim a “existência da racialidade como um domínio que produz poderes, saberes e subjetividades pela negação e interdição de poderes, saberes e subjetividades” (Carneiro, 2023, p. 13), imprescindível para a continuidade desse diálogo.

3. METODOLOGIA

Quando não se intenciona em permanecer na lógica de produção de uma ciência neutra, o fato de poder revisitar feminismos negros, as contribuições de mulheres negras, perspectivas afrodiaspóricas e aplica-los nesse estudo é importante para a reflexão que se pretende sobre moda e seu sistema em articulação com perspectivas transfeministas e decoloniais. Considera-se aqui uma revisão bibliográfica e, como parte da metodologia, a importância da autodefinição e autoavaliação (Collins, 2016, p. 102):

Autodefinição envolve desafiar o processo de validação do conhecimento político que resultou em imagens estereotipadas externamente definidas da condição feminina afro-americana. Em contrapartida, a autoavaliação enfatiza o conteúdo específico das autodefinições das mulheres negras, substituindo imagens externamente definidas com imagens autênticas de mulheres negras.

A autodefinição em perspectivas afrodiaspórica e decolonial contribui para a avaliação das problemáticas da supremacia branca capitalista, da branquitude, da cisgeneridade e da ciscolonialidade que atravessam a moda e seu sistema, compreendendo a diversidade de perspectivas e corporeidades existentes para a reflexão e o questionamento do campo da moda. Assim, na esteira da reivindicação de Carol Barreto de Lima (2022), para quem moda é política, o “Modativismo” apresenta-se como processo de criação do presente estudo, que se aproxima de uma etnografia corporificada à luz das reverberações de corpo-documento de Beatriz Nascimento, para que seja possível tensionar a moda e seu sistema, o corpo e a estética, em diálogo com o Transfeminismo e a Teoria Decolonial.

Neste sentido, considera-se que a interseccionalidade (Collins, 2019; 2016; Akotirene, 2020), o sistema de opressão que atravessa a produção de saberes corporificados (Kilomba, 2019; Haraway, 1995), bem como o que Carla Akotirene (2020) descreve como “avenidas identitárias em que mulheres negras são repetidas vezes atingidas pelo cruzamento e sobreposição de gênero, raça e classe, modernos aparatos coloniais” (p. 14) expressam os saberes e fazeres que constroem também essa pesquisa de finalidade básica e perspectiva crítica. Considera-se ainda a articulação com Kimberlé Crenshaw, por meio do conceito de interseccionalidade, fundado das movimentações de mulheres negras, com o papel de refletir de modo articulado as experiências não exclusivamente de mulheres negras, incluindo outras identidades no debate, como mulheres não-negras, transexuais, travestis e queers (Akotirene, 2020).

Assim, afirma-se a influência, os reflexos das matrizes de opressão e dominação e, a partir de uma crítica decolonial, busca-se construir qualitativamente outras perspectivas em autodefinição e autoavaliação, como propõe Patricia Hill Collins (2019; 2016), de forma a acionar tensionamentos de teoria-prática e valorizar cosmopercepções propostas pelas perspectivas afrodiaspórica e decolonial, para enfim evitar mais epistemícios, sobretudo no campo da moda.

4. DAS REFLEXÕES, RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como é se construir subjetivamente, percebendo que seus pares, corporeidades pares, são idealizados para não serem desta forma constituídos? Compreende-se neste contexto o papel dos Feminismos Negros, inclusive como inspiração de novos pensamentos e teorias, novas práticas e perspectivas. O transfeminismo, por exemplo, se nutre e se fortalece do diálogo construído conjuntamente aos pensamentos feministas negros, afinal já não é mais segredo que o movimento feminista, não só negligenciou a consideração de experiências de mulheres negras na sua construção, como mostrou-se relutante à inclusão de agendas transfeministas, recusando a articulação dessas subjetividades no fortalecimento das perspectivas feministas, que insistem ainda na valorização e exaltação da realidade de mulheres brancas cisgêneras de classe abastada, magras e sem deficiência (Nascimento, 2021).

Pensar conjuntamente com Grada Kilomba e Franz Fanon torna-se ato fundamental para um pensamento crítico acerca da constituição de subjetividades – sobretudo subjetividades negras. Estas representam o local de “Outridade” (Kilomba, 2019) em relação ao mundo branco e às suas representações idealizadas a partir do homem branco cisgênero de classe alta magro e sem deficiência (Nascimento, 2021). É o modo tragicamente cômico, na perspectiva aqui adotada, que uniu os termos homem e humanidade como uma coisa só, enquanto ser universal. Não se passará horas retomando essa história, pois pode-se rasurá-la e construir novas formas de ser, estar e fazer mundo.

Permanecer na lógica de produção de uma ciência neutra, refletindo especificamente moda e seu sistema da mesma maneira, sem posicionar-se, sem compreender a diversidade de perspectivas e corporeidades existentes, é contribuir para a manutenção das matrizes de opressão e dominação. É contribuir para mais um movimento de epistemicídio que deslegitima, invisibiliza e oculta pontos de vistas distantes da supremacia branca, da branquitude, da cisgeneridade.

Continuar a manutenção de saberes e fazeres, de modos ser, estar e fazer mundo sob a lógica colonial é contribuir para a estratificação de uma história única, como denuncia Chimamanda Ngozi Adichie (2019); a história que não aceita novas perspectivas e nem se propõe à reflexividade como forma de atualização de práticas vigentes, que se fortalecem às custas de discursos estáticos de opressão e dominação; discursos coloniais.

Sugere-se nesta discussão o estranhamento, a reelaboração das histórias e teorias, das práticas, bem como a ressignificação, novos inícios para a construção e a contribuição de articulação de um senso crítico, um pensamento revolucionário e transgressor (hooks, 2020a; 2020b), percepções que dialogam tanto com a noção de “Modativismo” proposta na tese de Carol Barreto (Lima, 2022), quanto com a “Arte de se (Re)Existir” de Verdi Lázaro Vilela (2022).

Nossa intenção é propor a constituição e a nutrição de um pensamento crítico estético, a valorizar a cosmopercepção, em perspectiva afrodiaspórica e decolonial, considerando desde as reverberações dos feminismos negros e movimentações de mulheres negras, até sua articulação com a teoria decolonial, transfeminismo, moda e decolonialidade. O que se ouve, o que se fala, o que se sente, o que se vê, o que se toca, constroem a experiência estética, o pensamento estético. O que se veste, os locais que se frequenta, os textos que se lê, o que se dança, o que se come, tudo isso contribui para a nutrição e o fortalecimento da estética enquanto experiência sensível e pensamento crítico (hooks, 2021; Kilomba, 2019), na constituição de subjetividades.

Das problemáticas do corpo, seus sentidos e a constituição de subjetividades, bem como sua relação com a dimensão estética, considera-se a potencialidade e a necessidade de se evocar reflexões corporificadas e situadas (Kilomba, 2019; Haraway, 1995) ao se relacionar moda, corpo e estética. Logo, estética constrói subjetividades, faz parte de processos de subjetivação. Sendo assim, parte-se de uma perspectiva decolonial (Lima, 2022; Vilela, 2022; Vergueiro, 2015), que contribua para a descolonização do “corpo [negro]” (VILELA, 2022), tensionando a lógica da branquitude (Bento, 2002), da supremacia branca capitalista (Hooks, 2019; 2020ª; 2020b) e da cisgeneridade (Vergueiro, 2016; 2015) que alimentam o sistema de moda – ao acionarem subjetividades negras e processos de subjetivação afirmativos, considerando tanto ancestralidade na exaltação de perspectivas de mulheres negras mais velhas e que há muito problematizam o corpo, a estética e, arrisca-se a dizer, a moda.

