O sertão nas artes: o cangaço e a imprensa ilustrada
Ivete Batista da Silva Almeida
O Sertão nas artes: o cangaço e a imprensa ilustrada
The sertão in the arts: the cangaço and the illustrated press
Ivete Batista da Silva Almeida
Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) –
ivetebsalmeida@gmail.com - orcid.org/0000-0002-9199-5968
Resumo
Este artigo traz o tema da construção da representação social estereotipada do sertão e do sertanejo a partir da exploração da imagem do cangaço. Partindo da teoria das representações sociais de Serge Moscovici e das análises de Duval Albuquerque sobre a invenção do Nordeste, analisamos as formas e as temáticas a partir das quais a imprensa ilustrada e mesmo o cinema, dos anos de 1950, exploraram a representação do cangaço para imprimir ao sertão e ao sertanejo a imagem de selvageria, invisibilizando a cultura sertaneja e suas verdadeiras tensões sociais, reduzindo o sertanejo a um personagem estereotipado.
Palavras-chave: Cangaceiros na arte. Imprensa e propaganda. Representações sociais. Sertanejos. Arte comercial.
Abstract
This article discusses the theme of the construction of stereotyped social representation of the sertão and sertanejo from the exploration of the image of the cangaço. Using Serge Moscovici's theory of social representations and Duval Albuquerque's analysis of the invention of the Northeast, we analyzed the forms and themes from which the illustrated press and even the cinema of the 1950s explored the representation of cangaço for print the image of savagery to the sertão, making the hinterland culture and its true social tensions invisible, reducing the sertão to a stereotyped character.
Keywords: Cangaceiros in art. Press and propaganda . Social representations. Sertanejos. Commercial art.
Recebido em: 30/04/2020
Aceito em: 13/11/2020
Este artigo tem por objetivo colocar em discussão a questão do processo por meio do qual as imagens do sertão e do sertanejo, foram reduzidas e estereotipadas, legando-se à invisibilidade, sua verdadeira dimensão e riqueza humana e cultural. Por entendermos as mídias visuais não apenas como espaço de informação e expressão da arte, mas também como espaço para o mercado e para o espetáculo[1] , sobretudo numa cultura de massas como a nossa, selecionamos a década de 1950, que corresponde ao momento do incremento do cinema brasileiro e das revistas ilustradas de variedades, como um momento relevante para a observação da construção dessa potente representação social sobre o sertão brasileiro.
Dessa forma, tomaremos como objeto específico o fascínio das mídias dos anos 50 pelo cangaço, e o conceito de representações sociais de Moscovici (2007), como uma das bases de análise, pois, para Moscovici (2007), as representações sociais – visuais ou discursivas - uma vez consolidadas teriam o poder de substituir o real, fortalecendo por vezes o lugar e a função do estereótipo. Uma vez aceitas como representantes legítimas do representado, tais representações passam a definir e a tomar o lugar do objeto. Dessa forma, ao ser substituído por uma representação reducionista, ou seja, por um estereótipo, os sujeitos sociais passam a ser reconhecidos e interpretados a partir dessa chave de obscurecimento, tornando invisíveis as particularidades dos sujeitos representados.
Sertão e civilização encontram-se em oposição, na produção intelectual desde há muito tempo. No século XVIII, o Vocabulario Portuguez e Latino, do padre londrino radicado em Portugal, Raphael Bluteau, trazia a seguinte definição: “Sertaõ. Regiaõ apartada do mar, & por todas as partes, metida entre terras[...][2] ; atribuindo simplesmente uma conotação geográfica ao conceito. Porém, será no discurso sobre o semiárido e no uso do termo, que perceberemos o peso das representações sociais associadas ao sertão.
No século XIX, tanto durante o Segundo Reinado quanto no início da Primeira República, algumas questões frequentavam o discurso dos intelectuais e governantes, que demonstravam grande preocupação em transformar o Brasil numa nação civilizada e, para isso, um dos pontos que se colocava em questão era o da formação racial do povo brasileiro. Nessa perspectiva, o sertão estaria na contramão do processo civilizatório, não só por estar mais distante do modo de vida europeu e urbano, mas também por ter uma população fortemente mestiça. Silva (2004), em sua tese, discute algumas características que fariam parte da narrativa estereotipada sobre o ambiente cultural dos sertões, destacando temas frequentes como a “valentia” e a “defesa da honra”, observadas como integrantes de um jogo de poder típico do mundo rural, uma vez que a cultura política do mandonismo local31 não teria sido abafada pelas pretensões centralizadoras das câmaras municipais (SILVA, 2004, p.173-4).
