Diálogos entre Iluminação Cênica e o exercício da docência

Gabriela Pereira Fregoneis

Diálogos entre Iluminação Cênica e o exercício da docência

 Dialogues between Scenic Light and the exercise of teaching

Gabriela Pereira Fregoneis

Doutora em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – gabiangelus@hotmail.com – orcid.org/0000-0003-0877-6092

Resumo

O artigo a seguir estabelece diálogos entre a Iluminação Cênica como linguagem componente da Encenação Teatral, com o exercício da docência e a formação de professores de Teatro nos cursos de nível superior. São discutidas duas perspectivas, a primeira quanto a formação de docentes pelo entendimento do conceito de artista-docente e a outra sobre os processos de formação de iluminadores no Brasil, considerando a teoria e a prática como territórios indissociáveis.

Palavras-chave: Iluminação de cena. Teatros-Efeitos especiais. Arte-Estudo e ensino. Formação profissional.

Abstract

The following article establishes dialogues between Scenic Light as a component language of the staging, with the exercise of teaching and the formation of theater teachers in graduation courses. We discuss two perspectives about the dialogue propoused, the first about the formation of teachers through the understanding of the concept of teacher-artist and the other about the processes of theater light designers formation in Brazil, considering theory and practice as inseparable territories.

Keywords: Stage lighting. Theaters-Special effects. Art-Study and teaching. Occupational training

Recebido em: 17/10/2019

Aceito em: 24/06/2020


O presente artigo se constrói a partir da observação da disciplina de Iluminação Cênica na formação de professores de Teatro e de iluminadores nos cursos de graduação. Para isso, discorremos aqui sobre duas perspectivas: a primeira sobre a formação de professores de Teatro e a sua relação com a Iluminação e a segunda, sobre os processos de ensino-aprendizagem da linguagem no contexto nacional.

Inicialmente, partimos da suposição de que o ensino do Teatro, em diversos contextos, está diretamente vinculado ao entendimento de Encenação Teatral. Ou seja, uma composição de diversas linguagens utilizadas para se construir um espetáculo cênico (ROSA, 2009, p.17). Neste sentido, consideramos que essas linguagens – especialmente a Iluminação Cênica – necessitam de uma abordagem específica para o seu adequado estudo para, então, concretizar a comunicação entre os emissores e os receptores na Encenação Teatral. Diante dessa conceituação, surge uma reflexão sobre a formação de professores dentro dos elementos constitutivos da cena, dentre eles a iluminação. Observamos que grande parte das metodologias e métodos de ensino do Teatro, comumente utilizados, voltam-se prioritariamente à figura do(a) ator/atriz, dando foco à interpretação cênica e apenas pontuando as outras linguagens da Encenação em um processo pedagógico.

Como consequência desta percepção, surgem as questões geradoras desta discussão: na perspectiva da Pedagogia do Teatro, onde se encontram as outras linguagens componentes da Encenação (figurino, maquiagem, iluminação, sonoplastia e cenografia) no processo de ensino-aprendizagem do Teatro? Elas são compreendidas pela sua potencialidade enquanto linguagens, ou relegadas ao status de elementos? Como os professores de teatro abordam essas linguagens em suas ações docentes?

Segundo Patrice Pavis (2015, p.202), a Iluminação Cênica, vem sendo atualizada e tratada como luz que intervém no espetáculo. Ou seja, não é apenas uma luz decorativa ou que tem intuito iluminar um espaço escuro. A partir disso, entendemos que a Iluminação Cênica é então, luz criativa, capaz de participar do espetáculo ao criar sentido na cena, possuir funções dramatúrgicas e semiológicas. Camargo (2012, p.7), postula que a Iluminação é reinventada no teatro quando se concretiza a formação do edifício teatral. A partir da visão do autor, é possível perceber um rompimento com a perspectiva de que a luz seria apenas instrumento de visibilidade. Para Simões (2008, p.18), “Torna-se então potência cênica. Assim, quando falamos em Iluminação Cênica, estamos pensando não só em tornar visível, mas em construir uma visibilidade determinada. Não se trata apenas de ver, mas como ver”. O que nos permite compreende que a luz cênica é um modo artístico que possibilitará além da visualidade, ou seja, a capacidade de ver, agregará à visão, a intencionalidade visual que os artistas da cena desejam transmitir ao espectador.