Deve-se considerar novas possibilidades de compreensão da produção de existências nas avenidas identitárias (Akotirene, 2019) de raça, etnia, classe, identidade de gênero, sexualidade, e ainda, nacionalidade, geração, entre outros, que possam marcar subjetividades negras e além. Enfatiza-se também que

[...] o sistema de gênero moderno/colonial não existe sem a colonialidade do poder, já que a classificação das populações em termos de raça é uma condição necessária de sua existência (Lugones, 2020, p. 72).

Neste sentido, tornam-se imprescindíveis as considerações sobre corpo-documento de Beatriz Nascimento (1989, 2022), recriando e reelaborando percepções de corpo [negro], corporeidades negras, sobretudo afastando-se do lugar de outridade produzido pela branquitude, que contribui tanto para a manutenção de estereótipos (Carneiro, 2003; Gonzalez, 1984; hooks, 2019; Kilomba, 2019; Fanon, 2008), não aprofundada nesse estudo, mas que fazem parte da manutenção das matrizes de dominação e opressão que marcam a moda e seu sistema, o corpo e as percepções estéticas. Estereótipos, além de produzirem imagens de controle (Collins, 2019), consideradas as relações de poder, produzem ainda o epistemicídio e o genocídio da população negra (Carneiro, 2023; 2005), fortalecendo a dinâmica de estigmas raciais incorporados culturalmente.

A categoria da cisgeneridade “como um marcador atuante no tecido social, fabricando reconhecimento epistêmico para uns, todavia, alienação para outros” (Favero, 2020, p. 7) constrói elaborações das percepções de mundo, tornando importante identificar como o conceito de cisgeneridade, enquanto alimenta o conceito de branquitude, contribui para pensar moda e ciscolonialidade [de gênero]. Pode-se ainda mencionar que a branquitude e seu pacto narcísico (Bento, 2002) também alimentam o estatuto da cisgeneridade enquanto representações naturais, normativas do que são homens e mulheres. Quer dizer, homens brancos e mulheres brancas. Portanto, aponta-se para uma cisgeneridade que, além de cisheteronormativa, cissexista, ciscolonial (Vergueiro, 2016; 2015), se representa na brancura, no branqueamento (Gonzalez, 2020) da sensibilidade estética produzida pela branquitude, que por sua vez cria e recria o mundo branco (Kilomba, 2019; Gadelha, 2019; Fanon, 2008), autorizando desta forma o “homem branco, cis, heterossexual, de classe média, cristão, magro e sem deficiências” (Nascimento, 2021) como um ideal de existência, poder, saber e de representação.

Com isso, por meio de um diálogo no qual estética e política se tornam indissociáveis, quando se aborda a moda seu sistema, corpo e estética, em perspectiva modativista (Lima, 2022), propõe-se percepções inspiradas na importância da afirmação de subjetividades negras para se pensar além da estética do mundo branco (Carneiro, 2023; Pereira, 2017; Fanon, 2008; Cunha, 1986), contribuindo então para modos de ser e estar, fazer mundo a partir de pessoas pretas em sua pluralidade, aprofundando a importância da nutrição de nossos modos de produzir existências e de se construir estudos engajados em perspectivas afrodiaspóricas e decoloniais para refletir sobre o sistema de moda, impulsionando nossas ações com o Modativismo (Lima, 2022).

Finalmente, compreende-se a necessidade de “mostrar a existência da racialidade como um domínio que produz poderes, saberes e subjetividades pela negação e interdição de poderes, saberes e subjetividades” (Carneiro, 2023, p. 13), contribuindo para cosmopercepções que considerem a articulação de um pensamento interseccional com a estética em perspectivas afrodiaspóricas e decoloniais.


5.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com tantas movimentações, esta reflexão demonstrou o dispositivo da racialidade como indissociável de perspectivas corporificadas, sobretudo afrodiaspóricas e decoloniais. Como aprendemos com nossas mais velhas e mulheres negras, não é sobre cultuarmos pensamentos hegemônicos e nos tornarmos hegemônicas enquanto intelectualidades pretas como os colonizadores. Se não olharmos ao redor e percebermos a gama de subjetividades capazes de tamanha intelectualidade, reproduziremos uma lógica da supremacia branca que, já sabemos, tem como passatempo brincar com o poder nas relações, de modo que signifique apenas dominação e controle. A cultura dessa lógica de epistemicídio desconsidera produções corporificadas e situadas, sobretudo afrodiaspóricas e decoloniais, na produção de conhecimento, controlando a estética e a política.

Nosso maior interesse aqui, em honra às considerações de Beatriz Nascimento acerca de corpo-documento, é provocar a importância de produções corporificadas para refletirmos sobre o campo da moda e seus sentidos no contexto das discussões sobre moda e colonialidade, corpo e estética – desde a introdução que aponta um início de conversa que não se esgota aqui, construindo rotas, num movimento de afirmar saberes e fazeres afrodiaspóricos nos processos de constituição de subjetividades e de senso crítico, caminhando com uma revisão teórica dos Feminismos Negros e perspectivas afrodiaspóricas, da teoria decolonial, Transfeminismos e moda decolonial para construir transformação e novas e outras rotas.

Inspiradas nas considerações de Sueli Carneiro acerca de estética e as representações de mulheres negras e homens negros na cultura brasileira, problematizamos tanto a discursividade que atravessa a estética e sua construção culturalmente, quanto o incentivo à transformação desse imaginário estético construído a partir de um “mundo branco” alimentado pela colonialidade de gênero, a ciscolonialidade de gênero, de modo que a branquitude e a cisgeneridade normalizam tecnologias de gênero associadas à estéticas da brancura. O branqueamento e seu bombardeio imagético – que é estético e político – constrói subjetividades baseadas em representações que remetem ao homem branco cisgênero magro de classe abastada e sem deficiência.

As movimentações de mulheres negras, das perspectivas transfeministas lembram que nossas subjetividades são resistência e constroem resistência; nossas estéticas são resistência. Resistência sobretudo a um sistema que produz vidas e mortes, que escolhe quem vive e quem morre. Relembrando isso e evocando a transformação social, podemos aprofundar narrativas estéticas, de fato, interseccionais, e não mais apenas do mundo branco, eurocentradas que conduzem o ensino monocultural de moda (Rosa, 2023) e uma monocultura estética no campo da moda.

Estética é pensamento, senso crítico, transformação, movimento, cultura, é parte do ensino de moda. Faz-se urgente valorizar o local das perspectivas corporificadas e situadas, das contribuições afrodiaspórica e decoloniais na construção de senso crítico acerca de percepções de cultura, corpo e estética, subjetividades do sistema de moda, para pensar moda. Nós não somos e não queremos ser a “Outridade”, nós somos tão fabricadas e reais quanto a branquitude e a cisgeneridade, e somos inclusive referências para se discutir, se aprofundar, produzir estética. E não aceitamos mais ser nomeadas por essas subjetividades que se entendem hegemônicas, pois não queremos fazer parte dessa lógica extrativista que alimenta uma história única, uma estética única, universal e limitante que não compreende a prolificidade das diferenças.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Carol Barreto, Jutyara Mendes da Rosa e Hanayrá Negreiros, à disciplina de Feminismos Negros do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/UFSC (PPGAS/UFSC) pelas diversas formas de inspiração e ao Programa de Bolsas Carrefour e a CAPES pelo financiamento da pesquisa.