Observemos, contudo que as imagens do sertão e do sertanejo são indissociáveis. As imagens e ideias que se remetiam ao sertão, e por extensão, ao sertanejo, tendiam sempre a estabelecer uma relação de completa oposição entre os valores do litoral-civilizado e do sertão- bárbaro. Ocupação-urbanização e missão civilizadora estariam assim definitivamente associadas, donde, durante os primeiros cinquenta anos da república, ocupar os vazios do território brasileiro constituía-se em uma prioridade, não somente para garantir a integralidade do território, mas também e principalmente para alcançar a diluição da presença e da influência dos elementos étnicos ditos então ‘indesejáveis’, como indígenas e negros. Ou seja, o que podemos concluir é que, embora o sertão fosse descrito como “o não-lugar”; “como o espaço em oposição à”, tanto no período colonial, quanto no segundo reinado e também da Primeira República; as questões que se apresentavam eram distintas: inicialmente temos o sertão como lugar de ausência, em oposição ao litoral no confronto entre civilização e barbárie; enquanto que, no segundo momento, há o acréscimo da questão racial. A condição de civilização para essa perspectiva, não estaria sinalizada somente pelo modo de vida, mas pelo tipo de indivíduo; no caso do sertão, como colocara Euclides da Cunha (1982), o homem seria o produto, o espelho do meio sendo, portanto, o sertanejo, o resultado dos efeitos do espaço bárbaro e brutalizado dos sertões sobre a natureza humana.
Embora Durval Albuquerque Júnior (1999) discuta em A invenção do Nordeste o processo de redução da representação do Nordeste à seca, tal qual dissera Freyre em Nordeste (2004), acreditamos que no caso das imagens difundidas na imprensa ilustrada e mesmo pelo cinema, não se trate de reduzir o Nordeste (que é composto por climas e culturas diferentes) ao sertão semiárido, pois, as imagens de Nordeste ligadas ao desenvolvimento e ao exotismo de sua natureza circulavam na imprensa. Trata-se, todavia, de questionarmos a representação social limitada do sertão; o que se coloca em questão aqui nesta etapa é, portanto, não a redução do Nordeste ao sertão, mas a redução do sertão à seca, à miséria e à barbárie.
Tomada como testemunha da verdade, a imagem potencializa a representação do real, permitindo a exposição, ou mesmo a superexposição dos indivíduos de maneira espetacular, reconstruindo o mundo e mesmo auxiliando na criação de estereótipos, ou seja, de modelos reducionistas, a partir de uma intensa oferta de recortes, selecionados, enquadrados e organizados a partir dos princípios ideológicos que norteiam a elaboração de uma narrativa quase que teatral sobre o outro.
Ao pensarmos sobre o roteiro de interesses dos leitores das revistas ilustradas no Brasil dos anos 50 podemos estabelecer uma comparação entre o caso da atração e o interesse despertado por lugares como a Amazônia e o Nordeste àquele despertado pelo Oriente, nas sociedades urbanas e mais abastadas da Europa do século XIX. No XIX, uma representação do Oriente elaborada pelo Ocidente, de maneira praticamente desconectada da realidade. Para Edward Said (1991), essa representação fora necessária para que o Ocidente identificasse a si mesmo, encontrando um “outro”, o oriental, que o ajudasse, por diferenciação, a se reconhecer. Por meio desse processo ter-se-ia construído a ideia exótica e romântica do Ocidente sobre o Oriente. Para Said (1991), a construção das representações sobre o Oriente estariam fundamentadas na cristalização de imagens e estereótipos que o associavam àquilo que fosse inferior, bizarro e subdesenvolvido. Para o autor, o Oriente seria uma invenção do Ocidente, criada como uma imagem invertida em um espelho, para legitimar a identidade de desenvolvimento e racionalidade eurocêntrica. Da mesma forma, podemos dizer que o Nordeste e o sertão, estereotipados, foram mera invenção do Sudeste – centro político e cultural dos primeiros cinquenta anos de República - que os criou como uma imagem invertida de si mesmo, para reforçar sua positividade.