Diante dessas hipóteses, cremos que a Iluminação é uma linguagem que exige de seus respectivos profissionais conhecimentos técnicos e estéticos de grande apuro e sensibilidade artística. Provocados pelo texto Cenografia e Indumentária na Arte-Educação de Gilson Motta, estabelecemos aqui um paralelo entre as considerações do autor com a Iluminação Cênica. Para ele, a integração dos conceitos técnicos envolvidos no trabalho de cenógrafos e figurinistas com o fazer artístico acontecerá somente na prática, pois é durante a execução que será avaliada a necessidade do domínio de conceitos técnicos. Esta percepção feita acerca de cenógrafos e figurinistas é pertinente quanto ao trabalho de iluminadores, haja vista que também é na prática que os conceitos técnicos são colocados em condição de avaliação.

Tendo como ponto de partida a relação entre a técnica e a produção artística em si, podemos repensar a posição do professor de Teatro com linguagens visuais da cena. Motta (2009, p.106), afirma que o arte-educador vivencia em sua formação e atividade profissional abordagens mais amplas da prática teatral, uma vez que não são especialistas em determinadas áreas [habilitados em interpretação, direção, cenográfica e figurino]. Entretanto, o professor de Teatro deve estar apto para lidar com questionamentos gerais sobre todas as linguagens da Encenação. Essa afirmação desperta outras inquietações sobre o ensino do Teatro e a Iluminação cênica. Uma vez que o professor de Teatro não é um especialista de uma área teatral, por formação, quais são os conhecimentos necessários para abordar temas como Iluminação em sala de aula ou em outro contexto de formação? Como o profissional de teatro trabalha com essa linguagem, considerando todas as adversidades em relação ao ensino de teatro nos variados contextos? Quais seriam as possibilidades de trabalho a serem desenvolvidas? Não temos o intuito de responder essas questões ao longo deste texto, mas pretendemos deixar o leitor inquieto, para que também possa refletir sobre esses campos expandidos.

Motta (2009) nos apresenta a importância de um domínio técnico dos elementos visuais na cena - no caso, de cenógrafos -, pois estes são necessários para a resolução de tópicos e problemáticas que se encontram no processo de criação. Sendo assim, considerando a condição dos professores de teatro para com as linguagens visuais, suas ações não estão na resolução dessas problemáticas ou tópicos, como no caso de iluminadores, mas na possibilidade de utilizar os elementos visuais da cena para desenvolver no educando sensibilidades, formas de inteligência e outros comportamentos criativos. Ainda de acordo com o autor, a promoção destes tópicos no exercício de ensino torna-se adequado e relevante, pois, “nesse sentido, estão em jogo questões relativas à percepção do espaço, ao entendimento dos valores e qualidades espaciais, à apreensão dos elementos visuais que tornam expressivo o espaço, entre outros (MOTTA, 2009, p.106).” Para completar este raciocínio sobre a formação de professores, o autor afirma que não é uma obrigação do futuro professor dominar os conhecimentos técnicos dessas linguagens e, dessa forma, não se constrói uma falha na sua formação. Entretanto, desenvolve-se uma inquietude: o professor de teatro estará em constante contato com os elementos visuais no seu ofício e, por isso, devemos encontrar formas para minimizar essa problemática no ofício do arte-educador.

Conhecer os códigos e convenções de uma representação teatral, bem como dominar seus processos de criação e construção, é condição fundamental para o bom exercício da atividade teatral. Tal conhecimento, porém, não implica necessariamente que os portadores destas habilidades se façam automaticamente aptos para o desenvolvimento pedagógico destes processos junto a outras pessoas que ainda estão aprendendo a lidar com estes códigos e competências (ARAÚJO, 2005, p.30).

Encontramos consonância entre as considerações apresentadas por Motta (2009) e a afirmação de Araújo (2005), o que justifica e corrobora a necessidade e a importância dessa discussão para o meio da pedagogia teatral. Torna-se evidente a necessidade de revisitar a formação de futuros professores de teatro, que estarão em constante estudo na vida profissional. Apresenta-se a importância de um equilíbrio: a dimensão técnica e a dimensão estética deverão caminhar juntas para o domínio de um processo pedagógico, cujo intuito deve promover uma formação sensível nos sujeitos do processo.