Notas de fim de texto

¹ “branquitude é um lugar de privilégio racial, econômico e político, no qual a racialidade, não nomeada como tal, carregada de valores, de experiências, de identificações afetivas, acaba por definir a sociedade” (Bento, 2002, p.7).


REFERÊNCIAS

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

AIRES, Aliana. De gorda a plus size: a produção biopolítica do corpo nas culturas do consumo - entre Brasil e EUA. Tese (Doutorado em Comunicação e Práticas de Consumo) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), São Paulo, 2019.

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.

BENTO, Maria Aparecida da Silva. Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. 169 p

CARNEIRO, Sueli. Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Rio de Janeiro: Zahar, 2023.

CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

CARNEIRO, Sueli. Mulheres em movimento. Estudos Avançados, v. 17, n. 49, p. 117-133, 2003.

COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo, 2019 [2000].

COLLINS, Patricia Hill. Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, jan./abr. 2016, p. 99-127.

CUNHA, Marlene de Oliveira. Em busca de um espaço: a linguagem gestual do candomblé de Angola. Dissertação de Mestrado do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, 1986.

FANON, Franz. Peles negras, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.

FAVERO, Sofia. Por uma ética pajubariana: a potência epistemológica das travestis intelectuais. Equatorial – Revista do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, v. 7, n. 12, p. 1-22, 27 fev, 2020.

FERDINAND, Malcolm. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. São Paulo: Ubu Editora, 2022.

GADELHA, José Juliano. O sensível negro: rotas de fuga para performances, Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 9, n. 4, p. 1-24, 2019.

GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984. p. 223-244.

GONZALEZ, Lélia. Por um Feminismo Afro-Latino-Americano: Ensaios, Intervenções e Diálogos. Rio Janeiro: Zahar, 2020.

GROSFOGUEL, Ramon. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n.1, p. 25-49, jan/abr. 2016.

HOOKS, Bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Editora Elefante, 2021.

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: educação como prática da liberdade. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2020a. Tradução: Marcelo Brandão Cipolla.

HOOKS, Bell. Teoria Feminista: da margem ao centro. São Paulo: Perspectiva, 2020b.

HOOKS, Bell. Olhares Negros: Raça e representação. São Paulo: Editora Elefante, 2019.

HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. cadernos pagu, Campinas, n.5, p. 07-41, 1995.

KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. 1. ed. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.

LAURETIS, Teresa de. Technologies of Gender: Essays on Theory, Film, and Fiction. Bloomington, Indianapolis: Indiana University Press, 1987.

LIMA, Caroline Barreto de. Modativismo: práticas feministas e antirracistas em processos criativos decoloniais. 2022. 293 f. Tese (Doutorado) - Curso de Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Poscultura), Instituto de Humanidades, Artes e Ciências, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/38070. Acesso em: 30 jan. 2024.

LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas v. 22 n. 3. 2014.

LUGONES, María. Colonialidade e gênero. In: HOLLANDA, H. B (org.). Pensamento feminista: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2020. p. 52-83.

NASCIMENTO, Beatriz. O negro visto por ele mesmo: ensaios, entrevistas e prosas. RATTS, Alex (org.). São Paulo: Ubu Editora, 2022.

NASCIMENTO, Beatriz. Ôrí. GERBER, Raquel (Dir.) São Paulo: Angra Filmes, 1989, 90min.

NOGUEIRA, Isildinha Baptista. Significações do corpo negro. 1998. Tese (Doutorado) – Doutorado em Psicologia, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 1998. 143 p.

OYEWÙMÍ, Oyèrónké. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

PEREIRA, Hanayrá Negreiros de Oliveira. O Axé nas roupas: indumentária e memórias negras no candomblé angola do Redandá. Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciência da Religião, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017. 133 p.

RATTS, Alex. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz do Nascimento. São Paulo: IMESP, 2007.

ROSA, Jutyara Mendes da. Os ventos do norte não movem moinhos: memórias pretas em formação, sujeitos invisíveis e o ensino de moda brasileiro. 2023. 1 recurso on-line (25 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Design e Moda, Curso de Moda, Florianópolis, 2023. Disponível em: http://sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/0000af/0000af4d.pdf. Acesso em: 12 mai. 2024.

SANTOS, Heloisa Helena de Oliveira. Uma análise teórica- política decolonial sobre o conceito de moda e seus usos. Modapalavra, Florianópolis, v. 28, n. 13, p. 164-190, 31 mar. 2020. Disponível em: <https://www.revistas.udesc.br/index.php/modapalavra/article/view/15948>. Acesso em 30 jul. 2024.

VERGUEIRO, Viviane. Pensando a cisgeneridade como crítica decolonial. In: MESSEDER, S.; CASTRO, M.G.; MOUTINHO, L. (Orgs.). Enlaçando sexualidades: uma tessitura interdisciplinar no reino das sexualidades e das relações de gênero. Salvador: EDUFBA, 2016.

VERGUEIRO, Viviane. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

VILELA, Verdi Lazaro Alves. Moda afro-brasileira e a arte de (re)existir: mapa de ativismo e aquilombamento no desenvolvimento de marcas antirracistas. 2022. 1 recurso on-line (239 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Design e Moda, Mestrado em Design de Vestuário e Moda, Florianópolis, 2022. Disponível em: http://sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/0000a2/0000a24e.pdf. Acesso em: 30 jul. 2024.

Reflections on fashion by afro-diasporic and decolonial perspectives

ABSTRACT

For a long time, fashion and the fashion system have been discussed as productions of capitalist white supremacist Western culture (hooks, 2019), and we can add patriarchal, cissexist, cisheteronormative, and ciscolonial (Vergueiro, 2016) provocations. This study aims to highlight the importance of Afrodiasporic and decolonial perspectives to tension the field of fashion, especially the relationship between aesthetics, body, fashion and processes of subjectivation. Considering the importance of embodied and situated perspectives (Kilomba, 2019; Haraway, 1995), this study is a basic research with bibliographic review for affirmative knowledge in developing a critical and sensitive understanding of fashion, the fashion system, and aesthetics. It highlights the contributions of Black Feminisms, Decolonial Theory, Transfeminism, and discussions on Fashion and Decoloniality. Thus, in honor of the efforts of Black women and Afro-diasporic perspectives, it proposes the valorization of black subjectivities as well as ancestry, enabling reflections with embodied perspectives in the fashion field regarding processes of subjectivation and the body, as well as culture and aesthetics from the contributions of Black subjectivities. It was possible to understand that the field of fashion is political, that aesthetics are political, as well as devices for the production of existences, ways of being, being and making the world.

Keywords: Decoloniality; Fashion; Afro-diasporic Perspectives.