De todas as imagens criadas sobre o sertão e os sertanejos, a que mais teria marcado o universo da imprensa e dos imaginários na primeira metade do século XX, seria, sem dúvida, a do cangaceiro. A insistência em características como a valentia, mandonismo local, violência e defesa da honra ajuda a explicar em uma pequena parte aquele universo, porém analisado apenas por esses aspectos, a diversidade da cultua, da história e das tensões sociais do sertão tornavam-se invisíveis aos olhos dos leitores. A imprensa ilustrada acabava empobrecendo o universo do sertanejo. Sobre a gênese desse processo, em A Invenção do Nordeste, Albuquerque aponta que:
O banditismo ou o cangaço é também outro tema que, eleito pelo “discurso do Norte” para atestar as conseqüências perigosas das secas e da falta de investimentos do Estado na região, de sua não modernização, adquire uma conotação pejorativa que vai marcar o nortista ou o nordestino com o estigma da violência, da selvageria. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p. 61)
Ainda sobre esse tema, Albuquerque segue afirmando que:
O cangaço e o messianismo, notadamente Canudos, participam decisivamente na construção da imagem do Norte e do nortista para as populações do sul, devido à repercussão das reportagens de Euclides da Cunha sobre o movimento, publicadas em O Estado de S. Paulo. Na década de vinte, o fenômeno do Padre Cícero também reforça essa imagem de fanatismo e loucura religiosa, que o repórter Lourenço Filho, que descreve o que “vê” em várias reportagens em que as imagens e enunciados euclidianos surgem constantemente. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p. 60
Albuquerque destaca o olhar lançado para o cangaço e em geral para o sertão, por meio do qual o homem e a cultura assumiam características bizarras. Comentando especificamente sobre as matérias publicadas pelo O Estado de S. Paulo no início do século XX, sobre o cangaço, afirma que:
[...] seu olhar (de Lourenço Filho) assustado e racionalizante recai sobre “os quadros de bizarria, disparates e estranhamentos”. Ele seleciona aquilo que sai “fora do costume”, que é “exótico”, o que é “típico” [...] “as mulheres que catam insetos nas cabeças dos meninos”, “o costume de encostar os pés nas paredes” etc. (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p. 60)
No caso, temos que inicialmente, “o cangaço virá reforçar essa imagem do sertanejo como homem violento [3]e do sertão como uma terra sem lei, submetido ao terror dos ‘bandidos e facínoras’” (ALBUQUERQUE JÚBIOR, 1999, p. 61). Todavia, o que observamos no teor das reportagens é que o cangaço produzia uma reação paradoxal da imprensa que, se por um lado o via como lugar de violência e barbárie, por outro, ressaltavam-se-lhe as cores heroicas, as histórias de vida de homens que tudo perderam e passaram a fazer justiça com as próprias mãos. Podemos dizer que a imprensa se remetia ao cangaço, bem como o cinema também o faria, resgatando elementos que seriam de um Brasil arcaico, que teriam subsistido incrustados no sertão nordestino; região que, segundo Albuquerque, delinearia, no imaginário social a representação de “um ente cultural, uma personalidade, um ethos” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 1999, p. 87).
Na verdade, estamos falando sobre homens que procuravam defender seus valores, suas famílias e mesmo suas próprias vidas por meio dos recursos sobre os quais podiam lançar mão. A ausência da justiça social, de um sistema que de fato visse e tratasse a todos como iguais estimulara, desde tempos remotos, a utilização da violência e da “justiça feita pelas próprias mãos” como o único recurso para certas causas na região dos sertões nordestinos. Todavia, a violência não era o único recurso utilizado para a resolução dos problemas dos homens dos sertões, pensar que tudo se resolvia “na ponta da faca”, é compreender o sertanejo como um tipo predisposto ao ataque, à violência; é vê-lo como o oposto dos homens “civilizados” do restante do país. É fundamental que se compreenda a violência, presente em vários aspectos da vida nos sertões como produto de um processo, e jamais seja pensada de maneira descontextualizada. A violência é um subproduto do processo político e, como tal, não é inerente a ninguém.