Ao pensar o ato artístico convergente com o pedagógico, experimenta-se a ideia não dissociada entre o fazer teatral e o Ensino do Teatro, buscando uma construção metodológica em que a prática artística alimente ações pedagógicas. A proposta de não ruptura entre esses territórios - teórico e prático - cria uma comunhão entre os dois campos do saber, possibilitando a aprendizagem por meio da experiência/vivência tanto estética/poética quanto docente. Desta forma, abre-se a possibilidade para que processos de criação artística possam ser encarados como processos também educacionais. Outro ponto relevante tangente a Iluminação na educação formal, por exemplo, é que o estudante tem a possibilidade de investigar e aprender criticamente sobre si ao mesmo tempo em que se vê através do olhar do outro, instigando o fazer e a reflexão frente a observação. A experiência em sala de aula com a prática artística de Iluminação, na formação do professor, propõe o desenvolvimento de um olhar artístico-pedagógico proporcionando uma reflexão metodológica do próprio ato docente.

Narciso Telles (2013, p.15), traz um recorte potente ao associar a figura do professor a de um bricoleur [espécie de faz-tudo], já que este deve estar apto a executar um grande número de tarefas diversificadas, sendo professor, diretor, ator, iluminador, espectador, produtor; "tal como o bricoleur, ele deve ser capaz de criar e reinventar procedimentos, projetos, exercícios que possibilitem um maior envolvimento dos alunos e do próprio docente no processo de ensino-aprendizagem (TELLES, 2013, p.16).” Com visão desta figura, o autor permite instigar a formação do professor como um criador artístico, como gestão e provocador no processo pedagógico.  Por acreditar no processo autônomo do professor de teatro dentro de sala de aula, buscando o desenvolvimento tanto da prática artística quanto pedagógica, focamos na construção do professor-artista ou artista-docente. A educadora e dançarina Isabel Marques afirma que o artista-docente busca estabelecer uma "prática educacional de integração entre os dois universos, colocados como distintos tanto por artistas como por educadores, mas integrados em sua práxis na construção de um trabalho artístico-educativo" (TELLES, 2013, p.18).

Araújo (2005, p.30), afirma que o professor de teatro deve dominar os conhecimentos teatrais e, também, estar apto a sistematizar e organizar as experiências para possibilitar que as pessoas envolvidas no processo artístico se apropriem, desenvolvam e transformem seus conhecimentos e experiências durante o processo de ensino. Esta constatação evidencia a importância da preocupação levantada na reflexão entre o professor saber ensinar ou conduzir um processo pedagógico, com a temática de linguagens específicas da Encenação Teatral.  As considerações do autor ganham proporção ao analisar as Diretrizes Nacionais do Curso de Graduação em Teatro apresentam uma série de competências e habilidades para a formação profissional, algumas delas:

IV - domínio técnico e expressivo do corpo visando a interpretação teatral;

V – domínio técnico construtivo na composição dos elementos visuais da cena teatral;

VI – conhecimento de princípios gerais de educação e dos processos pedagógicos referentes à aprendizagem e ao desenvolvimento do ser humano como subsídio para o trabalho educacional direcionado para o teatro e suas diversas manifestações;

VII – capacidade de coordenar o processo educacional de conhecimentos teóricos e práticos sob as linguagens cênicas e teatral, no exercício do ensino do Teatro, tanto no âmbito formal como em práticas não-formais de ensino; (CNE/CES, 2004, p.2).

Partindo dessa informação, pode-se pressupor que os cursos de licenciatura em Teatro deveriam fornecer o necessário para que os futuros profissionais estejam aptos a incorporar, no exercício da docência e na prática artística, as noções básicas que envolvem as linguagens cênicas. Ainda no mesmo documento encontramos o Artigo 5ª, inciso III, que aponta três eixos para os conteúdos e atividades que devem ser assegurados aos acadêmicos:

III – conteúdos Teórico-Práticos: domínios de técnicas integradas aos princípios informadores da formação teatral e a sua integração com atividade relacionadas com Espaços Cênicos, Estéticos, Cenográficos, além de domínios específicos em produção teatral, como expressão de Arte, da Cultura e da Vida (CNE/CES, 2004, p.2).

Ao considerar o contexto da graduação em Teatro, deparamo-nos com a proposta de formação, que não objetiva formar especialistas de linguagens específicas, mas sim proporcionar diversas noções que auxiliem o professor de Teatro na sua prática docente. Contudo, essas noções vem sendo atravessas por questões de falta de infraestrutura adequada, qualificação profissional e o retardamento de políticas públicas relacionadas ao ensino superior.