Reflexões para uma moda em perspectivas afrodiaspórica e decolonial

RESUMO

Há muito já se problematiza sobre a moda, e seu sistema, enquanto produções da cultura ocidental supremacista branca capitalista (hooks, 2019), podendo-se acrescentar patriarcal, cissexista, cisheteronormativa e ciscolonial (Vergueiro, 2016) como provocações. Este estudo tem como objetivo ressaltar a importância das perspectivas afrodiaspóricas e decolonial para tensionar o campo da moda, sobretudo a relação entre estética, corpo, moda e processos de subjetivação. Considerando a importância de perspectivas corporificadas e situadas (Kilomba, 2019; Haraway, 1995), esta pesquisa básica com revisão bibliográfica demonstra a busca por saberes afirmativos na elaboração da percepção crítica e sensível sobre moda, sistema de moda e estética, de modo a ressaltar as contribuições dos Feminismos Negros, da Teoria Decolonial, Transfeminismo e das discussões sobre Moda e Decolonialidade. Assim, em honra aos esforços de mulheres negras e de perspectivas afrodiaspóricas, propõe-se a valorização de subjetividades negras, bem como da ancestralidade, possibilitando reflexões com perspectivas corporificadas no campo da moda acerca de processos de subjetivação e, ainda, de cultura e estética a partir da contribuição dessas subjetividades. Foi possível compreender que o campo da moda é político, que a estética é política, assim como os dispositivos de produção de existências, de modos de estar, ser e fazer mundo.

Palavras-chave: Decolonialidade; Moda; Perspectivas Afrodiaspóricas.

Reflexiones sobre una moda en perspectivas afro-diaspóricas y decoloniales

RESUMEN

Durante mucho tiempo se ha discutido la moda y el sistema de moda como producciones de la cultura occidental supremacista blanca capitalista (hooks, 2019), y podemos añadir patriarcal, cissexista, cisheteronormativa y ciscolonial (Vergueiro, 2016) como provocaciones. Este estúdio tiene como objetivo ressaltar la importância de las perspectivas afrodiaspóricas y decoloniales para tensionar el campo de la moda, especialmente la relación entre estética, cuerpo, moda y processos de subjetivación. Teniendo em cuenta la importancia de perspectivas corporificadas y situadas (Kilomba, 2019; Haraway, 1995), esta investigación básica com revisión bibliográfica demuestra la búsqueda de conocimientos afirmativos en la elaboración de una percepción crítica y sensible sobre la moda, el sistema de moda y la estética, resaltando las contribuciones de los Feminismos Negros, la Teoría Decolonial, el Transfeminismo y las discusiones sobre Moda y Decolonialidad. Así, en honor a los esfuerzos de mujeres negras y de perspectivas afrodiaspóricas, se propone valorar las subjetividades negras así como de la ancestralidad, permitiendo reflexiones con perspectivas corporificadas en el campo de la moda sobre procesos de subjetivación y el cuerpo, así como cultura y estética a partir de la contribución de subjetividades negras. Era posible entender que el campo de la moda es político, que la estética es política, así como dispositivos de la producción de existencias, modos de estar, ser y hacer mundo.

Palabras-clave: Descolonialidad; Moda; Perspectivas afro-diaspóricas.

1. STARTING THE CONVERSATION: FASHION IN EMBODIED PERSPECTIVES

Can fashion be understood from afro diasporic and decolonial perspectives? This study is an attempt to highlight the importance of afro diasporic and decolonial perspectives to challenge the field of fashion, especially the relationship between aesthetics, body, fashion, and processes of subjectivation. Without seeking absolute truths, final solutions, and exhaustiveness.

It is important to consider the intersectional perspective, but not merely as a concept. There is a belief in the importance of nurturing a production of knowledge and practices effectively articulated with the practice of intersectionality, avoiding essentializations (Ferdinand, 2022) and limiting essentialisms (Nascimento, 2021) in the production of knowledge and practices, in search of proposing creation processes that drive the deconstruction of the maintenance of notions capable of essentializing and rendering biological gender, race, and even sexual orientation standards, which also instrumentalizes the production of knowledge in the field of fashion (Lima, 2022). Thus, the role of intersectionality (Collins, 2016; 2019; Akotirene, 2020) in this study goes beyond methodological, demonstrating the need to reflect on fashion from afrodiasporic and decolonial perspectives, while also recalling that “intersectionality aims to provide theoretical-methodological tools to the structural inseparability of racism, capitalism, and cisheteropatriarchy” (Akotirene, 2020, p. 14).

The movements of Black Feminisms are considered for “a point of view of and for Black women” (Collins, 2016, p. 101), when producing knowledge in this article, without forgetting and making invisible the relevance of the ethnic-racial marker, the device of raciality (Carneiro, 2023; 2005) when producing from Black subjectivities about Black subjectivities, especially for Black subjectivities. There are two Black subjectivities in this study: a Black transvestite and a cisgender Black woman. In this sense, it becomes essential to have embodied and situated perspectives (Kilomba, 2019; Haraway, 1995) in the search to foster, drive, nurture, and contribute to intersectional dialogues that consider our actions in everyday life, in a commitment greatly raised by the action of Black Feminisms, which seeks social transformation, “in order to overcome universalities and limiting essentialisms” (Nascimento, 2021, p. 22), also perceived in the practices of Transfeminism.

In this basic research, in search of social transformation and contribution to studies on fashion and decoloniality, or decolonial fashion, an approach of embodied perspectives [especially afro diasporic] is reiterated, proposing a dialogue and a theoretical review with knowledge and practices from Decolonial Theory, Black Feminisms, and Transfeminism in discussions about aesthetics, body, and fashion – in an attempt to highlight the importance of afro diasporic and decolonial perspectives in problematizing the relationship between whiteness, cisgender identity, and the field of fashion in the construction of critical sense and aesthetic perception.

2. ON THE MOVEMENTS

From here, the importance of highlighting the studies and movements that inspire and guide the reflections of this article is considered. In this sense, in order to challenge the logic of the fashion system, it is important to take into account the ideology of domination that permeates Western culture (hooks, 2019; 2020a; 2020b). The same Western culture of white capitalist supremacy (hooks, 2019; 2020a; 2020b), which consequently permeates fashion and sustains the logic of the fashion system and, furthermore, of coloniality – of power, of knowledge; the “coloniality of gender” (Lugones, 2014). Both coloniality and Western culture do not fail to highlight the reflections of colonialism and domination; therefore, it is important to consider the epistemicides produced by epistemologies that have become hegemonic (Grosfoguel, 2016).

To decolonize the gaze and the reflections of the coloniality of gender (Lugones, 2020), the importance of denaturalizing and challenging the category of cisgender identity is emphasized, an evident critique of Transfeminism that allows for reflection on the decolonization and denaturalization of our subjective processes, the production of knowledge, as well as provoking reflections that traverse the field of fashion.

Transfeminism is, like Black feminism, the search for a collective voice in which we can express our womanhoods/femininities, as evidenced by Patricia Hill Collins (2019). A sharing that must happen in an articulated manner, with our racial, age, geographical location, class, and other intersectionalities (Nascimento, 2021, p. 51).

In this sense, in dialogue with Viviane Vergueiro (2016; 2015), cisgender identity is considered as an analytical category, enabling the construction of studies, analyses, and intersectional theories, thus contributing to discussions of a critical decolonial thought.

[...] cisgender identity does not only pertain to a subjective process but to a political order. As Vergueiro (2016) points out, it is a concept that runs parallel to productions about whiteness and heteronormativity, making the understanding of “cisgender” not just about someone who identifies as such, but about someone who is addressed to different places due to being cis.

It is therefore important to consider cisgender identity as an active marker in the social fabric, fabricating epistemic recognition for some, while alienation for others (Favero, 2020, p. 6-7) [emphasis added].