Todavia, o próprio Albuquerque entende que o destaque dado ao cangaço só viria reforçar essa ideia do sertanejo como homem violento e do sertão como uma terra sem lei, submetido ao terror dos “bandidos e facínoras”, tal qual nas leituras coloniais. Na opinião de Albuquerque, para os setores urbanos da região e, principalmente, fora dela, o cangaceiro é interpretado a partir da oposição litoral versus interior, ou entre espaço civilizado e espaço primitivo. As narrativas sobre os cangaceiros seguem, neste discurso, uma estrutura narrativa na qual, inicialmente, o sertanejo é adjetivado de forma pejorativa (facínora, sicário, bárbaro), aproximando tais homens e mulheres da animalidade (fera, bicho, praga), arrolam-se os crimes enfatizando sua gratuidade, a simultaneidade (caráter devastador, calamidade) recorrendo àqueles crimes mais arquetípicos (assassinos de velhinhos, violação de moças desprotegidas, queima de crianças assistidas por mães, castração de noivos na frente da futura esposa). Nessas narrativas o cangaço é destituído de qualquer conteúdo social, é produto de “um instinto” quase animalesco, por um prazer sádico de matar, de violar, de incendiar e de saquear. Assim, escondem-se os motivos sociais do cangaço, procurando minar a solidariedade popular e denunciar o apoio dos coronéis tradicionais a tal prática.
A leitura de Albuquerque valoriza uma das faces deste paradoxo, mas o que encontramos nas fontes foram duas faces: a do sertanejo cangaceiro que “vira as costas” às leis e a do sertanejo cangaceiro que, tendo sido esquecido pela lei, pelos direitos e pela ordem, envereda no cangaço.
Esquecendo-se das questões de divisão desigual de condições e recursos, restitui-se a narrativa secular do sertão como espaço sem moral e sem lei. Em matéria de uma popular revista ilustrada dos anos 30, temos a reprodução desse pensamento:
O SERTANEJO DISPENSA O DELEGADO. A justiça nas mãos da sociedade, retirada das mãos do indivíduo, é uma conquista do progresso dos grupos humanos. Só uma organização aparelhada torna-se possível. E, condição indispensável, é necessário também que o “espírito de autoridade pública”, a abdicação a fazer justiça por suas mãos já tenha penetrado a consciência individual. No Nordeste, o homem conta consigo mesmo para a justiça. Ela se confunde com a vingança. Cada homem está educado moralmente para essa solução. No código de virilidade do nordestino, a pena de morte está inscrita como única solução de um sem número de ofensas. (VAMOS LÊR!, 1937, s/n)
Recordarmos, contudo que a associação do sertão a uma terra “sem lei” sem dúvida correspondia a uma representação anterior ao fenômeno do cangaço; ela remonta ao período inicial da colonização, como já dissemos no início deste capítulo. Nas palavras de Edineila Chaves: “partindo de uma visão etnocêntrica, eles (os viajantes) imprimiam no espaço denominado sertão as insígnias da barbárie” (CHAVES, 2004, p. 151).
A narrativa sobre os cangaceiros vai muito além de uma apresentação de comportamentos exóticos, bárbaros e violento, nas páginas das revistas, e para além delas, nas telas das galerias de arte e nas telas dos cinemas, o cangaceiro seria representado como o bandido-justiceiro, como no tipo, descrito por Hobsbawn em sua análise sobre o banditismo social:
O ponto básico a respeito dos bandidos sociais é que são proscritos rurais, encarados como criminosos pelo senhor e pelo Estado, mas que continuam a fazer parte da sociedade camponesa, e são considerados por sua gente como heróis, como campeões, vingadores, paladinos da justiça, talvez até mesmo como líderes da libertação e, sempre como homens a serem admirados, ajudados e apoiados. É essa ligação entre o camponês comum e o rebelde, o proscrito, o ladrão, que torna o banditismo social interessante e significativo. (HOBSBAWN, 2001, p. 33)
Observando o texto, é possível perceber que diferentes personagens poderiam ver no cangaço elementos com os quais se identificassem, fossem fazendeiros ou miseráveis; bandoleiros ou simplesmente seus ajudantes ou simpatizantes; os sertanejos identificar-se-iam com o cangaço. É importante, porém, ressaltar que se, por um lado, o cangaceiro tornava-se o representante de um suposto ‘espírito violento do sertão’, por outro - tomando-se, por exemplo, as Histórias de Cordel - notamos que o cangaceiro passaria, no imaginário sertanejo a identificar-se também com a figura do herói renegado, do justiceiro, justamente por encontrar-se o sertão alijado, não das benesses do pensamento civilizador, mas de um projeto democrático de desenvolvimento e educação[4].
Dessa forma, retomando a narrativa de Albuquerque Jr., concordamos com sua perspectiva parcialmente, posto que, se por um lado, o cangaceiro, de fato seria o representante da barbárie, da violência, da ausência de valores civilizados, como aponta o autor ao fazer a leitura do cangaço pelas lentes da imprensa e mesmo da literatura, não podemos negar que tanto para os sertanejos, como para uma parte dos leitores do Centro-Sul, como constatado nas revistas semanais, o cangaceiro era também uma espécie de anti-herói, justiceiro em um sistema desregrado – e não em uma cultura desregrada[5] .