Há uma diferença entre as experiências artísticas dentro da Iluminação Cênica: uma é o educando ter a possibilidade de criar na prática uma proposta de iluminação, assumindo assim a função de iluminador, e outra é experienciar o caráter estético da luz como espectador. É indubitável ressaltar que ambos os processos devam abranger o ato pedagógico, já que o professor deve proporcionar uma mediação entre o fazer e o pensar sobre o fazer, desbravando caminhos e outros territórios desconhecidos. Por esse viés, o estudante é colocado em um campo de exploração - daquilo que não sabe - entre os saberes e não mais o da reprodução - reafirmação do que já sabe. Isso desencadeia curiosidade e entusiasmo não só nos educandos, mas também no professor, retirando-o dos territórios comuns e jogando-os no devir do desconhecido:

O prazer de ensinar e aprender é o prazer da travessia, de encontrar o novo, o diferente, de seguir por novas fronteiras, de perder-se dentro ou entre diferentes mundos, e lá experimentar novas relações, histórias, práticas, realidades, epistemologias (CABRAL, 2018, p.55).

Por intermédio dessa perspectiva, grifamos aqui a importância de proporcionar experiências teórico-práticas em Iluminação Cênica nos cursos de licenciatura. O conhecimento teórico só se efetiva em complemento com a prática, e por meio dela, os cursos de licenciatura podem estimular o futuro professor de Teatro a elaborar processos pedagógicos ricos e valorosos aos seus educandos.

No meio profissional da Iluminação Cênica, emergem questões sobre o processo de formação inicial e continuada de iluminadores. Ronaldo Costa (2010, p.12), postula sobre a formação de iluminadores no país, identificando duas recorrentes possibilidades de formação: a primeira refere-se àqueles que possuem alguma formação que conta com a presença de um instrutor, podendo ocorrer por meio de oficinas e workshops com iluminadores atuantes no mercado ou tendo trabalhado como assistente de outros iluminadores e técnicos, uma tradição de mestre e aprendiz. A segunda, os processos de aprendizagem sem a presença de um instrutor, ou seja, o autodidatismo:

Tal realidade expõe uma forte tendência dos profissionais em direcionar suas atenções para o estudo estrito das técnicas e tecnologias em iluminar espetáculos, revelada pela escolha dos conteúdos a serem ministrados numa oficina ou pela liberdade por optar por qual caminho seguir para sua autoformação. Isso denota, por vezes, o despreparo de muitos iluminadores frente aos seus papéis de educadores e/ou artistas, por desconsiderarem conhecimentos filosóficos, semióticos, semiológicos, artísticos, estéticos, dentre outros, como fundamentais para suas formações (COSTA, 2010, p.13).

A constatação apresentada acima nos remete a uma realidade vivida por iluminadores e outros profissionais da área cenotécnica. É evidente uma grande quantidade de oficinas de formação e capacitação de caráter tecnicista, e que, muitas vezes, trata-se de experiências calcadas na apresentação de equipamentos, que estão em constante transformação no mercado mundial.

Além desse panorama das oficinas (ensino não formal), podemos ainda mencionar que, no âmbito formal, principalmente nas universidades, o ensino de iluminação, até pouco tempo, era reduzido a conteúdos disciplinares das cadeiras de Cenografia existentes nos diversos cursos de Artes Cênicas espalhados pelo país. Com a reestruturação curricular desses cursos e o surgimento de outros tantos, os conhecimentos sobre iluminação cênica começaram a ser trabalhados em disciplinas específicas, constituindo um avanço significativo em termos educacionais e pedagógicos para a área. Mesmo assim, tais disciplinas apenas representam pequenas ilhas numa imensidão tecnicista e bancária sob a qual o ensino de iluminação brasileiro está imerso (COSTA, 2010, p.13).

As afirmações de Costa (2010), instigam-nos a pensar em estratégias ou soluções para romper com a formação técnica e expositiva da Iluminação. Na possibilidade de pensar para além disso,

Somos todos instrutores tentando desbravar o ensino de uma atividade cujo objeto é a expressão por meio de uma linguagem abrigada entre a arte e a tecnologia. Enfrentamos preconceitos, limitações de recursos e as imprecisões características da docência de uma profissão, em primeira instância, técnica e prática. Seu conceito de ofício-arte encontra-se em formação, ainda não estruturado profissional e artisticamente como tal e, justamente por isso, carente de fundamentação teórico-científica, considerações e definições claramente estabelecidas (LUCIANI, 2014, p.159).