Thus, by understanding and denaturalizing whiteness¹, in addition to racism and sexism, considered here as cissexism, in the production of oppressions and epistemicides, it is also possible to overflow the perceptions that feed the fashion system, and also of “ciscoloniality” (Vergueiro, 2016; 2015), challenging the relationship between fashion and ciscoloniality. Both ciscoloniality and fashion are devices of Western culture that feed the fashion system.

“[...] the conceptual proposition of cisgender identity is located beyond emphasizing the character of ‘cultural ideology’ that shapes cisgender identity (and even further away, evidently, from an exercise of naming ‘who is cis and who is not’). It is a proposition that also incites us to destabilize epistemic hegemonies, legitimizing and valuing the need for knowledge from ‘oppositional perspectives,’ paraphrasing bell hooks (1992) (Vergueiro, 2016, p. 263).”

With this, the category of gender is understood as a determinant for the social organization of Western societies (Oyewùmí, 2021) and, when reflecting on the concept of cisgender identity as an analytical and decolonial category (Vergueiro, 2016), it becomes essential even in contributing to “a critique of racialized, colonial, and capitalist heterosexualized gender oppression aimed at a lived transformation of the social” (Lugones, 2014) – thus highlighting the importance of embodied perspectives (Kilomba, 2019; Haraway, 1995) when discussing fashion and its, the attempt of this article, which intersects with decolonial theory, as well as with perspectives from researchers on fashion and decoloniality (Lima, 2022; Rosa, 2023; Vilela, 2022; Santos, 2020).

The coloniality of gender allows me to understand oppression as a complex interaction of economic, racializing, and engendered systems, in which each person in the colonial encounter can be seen as a living, historical, fully characterized being (Lugones, 2014, p. 941).

As Lina Pereira, Linn da Quebrada, says in the melodic and sensitive versions of “everything,” a song from the album “Trava Línguas,” which seems to be a critique of cisgender identity in the constitution of subjectivities, especially black and trans subjectivities: “I had everything; Everything, everything, everything, everything; Everything, everything and a little more; Everything, everything, everything, everything; To leave you,” in the sense that giving up cisgender identity also becomes a political movement of erasure of conventions, of essentialisms produced by a technology of gender (Lauretis, 1987) and by the coloniality of gender (Lugones, 2014), which organize Western societies and their culture, while legitimizing cisgender identity as a natural subjective process. Thus, ciscoloniality (Vergueiro, 2016) produces hegemonic subjectivities – cisheteronormative whiteness, cissexist, ciscolonial – so that subjectivities that do not resemble the hegemonic ones are dominated, through the matrices of oppression and domination that mark their processes of subjectivation.

When considering embodied perspectives in fashion studies, and more specifically perspectives of black and afrodiasporic women, it is crucial to exalt the potential of the critiques woven by Sueli Carneiro in her doctoral thesis on the device of raciality (Carneiro, 2023; 2005). Thus, the dialectical relationship constitutes the device of raciality, in the sense that it “establishes, at its limit, an ontological division, since the affirmation of the being of white people occurs through the denial of the being of black people” (Carneiro, 2023, p. 13).

Sueli Carneiro (2003), in “Mulheres em Movimento,” reminds us that “racism also superlatives genders through privileges that arise from the exploitation and exclusion of subaltern genders” (Carneiro, 2003, p. 119) and warns that race acts in the constitution of “subalternized genders” (Carneiro, 2003), meaning that the way the narrative of representation of the categories of man and woman is constructed differs in relation to the subjectivities of black people and white people. Thus, one can think about the issues associated…

[...] to a stigmatized feminine identity (of black women), and here we could suggest stigmatized femininities and womanhoods, as well as subaltern masculinities (of black men) with lower prestige than that of the feminine gender of the racially dominant group (of white women) (Carneiro, 2003, p. 19).

This invites questioning about how our subjectivities are constructed, given the importance of representations in the cultural imaginary and, consequently, the materiality of the body, and the retrieval of the notion of the device of raciality and biopower deepened in Sueli Carneiro’s doctoral thesis (2005) and in the book “Dispositivo de racialidade” (Carneiro, 2023).

Thus, the notion of device as a “dividing practice” (Carneiro, 2023) constitutes “a new unit in which the core houses a new standardized identity, and outside of it, an opposing exteriority, but essential for the affirmation of that nuclear identity” (Carneiro, 2023, p. 28). When the author develops and deepens the notion of the device of raciality and biopower (Carneiro, 2023; 2005), it certainly produces a tension that can be applied to the ways in which our fashion research is constructed, moving towards the construction of research engaged with strengthening intersectional perspectives.

Ignoring the importance of raciality, the importance of reflecting on race and ethnicity, class, gender identity, sexuality, nationality, generation, among other social markers, makes our analyses shallow and produces the maintenance of a ciscoloniality of gender that validates epistemicide in the construction of knowledge and practices (Carneiro, 2023; 2005; Grosfoguel, 2016). The same epistemicide that denies the existence of the intellectuality and knowledge of black subjectivities. It thus becomes relevant to consider the device of raciality and its relationship with biopower in the discussion about aesthetics – a theme much addressed in the field of fashion. Biopower expresses itself, incorporates itself into the constitution of aesthetics, whether as thought or identity, or as a political construction. A political construction of corporealities is possible from aesthetics and its tensioning.

Sueli Carneiro (2023) reminds us how whiteness became the ideal of “Being for Others” as a form of affirmation stemming from the bourgeoisie, which established the desirable aesthetic standard and even the form of love and sexuality; thus, the body is the expression of this self-affirmation (Carneiro, 2023). Inspired by Michel Foucault and the notion of the device, the author warns the following:

[...] the device of raciality also produces a duality between positive and negative, with skin color being the factor for identifying the normal, and whiteness will be its representation (Carneiro, 2023, p. 31)

It is about whiteness as a representation of normativity. And, if in the body one can find the self-affirmation of the aesthetic standard, it is necessary, in addition to naming and recognizing this aesthetic standard to problematize its naturalization and transform the social imaginary, to consider the differences in the white cisheteronormative body as aesthetic, affirmative possibilities of existence, as subjectivities. In this sense, it is understood how the effect of representations constructs collectivity and our subjectivities. Isildinha Baptista Nogueira (1998) reminds us that “collective life, just like the psychic life of individuals, is made of representations, that is, of mental figurations” (Nogueira, 1998, p. 40).

It also makes sense to provoke inquiries about the importance of constructing embodied, affirmative knowledge and practices, so that through debates and practical exercises, it is possible to recognize paths that value ancestry when creating images and processes capable of effectively respecting subjectivities, and to enhance the creative and productive processes in the field of fashion by centering reflections and methods on the reality of the creators, avoiding reliance on teaching methods based on ready-made scripts or formulas reproduced without critical sense (Lima, 2022).

What is it like to construct oneself subjectively, realizing that one’s peers, equal corporealities, are idealized not to be constituted in this way? From this, the appropriation of Beatriz Nascimento’s notion of body-document, as referenced by Alex Ratts (2007), is considered, recalling that the body, besides being marked by meanings, can be understood as memory – understood as of utmost importance in the study of black subjectivities and in the constitution of black corporealities (Ratts, 2007), especially when reflecting on a construction that occurs in movement and rethinking the body from perspectives other than “the maintenance of a disciplinary bodily technique” (Aires, 2019, p. 99), which produces lives and deaths.