Embora a visão do sertanejo impregnada pelo estereótipo do cangaceiro bárbaro tenha sido muito potente, a construção do cangaceiro como um anti-herói também existia. Em 1952, Otto Carpeaux, colaboraria em uma refinada publicação da Cruzeiro, tendo o cangaço por tema. Na edição de 01 de novembro de 1952, lia-se em um pequeno boxe, no canto inferior direito da revista o seguinte anúncio:
A partir do próximo número, a revista O CRUZEIRO dará início à publicação do romance de José Lins do Rêgo – CANGACEIROS, a mais dramática interpretação do homem sertanejo na sua vida de crime organizado – e cangaço. É um homem da terra escrevendo sobre um dos fenômenos sociais de maior repercussão na vida brasileira. Para ilustrar os capítulos dêsse romance, a revista O CRUZEIRO convidou Cândido Portinari, que realizou um verdadeiro mural sobre a terra e os cangaceiros. Êsse romance será publicado em rotogravura em cores. (O CRUZEIRO, 01 de novembro de 1952, p. 36)
Apresentadas sempre EM páginas duplas, (figura 01 e 02) em impressões coloridas, as ilustrações de Portinari traziam cenas que conferiam contexto e movimento ao boxe, no qual o leitor seria brindado pelo texto de José Lins do Rêgo. Ilustrando cenas norteadas pelo roteiro de estereótipos do sertão, típicas das histórias contadas pelos jornais e pela tradição popular da época. Cenas de emboscadas; de despedidas entre o cangaceiro e sua amada; cenas de sertanejos, que sentados à porta, contavam os causos sobre os feitos de Lampião.
No romance, a representação do cangaceiro era construída como a do anti-herói, um cavaleiro que fazia justiça com as próprias mãos. Apresentando uma sociedade onde a justiça e a igualdade não existiam, o cangaceiro-idealizado roubava dos ricos e acabava por ajudar aos pobres, que, embora hesitantes aceitam o dinheiro “fruto de roubo”, como insiste uma das personagens, mas que seria a única saída para aqueles que se viam espoliados por governantes corruptos. Como lembra Hobsbawn em Bandidos, ao iniciar sua análise sobre o cangaço no Brasil: “é melhor infringir a lei, que morrer de fome” (HOBSBAWN, 2001, p. 22).
Figura 01. Cangaceiros.
Fonte: Novela de José Lins do Rêgo, ilustrada por Cândido Portinari e editada pela Revista O Cruzeiro. 29 de novembro de 1952, Capítulo XX.
Figura 02. Cangaceiros.2
Fonte: Novela de José Lins do Rêgo, ilustrada por Cândido Portinari e editada pela Revista O Cruzeiro.
06 de dezembro de 1952. Capítulo XX
Ainda em 1953, a reportagem de Luciano Carneiro intitulada “Porque Lampião entrou no cangaço”, publicada na Revista O Cruzeiro de 3 de outubro, seguia mantendo a representação de um Lampião-justiceiro; na reportagem, Carneiro buscava as razões que teriam levado Virgulino a se tornar um cangaceiro, e vai em busca de quem lhe pudesse narrar a história. [6] Tendo como principal fonte a entrevista concedida a ele por João Ferreira, único irmão de Lampião que não entrou para o cangaço, Carneiro descreve a história da querela entre os Ferreira e seu vizinho José Saturnino (MILITÃO, 2013).