A perspectiva do instrutor surge nas constatações de Luciani (2014), pois a linguagem em questão exige de um exercício de equilíbrio entre o conhecimento técnico e artístico do iluminador, que é, acima de um detentor de técnicas, um artista da luz. Falamos sobre uma linguagem capaz de criar simbologias e estabelecer códigos que contribuem ativamente com a construção do espetáculo, podendo assumir inúmeras poéticas e possibilidades. A partir disso, é preciso promover a consciência - no iluminador em formação - de que ele trabalha, de fato, com uma linguagem cênica, por isso a importância que sua formação ultrapasse o saber técnico, buscando atingir habilidades que dominem o universo sensível que a Iluminação pode promover no espetáculo e provocar, a nível sensorial e sinestésico, no espectador. Ainda para a autora, o iluminador deve conhecer, além dos fundamentos da comunicação visual, a percepção humana “de maneira a poder influenciar e conduzir, sempre que desejado, a leitura, recepção e interpretação das mensagens sensoriais contidas no projeto (LUCIANI, 2014, p.63)”. De modo que com o domínio da técnica e o exercício da sensibilidade, conduza a uma positiva execução da linguagem dentro da cena.

Ao se colocar na posição de docente em processo de ensino de Iluminação, o iluminador/professor leva em conta seus conhecimentos teóricos, práticos e também conhecimentos que foram desbravados por meio das suas experiências. Como apontado por Araújo (2005, p.30), conhecer e dominar as técnicas das linguagens específicas do fazer teatral podem garantir uma tranquilidade no processo de criação, entretanto, dominar uma linguagem no âmbito criativo não significa que, necessariamente, o profissional que as domina tem capacidade de desenvolver e estabelecer um projeto pedagógico para o ensino delas. Esta afirmação não descarta que os iluminadores, não estejam aptos a ensinar, levando em consideração que os grandes mestres das linguagens visuais da cena aprenderam seus ofícios na prática artística e muito deles são responsáveis pela disseminação do conhecimento que possuímos até o momento. Evidenciando a necessidade de experiência prática nessas linguagens artística

A interlocução entre a prática e o ensino inicia-se a partir do educador, que, como verificamos, para orientar no campo da prática artística precisa, indiscutivelmente, atuar inclusive neste campo. A prática e o ensino alimentam um ao outro. A reflexão e a vivência sobre aquilo que resulta e o que não, as dificuldades de realização, atualizar-se tecnicamente e o desenvolvimento prático artístico, são experiências que nutrem a relação entre o ensino e o aprendizado e que, consequentemente, conduzem o educador a uma permanente reflexão sobre os movimentos e suas transformações no contexto no qual atua. Na medida que o profissional atuante vivencia a prática da cenografia, lhe é possível perceber e analisar os conflitos inerentes a esta prática. Esta experiência colabora para identificação de aspectos que podem auxiliar na formação de futuros profissionais, levando a si próprio e ao grupo de alunos a refletirem sobre a possibilidade de conferir outro tratamento a estes conflitos (COHEN, 2007, p.177).

De tal modo, ao nosso ver, o professor necessita ter experiências práticas durante a sua formação que possam colaborar com este processo de entendimento de uma linguagem artística cênica, com intuito de promover a apropriação dessas para futuros processos pedagógicos. É crucial que se estabeleça uma forma de aprendizagem teórico-prática, garantindo reflexões sobre cada escolha e decisão tomadas durante o processo.

A Iluminação pode ser considerada um desafio para o trabalho do docente, contudo, o que promovemos aqui é refletir para que deixe de ser encarada como desafio e torne-se possibilidade real. Para nós, neste momento, não é de extrema importância formalizar ou estruturar um modo de ensinar a Iluminação na sala de aula ou em qualquer outro contexto. A linguagem em questão pode ser trabalhada de forma teórica, prática, no jogo teatral ou até mesmo de maneira isolada, especializada. O importante, neste momento, é garantir que seja praticada e os estudantes/iluminadores tenham acesso a ela e sejam estimulados a observá-la e experimentá-la.

Pensar sobre a formação de iluminadores é um caminho a ser construído e ainda desbravado na realidade da formação de artistas no país, assim como na formação dos professores de Teatro. É um processo ainda lento e que se desenvolve em condições distantes de uma realidade ideal, mas com um grande potencial de promover a formação de sensibilidades, bem como o aprendizado sobre a Encenação Teatral como um todo.

REFERÊNCIAS

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DOI: http://dx.doi.org/10.5965/1808312915252020e0009