After all, it is important to understand that one is not simply born a black woman; one becomes a black woman through various forms of resistance (Lima, 2022). To honor the movements of older black women like Beatriz Nascimento, in addition to overflowing the notion of body-document and the relationship with black subjectivities, it is proposed to collectively and continuously build affirmative movements that strengthen the nourishment and constitution of black subjectivities – so that embodied and situated perspectives, more specifically afro diasporic, become essential.

It is urgent to consider the device of raciality to critically reflect on the field of fashion, its system, and our aesthetic perspectives. It is urgent to situate knowledge and practices, embody them, and decolonize them. Again, can fashion be understood from afro-diasporic and decolonial perspectives?

2.1 DECOLONIAL FASHION AND MODATIVISM

When considering the importance of reflecting on fashion from embodied perspectives, it is emphasized that, for effective embodied production, it is urgent to affirm the intertwining of the observing person and the fact being analyzed in the processes of observation. This understanding highlights how inseparable they are, and thus the contradictions of the social world are analyzed, seeking to comprehend the uniqueness of the facts (Lima, 2022).

For the decolonial fashion researcher, Heloisa Helena de Oliveira Santos (2020), when we “evaluate the very concept of time and change as Western constructions, it is possible to discuss even the very notion of fashion” (Santos, 2020, p. 168). In this sense, expanding discussions in the field of fashion not only names the relationship between the fashion system and white capitalist supremacy (hooks, 2019; 2020a; 2020b) but also stresses the dynamics that construct this relationship as a device for the constitution of subjectivities.

It is believed that it is possible to reflect on the field of fashion beyond the sense of sight, the visual privilege that is insisted upon in Western societies (Oyewùmí, 2021), by considering the roles of different senses—sight, hearing, touch, smell, and taste—in the elaborations related to an aesthetic perception from a critical perspective, especially in reflections on fashion and the fashion system. Reflecting on fashion through a critical aesthetic perception, in addition to emphasizing the importance of valuing embodied knowledge, evokes the relationship with decolonial perspectives and the concept of “cosmoperception” proposed by Oyeronké Oyewùmí (2021).

The term ‘worldview,’ which is used in the West to summarize the cultural logic of a society, captures the Western privilege of the visual. It is Eurocentric to use it to describe cultures that may privilege other senses. The term ‘cosmoperception’ is a more inclusive way to describe the conception of the world by different cultural groups. (Oyewùmí, 2021, p. 29) [emphasis added].

Thus, the field of fashion transcends the senses as a visual culture embedded in a Westernized perspective of fashion and culture; the relationship between fashion and culture is not exhausted in the sense of sight and what is seen, as other senses also become relevant. And if the body is a document, as Beatriz Nascimento (1989; 2022) aptly reminds us, fashion is part of the devices of the body. After all,

[...] fashion and biopolitics and coloniality exercise a parallel power over [the body] based on racial construction, legitimized by a rather violent process called colonization and, ultimately, the politics of difference, which primarily involves identity issues and symbolic cultural representations concerning the Black Other as a means of ensuring the maintenance of white structural racial privilege (Vilela, 2022, p. 23).

It can be understood, from the perspectives of Carol Barreto, how fashion is capable of affecting or determining not only clothing, as even the naked body, our dwellings, urban design, and other visible forms construct meaning and significance in a variety of universes of our coexistence. Simultaneously, fashion acts as a correspondent to the capitalist imperative and serves as a form of materialization of cultural and social codes regarding appearance (Lima, 2022).

Fashion and ciscoloniality, as devices of Western societies, render the body colonized, and consequently, one can point to the colonization of the [Black] body (Vilela, 2022) as particularly relevant for addressing perspectives that transcend colonial notions. This movement aims to affirm Afro-diasporic knowledge and practices, using decolonial theory to reflect on fashion and its reverberations, thereby contributing to a “cosmoperception” that considers the articulation of an intersectional, critical, and sensitive thought of embodied knowledge. This understanding recognizes the “existence of raciality as a domain that produces powers, knowledge, and subjectivities through the denial and interdiction of powers, knowledge, and subjectivities” (Carneiro, 2023, p. 13), which is essential for the continuity of this dialogue.

3. METHODOLOGY

When there is no intention to remain within the logic of producing a neutral science, the ability to revisit Black feminisms, the contributions of Black women, and Afro-diasporic perspectives and apply them in this study is important for the reflection intended on fashion and its system in articulation with transfeminist and decolonial perspectives. Here, a bibliographic review is considered, and as part of the methodology, the importance of self-definition and self-assessment (Collins, 2016, p. 102):

Self-definition involves challenging the process of validating political knowledge that has resulted in externally defined stereotypical images of the African American female condition. In contrast, self-assessment emphasizes the specific content of Black women’s self-definitions, replacing externally defined images with authentic representations of Black women.

Self-definition within Afro-diasporic and decolonial perspectives contributes to the evaluation of the issues surrounding white capitalist supremacy, whiteness, cisgender norms, and ciscoloniality that permeate fashion and its system. This understanding encompasses the diversity of existing perspectives and corporealities for reflection and questioning within the field of fashion. Thus, following the assertion of Carol Barreto de Lima (2022), who posits that fashion is political, “Modativism” emerges as a process of creation for the present study, approaching a corporeal ethnography in light of Beatriz Nascimento’s body-document reverberations. This allows for a critical engagement with fashion and its system, the body, and aesthetics, in dialogue with Transfeminism and Decolonial Theory.

In this sense, intersectionality (Collins, 2019; 2016; Akotirene, 2020) is considered, as it addresses the system of oppression that traverses the production of embodied knowledge (Kilomba, 2019; Haraway, 1995). Carla Akotirene (2020) describes “identity avenues where Black women are repeatedly impacted by the intersection and overlap of gender, race, and class, modern colonial apparatuses” (p. 14), which express the knowledge and practices that also construct this research with a foundational and critical perspective. The articulation with Kimberlé Crenshaw’s concept of intersectionality is also acknowledged, reflecting the experiences not exclusively of Black women but including other identities in the debate, such as non-Black women, transsexuals, transvestites, and queers (Akotirene, 2020).

Thus, the influence and reflections of matrices of oppression and domination are affirmed, and from a decolonial critique, the aim is to qualitatively construct other perspectives in self-definition and self-assessment, as proposed by Patricia Hill Collins (2019; 2016). This approach seeks to activate tensions between theory and practice and to value the cosmoperceptions proposed by Afro-diasporic and decolonial perspectives, ultimately aiming to avoid further epistemic injustices, especially in the field of fashion.

4. REFLECTIONS, RESULTS AND DISCUSSION

How is it to construct oneself subjectively, realizing that one’s peers, similar corporealities, are idealized not to be constituted in this way? In this context, the role of Black Feminisms is understood, including as an inspiration for new thoughts and theories, new practices and perspectives. Transfeminism, for example, nourishes and strengthens itself from the dialogue built jointly with Black feminist thoughts, as it is no longer a secret that the feminist movement not only neglected to consider the experiences of Black women in its construction but also showed reluctance to include transfeminist agendas, refusing to articulate these subjectivities in strengthening feminist perspectives that still insist on valuing and exalting the reality of affluent, thin, cisgender white women without disabilities (Nascimento, 2021).