O tema do cangaço povoou o imaginário sobre o sertão por décadas, e em 1959 a revista O Cruzeiro exibia longa matéria sobre os parentes de Lampião, que reclamavam o direito à cabeça de Lampião e de Maria Bonita, que permaneciam expostas no Museu do Instituto Nina Rodrigues. O entrevistado, Antonio Ferreira de Magalhães, advogado criminalista e primo de Lampião, residente no Recife, lideravam o pedido dos mais de trezentos parentes do casal Lampião e Maria Bonita, incluindo-se aí filha, netos, primos; na fala do entrevistado, novamente, mais um pouco do Lampião-herói e descrito:
Lampião era uma figura máscula e fascinante. Tinha a personalidade e o magnetismo de um verdadeiro chefe. No contato pessoal, era um homem simples e amável, dedicado a todos da sua família. Êle se tornou um “fora-da-lei” por fôrça das circunstâncias. O seu pai, que era um homem bom e pacato, sofreu perseguições sem conta, por questões políticas, e teve de mudar com tôda a família, várias vêzes, abandonando as suas terras, o que, para um sertanejo, é o pior castigo. Por fim, tendo ido viver em outro Estado, Alagoas, nem mesmo assim pôde ficar em paz. Foi assassinado pela Polícia. A mãe de Lampião morrera poucos dias antes, também em conseqüência da perseguição que lhes era movida. Diante disso, Virgulino tornou-se Lampião. Não tinha para quem apelar, não tinha a quem pedir justiça. Resolveu fazer justiça pelas próprias mãos e não pôde mais parar. (O CRUZEIRO, 06 de junho de 1959)[7]
Mas em pleno ano de 1959 a fala do entrevistado deixa transparecer uma leitura que não é mais a da frenologia ou da craniometria, Lampião é visto com um olhar sociológico a crítica é justamente quanto a insistência do Instituto em manter as cabeças de Lampião e Maria Bonita como “peças” que serviriam para uma possível compreensão científica da violência e da barbárie. Os familiares, por seu turno, desejavam justamente resgatar-lhes os direitos de cidadãos, mesmo que depois de mortos:
Êle foi um produto do meio e das condições sociais da época. Não era um tarado, um assassino nato, um lombrosiano. Uma vez morto, à traição, envenenado, pois não é verdade que tenha morrido em combate ou que tenha sido pegado desprevinido, tanto êle quanto Maria Bonita foram decapitados, como se sabe. As suas cabeças continuam, até hoje, expostas no Museu Nina Rodrigues. Agora, pergunto: por quê? Acaso todos os sêres, mesmo os criminosos executados pelas autoridades, não têm direito à sepultura? Isto é um desrespeito a um ser humano, um escárnio para todos os seus parentes, um estigma para a sua filha, que hoje está casada e vive dignamente, e para os seus quatro netos. Que pensarão essas crianças, que tremendo choque emocional terão elas quando, mais crescidas, puderem tomar conhecimento da tragédia dos seus avós e do humilhante espetáculo das suas cabeças expostas como troféus de tribos africanas? Pergunto mais: que interêsse podem ter essas cabeças mumificadas para a ciência? Se foram objetos de estudo, êsses estudos já devem ter sido feitos, pois já lá vão vinte e um anos. Quais os resultados dêsses estudos? Além do mais, que direito tem o Instituto Nina Rodrigues? (O CRUZEIRO, 06 de junho de 1959)[8]
A matéria encerrava destacando-se a força da imagem de Lampião como um líder:
Lampião foi incontestavelmente um líder, um homem de grandes qualidades de chefia, um rebelado contra um sistema de coisas que imperava (e ainda não desapareceu de todo) no sertão nordestino. Dêle disse o Major Optato Gueiros, que o combateu:
Lampião foi um gênio militar perdido. Um grande homem que o meio e as circunstâncias tornaram bandido”. (O CRUZEIRO. 06 de junho de 1959)
A diferença pode parecer sutil, porém compreender o cangaço como produto de um contexto social e não como fenômeno condicionado pelo tipo de indivíduo que seria o sertanejo é uma mudança que contribuía para a visualização de uma cultura nordestina menos monolítica; a visão unilateral da miséria e da violência dava espaço, mesmo que timidamente, ao vislumbre de outros Nordestes.
Entre os anos de 1930 e 1950, o cangaço e os cangaceiros, representariam uma força ancestral; é o Nordeste primitivo, arcabouço da herança de índios e negros, brotando do interior mais recôndito dos sertões, com toda a sua fúria.
Conforme Sá [9]
Em A Estética do Cangaço de Marcelo Peixoto (2000) retrata a dimensão estética do cangaço, cuja narrativa está estruturada pela fala de Frederico Pernambucano de Mello, que também assina o roteiro. Sua principal tese é que o cangaço e sua dimensão estética simbolizam o irredentismo dos primórdios da colonização, representados pelos levantes indígenas, pelos quilombos e revoluções liberais. Realizado para a Mostra do Descobrimento da Fundação Bienal de São Paulo, em 2000, o vídeo mostra que, para além do medo e do pavor, o impacto estético do traje do cangaceiro na memória daqueles que um dia o encontraram, seja pela sofisticação na utilização de jóias e perfumes, seja pela sua característica carnavalesca [...] Para Mello, a força plástica do cangaço inclusive influenciou a vestimenta das próprias forças volantes, como podemos ver em fotos de época. (SÁ, 2008, p. 07)
O cinema também abraçava o cangaço, reproduzindo materialmente o universo dos cangaceiros com suas roupas decoradas e bordadas, chapéus e rifles, e dando-lhes um tom de dramático e épico, colocava-se em questão, mesmo que indiretamente, o tema da identidade nacional e regional, sobretudo por ser a identidade uma questão muito viva nos anos 50.
Figura 03: Vanja Orico
Fonte: 17 de outubro de 1953, p. 14. Acervo Biblioteca Florestan Fernandes.
Figura 04. Filme: O Cangaceiro
Fonte: Revista Manchete 30 de maio de 1953. Acervo Biblioteca Florestan Fernandes.
A imprensa daria ampla cobertura à trajetória do filme O Cangaceiro, que acabou por ser internacionalmente reconhecido, tendo seus atores – principalmente suas estrelas, Vanja Orico e Alberto Ruschel - alçados à categoria de celebridades. No caso de Vanja, em outubro de 1953, a atriz concedeu à Manchete, uma longa entrevista, ilustrada por foto de página inteira, em primeiro plano, com ares de estrela de cinema americano (figura 03). Já o cineasta Lima Barreto, pretendia produzir outro sucesso, que superaria O Cangaceiro (figura 4).
Na reportagem de David Brandão com fotos de Gervásio Batista intitulada “Meu sertanejo vai abalar o mundo”, a dupla entrevista Lima Barreto, e o cineasta revela suas intenções: “O sertanejo não será o filme que o Brasil espera: será o filme que o mundo necessita. Em 1956, irei à Cannes buscar o primeiro prêmio do cinema. [...] O Cangaceiro bateu todos os recordes de bilheteria no Brasil, tanto de filmes nacionais como de estrangeiros. Rendeu até agora, cerca de 40 milhões. Foram vendidos 25 milhões de entradas. Creio que não repetirei dessa vez o mesmo êxito de bilheteria, porque O Cangaceiro atingiu o teto. Mas meu novo filme terá êxito muitíssimo maior.” (REVISTA MANCHETE 11 de junho de 1955.) Com o projeto de realizar gravações em locações externas, na Bahia e Ceará, O Sertanejo, enfrentou uma série de problemas financeiros que impossibilitaram a Vera Cruz a seguir com o projeto de filmar a história de Antonio Conselheiro. Após anos de tentativa, Lima Barreto acabou por desistir do projeto.
No início dos anos 1950, notícias sobre O Cangaceiro, alternavam-se com matérias sobre o que foi o cangaço, e sobre o que dele restara. Dentre essas reportagens, uma que mereceu destaque foi a da passagem de Volta Sêca pelo Rio de Janeiro. Na entrevista, o ex-cangaceiro, apresentado como uma avis rara.
O ex-companheiro de Lampião, contara à Revista Manchete que viera ao Rio acompanhado da mulher e da filhinha de dois meses – Rose Mary – a passeio, andara pela cidade, tomou cerveja mostrou vontade de conhecer Luz Del Fuego, puxara conversa com as pessoas da rua e gostou do seu nome ser tão conhecido.
Contou sobre sua vida, que nascera na Bahia, em 1928 e que entrou para o cangaço quando ainda menino. Mariano – do bando de Lampião – levou-o para ajudá-lo a levar uns animais na casa do delegado da cidade, onde o “capitão” estava sendo recebido. Tendo gostado do serviço do menino, ter-lhe-iam dado como escolha: “ou fica no bando ou morre”. Volta Sêca escolheu ficar. A partir daí descreve que tentou fugir, mas foi recapturado e novamente ameaçado, até que resolveu ficar de uma vez por todas. Curiosa, a repórter se arrisca e pergunta quantas pessoas ele teria matado, obtendo a seguinte resposta: “Eu não. Nunca matei ninguém. O rifle é que matava”.
O cangaceiro era a soma da rusticidade com o fantástico. Ele, o cangaceiro, seria a materialização do Hércules-Quasímodo dos Sertões de Euclydes da Cunha. Ora heroico e destemido, protagonista de aventuras – por vezes fantásticas, como nas narrativas de cordel sobre as demandas de Lampião; ora faminto, vivendo em esconderijos, vitimado pela perseguição e odiado por todos. Reduzido a esses dois polos, o sertão, o sertanejo e sua epítome visual, o cangaceiro, perdiam e ainda perdem sua verdadeira dimensão humana e cultual. Alimentando uma mentalidade maniqueísta, as representações sociais estereotipadas invisibilizam tais sujeitos históricos, ocultando os impasses e embates provocados e promovidos por uma sociedade que ainda s mantém excessivamente preconceituosa e excludente, que confunde a resistência com barbárie e a valorização das raízes como negação à civilização.