Thinking together with Grada Kilomba and Frantz Fanon becomes a fundamental act for critical thought about the constitution of subjectivities—especially Black subjectivities. These represent the place of “Otherness” (Kilomba, 2019) in relation to the white world and its idealized representations based on the thin, affluent, cisgender white man without disabilities (Nascimento, 2021). It is the tragically comic way, in the perspective adopted here, that united the terms man and humanity as one thing, as a universal being. We will not spend hours revisiting this history, as it can be redacted and new ways of being, existing, and making the world can be constructed.

Remaining in the logic of producing a neutral science, reflecting specifically on fashion and its system in the same way, without positioning oneself, without understanding the diversity of existing perspectives and corporealities, contributes to the maintenance of matrices of oppression and domination. It contributes to yet another movement of epistemicide that delegitimizes, invisibilizes, and obscures viewpoints distant from white supremacy, whiteness, and cisgender norms.

Continuing the maintenance of knowledge and practices, of ways of being, existing, and making the world under the colonial logic contributes to the stratification of a single story, as Chimamanda Ngozi Adichie (2019) denounces; a history that does not accept new perspectives and does not propose reflexivity as a way to update current practices, which strengthen at the expense of static discourses of oppression and domination; colonial discourses.

This discussion suggests estrangement, the re-elaboration of histories and theories, practices, as well as re-signification, new beginnings for the construction and contribution to articulating a critical sense, a revolutionary and transgressive thought (hooks, 2020a; 2020b), perceptions that dialogue with both the notion of “Modativism” proposed in Carol Barreto’s thesis (Lima, 2022) and the “Art of (Re)Existence” by Verdi Lázaro Vilela (2022).

Our intention is to propose the constitution and nourishment of a critical aesthetic thought, valuing cosmoperception from an afrodiasporic and decolonial perspective, considering the reverberations of Black feminisms and movements of Black women, as well as their articulation with decolonial theory, transfeminism, fashion, and decoloniality. What is heard, what is spoken, what is felt, what is seen, what is touched, all construct the aesthetic experience, the aesthetic thought. What is worn, the places frequented, the texts read, what is danced, what is eaten, all contribute to the nourishment and strengthening of aesthetics as a sensitive experience and critical thought (hooks, 2021; Kilomba, 2019), in the constitution of subjectivities.

Regarding the issues of the body, its meanings, and the constitution of subjectivities, as well as its relationship with the aesthetic dimension, the potentiality and necessity of evoking embodied and situated reflections (Kilomba, 2019; Haraway, 1995) when relating fashion, body, and aesthetics are considered. Thus, aesthetics constructs subjectivities; it is part of processes of subjectivation. Therefore, it starts from a decolonial perspective (Lima, 2022; Vilela, 2022; Vergueiro, 2015), which contributes to the decolonization of the “Black body” (VILELA, 2022), challenging the logic of whiteness (Bento, 2002), capitalist white supremacy (hooks, 2019; 2020a; 2020b), and cisgender norms (Vergueiro, 2016; 2015) that feed the fashion system—by activating Black subjectivities and affirmative subjectivation processes, considering both ancestry in the exaltation of perspectives of older Black women who have long problematized the body, aesthetics, and, one might dare to say, fashion.

New possibilities for understanding the production of existences in the identity avenues (Akotirene, 2019) of race, ethnicity, class, gender identity, sexuality, and also nationality, generation, among others, that may mark Black subjectivities and beyond should be considered. It is also emphasized that…

[...] the modern/colonial gender system does not exist without the coloniality of power, since the classification of populations in terms of race is a necessary condition for its existence (Lugones, 2020, p. 72).

In this sense, the considerations about the body-document of Beatriz Nascimento (1989; 2022) become essential, recreating and reworking perceptions of the [Black] body, Black corporealities, especially moving away from the place of otherness produced by whiteness, which contributes to the maintenance of stereotypes (Carneiro, 2003; Gonzalez, 1984; hooks, 2019; Kilomba, 2019; Fanon, 2008), not deeply explored in this study, but which are part of the maintenance of the matrices of domination and oppression that mark fashion and its system, the body, and aesthetic perceptions. Stereotypes, in addition to producing images of control (Collins, 2019), considering the power relations, also produce epistemicide and genocide of the Black population (Carneiro, 2023; 2005), strengthening the dynamics of culturally embedded racial stigmas.

The category of cisgenerity “as an active marker in the social fabric, fabricating epistemic recognition for some, yet alienation for others” (Favero, 2020, p. 7) constructs elaborations of world perceptions, making it important to identify how the concept of cisgenerity, while feeding the concept of whiteness, contributes to thinking about fashion and ciscoloniality [of gender]. It can also be mentioned that whiteness and its narcissistic pact (Bento, 2002) also feed the status of cisgenerity as natural, normative representations of what men and women are. That is, white men and white women. Therefore, it points to a cisgenerity that, in addition to being cisheteronormative, cissexist, and ciscolonial (Vergueiro, 2016; 2015), is represented in whiteness, in the whitening (Gonzalez, 2020) of the aesthetic sensitivity produced by whiteness, which in turn creates and recreates the white world (Kilomba, 2019; Gadelha, 2019; Fanon, 2008), thereby authorizing the “white, cis, heterosexual, middle-class, Christian, slim, and able-bodied man” (Nascimento, 2021) as an ideal of existence, power, knowledge, and representation.

Thus, through a dialogue in which aesthetics and politics become inseparable, when addressing fashion, its system, body, and aesthetics, from a modativist perspective (Lima, 2022), it proposes perceptions inspired by the importance of affirming Black subjectivities to think beyond the aesthetics of the white world (Carneiro, 2023; Pereira, 2017; Fanon, 2008; Cunha, 1986), thereby contributing to ways of being and existing, creating a world from Black people in their plurality, deepening the importance of nurturing our ways of producing existences and constructing studies engaged in afrodiasporic and decolonial perspectives to reflect on the fashion system, driving our actions with Modativism (Lima, 2022).

Finally, the need to “show the existence of raciality as a domain that produces powers, knowledge, and subjectivities through the denial and interdiction of powers, knowledge, and subjectivities” (Carneiro, 2023, p. 13) is understood, contributing to cosmoperceptions that consider the articulation of an intersectional thought with aesthetics in afro-diasporic and decolonial perspectives.

5. FINAL CONSIDERATIONS

With so many movements, this reflection demonstrated the device of raciality as inseparable from embodied perspectives, especially afrodiasporic and decolonial ones. As we have learned from our elders and Black women, it is not about cultivating hegemonic thoughts and becoming hegemonic as Black intellectuals like the colonizers. If we do not look around and recognize the range of subjectivities capable of such intellectuality, we will reproduce a logic of white supremacy that, as we already know, has as its pastime playing with power in relationships, meaning only domination and control. The culture of this logic of epistemicide disregards embodied and situated productions, especially afrodiasporic and decolonial, in the production of knowledge, controlling aesthetics and politics.

Our main interest here, in honor of Beatriz Nascimento’s considerations about the body as a document, is to provoke the importance of embodied productions for us to reflect on the field of fashion and its meanings in the context of discussions about fashion and coloniality, body and aesthetics – from the introduction that points to the beginning of a conversation that does not end here, building routes, in a movement to affirm afrodiasporic knowledges and practices in the processes of constituting subjectivities and critical sense, walking with a theoretical revision of Black Feminisms and afrodiasporic perspectives, decolonial theory, Transfeminisms, and decolonial fashion to build transformation and new and other routes.