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DAPesquisa, Florianópolis, v. 16, p. 01-17, fev. 2021.
DOI: https://doi.org/10.5965/18083129152021e0007
[1] Quando pensamos na apresentação dos sujeitos como forma de espetáculo, estamos acompanhando a visão de Debord, para quem “o espetáculo não é apenas a apresentação de um “farto conjunto” de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. (DEBORD, 1997, p.14).
[2] Conforme o verbete “Sertão” em BLUTEAU, R. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v. Website: Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. Disponível em: http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/edicao/1. Acesso em: 05 maio 2008
[3] Em Raízes de Minas, Simeão Ribeiro Pires, referindo-se às características da região, resume, em poucas linhas, essa ideia: “Visavam todos a uma vida de aventuras honradas ou de assaltos, nos ermos distantes do poder real e de suas autoridades. Era o Sertão lenda. Bravio e de paixões. Em uma única palavra, o Sertão dos facinorosos na expressão de Diogo de Vasconcelos” PIRES, Simeão Ribeiro. Raízes de Minas. Montes Claros: Edição do Autor, 1979.
[4] Sobre a questão das representações sobre o sertanejo e o cangaceiro, ver mais em ALMEIDA, I. B. S. As faces do Hércules-Quasímodo: representações do Nordeste e dos nordestinos durante a era Vargas. 2004. Tese ( Doutorado em História Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
[5] O cangaceiro na obra de Glauber Rocha terá exatamente este perfil, será o anti-herói, cumprindo uma missão messiânica, como aponta o próprio Albuquerque. Porém, não somente no sertão western do cinema é que o cangaceiro assume a face de herói, de vingador, também a imprensa ilustrada, como veremos.
[6] Em 1953, a revista Manchete também lançaria uma longa fotorreportagem sobre Lampião, intitulada A verdadeira história do rei dos cangaceiros, na qual além das imagens canônicas de Lampião e seu bando armado, constava também a aterradora fotografia, tirada em 1938, de suas cabeças decepadas. Apoiadas em quatro degraus, e com placas de identificação, as onze cabeças, três chapéus e o rifle de Lampião, apareciam expostos em uma feira popular no sertão Nordestino. As cabeças viajaram por várias cidades do sertão, e se tornavam uma atração por onde passavam. Sobre esse fato, disse Aurélio Buarque de Holanda:
[...] batem chapas, apressados, do povo e dos pedaços humanos expostos na feira horrenda. Feira que, por sinal, começou ao terminar a outra, onde havia carne-de-sol, o requeijão de três mil réis o quilo, [...] as pinhas doces, abrindo-se de maduras, [...] e as alpercatas sertanejas, de vários tipos e vários preços. [...] ao olho frio das codaques interessa menos a multidão viva do que os restos mortais em exposição [...] O espetáculo é inédito: cumpre eternizá-lo, em flagrantes expressivos. Um dos repórteres pousa espetacularmente para o retratista, segurando pequenas melenas desgrenhadas os restos de Lampião. Original. (HOLANDA, Aurélio Buarque de. “Feira de Cabeças”. Suplemento Cultural, Diário Oficial, Estado de Pernambuco, Ano IX, p. 15, Julho de 1995.
[7] Memória Viva apresenta O Cruzeiro. Disponível em http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/. Acesso em 20 de junho de 2008.
[8] Memória Viva apresenta O Cruzeiro. Disponível em http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/. Acesso em 20 de junho de 2008.
[9] SÁ, Antonio Fernando de Araújo. Lampião revisitado: Cangaço, cinema e identidade. Revista Olho da História, Bahia, n.11, dez. 2008. A análise baseia-se ainda nas pesquisas de Adriano Oliveira e de Marcelo Vieira. OLIVEIRA, Adriano Messias de. O cangaço no cinema brasileiro dos anos 90: um certo olhar sobre nossa identidade cultural. 2001. Dissertação ( Mestrado em Comunicação Social) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001. VIEIRA, Marcelo Didimo Souza. Filmes do cangaço: a representação do ciclo na década de noventa no cinema brasileiro. 2001. Dissertação (Mestrado em Multimeios ) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001).