Inspired by Sueli Carneiro’s considerations about aesthetics and the representations of Black women and men in Brazilian culture, we problematize both the discursivity that traverses aesthetics and its culturally constructed nature, as well as the encouragement of transforming this aesthetic imaginary built from a “white world” fueled by gender coloniality, cisgender coloniality, in such a way that whiteness and cisgender normalize gender technologies associated with aesthetics of whiteness. Whitening and its image bombardment – which is both aesthetic and political – constructs subjectivities based on representations that refer to the thin, wealthy, able-bodied white cisgender man.

The movements of Black women, from transfeminist perspectives, remind us that our subjectivities are resistance and build resistance; our aesthetics are resistance. Resistance, above all, to a system that produces lives and deaths, that chooses who lives and who dies. Remembering this and evoking social transformation, we can deepen aesthetic narratives that are indeed intersectional, and no longer just from the white, Eurocentric world that leads to a monocultural fashion education (Rosa, 2023) and an aesthetic monoculture in the field of fashion.

Aesthetics is thought, critical sense, transformation, movement, culture; it is part of fashion education. It is urgent to value the place of embodied and situated perspectives, of afrodiasporic and decolonial contributions in building critical sense about perceptions of culture, body and aesthetics, subjectivities of the fashion system, to think about fashion. We are not and do not want to be the “Otherness”; we are as manufactured and real as whiteness and cisgender, and we are even references for discussing, deepening, and producing aesthetics. And we no longer accept being named by these subjectivities that see themselves as hegemonic, for we do not want to be part of this extractivist logic that feeds a single history, a single, universal, and limiting aesthetic that does not comprehend the prolific nature of differences.

ACKNOWLEDGEMENTS

We thank Carol Barreto, Jutyara Mendes da Rosa, and Hanayrá Negreiros, as well as the Black Feminisms course of the Graduate Program in Social Anthropology at UFSC (PPGAS/UFSC) for their various forms of inspiration, and the Carrefour Scholarship Program and CAPES for funding part of the research. This collaboration and support were fundamental for the development of this study, which seeks to highlight the importance of afrodiasporic and decolonial perspectives in the field of fashion and in the construction of critical and sensitive subjectivities.

Endnotes

¹ “Whiteness is a place of racial, economic, and political privilege, in which raciality, unnamed as such, laden with values, experiences, and affective identifications, ultimately defines society” (Bento, 2002, p.7).

REFERÊNCIAS

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

AIRES, Aliana. De gorda a plus size: a produção biopolítica do corpo nas culturas do consumo - entre Brasil e EUA. Tese (Doutorado em Comunicação e Práticas de Consumo) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), São Paulo, 2019.

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2020.

BENTO, Maria Aparecida da Silva. Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. 169 p

CARNEIRO, Sueli. Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Rio de Janeiro: Zahar, 2023.

CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

CARNEIRO, Sueli. Mulheres em movimento. Estudos Avançados, v. 17, n. 49, p. 117-133, 2003.

COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo, 2019 [2000].

COLLINS, Patricia Hill. Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, jan./abr. 2016, p. 99-127.

CUNHA, Marlene de Oliveira. Em busca de um espaço: a linguagem gestual do candomblé de Angola. Dissertação de Mestrado do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, 1986.

FANON, Franz. Peles negras, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.

FAVERO, Sofia. Por uma ética pajubariana: a potência epistemológica das travestis intelectuais. Equatorial – Revista do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, v. 7, n. 12, p. 1-22, 27 fev, 2020.

FERDINAND, Malcolm. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. São Paulo: Ubu Editora, 2022.

GADELHA, José Juliano. O sensível negro: rotas de fuga para performances, Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 9, n. 4, p. 1-24, 2019.

GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984. p. 223-244.

GONZALEZ, Lélia. Por um Feminismo Afro-Latino-Americano: Ensaios, Intervenções e Diálogos. Rio Janeiro: Zahar, 2020.

GROSFOGUEL, Ramon. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 31, n.1, p. 25-49, jan/abr. 2016.

HOOKS, Bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Editora Elefante, 2021.

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: educação como prática da liberdade. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2020a. Tradução: Marcelo Brandão Cipolla.

HOOKS, Bell. Teoria Feminista: da margem ao centro. São Paulo: Perspectiva, 2020b.

HOOKS, Bell. Olhares Negros: Raça e representação. São Paulo: Editora Elefante, 2019.

HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. cadernos pagu, Campinas, n.5, p. 07-41, 1995.

KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: episódios de racismo cotidiano. 1. ed. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.

LAURETIS, Teresa de. Technologies of Gender: Essays on Theory, Film, and Fiction. Bloomington, Indianapolis: Indiana University Press, 1987.

LIMA, Caroline Barreto de. Modativismo: práticas feministas e antirracistas em processos criativos decoloniais. 2022. 293 f. Tese (Doutorado) - Curso de Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Poscultura), Instituto de Humanidades, Artes e Ciências, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2022. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/38070. Acesso em: 30 jan. 2024.

LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas v. 22 n. 3. 2014.

LUGONES, María. Colonialidade e gênero. In: HOLLANDA, H. B (org.). Pensamento feminista: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2020. p. 52-83.

NASCIMENTO, Beatriz. O negro visto por ele mesmo: ensaios, entrevistas e prosas. RATTS, Alex (org.). São Paulo: Ubu Editora, 2022.

NASCIMENTO, Beatriz. Ôrí. GERBER, Raquel (Dir.) São Paulo: Angra Filmes, 1989, 90min.

NOGUEIRA, Isildinha Baptista. Significações do corpo negro. 1998. Tese (Doutorado) – Doutorado em Psicologia, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 1998. 143 p.

OYEWÙMÍ, Oyèrónké. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

PEREIRA, Hanayrá Negreiros de Oliveira. O Axé nas roupas: indumentária e memórias negras no candomblé angola do Redandá. Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciência da Religião, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017. 133 p.

RATTS, Alex. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz do Nascimento. São Paulo: IMESP, 2007.

ROSA, Jutyara Mendes da. Os ventos do norte não movem moinhos: memórias pretas em formação, sujeitos invisíveis e o ensino de moda brasileiro. 2023. 1 recurso on-line (25 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Design e Moda, Curso de Moda, Florianópolis, 2023. Disponível em: http://sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/0000af/0000af4d.pdf. Acesso em: 12 mai. 2024.

SANTOS, Heloisa Helena de Oliveira. Uma análise teórica- política decolonial sobre o conceito de moda e seus usos. Modapalavra, Florianópolis, v. 28, n. 13, p. 164-190, 31 mar. 2020. Disponível em: <https://www.revistas.udesc.br/index.php/modapalavra/article/view/15948>. Acesso em 30 jul. 2024.

VERGUEIRO, Viviane. Pensando a cisgeneridade como crítica decolonial. In: MESSEDER, S.; CASTRO, M.G.; MOUTINHO, L. (Orgs.). Enlaçando sexualidades: uma tessitura interdisciplinar no reino das sexualidades e das relações de gênero. Salvador: EDUFBA, 2016.

VERGUEIRO, Viviane. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

VILELA, Verdi Lazaro Alves. Moda afro-brasileira e a arte de (re)existir: mapa de ativismo e aquilombamento no desenvolvimento de marcas antirracistas. 2022. 1 recurso on-line (239 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Design e Moda, Mestrado em Design de Vestuário e Moda, Florianópolis, 2022. Disponível em: http://sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/0000a2/0000a24e.pdf. Acesso em: 30 jul. 2024.